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270 Irriga, Botucatu, v. 18, n. 2, p.

270-281, abril-junho, 2013


ISSN 1808-3765

CONTAMINAÇÃO DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS POR NITROGÊNIO DEVIDO À


IRRIGAÇÃO COM EFLUENTE DO TRATAMENTO DE ESGOTO

MURIEL CRISTIANE KOJUNSKI PINTO1; RAIMUNDO LEITE CRUZ1;


ELISANDRO PIRES FRIGO2; MICHELLE SATO FRIGO2 e ELIANE HERMES2
1
Faculdade de Ciências Agronômicas, UNESP, Campus Botucatu, Fazenda Experimental Lageado, CEP:
18603-970, Botucatu, SP - Brasil.
2
Universidade Federal do Paraná – UFPR, Setor Palotina, Rua Pioneiro 2153, CEP: 85959-000, Palotina, PR -
Brasil. E-mail: elianehermes@yahoo.com.br

1 RESUMO

A agricultura é uma atividade em que há a possibilidade de utilização de águas de qualidade


inferior e o reuso surge como uma alternativa na irrigação. Porém, faz-se necessário conhecer
os efeitos negativos da sua reutilização sobre o ambiente. O presente trabalho teve como
objetivo quantificar a presença nas águas subterrâneas de nitrogênio devido à irrigação por
gotejamento com efluente do tratamento de esgoto doméstico. Foram conduzidos três ciclos
da cultura da alface americana cv. Raider, o primeiro ocorreu no período de outubro e
novembro de 2009, o segundo em abril e maio de 2010 e o terceiro em junho e julho de 2010.
O uso do efluente foi comparado com água potável com lâminas de irrigação acumuladas de
98,8 mm para o 1° ciclo, 98,4 mm para o 2° ciclo e 119 mm para o 3° ciclo. Analisou-se o
percolado pelo solo a 0,25 m e a 0,50 m de profundidade, quanto às concentrações de nitrato,
nitrito e amônia, em um delineamento experimental inteiramente casualizado. Concentrações
de nitrito e amônia no percolado pelo solo irrigado com efluente não apresentaram risco de
contaminação para as águas subterrâneas. O nitrato apresentou preocupação, porém com
concentrações próximas tanto para o efluente como para a água potável.

Palavras-chave: nitrato, percolado, reuso de água.

PINTO, M. C. K.; CRUZ, R. L.; FRIGO, E. P.; FRIGO, M. S.; HERMES, E.


NITROGEN GROUNDWATER CONTAMINATION CONSEQUENTIAL OF
IRRIGATION WITH EFFLUENT FROM SEWAGE TREATMENT

2 ABSTRACT

Agriculture is an activity in which there is the possibility of using lower quality water and
reuse appears as an alternative for irrigation. However, the negative environmental effects of
reuse must be understood. The objective of the present work was to verify the potential of
groundwater contamination by nitrogen duo to drip irrigation with effluent from domestic
wastewater treatment. Three crop cycles of lettuce cv. Raider were conducted, the first
between October and November 2009, the second in April and May 2010 and the third one in
June and July 2010. The use of effluents was compared with potable water at accumulated
water depths of 98.8 mm for the first, 98.4 mm for the second and 119 mm for the third cycle.
Soil percolate concentrations of nitrate, nitrite and ammonia were studied at 0.25 m and 0.50

Recebido em 27/05/2012 e aprovado para publicação em 04/03/2013


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m depths in a completely randomized design. Percolate concentrations of nitrite and ammonia


in soil irrigated with effluents showed no groundwater contamination risk. Nitrate however,
caused concern, albeit with similar concentrations for both effluent and potable water.

Keywords: nitrate, leachate, water reuse.

