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Uma Categoria do Pensamento Antropológico: A Noção de Pessoa

Author(s): Márcio Goldman


Source: Revista de Antropologia, Vol. 39, No. 1 (1996), pp. 83-109
Published by: Revista de Antropologia
Stable URL: http://www.jstor.org/stable/41616181
Accessed: 17-04-2015 17:49 UTC

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Uma Categoría do Pensamento Antropológico:
A Noção de Pessoa1

Marcio Goldman2
Museu Nacional - UFRJ

RESUMO: A "noçãode pessoa"é certamente umadas categorias maisre-


correntesno corpoconceituaida antropologia sociale cultural. é tão
Isso
verdadeiroque costumamos esquecera grandequantidadede problemas
que a noçãotransporta,bemcomoo fatode que seu sentidoprecisopare-
ce variarmuitode autorparaautor.Partindo do textoclássicode Mauss a
respeitodo tema,esteartigopretende, pormeiode umrápidohistórico da
questão,mapearalgunsdessesproblemas algumasdessasambi-
e explicitar
guidades.Finalmente, novoscaminhossão propostos visandoa recupera-
ção do potencialcriativoque a "pessoa" semprerepresentou na reflexão
antropológica,funcionando comomeioparaa elaboraçãode perspectivas
alternativasacercada diversidadesociale cultural.

da antro-
história
PALAVRAS-CHAVE:noçãode pessoa,individualismo,
pologia.

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Marcio Goldman.UmaCategoriado Pensamento
Antropológico

"Uma magnífica resposta - mas qual era a pergunta?".Eis como Steven


Lukes (1985, p. 282) abre uma coletânea de ensaios a respeito do texto
de Marcel Mauss que baliza praticamentetodas as discussões contem-
porâneas em torno da "noção de pessoa". De fato,já há algum tempo
essa questão parece tão obviamente importanteaos antropólogos que
costumamos esquecer a enorme quantidade de problemas que se ocul-
tam atrás da aparente simplicidade do tema. Dada a verdadeira proli-
feração de estudos acerca deste "objeto", é curioso que Michel Cartry
( 1973, pp. 15-6) lamente o "estado de abandono" ao qual a antropologia
social teriarelegado a questão da pessoa depois dos trabalhos pioneiros
de Lévy-Bruhl, Mauss e Leenhardt. Abandono cheio de riscos, segundo
Cartry,uma vez que a não consideração do problema levaria a deixar de
lado um aspecto sempre presenteno "pensamento selvagem", a saber, a
"imagem do homem" que este necessariamentecomportaria Além disso,
prossegue o autor,ao não investigarsistematicamenteessa imagem, os
antropólogos perderiama capacidade de dar conta do modo pelo qual os
grupos pensam as relações do homem com a natureza e as instituições
sociais, abrindo as portas para a projeção de nossa própria noção de
pessoa sobre as outras sociedades. Cometeríamos, assim, o pecado ca-
pital da disciplina,o etnocentrismo,aqui travestidode individualismo.
Mas o etnocentrismotemsuas artimanhas,e seria possível indagar se a
insistência na questão não poderia refletirigualmenteuma preocupação
especificamente ocidental. Tudo indica que desde as "técnicas de si" na
Grécia Antiga até os debates contemporâneos em tornodos dilemas da
"identidade" - passando pela experiência cristãe pelas mais variadas for-
mulações filosóficas -, o problema da pessoa, ou do indivíduo, jamais
deixou de obcecar o Ocidente. E isso a despeito de todas as formas de
valoração positivas,negativas,ambíguasou supostamenteneutrasque nosso
processo de individualização possa terrecebido. Que isso seja igualmen-
te centralpara toda e qualquer sociedade é uma questão em aberto. Se há
aqueles, como Cartry,que sustentama presença universal da "pessoa",
outros (por exemplo, Carneiro da Cunha, 1979, p. 3 1) acreditam que a

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noção não é absolutamente um invariantesociológico, e que às culturas


que desenvolveramuma concepção desse tipopoderiamserlegitimamente
opostas outras,para as quais o fatoempírico da existência do indivíduo
humano não teriarecebido maior elaboração conceituai.
Os objetivos deste trabalhocertamentenão exigem uma resposta con-
clusiva a essa questão. Além disso, não se trataevidentementede buscar
proporuma nova conceituação da "pessoa" ou do que quer que se deseje
designarcom este termo.O que se pretendeaqui é simplesmenteelaborar
um mapeamento do campo coberto por este debate. De qualquer forma,
é claro que nenhum mapa pode se supor ingènuo, e a partirdo que apre-
sentareitalvez seja possível avançar uma problematização mais profunda
do tema, bem como algumas indicações sobre como poderíamos proce-
der em relação a ele. Nesse sentido, a primeira constatação é que, se a
a
"noção de pessoa" evidentemente varia de sociedade para sociedade,
antro-
noção desta noção não parece variar menos de antropólogo para
indivi-
pólogo. Pessoa, personalidade,persona, máscara,papel, indivíduo,
si-
dualização, individualismo etc., são palavras empregadas ora como
-
nónimos ora como alternativas ou ainda em oposição umas às outras.
Isso provoca uma certa confusão terminológica que não tenho a menor
de toda forma
pretensão de ser capaz de resolver, mas que vale a pena
tentarexpor,uma vez que, como diz Paul Veyne ( 1978, p. 9), "a indiferença
de uma confu-
pelo debate sobre palavras se acompanha ordinariamente
são de idéias sobre a coisa".

