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As Bordas do Tempo. 2
Repetição e diferença.
A Lagoa do Peixe
II
Voltar aos limites mais uma vez.
Essa viagem sempre igual que se faz, me causa sempre uma nova e estranha inquietação.
Mas a que se deve essa estranha sensação produzida nas bordas, nos limites da matéria?
Ao andar pelas bordas experimento continuamente o eterno pela primeira vez. Tudo, sempre,
parece novo.
Ainda que tenhamos já passado pelas mesmas trilhas, pelas mesmas musicas que escutarmos,
tudo parece novidade. Uma forte sensação de que isso ou aquilo não estavam aqui da outra
vez. E apontamos e dizemos: olha! Como se fosse pela primeira vez.
Eis aí o segredo da repetição inovadora.
Tudo é chapado no reino da repetição do atempo.
Plano na borda, liso, esfaceladinho.
A borda e todo seu reflexo.
A reflexão do mundo, o eu frente ao mundo.
A borda é sempre espelho que desorienta, reflete, ilumina.
A borda desnorteia, de dia ou de noite
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20/04/2020 As Bordas do Tempo 2 Repetição e diferença. A lagoa do peixe | Fernando Fuão
O mapeamento dos limites do ser, seus contornos e seus espaços só, poderia ser uma
desilusão, miragem que se desvanece a cada instante, tal como as palavras feitas de espuma.
A cartografia das bordas não pode existir.
Não se quer que exista mesmo, pois não há verdadeiramente como possa existir.
Na beira do mar encontrei as ruinas do tempo, os escombros expostos do farol da Conceição
lavados pela agua salgada. A solidão tombada e lavada pelo mar.
A escrita do tempo.
As cinzas do tempo.
O tempo da noite, a noite do tempo.
Ali entendi realmente os limites dos espaços, o confinamento dos espaços, os limites da
arquitetura.
Aqui não há arquitetura, e ao mesmo tempo é arquitetura da natureza. Outra arquitetura.
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de ser eu e já é o outro. Uma filosofia que estabeleça seu acampamento fora, quase fora, quase
ali no outro, no quase fora da escrita, da linguagem domesticadora, quase fora da
representação, no quase além da escrita, no rejeito, no rejeitado, no que ainda não foi escrito,
ou simplesmente despejado fora, fora do campo do saber.
Para isso o conhecimento deveria se dissolver pela força das ondas e jogá-lo como precipitado
sobre a areia, nas terras do sem fim. Na dissolução poderíamos observar o apontamento, a
sinalização na transitoriedade dos sinais, em seus contornos, no escrito na areia, que se
dissolve pela força da agua.
Vejo, nesse espaço, na beira mar, estranhos marcos dentro e fora das margens, das margens
da escrita, ora dentro do mar, ora fora dele, cravado nas areia, na terra. São amarrações,
balizas. Acho que, os que moram nesses limites nunca esperam nada e tampouco a chegada
de ninguém.
Desses lugares, dessas bordas, nada deveria partir e nada deveria chegar. Aqui tudo está e não
está ao mesmo tempo no tempo. Pois aqui o tempo também está em seus limites. Na borda
tudo acontece por força da aventura, do desejo de ir mais além, da descoberta, da exploração.
Tudo junto no espelho d’água: céu, terra e agua.
Nas bordas tudo chega e delas tudo parte com novidades de volta. Tudo retorna.
As bordas, as indefinições dos lugares são os lugares do conflito da resistência, dos choques,
das lutas.
Hoje, um gigantesco tonel apareceu na beira do mar
Parecia o túnel do tempo. Negro como a noite e coberto de craca
Nos limites da vontade, tudo chega inesperadamente, conduzida pela matéria agua. Revi esse
tonel muitos anos depois num relato de uma amiga, permanecia e havia um homem que o
limpava sua areia semanalmente.
A beleza é amor, vem da força das aguas, a Vênus, a estrela Vênus que Negri fala tem que vir-
a-ser agua, vem através da agua e de seus líquidos, Nos limites da terra, nos devaneios da
agua, também o nascimento da Vênus de Botticelli, que me faz recordar as cebolas de São
José do Norte, a infinidade de conchas ao longo da faixa do mar.
Conchas: estranhas moradas onde também se pode escutar o som do mar. Labirintos, ouvidos
do mar, símbolo da dobra, do barroco. São as orelhas, os “orelhões” das bordas, telefones entre
os reinos da matéria, chamadas de longa distância, portais e moradas sonoras em
simultaneidade.
Nada mais belo que a chuva, na beira da praia, quando o céu se despeja também como agua,
quando a agua se precipita como desejo de areia sobre a terra, sobre o espelho. Tudo se
confundo em aguaceiro.
A chuva, o tempo sobre a forma de agua anuncia a presença do entendimento sobre os limites
da matéria
Depois de tanto percorrer agora vejo, a distância, a lagoa do desejo, a Lagoa do Peixe, difícil
obstáculo a ser atravessado, mas se atravessa nem que seja amanhã de manhã.
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