3 INTRODUÇÃO

O crescimento das áreas agrícolas e por consequência o desmatamento têm repercutido


sobre os recursos hídricos e na qualidade de vida das populações, necessitando de uma
reorganização do espaço e principalmente o gerenciamento dos recursos naturais (Valle Júnior
et al., 2010).
Em função da constante expansão demográfica e da evolução tecnológica, quantidades
maiores de água são exigidas o que tem diminuído a disponibilidade deste recurso, tanto em
quantidade como qualidade (Costa et al., 2007; Amaral et al., 2006). Além disso, sua
utilização pelo homem transforma-a, de potável, em residuária ou esgoto, pela introdução de
substâncias indesejáveis de caráter físico, químico e principalmente microbiológico que
alteram sua qualidade (Funasa, 2007).
Os esgotos são responsáveis por considerável contaminação dos recursos hídricos
quando neles inexistem ou dispõem somente de sistemas de tratamento parcial e mesmo
quando submetidos a estações de tratamento. O efluente de tratamento de esgoto é geralmente
lançado em cursos d’água (Silva, 2008) sendo que esta prática tem sido muito discutida, pois
mesmo após o seu tratamento tem sido constatado alguns impactos ambientais (Silva, 2008).
Apesar de o efluente representar um problema ambiental, possui características
desejáveis agronomicamente. Tais vantagens referem-se ao seu potencial como fertilizante,
pois é rico em nutrientes, e, sobretudo, apresenta potencialidade de uso como fonte d’água às
plantas. Isto, aliado a competição por recursos hídricos limitados, tem favorecido
procedimentos visando sua maior reutilização na agricultura, como os efluentes domésticos
(Friedman et al., 2007), de suínos (Baumgartner et al., 2007) e de indústrias de produção de
alimentos em geral (Saraiva et al., 2007)
Porém, os nutrientes em excesso nos efluentes, especialmente o nitrogênio, podem
resultar em problemas ambientais, principalmente por sua lixiviação e a contaminação do
lençol freático, uma vez que os mananciais subterrâneos e os corpos d’água superficiais são os
receptores finais das águas servidas lançadas sobre o solo (Silva et al., 2007).
Resende (2002) explica que, das diversas formas de nitrogênio presentes na natureza, a
amônia e, em especial, o nitrato, podem ser causas da perda de qualidade da água, porém, a
amônia tende a ser rapidamente convertida em amônio, que, por sua vez, é convertido em
nitrato. Assim, o nitrato é a principal forma de nitrogênio associada à contaminação da água
pelas atividades agropecuárias.
Pinto et al. (2006) reforçam que embora alguns solos se comportem como um eficiente
sistema de filtração e tratamento, elementos como o nitrato podem atingir o lençol freático,
levando à sua contaminação e inviabilizando o uso das águas subterrâneas. Sendo que a
percolação de elementos através do perfil do solo é um dos principais caminhos de
transferências de elementos para o meio aquático (Berwanger, 2006).
Este trabalho teve como objetivo avaliar as concentrações de nitrato, nitrito e amônia
presente na solução do solo devido à irrigação com efluente de tratamento de esgoto
doméstico.

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4 MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido no Departamento de Engenharia Rural da Faculdade de


Ciências Agronômicas, pertencente à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, Campus de Botucatu, Estado de São Paulo, 21°51’ latitude sul, 48°26’ longitude oeste
e altitude de 786 m.
Foram conduzidos três ciclos da cultura da alface, o primeiro ciclo ocorreu no período
de outubro de 2009 a novembro de 2009, o segundo no período de abril de 2010 a maio de
2010, e o terceiro ciclo no período de junho de 2010 a julho de 2010.
O trabalho foi desenvolvido em casa de vegetação, com 37,50 m de comprimento,
5,00 m de largura, 1,5 m de pé direito e 3,0 m de altura do vão central. A cobertura era de
plástico. Foi realizado o monitoramento da temperatura no interior da casa de vegetação no
decorrer dos ciclos, através de termômetro de máxima e mínima. As leituras eram realizadas
diariamente no período da manhã.
Os três ciclos foram irrigados com: efluente do tratamento de esgoto doméstico do
município de Botucatu, tratado pela SABESP, por meio de um sistema misto de tratamento,
composto por tratamento preliminar (gradeamento, caixa de areia, calha tanque de
equalização, reatores anaeróbios de fluxo ascendentes, tanque de aeração e decantadores) (EF)
e água potável distribuída para o abastecimento público pela SABESP (AP). O solo foi
classificado como Nitossolo Vermelho Distrófico Latossólico.
Foram utilizados oito canteiros de 1,5 m2, ou seja, quatro para cada tratamento,
cultivados com mudas de alface americana, cv. Raider, as quais foram transplantadas na
densidade de 12 plantas por canteiro, com espaçamento de 0,30 m entre plantas e 0,30 entre
linhas num total de 3 linhas de plantio. As datas de transplantio foram: 1º ciclo: 16 de outubro
de 2009, 2º ciclo 15 de abril de 2010 e o 3º ciclo: 01 de junho de 2010.
As amostras das águas de irrigação foram analisadas no Laboratório de Nutrição
Mineral de Plantas do Departamento de Ciência do Solo, Faculdade de Ciências
Agronômicas, para a determinação de macro e micronutrientes, pH e condutividade elétrica
(Tabela 1).