***

É praticamenteunanimidade entreos antropólogos situaro início do


debate sobre a noção de pessoa em um texto um pouco enigmático de
Marcel Mauss, escrito em 1938. Uma categoria do espírito humano: a
a
noção de pessoa, aquela de Eu, pretende testar e aplicar hipótese
durkheimianade uma históriasocial das categoriasdo espíritohumano no
nível das concepções acerca da própriaindividualidade.Trata-se de mos-

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trarcomo, a partirde um fundoprimitivode indistinção,a noção de pes-


soa que conhecemos e à qual atribuímoserroneamenteexistência univer-
sal se destaca lentamentede seu enraizamentosocial para se constituirem
categoria jurídica, moral e mesmo lógica. Do "personagem" primitivo,
existenteapenas enquanto encarnação de um ancestral,teríamos chega-
do, assim, à pessoa moderna,supostamenteexistenteem si mesma - pas-
sando pelas etapas da persona latina,da pessoa cristã,do eu filosófico e
da personalidade psicológica. Num certosentido,portanto,o estudo é ab-
solutamente durkheimiano.Mais do que isso, parece se esforçarpor re-
solveruma questão um pouco incertano pensamentodo próprioDurkheim.
Sua sociologia, como se sabe, postulava que a autonomização progressi-
va do indivíduo em face da totalidadesocial só poderia ser compreendida
como um efeitodo desenvolvimentoda própriasociedade, que, ao se di-
ferenciarinternamente,permitiriaa diferenciação concomitante de seus
membros. No entanto,esse processo propriamentemorfológico deve se
fazer acompanhar pela elaboração de uma noção que o realize simultane-
amente no plano das representações:

a evoluçãoculminanaelaboraçãode umarepresentaçãoracionalda pes-


soa,de monàdico
caráter e e
[BeillevaireBensa,1984:539].
independente
Por outro lado, se a análise de Mauss cumpre esse objetivo durkhei-
miano, num outro sentido, o texto parece escapar dos quadros mais
rígidos da escola sociológica francesa. Sob a evolução quase linear da
noção de pessoa, o que acaba sendo revelado é a variação das represen-
tações sociais em torno do indivíduo humano. É verdade que Mauss
tem o cuidado de distinguiro sentimento,o conceito e a categoria de
pessoa, fazendo da últimaum privilégio ocidental. De qualquer forma,a
atenção na oscilação dos sentimentose conceitos não deixa de constituir
uma radicalização do projeto mais geral da sociologia durkheimiana.O
textoapresenta,portanto,duas vertentes,que poderíamosdenominarmuito
precariamentede evolutiva e de relativista.É difícil,contudo, deixar de

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concluirque, no espíritode Mauss, a primeiraleva a melhor.Tudo se passa


como se ele buscasse, através das incontestáveisvariações a que a noção
de pessoa está submetida ao longo da história e entre as sociedades, o
caminho que teriaconduzido ao pleno reconhecimentode uma essência
dada confusamente desde o início - o que constitui,aliás, procedimento
recorrentenas análises da escola sociológica francesa.

***

Apesar de todas as homenagens, A noção de pessoa. . . não é, certa-


mente,o primeirotextoda históriada antropologia a abordar essa ques-
tão. O próprio Mauss (1927) já havia tratado do tema quase dez anos
antes,por ocasião de um debate em tornodo livrode Lévy-Bruhl,A alma
primitiva,publicado em 1927. Livro que pretendiajustamente estudar
comoos homensque se convencionou se represen-
chamarprimitivos
tamsua própriaindividualidade 1927,
[Lévy-Bruhl, Avant-
Propos].
É claro que os princípios gerais adotados por Lévy-Bruhl não podiam
permitirque traçasseuma evolução ou uma históriano estilo da de Mauss.
Para ele, não haverianenhumaelaboração mais sofisticadaa respeitodo ser
humano enquanto indivíduonas sociedades primitivas,e o que se poderia
apreender em suas representações é que este jamais é pensado indepen-
dentementedo que o cerca, de suas roupas a seus antepassados reais ou
míticos. O indivíduo não passaria de um "lugar de participações", e, para
compreendercomo chegamos a uma noção da pessoa em si, seria preciso
abandonar o postulado de uma lentaevolução ascendente,substituindo-o
pela hipótese de uma mutação de ordem mental que teriafeitocom que
passássemos a ver seres individuaislá onde os primitivosenxergavamape-
nas relações e participações totais.É nesse espíritoque, alguns anos mais
tarde,Maurice Leenhardt( 1947) empreenderáa investigação da Pessoa e
o mito no mundo melanésio.

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Mas é possível recuarmais um pouco. Num trabalhofascinante,Adam


Kuper (1988) demonstrou que a elaboração de uma imagem das socie-
dades ditas primitivas,bem como das "tradicionais", cumpriu a função
política e intelectualde permitiro desenvolvimentode imagens da "socie-
dade moderna", de nossa própriacultura.Através de um curioso jogo de
espelhos, partia-sede uma concepção mais ou menos implícitada socie-
dade ocidental, encontrava-senos primitivoso inverso dessa estrutura,e
confirmavam-se,assim, nossa originalidadee superioridade.Desse modo,
desde 186 1, Maine pôde opor o "contratualismo" do Ocidente ao cará-
terestatutáriodas sociedades primitivase tradicionais.À imersão do indi-
víduo no grupo e nas relações sociais, nossa culturateriacontraposto,a
partirdo Direito romano, a livre associação de indivíduos. Lembremos
que Mauss situava seu trabalho sobre a pessoa na esfera do Direito e da
moral e que Maine era um jurista preocupado em provar a inviabilidade
da aplicação direta da legislação britânica na índia: baseada no contra-
tualismoe no utilitarismo, como poderia funcionarem uma sociedade que
não saberia reconhecer conceitualmente o indivíduo? Status e Contrato
são efetivamenteoutrosnomes para o que se costuma designar por soci-
edade e indivíduo.Nesse sentido,haveriaainda muitoa dizer sobre o papel
da sociedade hindu na constituiçãoe no desenvolvimentodo pensamento
antropológico, bem como sobre os aspectos morais e jurídicos que mar-
cam a emergência deste último.
De qualquer forma,não se tratade negarque o textode Mauss constitua
um marco decisivo dos estudos sobre a pessoa. Seeger, Da Matta e Vivei-
ros de Castro buscam situá-lo na origem de uma das duas vertentesque
distinguemna contribuiçãoantropológicasobreo tema.Seria preciso acres-
centarapenas que, como vimos,o própriotrabalhode Mauss apresentadois
aspectos, o evolutivoe o relativista.É certamenteno segundo que se pensa
quando se afirmao pano de fundomaussiano dos estudos das
noçõesde pessoa enquantocategoriasde pensamento nativas- explí-
construçõesculturalmente
citas ou implícitas-, enquanto,portanto,
variáveis[Seeger,Da Mattae Viveirosde Castro,1979,p. 5].

