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otero Coqueiro Gomes caxoe»zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT

Sdn1.a Maria zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

ERA-UMA VEZ

ou

UM EXERCrCIO E.M ANALISE SIMSOLlCO-ESTRUT,URAL DOIS CONTOS DE


DEzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP

ENCANTAMENTO

Dissertação de Mestrado
apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Antropol~gia Social do
Museu Nacional da
Universidade Federal do
Rio de J41nelro.

Rio da J~neiro

197 4

-.",---' ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(Disserta:;:ão de I.1estrél.do apresentada ao Programa de Pós--Grél.duaçê:o em Antropologia
Social do Museu Nacional da Universidade 1974 _
iJ'edaral do Rio de JaH8iro -zyxwvutsrqponmlkji )
2 LI
RgSUMOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
f
Nossa dissertaç30 se propõe a aplicar os princípios que regem a anúli

se estrutural a duas nar:-ativas de' encantamento, que fazem parte do reportó-

rio popular brasileiro e universal: liA rainha e as irmãs" e "A princesa do

sono-sem-fim" •

Inicialmente, apresentamos sumàriamente algumas abordagens ao estudo

da narrativa em geral, esclarecendo/a~pectos prdnc Lpa s da teoria


í de cada au

tor mencionado, à guisa de fornecer ao leitor uma idéia da evolução hÍf,tÔl'i-

.ca dos estudos nêsf.e· camP9, aSE;Ím como de si tuá-lo com relt+ção às d ãver eas 1i

n9as de desenvolvimento da análise da narrativa. Em seguida, concentrj.mo-noc

no aspecto da ãnvar í.êncí.a estrutural, baseando-nos p:frrlmcipalmente nas co Loca

ções de Lévi-Str'auss a êsse raspei to, e procuramos definir o campo do conto


. .
de encantamento ou maravilhoso frent~ a ~ua problemática específica que nos

permite tratá-lo COUlO um tipo particular de nqrrativa.

Efetuamos, a segu.ir, a análise propriamente dita das duas nar-r-a t í.vae ,

dentro de certos eixos Que consideramos predominantes a partir da leiturn d'ÜlJ

contos dá encantamento: a integridade /não integridade do grupofamili"'r, em

. um campo de ações. que se rlesenrola numa esfera doméstica que se compõe das re.;..

lações entre. os membros da família; a ascen~ão social, com r ef'er-ênc âa a U:;lH

esfera pública que di~ respeito às relaçõeseentre membros de uma sociedade quo

constitui o universo social maior em que se inserem essas pessoas; e a €ntl'ndll

do elemento 'enca.ntado' oue se vincula a uma esfera mais ampla, a um CO('!POfl no

qual se encontra o indivíduo ~ que exerce constantemente seu poder, Í-YldCl)(Jn,'t1n-

temente do indivíduo ou podendo ser, muitas vê.zes, If12.nipulado por êste. Den tr-o

dêsses eixos gerais, constatamos a existência de determinados momentos - quo

julgamos ser em número de cinco, fàcilmente identific2veis, embora essa CD Uo-

mati'?;ação seja meramente operacional - que se sucedem a partir de uma citu.:l;afJ

inicial, não narrada mas inferida pela narra~iva, passando por uma situ~~~o 10_

termediária de ocorrências confli tivas e opostas que reflete a pró· 'ri.:l Y:"))21;::()
-
€. .•.rt r-e o momento inicial e o final, que vem a ser a solução das oposiçõúrl ~rOP(H'-

tas.
...
Em suma, as duas narrativas que apresentamos para demonstrar a r.plL~n:,no

da anâ.I í.ee estrutural, de acôr-d. com nossa leitura dessa abordagem, rod,::·<;'·~ft'"

ao final, apô s serem Jescoà!d.ficadan, decpidas de suas roup2,~~ens encant'ldJI~ t fi

ima nar-r-et Lv a , embora pareçam à nrimeira vista dois corrto e diver::o!OC.


cicio ora apresentado nos abre possibilidades para uma abordagem da narrati-zyxwvutsrq

ve.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
encerrt.eda como um todo, (}ue tudo indica. possa ser tratada como o conto de

encantamento ou maravilhoso, não sendo as diversas estórias mais que diferen-

tes vers;es do mesmo Conto.

Sonia Maria útero Coqueiro Gomes GarcezzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX

.
,
i
!