Tabela 1. Qualidade das águas de irrigação aplicadas por gotejamento na cultura da alface
americana cv. Raider
Água de
irrigaçã
o Ntotal P K Ca Mg S B Cu Fe Mn Zn pH CE
-
....................................................................mg L
1
.................................................... mS
18, 0,1 0,0 8,0 0,0
AP 11,0 10,0 6,0 0 1,0 8,0 9 0 0,05 0,05 0,00 8 9
24, 0,4 0,0 6,6 0,6
EF 45,0 27,0 21,0 0 6,0 17,0 4 0 0,17 0,18 0,05 6 8
AP – água potável; EF - efluente

Para a irrigação utilizou-se o sistema de gotejamento superficial, onde os gotejadores


foram dispostos aos pares em cada canteiro, sendo uma lateral entre duas linhas de cultivo. Os
tubos gotejadores possuíam comprimento de 1,5 m e distantes entre si 0,35 m, apresentando
vazão nominal de 1 L h-1 na pressão de 15 kPa com gotejadores espaçados em 30 cm.

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Tensiômetros foram instalados a 0,15m de profundidade para o manejo da irrigação, a


qual era realizada quando a tensão da água no solo atingia -15 kPa, até retornar para -10kPa.
As lâminas de irrigação acumuladas aplicadas no decorrer dos três ciclos de cultivo de alface
foram de 98,8; 98,4 e 119 mm, respectivamente. O turno de rega foi de acordo com o
tensiômetro, a cada 1 ou 2 dias no começo da manhã ou final da tarde.
O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com quatro repetições,
avaliando-se a solução do solo irrigado com efluente de esgoto doméstico e com água potável.
Para a coleta da solução do solo usou-se extratores de solução do solo, instalados a
0,25m e a 0,50m de profundidade em quatro canteiros irrigados com efluente e quatro
irrigados com água potável de abastecimento, totalizando oito extratores por tratamento,
sendo quatro em cada profundidade. A solução do solo foi coletada semanalmente,
totalizando quatro por ciclo, ocorrendo aos 15, 22, 29 e 36 DAT. A duração de cada ciclo foi
de 40 dias para o 1º e 39 dias nos 2º e 3º ciclos. Para tanto um dia antes da coleta era aplicado
um vácuo de tensão nos extratores, com uma bomba de vácuo. Os extratores eram de tubo de
PVC, acoplado a uma cápsula de cerâmica porosa em sua extremidade inferior e na parte
superior vedado com borracha, instalados entre duas linhas de plantio, na região central do
canteiro.
A solução foi coletada utilizando-se uma seringa acoplada a um tubo de silicone
flexível e as amostras acondicionadas em frascos plásticos e transportadas imediatamente para
o Laboratório de Qualidade da Água, no Departamento de Engenharia Rural - FCA, onde
foram determinadas as formas de nitrogênio pelo método colorimétrico, através de leitura em
espectrofotômetro, sendo utilizado para a análise de nitrato o método de redução do cádmio,
para nitrito o método diazotization e a amônia pelo método Nessler (APHA, 1998).
As análises estatísticas foram realizadas por meio de análise de variância e teste de
Tukey a 5% de significância, com o uso do software SISVAR.