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A inclusão da obra de Louis Dumont nessa vertentesó me parece per-


tinente,contudo, se admitirmos,como tentareimostraradiante,que seus
trabalhos se ancoram no aspecto evolutivo do textode Mauss - mais do
que no relativista,em todo caso. Antes, porém,cumpre deter-seum pou-
co nos estudos acerca da variabilidade culturaldas noções de pessoa.
Além do já mencionado trabalho de Leenhardt - que aliava à inspira-
ção maussiana princípios tomados a Lévy-Bruhl -, esses estudos pare-
cem terse desenvolvido especialmente entreos africanistasfranceses,a
em
partirda obra de Marcel Griaule, e, numa perspectiva mais histórica,
torno do pensamento de I. Meyerson. Para Griaule, a pessoa é o

problema central:о estudode todasas populaçõesda Terraconduzfinal-


mentea umestudoda pessoa.Qualquerque seja a idéiaque se façade
uma sociedade,quaisquerque sejam as relaçõesreaisou imaginárias
que os indivíduosou as comunidades sustentem,permanece que a no-
de
ção pessoa é central,
que está presenteem todasas re-
instituições,
e e
presentações ritos, que é mesmo, frequentemente, seu objetoprin-
cipal[citadoemDieterlen, 1973:11].

Dado o pressupostocentralda etnografiade Griaule a estrutura do


social está determinadapelas concepções religiosas(Bastide, 1973:370) -,
de modo parti-
compreende-se que essa perspectiva tenha se conduzido
cular por meio do qual cada sociedade ou grupo social concebe e articula
sua noção de pessoa. É curioso observar igualmente que esse tipo de
análise se desenvolveu especialmente em relação às sociedades africanas
e, no Brasil, a respeito dos chamados cultos afro-brasileiros.Foi apenas
bem mais recentemente que se sustentoua necessidade de aplicá-lo a outras
culturas,em especial aos gruposindígenassul-americanos(cf. Seeger, Da
Matta e Viveiros de Castro, 1979) .
Os trabalhosinspiradospor Meyerson,por sua vez, poderiam serenca-
rados como ocupando uma posição intermediáriaentreaqueles que bus-
cam analisar a variedade empírica das noções de pessoa e os que tentam
evolutivos:
enquadrartais noções em moldes históricosmais ou menos

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A pessoa,comefeito,nãoé umestadosimplese uno,umfatoprimitivo,


umdadoimediato:elaé mediata,construída,
complexa.Não é umacatego-
riaimutável,
eternaao homem:é umafunçãoque se elaboroudiferente-
menteatravésda história
e que continuaa se elaborarsob nossosolhos
[Meyerson,1973:8].

Ora, se a posição do próprio Meyerson parece mais próxima do


programa evolutivo traçado por Mauss, a maior parte dos trabalhos
que reclamam uma inspiração direta ou indireta em seu pensamento
se assemelha mais a uma versão históricadaquilo que Griaule e seus se-
guidores efetuaram na ordem geográfica e etnográfica (cf. Vernant,
1973, por exemplo).

***

Como afirmeiacima - e ao contráriodo que sustentamdiversoscomen-


tadores (por exemplo, Seeger, Da Matta e Viveiros de Castro, 1979:5;
Duarte, 1986:40), inclusive o próprioautor(Dumont, 1979:24, nota 3a) -,
não creio que a contribuiçãode Dumont possa ser inscritasem problemas
na vertentedo pensamento de Mauss que denominei precariamente de
relativista.Sustentarque deriva mais da vertenteevolutivapode, contudo,
dar margema mal-entendidosque cumpretentaresclarecer.Como se sabe,
o alvo inicialde Dumont é a pretensauniversalidadeda noção de indivíduo.
Para atacá-la,distingueo indivíduoempíricoe universal,mas "infra-socio-
lógico", do "indivíduo-vaioť",específicoda nossa tradiçãocultural.A ques-
tão do indivíduo,ou da pessoa, é assim transpostapara a de uma ideologia
que a instaurariacomo valordominante.De fato,o verdadeiroproblemade
Dumont não é o "indivíduo",mas o "individualismo",essa crençaque
a humanidade é constituída
de homens, e cada umdesseshomensé con-
cebidocomoapresentando, e foradela,
a despeitode suaparticularidade
a essênciada humanidade [Dumont,1979:17].

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Crença ou ideologia a opor-se ao "holismo",


o acentoé postosobrea sociedadeemseuconjunto, comoHomemcole-
tivo.O ideal se definepela organizaçãoda sociedadeem vistade seus
antesde tudode
fins[e não em vistada felicidadeindividual];trata-se
ordem,de hierarquia, cada homemparticular devendocontribuirem
seu lugarparaa ordemglobale a justiçaconsistindo em proporcionar
as funçõessociaisemrelaçãoao conjunto[Dumont,1979:23].

Do ponto de vista da ideologia - que Dumont define de modo abran-


gente como "um conjunto mais ou menos social de idéias e valores"
(Dumont, 1979:15, nota Ia), sustentandoao mesmo tempo que constitui
o objeto privilegiado da análise antropológica (Dumont, 1979, p. 15) -, o
individualismoocidentalmodernocontrastariacom o holismo tradicional.
Tudo se passa então como se Dumont aprofundasse a vertenteinaugura-
da por Mauss, desvendando o caráterespecificamentemoderno da cate-
goria de pessoa, o "indivíduo-valor" em seus própriostermos.No entan-
to, como observamos, a posição de Mauss sugere que o processo de
emergência da pessoa corresponde ao desenvolvimento de um princípio
contido desde o início,de formaimplícita,no que poderíamos denominar
"formas elementares da individualidade". Dumont, ao contrário,não se
cansa de denunciaro caráterartificialistado individualismocontemporâ-
neo (Dumont, 1979:23), chegando mesmo a pressuporque, longe de ter-
mos abolido a hierarquia,como acreditamos,o que fizemos foi simples-
mentepassar a submetero todo à parte. A uma impossível supressão do
princípiohierárquico,Dumont contrapõe,portanto,uma inversãosubstan-
tiva que mantéma hierarquiado ponto de vista formal.Além disso, seria
possível argumentarque seu trabalho é sincrònico e que suas compara-
ções operam sobre um eixo etnográfico,não histórico,deixando, assim,
de lado todo o caráterevolutivo do textode Mauss. O problema, por um
lado, é que a hipótese de um indivíduo "infra-sociológico" subjacente às
diferentesvalorações culturaisameaça reintroduzir o essencialismo maus-

