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FUNDAMENTOS DA

HARMONIA
AULA 6

Prof. Anderson Roberto Zabrocki Rosa


CONVERSA INICIAL

A modulação é um processo que visa estabelecer contrastes e


delimitações entre os diferentes momentos de uma composição musical. Há
diversos caminhos que podem ser percorridos para a realização de uma
modulação, e aqui iremos explorar alguns deles: a modulação por acordes-
comuns, a modulação por dominantes secundárias e a modulação sequencial.
Vamos dedicar o primeiro tema às definições de modulação, e o segundo
tratará das especificidades das relações entre as tonalidades. Assim
compreenderemos quais mudanças podem ser consideradas modulações e os
caminhos que podemos percorrer para tal finalidade.

TEMA 1 – DEFINIÇÕES

A modulação ocorre quando a tônica de determinado trecho musical deixa


de ser percebida como tônica, a música se encaminha para um novo centro tonal
estabelecido e confirmado por meio de procedimentos modulatórios e uma
cadência perfeita. Almada (2012) estabelece os dois objetivos da modulação da
seguinte maneira:

a) Obter contraste tonal, um recurso bastante eficaz que busca, através


da pura troca de tônicas (e, consequentemente, de escalas, acordes e
de todo o sistema de meios e recursos que se encontra a elas
associado), a alternância do ambiente sonoro, a fuga da monotonia
e/ou a mudança psicológica causada pelo aparecimento de novas
cores harmônicas. Quanto mais “distante” a modulação (isto é, quanto
menor a afinidade entre as regiões envolvidas), maior será a surpresa
do efeito provocado (maior será também a brusquidão do movimento
inter-regional; b) Promover uma melhor articulação formal (o que não
deixaria de ser uma espécie de contraste), na demarcação de novas
seções ou partes de uma peça musical.

Para Marco Pereira (2011, p. 113), a “modulação é a transformação na


relação hierárquica que existe entre as notas da escala cromática nos
procedimentos tonais”. E segue:

Toda composição musical que obedece a padrões tonais, seja ela uma
simples canção binária ou uma obra de grandes dimensões, tem a
tríade da tônica como acorde soberano, de onde partimos e para onde
sempre regressamos. A tríade da tônica constitui-se no principal polo
de atração para onde se encaminham as demais notas das escalas
diatônica e cromática, e representa o principal elemento na unidade
tonal de uma composição musical. [...] Modulação é o processo de
rompimento com o centralismo exercido pela tônica. A busca por novos
centros tonais, através do redirecionamento das notas da escala
cromática, faz com que as relações intervalares inicialmente
estabelecidas fiquem alteradas.

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TEMA 2 – RELAÇÕES ENTRE TONALIDADES

Para que um processo de modulação fique evidente, é preciso estar


atento aos detalhes característicos da tonalidade em questão e as tonalidades
que se relacionam a ela direta e indiretamente. Precisamos conhecer os tipos de
relações possíveis de se estabelecer entre diferentes tonalidades.
O primeiro tipo de relação a ser elencada é a enarmônica, em que as
tonalidades possuem nomes distintos, mas notas equivalentes: por exemplo, C#
(Dó sustenido maior) e Db (Ré bemol maior). Portanto, se nos depararmos com
alguma peça que parte dela foi escrita em C#, e outra parte, em Db, não
podemos nos referir a essa mudança como uma modulação, porque não houve
troca de tônica. A tônica foi apenas enarmonizada.
O segundo tipo de relação diz respeito às tonalidades homônimas, que
possuem o mesmo nome, mas diferem em modalidade (por exemplo, Dó maior
e Dó menor). Quando observamos em uma peça a mudança de uma tonalidade
maior para a sua homônima menor (ou vice-versa), não devemos tratá-la como
uma modulação, pois a fundamental das tônicas continuou a mesma. Entretanto,
houve uma mudança na região tonal.
O terceiro tipo de relação entre tonalidades trata da relação entre a tônica
e sua relativa (menor ou menor). Uma tonalidade e a sua relativa compartilham
a mesma armadura de clave, porém não a mesma tônica (como nos tipos
anteriores); por isso, a transição de uma tonalidade para a sua relativa pode ser
tratada como uma modulação.
O quarto tipo de relação entre tonalidades é a relação entre tons vizinhos,
aqueles que têm um acidente a mais, ou a menos, em comparação com a
tonalidade inicial. Por exemplo: a tonalidade de Dó maior e Sol maior são
vizinhas), pois têm apenas um acidente de diferença entre suas armaduras de
clave. Para observarmos a distância e relações entre as tonalidades, podemos
fazer uso do círculo de quartas e quintas. Nos quadros 1 e 2, podemos
observar as tonalidades vizinhas de Dó maior e Dó menor.