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Não há legislação que discorra sobre os limites para parâmetros encontrados em


percolado do solo. Portanto, para que se possa ter uma base de comparação utilizou-se a
Brasil (2011), que trata sobre os padrões de lançamento de efluentes, indicando valor máximo
de alguns parâmetros que pode atingir um corpo hídrico sem problemas de contaminação.
Brasil (2008) dispõe sobre as águas subterrâneas, estabelecendo os limites máximos
para algumas substâncias nestas águas. Porém, deve-se ressaltar que os valores desta
legislação se referem à água coletada para consumo. Assim, presume-se que a concentração
destas substâncias no percolado pode ser superior aos limites máximos estabelecidos pela
legislação, pois, ao atingir um corpo de água irá ocorrer a diluição do percolado, reduzindo a
concentração de seus constituintes.

5.1 NITRATO

A Tabela 2 apresenta as concentrações de nitrato obtidos nos três ciclos da cultura da


alface americana.

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Tabela 2. Valores de nitrato na solução do solo para as profundidades de 0,25 e 0,50m nas
águas de irrigação para o 1º, 2º e 3º ciclo da cultura da alface
1º ciclo
Profundidade 0,25 m 0,50 m F DMS CV%
-1
(mg L )
Efluente 37,09Aa 17,73Ab 31,717** 7,054 35,48
Água potável 45,33Aa 15,81Ab 8,992** 20,198 91,07
F 0,788NS 1,227NS
DMS 19,052 3,542
CV % 63,73 29,12
2º ciclo
Efluente 47,97Bb 67,12Aa 8,480** 13,493 32,32
NS
Água potável 57,25Aa 63,31Aa 0,829 13,649 31,21
F 5,697* 0,480NS
DMS 7,979 11,286
CV % 20,91 23,86
3º ciclo
Efluente 47,97Bb 67,12Aa 8,480** 13,493 32,32
NS
Água potável 57,25Aa 63,31Aa 0,829 13,649 31,21
F 5,697* 0,480NS
DMS 7,979 11,286
CV % 20,91 23,86
Médias seguidas de mesma letra, maiúscula na coluna e minúscula na linha, não diferem entre
si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade. * - significativo a 5% de probabilidade.** -
significativo a 1% de probabilidade. NS - não significativo a 5% de probabilidade.

No 1º ciclo, tanto a 0,25 m como a 0,50 m de profundidade, não houve diferença


significativa na concentração de nitrato no percolado do solo irrigado com efluente. No 2º
ciclo ocorreu diferença significativa apenas a 0,25 m de profundidade, com a água potável
apresentando valor superior. Já no 3º ciclo a diferença foi significativa nas duas
profundidades, com o efluente apresentando valores mais elevados.
Observa-se que no 1º ciclo os valores a 0,50 m foram inferiores aos encontrados em
0,25 m, para os dois tipos de águas, com diferença significativa. Já no 2º e 3º ciclos, os
valores de nitrato aumentaram com o aumento da profundidade para os dois tipos de águas.
No 3º ciclo da alface, os valores de nitrato a 0,25 m foram menores que no 1º ciclo,
porém, a 0,50 m estes valores foram bem superiores.
Azevedo & Oliveira (2005) também encontraram valores de nitrato elevados, em área
irrigada com efluente de tratamento de esgoto com concentração de nitrato a 0,40m variou de
54,00 a 123,13 mg L-1, já em área irrigada com água potável a concentração ficou entre 23,50
e 67,67 mg L-1.
Ribeiro & Gabialtti (2004) ao irrigarem a alface com efluente e água potável,
obtiveram um valor de 23 mg L-1 de nitrato em percolado de área irrigada com água potável e
24,4 mg L-1 em área irrigada com efluente. Sendo que do 1º para o 3º ciclo os valores de
nitrato também aumentaram. Porém, ao coletar em diferentes profundidades, observaram que
a 0,30m os valores foram maiores que a 0,15m, enquanto que a 0,60m os valores foram
menores que a 0,30m de profundidade.
Mota & Von Sperling (2009) relatam um tratamento irrigado com efluente de
tratamento de esgoto, onde o percolado a 30cm apresentou uma concentração de nitrato de