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siano, não sendo casual que Dumont se esforceem determinara existên-


cia de um "indivíduo-fora-do-mundo"na índia. Por outro lado, o desen-
volvimentode seu pensamentona direção da análise da "génese" do indi-
vidualismo na sociedade modernafaz suspeitarque esse processo poderia
ser interpretadocomo uma espécie de evolução em retrocesso, condu-
zindo de um estado em que se reconheceo fatoobjetivoda preponderância
do todo sobre a partea um outro,onde este princípioseria perigosamente
recusado. Se lembrarmos ainda que ao final do texto sobre a pessoa,
Mauss - retomando uma antiga preocupação de Durkheim e da escola
-
sociológica francesa manifestaseus temoresem relação aos perigos que
uma individualização excessiva poderia representarpara a sociedade oci-
dental,perceberemos que a distância que o separa de Dumont deste pon-
to de vista é muito menor do que poderia parecer à primeiravista.
Outrapossibilidade seria sustentarque as análises de Dumont talvez pu-
dessem ser incorporadasà investigaçãomais abrangenteda noção de pes-
soa, na perspectivarelativistaigualmenteinauguradapor Mauss. Para isso,
bastaria consideraro individualismomodernouma certaconcepção a res-
peito da pessoa humana. Concepção estranha,certamente,na medida em
que se afastariade modo singularde praticamentetodas as noções de pes-
soa que os antropólogos descrevem nas sociedades que costumam estu-
dar. De fato,como afirmaLévi-Strauss,ao compararas representaçõesda
identidadeexistentesem diversassociedades,
umacuriosaconvergência pode serextraídadessa comparação.A des-
peitode seu afastamentono espaçoe de seusconteúdosculturais hete-
rogéneos, nenhuma das sociedades que constituem uma amostragem
fortuitaparece terpor adquiridauma identidadesubstancial:elas a
despedaçamemumamultidãode elementos emrelaçãoaos quais,para
cada cultura,se bemque emtermosdiferentes, a síntesecoloca umpro-
blema[Lévi-Strauss,1977: 11].

Se a quase totalidade das sociedades humanas fragmentaa pessoa em


elementos mais ou menos díspares, conectando cada um deles com um
transcendentalsocial ou sobrenatural,a especificidade do Ocidente po-

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deriaser localizada na concepção de um seruno e indiviso,relacionado aos


demais seres de naturezaidênticaà sua sob o modo da pura exterioridade:
um universo composto de "indivíduos", portanto.Essa exterioridadedas
relações encontrariasua compensação num desenvolvimentosem igual de
uma dimensãode vida interior, morale psicológica,desconhecidapelas outras
culturas.Nesse sentido,o "indivíduo" seria simplesmentea "pessoa" redu-
zida à sua expressão sociológica mínimae dotada de uma densidade psico-
-
lógica máxima uma espécie de grauzero da sociabilidade.
O problema é que, fora de algumas manifestações difusas, presentes
em geral de modo vago em certasanálises sociológicas em sentidoamplo,
não é nada fácil localizar com precisão esse suposto "individualismo" do
mundo ocidental moderno e contemporâneo. Seja do lado do campo dos
saberes - cisão do sujeito na psicanálise, dualismos filosóficos,epigênese
das ciências naturais.. . -, seja nas visões de mundo mais abrangentes-
corpo e alma, emoção e inteligência. . . -, o que parece emergir,ao con-
trário,é uma concepção da pessoa formalmentesemelhante àquelas en-
contradasnas sociedades "primitivas"e "tradicionais",um serdividido em
elementos cuja "síntese coloca um problema". É curioso que os antropó-
logos aceitem a idéia de um individualismoocidentale, ao mesmo tempo,
dediquem todos os seus esforços a encontrarentrenós as representações
que não obedecem a esse modelo supostamentedominante.Na verdade,
a caracterização de um "indivíduo" enquanto tal só parece surgircom al-
guma clareza em algumas concepções ocidentais a respeitoda sociedade,
não da pessoa:
a sociedadeé constituída porunidadesautónomasiguais,a saber,por
indivíduos emúltimains-
separados[. . .] que [. . .] são maisimportantes
tânciaque qualquergrupo constituinte mais citado
amplo[MacFarlane,
emLa Fontaine, 1985: 124].

Essa definiçãodo individualismobritânicosugereque o individualismo


em geral correspondemuitomais a uma "noção de sociedade" que a uma
"noção de pessoa", derivandoantesde uma "etnossociologia" que de uma

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"etnopsicologia"ou mesmode uma "etnofilosofia" (cf.Seeger,Da Mattae Vi-


veirosde Castro, 1979, p. 5). Como sustentaLa Fontaine(1985, pp. 136-7),
não devemosesquecerque essa concepção nasce e se desenvolvenumtipode
sociedade muitoparticular, o Estado-Nação, e que, portanto,

idéiasde sociedade,diferentemente e a naturezado


conceptualizadas,
conceitode pessoasão assiminterdependentes
[La Fontaine,1985:138].
Isso permitiriao abandono de toda formade evolucionismo, levando a
perceber que nossas própriasconcepções dependem de uma transforma-
ção sócio-políticacomplexa, não de um processo evolutivoqualquer.
Mas não seria essa, afinal de contas, a verdadeira concepção de
Dumont? Ao definiro individualismocomo uma ideologia, não serianesta
direção que seu pensamento estaria apontando? Creio que sim, e este é o
ponto fortede sua contribuição. O ponto fraco, por outro lado, reside
justamentena utilização da noção de ideologia. É verdade,como demons-
trouDuarte, que a categoria é definida

numsentidobastante que nãotemnadaemcomumcomo sen-


peculiar,
tido"negativo"da tradiçãomarxistae que temumavocaçãototalizante
aindamaiordo que o sentido
antropológicohabitual
de "cultura"
[Duarte,
1986:49].
O problema é que "nunca fica tão claro (...) o que não é ideológico"
(Duarte, 1986:49), o que faz com que o conceito marxista de ideologia
seja, na verdade, submetido a uma simples operação de inversão, não de
questionamento e superação. Em vez de concebê-lo como um véu ocul-
tando uma realidade mais profundae verdadeira,Dumont parece supor
que a ideologia é determinantee que o real não passaria de mero resíduo
acessível apenas por "subtração" (Dumont, 1979:58). E essa posição que
permitea Beteille (citado em La Fontaine, 1985 : 134- 135) criticara asso-
ciação, crucial para Dumont,entreindividualismoe igualitarismo,susten-
tando que o segundo princípionão passaria de um mecanismo ideal desti-
nado a ocultara efetivadesigualdade necessariamenteproduzida em uma
sociedadeque íuncionaatravésda competiçãodos indivíduosque a compõem.