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Quadro 1 – Tonalidades vizinhas de Dó maior

Tons vizinhos Vizinhos relativos menores


Sol maior Mi menor
Dó maior Lá menor
Fá maior Ré menor

Quadro 2 – Tonalidades vizinhas de Dó menor

Tons vizinhos Vizinhos relativos maiores


Sol menor Si bemol maior
Dó menor Mi bemol maior
Fá menor Lá bemol maior

Outra maneira de estabelecer as relações e diferenças entre duas ou mais


tonalidades é comparar as suas estruturas escalares. Também podemos
proceder dessa maneira comparando os acordes diatônicos que constituem as
tonalidades relacionadas.

Estabelecendo as relações que existem entre os acordes diatônicos das


tonalidades de Dó maior e Sol maior, podemos observar que há quatro acordes
em comum entre eles: as tríades de Dó maior (I em Dó maior e IV em Sol maior);
Mi menor (iii em Dó maior e vi em Sol maior); Sol maior (V em Dó maior e I em
Sol maior) e Lá menor (vi em Dó maior e ii em Sol maior).

TEMA 3 – MODULAÇÃO POR ACORDES-COMUNS

A primeira forma de modulação que iremos abordar é a por acorde-


comum. Assim como observado anteriormente, as tonalidades vizinhas
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compartilham acordes em comum, e estes podem ser utilizados para a transição
de uma tonalidade a outra. Trata-se de um modo sutil e eficaz de atingir e
estabelecer uma nova tonalidade. Alguns autores, como Carlos Almada (2012),
tratam os acordes comuns, utilizados com a finalidade de realizar uma
modulação como acordes pivô. No trecho musical identificado na Figura abaixo,
o acorde pivô Em7 está destacado, e sobre ele os graus que ele exerce na
tonalidade de origem (Dó maior) e na tonalidade da qual se aproxima (Sol maior).

Fonte: Almada, 2013, p. 190.

O trecho musical inicia em Dó maior e assim permanece nos seis


primeiros compassos (comp. 1-6). Nos compassos 7-8, é utilizado o acorde de
Em7, pertencente tanto à tonalidade de Dó maior (iii) quanto de Sol maior (vi).
No compasso 9, temos um acorde de Bm7, estranho à escala de Dó maior,
evidenciando que um processo de modulação foi iniciado (ou afastamento da
tonalidade de origem) a partir do acorde de Em7. Nos compassos 11-14, temos
a concretização da modulação por meio da cadência perfeita ii > V7 > I.

TEMA 4 – MODULAÇÃO POR DOMINANTES SECUNDÁRIAS

Como vimos anteriormente, o acorde de dominante secundária cria uma


breve tonicalização sobre diferentes acordes de uma escala diatônica. Por
exemplo: (em Dó maior) A7 > Dm; em que o acorde de Ré menor por um breve
momento soa como uma tônica V7/ii > ii. Com os acordes de dominantes
secundárias, podemos dar início a processos de modulação, utilizando-os como
acordes pivô. Para isso, o acorde de dominante secundária deve ser comum a
ambos os centros tonais ou ter função secundária para o primeiro, e função
principal para o segundo.
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No exemplo a seguir, observamos um trecho musical iniciado em Dó maior
com modulação para Ré maior, tendo como acorde pivô o A7/E, de função
secundária para Dó maior, e função primária para Ré maior.

É importante ressaltar que, para a modulação ser concretizada, é


necessário o processo cadencial, como ocorrido no exemplo: I > ii > I > V7> I.