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20,80 mg L-1, superior ao permitido para consumo humano. Porém, ao coletar amostra de
água de poço, encontraram concentração de 1,00 mg L-1 de nitrato, muito inferior ao obtido a
0,30m de profundidade e bem abaixo do máximo permitido para consumo humano.
Concluíram que após um ano de irrigação a franja de percolação pode não ter atingido o
lençol, ou o efeito destas concentrações não foram suficientes para alterar a qualidade da
água.
Gloaguen (2006), em parcela irrigada com efluente, encontrou em percolado a 0,125m
concentrações média de nitrato de 100,4 mg L-1 e a 0,626 m 92,9 mg. L-1. Observou que até
1,0m de profundidade as concentrações de nitrato foram superiores para a água residuária,
porém, com valores muito próximos aos da água limpa. Já à profundidade maior que 1,0m a
concentração de nitrato foi maior para água limpa, com valor de 23,7 mg L-1 e para efluente
foi de 11,1 mg L-1. Ao perfurar poços para análise da água do lençol freático, as médias de
nitrato em cinco poços variaram de 4,7 a 17,4 mg.L-1.
No 1º e 2º ciclos os valores de nitrato no percolado de área irrigada com efluente
foram acima do limite para consumo humano e abaixo do máximo para dessedentação animal,
já no 3º ciclo apenas a 0,25m foi inferior para dessedentação, pois a 0,50m foi
aproximadamente 40 mg L-1 maior.
Porém, para abastecimento humano, a concentração de nitrato apresenta uma
preocupação, não apenas para a irrigação com efluente, já que em todos os ciclos da alface e
profundidades de coleta, o percolado da área irrigada com água potável e com efluente
apresentaram concentrações próximas de nitrato, indicando que não houve diferença no risco
de contaminação por irrigação com água potável ou efluente. A única exceção ocorreu no 3º
ciclo a 0,50 m de profundidade, onde os valores para solução da área irrigada com efluente
foram superiores a área irrigada com água potável.
Além disso, os maiores valores de nitrato no percolado de área irrigada com efluente
no 3º ciclo podem ser explicados pela maior lâmina de água aplicada, fornecendo uma
quantidade de nutrientes acima da capacidade de absorção pela cultura, o que fez com que o
excesso fosse lixiviado. Devido a isto, para a utilização de efluente na irrigação, deve-se
realizar o manejo não somente do volume de água a ser aplicado, mas também da quantidade
de nutrientes a ser fornecido juntamente com a água de irrigação.
Ressalta-se que um fator que contribui para a ocorrência de altas concentrações de
nitrato no percolado do solo está no fato de que a cultura da alface absorve quantidades
relativamente pequenas de nutrientes quando comparadas com outras culturas (Katayama,
1993), o que favorece a lixiviação de nitrogênio. Assim, a escolha de uma cultura que absorva
mais nitrogênio pode reduzir o risco de contaminação das águas subterrâneas por nitrato,
quando é realizada a irrigação com efluente do tratamento de esgoto.
Na Figura 1 são apresentadas as variações nas concentrações de nitrato nas quatro
coletas do percolado do solo irrigado com efluente e água potável nos três ciclos.

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70 180
Concentração de nitrato (mg.L-1)

Concentração de nitrato (mg.L-1)


160
60
1º ciclo água
140 potável
50 1º ciclo efluente
120
40 100 2º ciclo água
potável
30 80 2º ciclo efluente
60 3º ciclo água
20
potável
40
3º ciclo efluente
10
20
0 0
1ª 2ª 3ª 4ª 1ª 2ª 3ª 4ª

Coletas (a) (b)


Coletas

Figura 1. Variação na concentração de nitrato no percolado a 0,25 m (a) e a 0,50 m (b) nos
três ciclos para irrigação com água potável e efluente

O nitrato apresentou valor mais elevado no 3º ciclo, sendo que da 1ª para a 2ª coleta o
valor de nitrato aumentou, porém, a partir da 3ª coleta o valor começou a diminuir novamente,
sendo menor na última coleta do que na 2ª e 3ª (Figura 1b). Isto ocorre, pois a alface é
exigente em nutrientes principalmente na fase final do ciclo, sendo que cerca de 80% do total
de nitrogênio extraído é absorvido nas últimas 1, 2 ou 3 semanas do ciclo (Katayama, 1993),
assim, a concentração de nitrato no lixiviado diminuiu nas últimas coletas.