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Essa crítica, contudo, corre o risco de ressuscitaruma concepção de


ideologia da qual Dumont pretendemuitojustamente se afastar.De fato,
pensá-la como "véu" ou "câmara escura" é extremamenteempobrecedor,
na medida em que perdemos de vista sua positividade intrínseca,tornan-
do muito difícil,por exemplo, entendercomo um "engodo" do tipo do
igualitarismopoderia se sustentarcontratodos os desmentidosda experi-
ência mais cotidiana. Por outrolado, rebatero "real" sobre o "ideológico"
tampouco leva muitolonge,já que nestecaso seríamos obrigados a admi-
tirque o princípio de igualdade não poderia ser inteiramenteaplicado na
práticapor contradizeralguma condição de possibilidade de existência da
ordem social - o que tornadifícilcompreendercomo pôde ser inventado
e terse mantido durantetantotempo. Creio que a solução, se solução há,
seria abrirmão definitivamente do par real/ideologia,admitindouma mate-
rialidade generalizada manifestaseja nas "idéias", seja nas "coisas". As-
sim, como sugeriu Michel Foucault ( 1973), é possível que o princípiode
igualdade seja intrinsecamenteinaplicável e que sua função consista sim-
plesmenteem permitir que um conjuntode procedimentosdisciplinaresatoe
sobrehomens"iguais",diferenciándoospoliticamente.Mais precisamente,
a igualdade já faz partedesses procedimentos ao diluiras antigas hierar-
quias e permitiruma nova ordem,no duplo sentidoda palavra. Benzaquem
de Araújo e Viveiros de Castro (197: 138; 165-167) têm,portanto,razão
ao sustentarque a preocupação exclusiva de Dumont com os aspectos
formais("ideológicos") o obrigaa excluira materialidadedo indivíduo,re-
legando-a a um plano "infra-sociológico".Ora, mais que ninguém,os an-
cor-
tropólogos deveriam saber que as culturasinvestem diretamenteos
pos e que toda separação entre o físico, o psíquico e o social não pode
passar de pura abstração.

***

A dicotomização "realidade/ideologia"percorrecertamentetodo o cam-


po das ciências humanas. No caso específico da antropologia, creio que

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tendeu a assumir a formade um antigodebate que sempre dividiu a disci-


plina, a conhecida oposição entresociedade e cultura. Como se sabe, a
antropologia"cultural"norte-americana inclinou-sea sustentar,desde Boas,
uma precedência metodológica e objetiva dos valores e das idéias sobre
as relações sociais concretas,enquanto a antropologia"social" britânica,
desde Radcliffe-Brown,caracterizou-se pela postura inversa. Quase re-
duzida a efeito de fatos mentais no primeirocaso, a ordem da sociedade
é concebida como produtorade seu epifenómeno ideal, a cultura,no se-
gundo. É verdade que a antropologia francesa,ao menos a partirde cer-
tos textos de Mauss, tendeu a permanecer à margem do debate, o que
não desautoriza supor que, nesse contexto,a posição de Dumont poderia
ser considerada "culturalista".Dado um referencialempírico objetivo e
universal- o indivíduo "infra-sociológico"nestecaso -, a antropologiase
limitariaa descreveros modos pelos quais as diferentesculturashumanas
elaborariam as mais variadas concepções a seu respeito,da pessoa tradi-
cional ao indivíduomoderno.Um dos limitesdo relativismoque costumam
acompanhar a posição culturalistaé justamenteterde supor esse referen-
te fixo,absoluto, em tornodo qual se processariamvariações devidamen-
te limitadas.Assim, mesmo a chamada "escola de culturae personalidade"
- -
que buscava fecharo fosso entreessas duas noções deve postularuma
realidade humana infra-estrutural, biopsicológica, que as culturastraba-
lhariamdiferentemente a fimde produzirdistintostipos de personalidade.
A posição da antropologiasocial britânicadiantedessas questões é apa-
rentementeoutra. Como mencionei acima, Seeger, Da Matta e Viveiros
de Castro (1979, p. 5) distinguemduas vertentesna abordagem antropo-
lógica da noção de pessoa. A primeira,já analisada, derivada de Mauss,
em relação à qual procureimostrara possibilidade de subdividi-laem duas
orientaçõesdistintas.A segunda vertenteisolada por esses autorescorres-
ponde justamente ao modo pelo qual a questão foi desenvolvida na tradi-
ção antropológica britânica.Seu ponto de partidapoderia ser localizado
na distinção efetuada por Radcliffe-Brownentreo "indivíduo" e a "pes-

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soa" sobre a base de uma diferenciaçãoentreos aspectos biológico e social


da existência humana. O primeiroaspecto corresponderiaao "indivíduo",
objeto de estudo de biólogos e psicólogos; o segundo nos colocaria às
voltas com a posição ocupada por estes "indivíduos" na rede de relações
sociais concretas(a "estruturasocial"), que os transformariaem "pessoas",
objeto de estudo da sociologia e da antropologia social. Além do truísmo
- homem = ser biológico + ser social -, esta posição, claramenteaparen-
tada ao homo duplex de Durkheim, comporta um outroperigo. Ao fazer
coincidir sempre indivíduo biológico e pessoa social (que não passa de
indivíduo mais relações), o esquema não permitenenhuma flexibilidade
na compreensão do modo pelo qual o grupo estudado concebe tanto a
realidade individual propriamentedita quanto a efetivaposição das pes-
soas na trama social. Abandonando, assim, as "noções" nativas de pes-
soa e sociedade, acaba por projetar as concepções ocidentais, supondo
que a unidade mínimado sistemacorrespondainvariavelmentea uma en-
tidade individual. É verdade que alguns seguidores de Radcliffe-Brown,
Evans-Pritchardem particular,procuraramabandonar essa postura"indi-
vidualista",localizando a unidademínimada estruturasocial em gruposmais
inclusivos como clãs ou linhagens, não nas pessoas. O problema, já le-
vantado em diversas ocasiões, é que esses "grupos corporados" acabam
sendo concebidos à imagem e semelhança dos indivíduos, como verda-
deiras "superpessoas" dotadas de interesses,necessidades, desejos, di-
reitose deveres específicos.
Ao lado disso, é evidenteque o modelo proposto por Radcliffe-Brown
é de ordem abstrata,dizendo respeito à teoria social em sentido amplo e
a qualquer sociedade humana empírica,sendo de emprego aparentemen-
te muito difícil na compreensão concreta da diversidade das noções de
pessoa apresentadas por diferentessociedades. Foi Meyer Fortes quem
se encarregou da transposição metodológica do modelo. Para isso, foi
preciso apenas supor que qualquer grupo humano deva necessariamente
engendraruma concepção social de um dado biológico universal,de tal for-

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ma que a objetividadedo indivíduose faça sempreacompanharde uma no-


ção de pessoa convergente,é claro,com a estrutura
social mais abrangente:
Em suma,eu sustentaria
que a noçãode pessoano sentidomaussianoé
intrínseca
à próprianatureza
e estrutura
da sociedadehumanae ao com-
portamentosocialhumanoemtodaparte[Fortes,1973:288].