I.
i

I
,
I
I

I
!
Agradecimentos ...................................................................................... iii
.....................................................
INTRODUÇÃOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
IzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 1
II O ESTUDO DA NARRATIVA
A. Abordagens Diversas
1. A contribuição aZassificatória de Antti Aarne 4
2. A análise morfológica de V. ~J' . 4
3. O conto como testemunha da historia ••••••••••••••••••••zyxwvutsrqponmlkjihgfe
5
4. A _busca da identidade eetirubural: e o n{velzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
da rranifesta-
çao ..........................................................•............................
7
5. Os nlveis da nar2utiva e 08 estruturalistas •••••••••••• 9
Comentários ..
6.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 11 .
B. A Invariância Estrutural ............................................................. 12

lI! ERA UMA VEZ

A. A Problemática do Conto Maravilhoso ............................................ 17


B. liA Rainha e as Irmãs"
1. o Texto •• .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. •. .. .. .. .. .. .. .. •. .. .. . ............. 19
2. A anáUse
aJ as três irmas ...................... 22
b) a aspiração de casamento com o rei ........ 22
c) os desejos e o caPáter mágico db casamento •••••••••• 23
dJ parentesco1 oasamento~ competição ••••.•••••••••••••• 25
e) as "cunhadas do rei 1/ ••••••••••• 26
fJ 08 pobres órfãos fithos do rei ................... 28
.....
....
g) a marginaZidade •••••..•.•••• 29
. .......
...............
h) a fonte de Água da Vida 31
i) are-união ·..... 33
3. Come n tál'ios . . 37
C. 1. liA P.riceslil
do Sono+Senr-Fdrn" 42
2. O Texto .............................................. 43
3. A análise
aJ mãe e filho ••••••••• ............................ 46
b) o velho e o pr-ineipe .......
.....
4'1
c) a princesa adoPrnecida •••••••••• ·..... 50
52 ·.....
....
d)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
fados ......•..........•..
0 8 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

e) a fada-velha e a morte •••••• 54

......................
a proibição db fUso •••••••••••••••••••••••••••••••••
fJ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 55
g) o pPÍnoipe e a be ta adormecida 57
hJ o desejo da rainha-velha ........................ 61
i) a opção final do prindpe - a farrr'i;Lia
reintegrada •••• 66
4. Comentéwios . . 68

IV CONCLUSÕES ................................................ 74
v BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................... 88
A G R A O E C I M E N TOSzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

. .
AgJr.a.deç.o pal[.tic.«ltVunente aozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
conselho Na.cionai.
de Pe6qi.Ú6a..6 qu.e,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
pela. c.onc.e6.&ão de uma. Bo.l..&a.
de E6.tudo.& ,me po.&.&i..b.i..i.ftou. a. JteaU.za.ç.ão do

, CUIt.&o· ck Mu-tJta.do no Pllogllama. de. pô.&-G!tadf.l4


zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA. .
çã.o em An:tJwpo.(og-ia. Soci.a1., no MU6ett .f44~
•.•

da. UniVeM-i.dade. FedeJr.al. do ruo de ]ane.vu:i; e

ao PIlO6u.&OIl RobeJtto Au.ga.6.to Va. Mafta., otüen-


.ta.dOll desza di6.&.eJt.t.a.Çã.o e. Coondenado« do 1Le.6e.
~ IÚ.do PJtogltama., pOIl...&e.u.6 come.tttâJúo.& ClÚüCO.&

e. .&ugu.tõu na. ei.a.boll..a:ç.ã.o desre. :tJutbal.ho.

AgJtadet;o ainda: a. c.o.ea.bolLaç.ão do PIW 6U.& Oll Te

Ile.n.c.e.. TuJuteJL, da. U;úveJt.6.«1a.de. de Chicago, P'W


.-
6e6.&oJr.-v-ÚlLt.a.n:te do PlWgJtama. em 1972, qu.e. .teu.
e com~ou. pa!tte. desxa puqu.l...&a.. Eó.tendo me.LlÁ

ctfJJtO.dec.imert:to.& ao PlW 6 U.& OIL RobeJdo CaJtdo.& o

de OUveVta. e.ao PlW6u.&olL Manu.el. v.tégu.u 1ú-

nion; qu.em p1r.imeUr.o me bz..tJr.odu.u.a JW estudo


da.. An.tlWpotog-i.a..

1n memo!tia.m: PILOÓU.&OIL WItU/t He.ht Núva..


I - INTRODUÇÃOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

r: zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Nossa pe~quisa se propõe a aplicar 08 princípios-que regem a analise estru-
tur2l a uma determinada fórma. narrativa que faz parte do repertorio popular brasi-
leiro e uní.ve rsalzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
t o conto maravilhoso ou de encantamento.

Ao nos referimos ao conto maravilhoso cremos estar lidando com um determi-


nado tipo de contos que parecem formar um conjunto unit.ãrio~ pela constância de a--
parecimento de diversos elementosbasicos r'ecorrerrtee, peculiares a essa forma nar
rativaem particular~ o que a diferencia de outros tipos de narrativa que se carac
terizarian por uma outra combinaç2o de elementos.

A uniformidade desse conjunto, que pudemos entrever atraves_ de estudos pre~


liminares a estapesquisa~ levou-nos a pensar que realmente remetessem a uma única
estrutura. Na verdade, como tentaremoà demonstrar ao longo do presente trabalho ,
os contos maravilhosos ---umi Lnva-
apresentam - ap~'a1:':desuá. aparente- divérsfdadézyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
riância surpreendente, a qual pretendeE~ E_o~~i!:._a.!lftIJ~e..!""
~J!?~_ir ·Çl~t.::-~~é.s::.~_e

pr í.mord í.aImen te ,_pesquisar a forma como- o nar;-.~.d9!"::.:


-interessa-nos 9
-- -..... .., ... _- popular
trata dos prob le~s universais que zepet Ldamen te aparecem nos centros ~ os, temas da
vida e da morte, da r~lação entre hOIT'efu-~:iuuíher;
~n~~e homen~- ~'-~i~is~ - entre
pais e filhos, entre irmãos) igúalment~as~o,osiçõés,-entre.':jttVentúde e velhice9~
bição e conformismo, mundo domestico e_~undo público~ disponibilidade. ou não-disp~
nibilidade de parceiros sexuais" afinidade e consanguinidadep et~~_A forma COI!'.D

tais oposições são utilizadas e valori;~d~~'~m um dos seus ítens nos-co~t~s~ a sua
frequ'ência e ~ecorrência~ 1105 indu?; a liúsear:áí;na·criáçeo do cotitadorpopular~to
da uma concepção do mundo e U9S Lgua Imente , entrever aspectos de uma
pe rmí t e , .. de-
terminada sociedade a que o conto.se refere~ ou que está sendo idealizada na mente
do. contador.

Apesar da grande variedade de estudos que se tem realizado no campo da enã-


tise estrutural -. a que nos referireoos mais adiente - cremos poder contribuir com
ncs sa pesquisa para um entendimento um pouco mais profundo do tema. Poucos sao os
autores QU2 se referiram n sociedade brasiléira emp~rticulars e utilizaram dados
de ~ua cultura na análise estrutural da narrativa. Assim, ao nos propormos anali-
sar um aspecto do conto popu l.erbrasileiro; pensamos estar contribuindo para pree~
cher um-espaço que se encontra ainda aberto para estudos, dando continuidade a uma
visão .:mtropolôgic.:l
de nossa realidade que visa a UIl1e_melhorcompreensão dos meios
utilizados por esta pare a explicação do seu funcionnrnento.

Os contos populares têm sido. tr~tndos no Br.'J.sil princi.p::..lmente


por folclo -
Cascudo , J~;o I:.ibeirop Sílvio Romcro e outros.I
datas, tais 'como Luis d~ C::nn3r,,_

1 00 Vide ao finaZ Bibl.iografia.


2

ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
interesse desses autores se centraliza bãsi.crunentena coleta de'contos da tri".d.i-
çÃo oral e em sua divuleaçio ~ara o público em r~r~l. Consideramos tàl trabalho
de grande valor e utilida~e, pois .nos fornece mzterial precioso para que possamos
da Antropoloeia ~ estudo das relações sociais ,
aplicar o moderno n~arnto teóricozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
como se pede entrever nos contos populares~ porem cremos que o estudo aprofundado
e científico de um material que di~ respeito ao Homem e a sua Cultura só pode ser
aclequadamente realizado por uma ciência do Homem que nos ofereça o .uporte teórico
e metodolôgico p~ra tal empreendimento.