5.2 NITRITO

Na Tabela 3 estão apresentadas as concentrações de nitrito no percolado do solo, nos 3


ciclos.

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Tabela 3. Valores de nitrito na solução do solo para as profundidades de 0,25 e 0,50 m nas
águas de irrigação para o 1º , 2º e 3º ciclo da cultura da alface
1º ciclo
Profundidade 0,25 m 0,50 m F DMS CV%
-1
(mg L )
Efluente 0,0301Aa 0,0059Bb 6,962* 0,019 143,79
NS
Água potável 0,0099Ba 0,0167Aa 3,391 0,008 77,88
F 5,062* 7,534*
DMS 0,018 0,008
CV % 126,70 97,92
2º ciclo
Efluente 0,0083Aa 0,0096Aa 0,307NS 0,005 71,38
NS
Água potável 0,0228Aa 0,0569Aa 0,425 0,107 370,97
F 2,524NS 0,866NS
DMS 0,019 0,104
CV % 165,88 432,84
3º ciclo
Efluente 0,0167Aa 0,0119Aa 2,534NS 0,006 58,96
NS
Água potável 0,0156Aa 0,0117Aa 1,480 0,007 67,04
F 0,085NS 0,011NS
DMS 0,007 0,005
CV % 63,73 58,20
Médias seguidas de mesma letra, maiúscula na coluna e minúscula na linha, não diferem entre
si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade. * - significativo a 5% de probabilidade.** -
significativo a 1% de probabilidade. NS - não significativo a 5% de probabilidade.

No 1º ciclo e a 0,25 m de profundidade (Tabela 3) houve diferença significativa na


concentração de nitrito, sendo maior na área irrigada com efluente. Para 0,50 m de
profundidade, também houve diferença significativa, porém, o valor de nitrito foi superior na
área irrigada com água potável.
Já no 2º e 3º ciclos não ocorreu diferença significativa, embora no 2º os valores para
água potável foram bem superiores nas duas profundidades. No 3º ciclo os valores foram
superiores para o efluente, porém, apresentando valores bem próximos aos da água potável.
No 1º ciclo, na área irrigada com efluente, o teor de nitrito diminuiu com o aumento da
profundidade com diferença significativa, já para a água potável, o valor de nitrito aumentou
com a maior profundidade.
Silva (2003) em irrigação com efluente, encontrou a 0,25 m concentração de nitrito
entre 0,006 a 0,102 mg L-1, já a 0,50 m as concentrações variaram de 0,007 a 0,350 mg L-1.
Estes valores também foram baixos, porém, as maiores concentrações estiveram acima das
obtidas no presente trabalho.
Smanhotto (2010) encontrou, em percolado de área irrigada com água potável,
concentrações de nitrito entre 0,16 e 0,21 mg L-1, próximos aos detectados na área com
aplicação de efluente da suinocultura, que variaram de 0,14 a 0,23 mg L-1 de nitrito, porém,
superiores aos observados na presente pesquisa.
Assim, o percolado das áreas irrigadas com efluente não apresentou riscos às águas
subterrâneas, pois todos os valores em ambas profundidades foram muito inferiores ao
máximo permitido para todos os usos mencionados. As substâncias presentes no percolado

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terão suas concentrações reduzidas ao entrarem em contato com um corpo hídrico, devido à
diluição, evidenciando que o nitrito não apresentou preocupação na irrigação com efluente.

5.3 AMÔNIA

A Tabela 4 traz as concentrações de amônia no percolado, no decorrer dos três ciclos.