"A sociedade é a fonte da noção de pessoa (personhood )" (Fortes,


1972:289), e a tarefado antropólogo consiste em não apenas descrever
essa noção, mas, sobretudo,em demonstrarsua origem e inserção socio-
lógicas. Estamos de volta ao relativismoe podemos nos dar de conta que
as vertentesmaussiana (em seus dois aspectos) e funcionalistanão estão
tão afastadas uma da outra como poderíamos esperar. Após postular a
existência de uma ordem do indivíduo e de uma da sociedade, trata-se
- -
apenas de analisar de maneiras distintas,certamente o modo de elabo-
ração do primeiropela segunda. Nesse sentido, contribuições como as
de Maiinowski ou do interacionismosimbólico norte-americanoparecem
consistirem uma simples inversãodo esquema, passando a indagarcomo
o indivíduo afeta a sociedade ou reduzindo a última a um conjunto de
microirelaçõesinterindividuais.
Michel Cartryparece, portanto,terrazão ao apontaras "trêsdireções de
pesquisa" que prevaleceriamnos estudos sobre a noção de pessoa:
Paraalguns,o objetivobuscadoé restituir tãofiele completamente quan-
to possívelos sistemasde pensamentoou representações indígenas,
extraindosuacoerênciainterna [...]. Paraumaoutracategoria de pesqui-
sadores,trata-semenosde extrair a coerênciade umadoutrina do que
analisarcomotalou qual noçãoligadaà pessoaestácompreendida eé
utilizadanumquadroinstitucional precisoou em tal ou qual pontodo
sistemadas relaçõessociais.Enfim,para[alguns],a preocupaçãomaior
é buscardelimitaratrásdos modelosindígenasumaestrutura inconsci-
entemaisprofunda 1973:23].
[Cartry,
funcionalismo
Culturalismo, e estruturalismo
estariam,assim,perfeitamente
representadosnos estudos antropológicos sobre a noção de pessoa. Mais

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do que isso, é importanteobservarque, para além dos rótulossempredis-


cutíveis,essas variantesparecemconstituirverdadeiras"estruturas
elemen-
tares"do pensamentoantropológico,manifestando-sea respeitodos mais
variados temas empíricos. A questão que se coloca é se devemos perma-
necer nessas estruturas,contentando-nosem operar algumas bricolages,
ou se seria possível e desejável buscar alternativasa elas.

***

A antropologia social ou cultural sempre oscilou entreuma ambição


totalizadoramais ampla que a das demaisciênciassociaise um particularismo
dificilmenteigualado pelas outrasdisciplinas do campo. Os trêsmodelos
isolados por Cartryassinalam bem essa oscilação. Os estudos sobre as "fi-
losofias" indígenas se caracterizamem geral por apresentaras representa-
ções das culturasestudadas como monolíticase totalizantes,servindomes-
mo para definirde modo global a sociedade como um todo. Por outrolado,
os modelos de inspiraçãofuncionalistabuscam discerniras particularidades
que as noções de pessoa apresentariamdevido à sua inserção na estrutura
social abrangente.Enfim,a ambição de desvendarmodelos inconscientes,
se levada às últimasconsequências, realizariano mais alto grau a vertente
universalistado pensamentoantropológico.Desse pontode vista,a dificul-
dade experimentadapor Cartryem apontarestudos propriamente"estrutu-
ralistas" sobre a noção de pessoa pode indicar que as categorias efetiva-
menteem ação na práticasocial dificilmente encontramexpressão diretano
elevado nível de abstraçãoem que essa perspectivase coloca. Estaríamos,
assim,condenados a optarentredefiniçõesculturaisamplas e análises soci-
ológicas particularizantes.Opção que não parece colocar maiores proble-
mas enquanto lidamos com sociedades tidascomo de pequena escala, uma
vez que, nestecaso, mesmo o diferencialismofuncionalistaacabaria por ser
capaz de rebatera diversidade das representações,e mesmo dos grupos,
sobre uma estruturasocial pensada como abrangente.

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Antropológico

Nesse sentido,é preciso admitirque o chamado estudo antropológico


das sociedades complexas sempre apresentou pelo menos uma virtude:
revelar,como numa ampliação, dificuldades já presentes no estudo das
sociedades "primitivas",mas que aí podiam passar mais ou menos des-
percebidas, seja devido a características intrínsecasdessas sociedades,
seja, mais provavelmente, devido à posição especial do observador em
relação a elas. No caso específico dos estudos sobre a noção de pessoa,
esta propriedade reveladora se manifesta,por um lado, nos problemas
encontradospara definiruma concepção global que seria característicado
Ocidente ou, em escala apenas um pouco menor, de alguma sociedade
nacional moderna. Manifesta-se igualmente,por outrolado, na tentação
de fazer proliferarmicroestudos de pequenos grupos constitutivosdas
grandes sociedades contemporâneas, tomados quase como sucedâneos
das pequenas culturasem que o antropólogocostumava efetuarsuas ob-
servações. Esses trabalhos,em geral,são certamentecapazes de elucidar
algumasdiferençassignificativas entreos gruposestudados,mas dificilmente
conseguem articularessas diferençascom as questões mais abrangentes
que inevitavelmentese colocam quando defrontamoscom sociedades de
grandemagnitude.
É possível, entretanto,que essas oscilações não constituamsignos in-
teiramentenegativose que a alternânciaentreo inventáriominucioso das
diferenças e as estruturasglobais da sociedade e da natureza humanas
possa forneceruma alternativapara novas investigações. A práticaetno-
gráfica da antropologia sempre funcionoucomo defesa contraos exage-
ros das teorias,métodos e grandes generalizações. Por outro lado, a am-
bição totalizante dessa disciplina aponta por vezes na direção de uma
investigação quase kantianaa respeitodas condições de possibilidade da
existência humana e social. Nesse sentido,nosso particularismoe nosso
universalismotalvez possam se corrigirmutuamente,permitindouma in-
vestigação "crítica"das condições de possibilidade dos fenómenoshuma-
nos, investigação que busque essas condições no conjunto de variáveis

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concretascom as quais estamos semprelidando,não em um transcendental


qualquer. A uma abordagem antropológica em sentido estrito,seria pre-
ciso substituiruma analíticahistóricae etnográfica.Mauss esteve próximo
de fazê-lo e certamenteteria sido bem-sucedido se não tivesse subordi-
nado a perspectiva históricaa uma antropologiasociologizada.