Um dos motivos de nosso interesse tI.oabordar a narrativa popular maravilho-


sa ê justamente a sua grande penetração e permanência no tempo. Há eont.os originá,
'rios de vnrios outros países que há diversos séculos se eonservaram, através de re
giões diferentes ~ e que mantiver~-n sua estrutura básica. embora informada p.el~s
culturns locais em que se divulgaram •. !~l fnto nos leva ~ colocar a pergunta do
por quê de tal permanência no tempo e de sua erande penetração social. Intriga-nos
igualmentep-'!uemuitos desses contos tratem de pessoas e situações aparente~nte
distantes da !!ulturalocal e? entretanto, ex~rçam t20 grande apelo, como as reedi-
'çôes dás coletâneas o demonstrzm. Parece-nos que haveria algo que somente um ní-
vel lI!.!!.is profundo de analise poderia de tectar, que estaria eubjacence ã narrativa
do contista popular â qUD seria de caráter tão profundamente humano e
que~ acima das adaptações regionais, comunicaria sempre algo a qualquer indivift.t4.
Quais seriam esses invariar.tcsprofundos? esses'eixos bÁsicos sobre os quais a a-
ção invariãvelmente. se desenrolarial .Como tentaromos demo~trar ao longo de nossa
disserta~~o~' cremos que tais eixos estariaIJ.rel~cionadol ã organização social ( em
i

seus aspeetos doméstico e público) e ã ~~nipuleção do elemento sobrenatural como


recurso par'aIeIo, E dentro desses eixo. fundamentais? o conto u·ata dos elementos
universais para o sêr humano , como indic2moS acima ~ as relações entrra a vida c a
1DOrte~o homem e a mul.her , o Homam c a nt'tturcza
ato geral" .0. o elemento encantado,
ou divino~,ou terr!vcl, cuja intcr:vcn';3oo homem solicitc..râou a ela estará expos-
to dentro de determin~d~s circunstâncias c obGcrvanclo cetermin~a. condutas valori
zadas na narrativa. Cremos que uma dêS fontes do fascrnio.e penetração dos contos
através das cultur~ mais diversllS se encontra justamente nessa problemática
p ã
qual no fundo ele se ref~rc~ embora adquira as fo~s mais diversas e um grande co
lorido aparente~' como já o afi~~ra Vladimir Propp.

Como jn indice~os acima~ cremos que o grupo de contos denominados de encan-


t~nto oU ~ravilhosos forma exatamente um conjunto uniforme, por tratarem todos
dos mesmos aspectos básicos que os caracterizam eomo um tipo particular de narrati
va. Assim qualquarparte desse conjunto ê, em si, representativa de todo.
-
Desse
forma, basear"nol-amos em um dos con~os - selecionado por ser mais longo e desen •
volver de fortM 1M.is extensa os temas sugeridos - a, para exemplificar e enrique-
3zyxwvu

cer nossa análise, apresentaremos uma apreeiação de eutro conto, que servira igual
mente de eontrole? Aesim como utilizaremos referências a outros quando julgarmos
neee8ssrio para ilustrar a incidência de deterninados aspectos, uma vez que em de-
terminados contos certos aspectos se apresentam mai8 enftttizados ou explícitos que
outros, fazendo com que, 80 sobrepormos os contos uns aos outros obtenhamos um pa-
drão nítido e eompleto de seu cesenho estrutural. Dessa forma, procuraremos atin-
gir a própria estrutura não de um conto mas de forma narrativa espeeífica que pode
ser tratada isoladamente como o conto ID~ravilhoso'ou de encantamento. Qualquer co~
to que possa sursir e contribuir para o nosso conhecimento deverá, assim pretende-
~, poder ser explieado por meio de n05so'modelo~ que devera ser bastante amplo
para dar.conta das variações poss!veis~zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
'e, ao mesmo tempo, bastante .implificado
para que rOlsa ser uma ferramenta de trabalho ú~il e eficaz para nosso estudo~ Es-
ta pesquiaa permanece, ~ortanto~ eomo um ponto da partida para um estudo de maio -
res proporções e ?rofundidade sobre a estruturá do conto de encantamento co~ um
.todo~ projeto esse de implicações quê vao além 'dos objetivos limitados desta. dis -
sertaçao.
fiA Rainha e as Irmãs" e IfAPri:.!
Os contos que analisaremos neste trabalho -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
cesa do Sono'sem-'fim~;-foram extraídos de uma coletânea de contos organizadA.·-,.,:
Luis da Câmara Ces cudo , que nos Lnforma terem os dois conccs sido colhidosftO~.
Grande do Norte. Sabemos igualmentc p pelos dados de Cascudo~ que os contos per .-
tencem ã tradição oral univers~l$ sendo conhecidos em diversos outros país.os• Tr•••..
taremos~ portanto~ esse material como uma ctnografia e tentaremos~ assim, conhecer
a forma cômo um âeterminado erupolic~ com as diversas relações qu~ se estabelecem
entre os individuos~ a sociedade e o cosmos que os rodeia •