TEMA 5 – MODULAÇÃO SEQUENCIAL

A modulação sequencial é o processo realizado por meio da repetição de


um padrão melódico transposto para outras regiões tonais. Sobre ele, Almada
(2012) ressalta a sua proximidade com abordagens tradicionais do estudo de
composição e harmonia tradicionais, mencionando a importância do motivo
como unidade estrutural para esse processo.

O motivo é o elemento mínimo inteligível para a formação de uma ideia


musical. Aglutinado a outros motivos contrastantes e/ou
complementares ou a variações dele próprio (nos inúmeros aspectos
que a imaginação criativa pode conceber), contribui para a formação
de outras estruturas – frases, períodos, sentenças etc. –, num gradual
crescendo de complexidade, de maneira análoga ao que acontece com
o desenvolvimento de um organismo vivo: células (elas compostas por
microestruturas) formando tecidos e órgãos funcionais. Como
ilustração, eis alguns motivos bem conhecidos da literatura musical,
popular e erudita. (Almada, 2012, p. 200)

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Conforme destaca Almada (2012, p. 201, grifo do original), “podemos
observar que, quase sempre, o motivo mais importante da peça é o que lhe dá
início, seu enunciado, sua ideia primordial, ou, em outros termos, o motivo
gerador”. E a partir das sucessões de motivos geradores e seus subordinados,
ideias mais complexas vão surgindo, formando frases e os modelos para a
modulação sequencial.
O estabelecimento de modelos se dá pelo seu reconhecimento como a
identidade da música ou sua personalidade. Quando temos um modelo
motívico característico – de personalidade marcante –, podemos enviá-lo para
outra região tonal e ele ainda será assimilado como familiar.

Almada (2012, p. 202) comenta que: “A modulação, portanto, é


automaticamente alcançada pela sequenciação melódica; porém, a harmonia do
modelo, que não pode ser desvinculada da melodia, também deve ser – como
seria lógico supor – proporcionalmente transposta”.
Como últimas considerações sobre a modulação sequencial, vale
acompanhar os apontamentos de Almada (2002, p. 202, grifo do original):

a) Apesar de não ser tão comum, existe também a possibilidade de


sequenciar mais de uma vez um determinado modelo (na maioria
das vezes, utilizando-se o mesmo intervalo de transposição),
conseguindo-se com isso também outras modulações;
b) A sequência nem sempre acontece imediatamente após o modelo:
às vezes um motivo contrastante (ou um complemento melódico
qualquer) é apresentado antes da transposição;
c) Deve ser ainda mencionado que a sequência não precisa ser
necessariamente uma transposição literal do modelo completo: é
comum que, em virtude de alguma intenção do compositor (por
exemplo, permitir uma melhor conexão com uma outra ideia
melódica), apenas suas últimas notas sejam modificadas em
relação ao que seria esperado.

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NA PRÁTICA

Realize a modulação do seguinte trecho melódico:

Realize as seguintes modulações:

FINALIZANDO

Nesta aula, estabelecemos as definições do que é uma modulação e as


suas finalidades em uma composição. Estabelecemos quais mudanças podem
ser consideradas uma modulação, assim como o reconhecimento de acordes
que propiciem as mudanças de centro tonal e a modulação.
Como primeiro processo de modulação, exploramos a via dos acordes-
comuns, na qual utilizamos acordes-comuns às duas tonalidades, migrando de
uma para outra. O segundo processo foi o de modulação por dominantes
secundárias, no qual a dominante secundária deve ser comum às duas
tonalidades, ou então, secundária para a primeira, e primária para a segunda,
pendendo assim para a nova tonalidade.
Por fim, a terceira modulação estudada foi a sequencial, realizada pela
transposição de uma frase ou motivo característicos para outras alturas, sendo
assim a nova tonalidade estabelecida.
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REFERÊNCIAS
ALMADA, C. Harmonia funcional. 2. ed. Campinas: Editora Unicamp, 2012.

GUEST, I. Harmonia 1: método prático. São Paulo: Irmãos Vitale, 2010.

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