O méritomaisclarodo textode Maussé esboçarumahistória socialda


subjetividade.Mas ao términode seu percurso,a pessoase acha reajus-
tadaaos contornos da imagemque se comprazemoferecer, a da comple-
tudee da soberania,cauçõesde umaordemsocialdestotalizada. Mauss
moralista reencontra
Durkheim; umtemor assombra suasociologia:queo
queo indivíduo
socialse dissolva, se furte e Bensa,1984:541].
[Beillevaire
Já observamos que as noções de pessoa são inseparáveis das noções
de sociedade. Mas, ao exprimir as coisas nesses termos, ainda pode-
mos ter a falsa impressão de estarmos lidando com substâncias que só
variariam secundariamente, na medida em que fossem refletidas por
representações diferenciadas. Talvez seja preciso radicalizar essa po-
sição, admitindoque é o própriopar indivíduo/sociedadeque consiste em
uma especificidade do imaginárioocidental,ou, ao menos, de certas cul-
turasparticulares.Mais precisamente,talvez fosse preciso sustentarque a
sociedade ocidental tem se dedicado há muito tempo a produzireste par
enquanto realidade. Não se tratade ideologia, portanto,mas de um con-
junto de práticas bem datadas que seria preciso tentarreconstituir.Nesse
sentido, aos três modelos isolados por Cartry,deveríamos acrescentar
outro,que se tem manifestadoespecialmente nos estudos históricos,mas
do qual a antropologiapoderia legítimae proveitosamentese apropriar.
Esses estudos se caracterizam,em primeirolugar,por um certo nomi-
nalismo. Assim, a propósito desse "'individualismo' que se invoca tão
freqiientemente fenómenosdiversos",
para explicar,em épocas diferentes,
e sob cuja rubricacostumamos agrupar"realidades completamentedife-
rentes" (Foucault, 1984b:56), Michel Foucault, ao analisar a sociedade
romana, acreditou ser necessário distinguirao menos trêsaspectos:

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a atitudeindividualista,
caracterizada pelovalorabsolutoque se atribui
ao indivíduoem sua singularidade, e pelo graude independência que
lheé atribuídoemrelaçãoao grupoao qual pertence ou às instituições
das quais depende;a valorizaçãoda vidaprivada,istoé, a importância
reconhecida às relaçõesfamiliares, às formasde atividadedomésticae
ao domíniodos interesses patrimoniais; enfim,a intensidadedas rela-
ções consigo,istoé, das formasatravésdas quaisé-sechamadoa tomar
a si mesmoporobjetode conhecimento e domíniode ação, a fimde se
transformar,corrigir,purificar, promover sua salvação.Essas atitudes
podemestarligadasentresi [. . .]. Mas essesvínculosnãosão nemcons-
tantesnemnecessários[Foucault,1984b:56-7].

Isso significaque, dependendo do sentidoem que tomemos a palavra,


uma sociedade ou um grupo pode aparecer como absolutamente"indivi-
dualista" ou como renegandoa pertinênciado "indivíduo".A terminologia
é, portanto,meramente relativa, o que torna inútil tentarencerraressa
posição em uma espécie de paradoxo que consistiria em simplesmente
substituirconceitos problemáticospor outrostão ou mais comprometidos
que aqueles que se deseja abandonar. A necessidade de um certo nomi-
nalismo não exclui, por outrolado, que este esteja submetido a duas con-
dições, a fimde não cair numjogo de palavras que logo se mostrariaes-
téril. Em primeiro lugar, a operação nominalista deve ser acionada
incessantemente,todas as vezes que uma substituiçãoconceituai se mos-
trarefetivapara o refinamentoda análise. Em segundo lugar- ponto mais
importante-, o nominalismo está limitado apenas pelas necessidades da
causa, ou seja, só se detém ao produziruma inteligibilidadedo fenómeno
considerada satisfatóriapelo analista- o que não implica,evidentemente,
que outrosnão possam prolongaro processo numa espiral infinita.
Nessa direção, Jean-PierreVernant(1987:23-4) foi capaz de demons-
trarque a distinção heurísticaentre"o indivíduo strictosensu", "o sujei-
to" e "o eu, a pessoa", produz um poderoso instrumentometodológico
para esclarecer certas questões relativas à cidade grega e à participação
dos cidadãos em seus contextospolíticos. Do mesmo modo, Paul Veyne
(1987:7) acreditouser necessário definiro "indivíduo" como "um sujeito,

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um ser ligado à sua própriaidentidadepelo conhecimentoou consciência


de si" para poder dar conta da hesitação entreobedecer e revoltar-seem
certoperíodo da históriaromana. Essas posições não denotam,creio, um
simples particularismoexagerado, mas o pressuposto de que, se alguma
generalização é possível, esta só pode ser atingidaatravésde um confron-
to entrediferenças,não por meio de princípiossupostamentetão univer-
sais que seriam capazes de englobar todas as variações concretas.
É em virtudede considerações desse género que o texto de Vernant
comporta uma discreta contestação de uma das principais teses de
Dumont, a que afirmaa origem "fora-do-mundo" do indivíduo ociden-
tal (Vernant, 1987:20-1; 36-7). De fato, um dos principais problemas
ao se trabalharcom noções como a de ideologia é a dificuldade em esca-
par das armadilhassubstancialistase das reificações.Opondo globalmen-
te "holismo" e "individualismo",Dumont deixa escapar a possibilidade de
utilização dessas noções como instrumentos heurísticosdestinados a con-
feririnteligibilidadea um conjuntode fatosmuitocomplexos, converten-
do-as em princípiosteóricosno interiordos quais se tornapossível encai-
xar o que quer que seja com um mínimo de esforço. Até mesmo o
totalitarismoe o nazismo podem, assim, serreduzidos a simples perturba-
ções de nosso individualismogeral,tomando difíciladivinharo que pode-
ria escapar de um esquema aparentementetão poderoso.
Da mesma forma,ao situara "sociedade brasileira"entrea hierarquiae
o individualismo,RobertoDa Matta ( 1979) terminapor acrescentar,contra
seus própriosobjetivos,um "tipo" àqueles já isolados por Dumont. 'Tipo"
cujo caráter aparentemente intermediáriopode fazer desconfiar de um
resíduo evolucionista permeando todo o raciocínio. Uma alternativaé
fornecidapor LaymertGarcia dos Santos (1982), ao empregara nomen-
claturade Da Matta em um sentidooperativoe metodológico, analisando
a individualização e a personalização como algumas das práticaspolíticas
que atravessamas relações sociais no Brasil. É claro que outraspoderiam
ser isoladas e é essa, creio, a tarefaque se coloca para aqueles interessa-
dos em prosseguir nesse tipo de trabalho.