No 1º ciclo a amônia a 0,25 m foi superior na área irrigada com efluente, já a 0,50 m não
houve diferença significativa, apesar do valor de amônia na água potável ser maior que no
efluente.
No 2º ciclo houve diferença significativa a 0,25 m, com valor maior para a área
irrigada com água potável, que também teve valor maior que a área irrigada com efluente a
0,50 m. Porém a 0,50 m o maior valor para o efluente foi significativo. Já no 3º ciclo não
houve diferença significativa a 25 cm, porém a 50 cm o maior valor para o efluente foi
significativo.

Tabela 4. Valores de amônia na solução do solo para as profundidades de 0,25 e 0,50 m nas
águas de irrigação para o 1º , 2º e 3º ciclo da cultura da alface
1º ciclo
Profundidade 0,25 m 0,50 m F DMS CV%
(mg L-1)
Efluente 0,527Aa 0,279Ab 7,328* 0,188 64,36
Água potável 0,310Ba 0,413Aa 0,719NS 0,249 95,15
NS
F 5,029* 1,304
DMS 0,198 0,241
CV % 65,37 96,23
2º ciclo
Efluente 0,323Ba 0,291Aa 0,334NS 0,111 49,83
Água potável 1,832Aa 0,351Ab 5,392* 1,309 165,34
F 5,967* 0,420NS
DMS 1,268 0,188
CV % 162,25 80,71
3º ciclo
Efluente 0,215Ab 0,814Aa 11,160** 0,368 98,55
Água potável 0,299Aa 0,191Ba 3,149NS 0,125 70,26
NS **
F 1,780 10,485
DMS 0,129 0,394
CV % 69,56 108,21
Médias seguidas de mesma letra, maiúscula na coluna e minúscula na linha, não diferem entre
si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade. * - significativo a 5% de probabilidade.** -
significativo a 1% de probabilidade. NS - não significativo a 5% de probabilidade.

No 1º ciclo com o uso do efluente, a concentração de amônia diminuiu com o aumento


da profundidade, enquanto para a água potável a concentração de amônia aumentou. No 2º
ciclo o valor diminuiu para as duas águas com o aumento da profundidade. Já no 3º o valor
reduziu para a água potável, mas foi superior para o efluente.
As concentrações de amônia foram reduzidas, porém, em trabalho realizado por
Máximo (2005) os valores de amônia no percolado foram inferiores aos apresentados no
presente estudo. O autor obteve no percolado de área irrigada com água limpa, no 1º ciclo, a

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concentração de amônia de 0,08 mg L-1 e no 2º ciclo, variou entre 0,00 e 0,01 mg L-1. Já para
o efluente, no 1º ciclo, a concentração de amônia ficou entre de 0,01 e 0,24 mg L-1, e no 2º
ficou entre 0,00 e 0,01 mg L-1.
Já Azevedo & Oliveira (2005) observaram valores de amônia mais elevados, em área
irrigada com água de abastecimento a concentração de amônia a 0,40 m variou de 0,00 a 5,27
mg L-1, e para irrigação com efluente de tratamento de esgoto ficou entre 0,13 e 4,83 mg L-1,
superiores aos encontrados no presente trabalho.
Segundo Brasil (2011), para que um efluente possa atingir um corpo hídrico
superficial ou subterrâneo é necessário que possua uma concentração de nitrogênio amoniacal
inferior a 20 mg L-1. Assim, no presente trabalho, a irrigação com efluente não apresentou
risco de contaminação das águas subterrâneas por amônia, pois em todos os ciclos, os valores
de amônia no percolado coletado a 0,25 e a 0,50m de profundidade foram inferiores ao valor
máximo permitido.

6 CONCLUSÕES

Não houve risco de contaminação das águas subterrâneas por nitrito e amônia devido à
irrigação com efluente.
O nitrato apresentou preocupação, porém com concentrações próximas tanto para o
efluente como para a água potável.
Para a utilização de efluente na irrigação, deve-se realizar o manejo não somente do
volume de água a ser aplicado, mas também da quantidade de nutrientes a ser fornecido
juntamente com a água de irrigação.

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