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Às teorias que buscam captar a substância de ideologias englobantes,


seria preciso opor, consequentemente,uma analítica dos processos ima-
nentes às práticas múltiplas. Esta é, sabe-se, uma posição avançada por
Michel Foucault (1984a), ao dedicar-se,já no finalda vida, ao estudo do
que denominou "formasde subjetivação", e que, grosso modo, podería-
mos também chamar de "noção de pessoa". Este estudo representa,na
verdade, uma consequência mais ou menos necessária de suas pesquisas
anteriores,das quais, infelizmente,terminoupor ser a conclusão precoce.
É bastanteconhecido o fatode que essas pesquisas se desenvolveram na
direção da análise das configuraçõespolíticas que objetivaramcertasfor-
mas de subjetividade ao longo da históriarecenteda sociedade ocidental.
-
"Sujeitos" que se manifestaramem diferentesesferas,dos saberes "su-
-
jeitos do conhecimento" às mais variadas práticassociais -, loucura,de-
linquência, sexualidade. ... O problema é que as primeirasdescrições e
análises de Foucault costumavamsertão cerradas,que provocavam a falsa
impressão de não haver saída do campo mapeado, a não ser através de
uma espécie de granderecusa que pretenderiareiniciartudo do zero. Isso
produziuo duplo e lamentávelefeitode fazercom que alguns simplesmen-
te deixassem de dar atenção a tudo o que provém, por exemplo, da an-
tropologia,e que outrosrecusassem, de formaigualmenteglobal, os tra-
balhos de Foucault, em nome da preservação dessa mesma antropologia.
A própriaidéia de uma produção de sujeitos sempre pareceu esbarrarno
perigo do mecanicismo, ao sugerirque esses sujeitos seriam simples efei-
tos passivos do funcionamentode mecanismos situados sobre outrospla-
nos, cuja naturezajamais temos certeza de conhecer. Os trabalhossobre
as formasde subjetivaçãopretendem justamenteafastaresse fantasmamecani-
cista. Em de
lugar suporque a seja um puroreflexode algo su-
interioridade
postamenteexterior, foiprecisoadmitirque ela constituium espaço de elabo-
ração de foiças extrínsecas,projetando-se,ao mesmo tempo,para fora
Creio que essa posição abra um enorme campo para investigações
empíricas de grandeimportânciae em relação às quais a antropologianão

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pode permanecer indiferente.Além da já mencionada distinção entreas


diferentes modalidades e acepções do "individualismo", Foucault
(1984a:33-35) apontou quatro dimensões sobre as quais a análise das
formasde subjetivação deveria incidir:
a) a determinação da matéria investida(a "substância ética", nas pala-
vras de Foucault): o corpo, a(s) alma(s), a vontade, o desejo. . . ;
b) a investigação da razão do investimento(o "modo de subjetivação"):
aceitação da ordem social abrangente,vontade de distinção,obediência a
um princípiotidocomo universal... ;
c) a delimitação do modo de investimento (a "elaboração do traba-
lho ético"): exercícios físicos ou espirituais,formasde autodeciframento,
contato com o sobrenatural... ;
d) a análise do objetivo de todo o processo (a "teleologia do sujeito
moral"): integrar-sena ordem social, garantira salvação, fundir-secom os
deuses ou antepassados ....
Percebe-se, portanto,que a condução de uma análise dessa nature-
za depende de um alargamento do que costumamos denominar "no-
ção de pessoa". Seria preciso reconhecer que situar-se sobre o plano
puramente representacional é insuficiente, e que este plano constitui
apenas parte do fenómeno, sendo necessária a inclusão das múltiplas
esferasrelativasàs práticasinstitucionaise individuais.
Se desejarmos permanecerfiéis à tradição antropológica, deveríamos
reconhecer que, após toda essa discussão, é ainda Marcel Mauss quem
nos aguardano finaldo caminho.Para admiti-lo,basta reunirao textosobre
a pessoa suas análises a respeitoda "expressão obrigatóriados sentimen-
tos" e das "técnicas corporais". Recuperaríamos, assim, o plano do "fato
e
social total",onde físico,psíquico e social não mais podem serdistinguidos,
onde representaçõese processosempíricosnão constituemmais que dimen-
sões ou expressões semprearticuladasdas práticashumanas que pretende-
mos investigar.

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Antropológico

Notas

1 Umaprimeira versãodestetextofoiapresentadaao seminário"A Religião


e a Questãodo SujeitonoOcidente",organizadopeloCentroJoãoXXIII de
Ação Social emEngenheiro Paulode Frontin,
RJ,outubro de 1993.

2 Professor-adjunto, de Pós-Graduação
Programa emAntropologia
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Revistade Antropologia,São Paulo, USP, 1996,v. 39 n° 1.

ABSTRACT: The "notiondepersonne " is oneofthemostrecur-


certainly
ringcategories in the frameofsocial
conceptual and cultural
anthropology,
butwe usetoforget thegreatnumberofproblems underlying as
thisnotion,
wellas thatitsspecific
senseseemstochangefrom authortoauthor.
Beginning
withMauss's classicpaperabouttheissue,thisarticleintends tomapsome
of theseproblemsand ambiguities. To do thatit sketchesthehistorical
background of thequestionandtriesto presentsomewaysto recoverthe
creativepotential ofa conceptthathasalwayspermitted of
theelaboration
alternativepointsofviewaboutsocialandcultural diversity.

"notionde personne",
KEY WORDS: personhood, individualism,
history
ofanthropology.

Aceito para publicação em maio de 1995.

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