. ,
4
II - O ESTmX> DA NARRA!IVAzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A. Abordasens DiversASzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1. A ccmtribuição ata8sificaténa de Antti.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
Aam.e

Entre os prinC.Ípais estudos sobre o conto l'opular em geral. e o conto


maravilhoso em partieular devemos. em primeiro lugar. mencionar o tÃabalho de Ant
p
,-
ti Aarne (Aarne. 1964) um dos fundadores do que se conveneionou ch~r de escola
finlandesa. Aarne e outros representantes: dessa es eola - prinCipalmente 5tith
Thompson, que ampliou suas pesquisas - pNocuparam-se com o agrupamento geo-etno-

l -
gráfico de contos e variantes do mundo inteiro. em busca de uma classificação, se-
gunr,ioum conceito de sujeito denominado tipo por Aarne , O tipo consistia em umco!!,

I
to tradicional'. com exhtência independente? um significado próprio er:s r~~ ação aos
outros contos, e suseetível de ser contaao como uma narrativa completa. Cada
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA con-
to' teria em si uma certa unidade lógica assim como estétiea. Um dos méritos de
Aarne foi a introdução de sub-classes, que até então não haviam sido"estudadas. A
lista de contol assim elaborada permitiu sua adoção imediata internacionalmentez~
ças a ele, foi possível classificar os contos, na medida em que para cada tipo Aar
ne átribui um nUmero em seu Tndex , Convem observar que, embora de maneira intuiti
va, Aarne lançou iguálm.ent'7a idéia de motivos 'nos contos de encantarnentCl- q~e!
to que seria futuramel'1tebastante utilizado, comO por exemplo por VladbíÍr Prqpp.
apesar de sua definição sofrer algumas ~dificações. Para os representantes da e.'
cola finlandesa, o motivo aeria a menor unidade narrativa; consistiam nos clam2u-'
tos típicos de cada conto, podendo ser encontrados em aai. de um conto ou haver di
versos motivos em um mesmo conto.

" A.N.Ve~elov.ki (Apud Propp. 1970:21) 8'8irn como Aarne, utilizou a noção
de motivos p considerando que um motivo pode se referir a diversos nujeit05difaren
teso Segundo sua definição,' o moti,'W é uma unidade. básica, que não se decompõe.
Diz ele: "Por motivo7 eu entendo a unidade, mais simples de discurso." (Vcselovski,zyxwvutsrqpo
1913 apud Propp, 1970~ Ice. ~t.).

a. li anáUse morfotógioo ~ v. PlVJj1p

Prop~~ em posição critica tanto a Anrno como a Veselovaki~ embora reco-


nhecesse a importância de seus estudos pioneiros no'campo do eontomar~vilho8o.mo~
trou que tanto a divisão em tipo8s'do modo como Aarne os concabeu. como a divic&o
em motivos~ para Vesclovski, nno mais se aplicav~ ã realidado dos fatos. Para
Propp CCf. 1970) os tipos existem não ao nível em que Aarne os coloca, mas ao DÍ-
vel das"particularid.'ldesestruturais dos contos que se ~".aemelham. Quanto aos mo-
tivos, afirma Propp que n~da tZm de simples e podem ser decompostos. Igualmente,
5zyxwvuts
afirma que a unidade elementar e indivisível do conto não e um todo lógico ou estê
tico, como • concebera Aame.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM

~. Bédier (1893zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
apud ProppzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
op.cit.) foi o ~rimeiro a reconhecer a exis-
tência no conto de uma certa relação entre seus valores constantes e seus valores
variáveis. Aos valores constantes. essenciais. Bédier chama eZementos. Serã a pa~
tir dessa noçÃo de valor de Bédier e das noções de tipo e de motivGS de Veselov.ki
e de Aarne - com as reformulaçõcs que apontamos':'"que Propp construirá sua própria
análise do conto maravilhoso. Seu conceito-chave e o de jUnçãol que, como tal, ê II
·l
um valor constante. Na maioria dos casos, a função sera designada por um substan-
tivo exprimindo a ação, o movimento. A ação não pode ser definida fora de sua .i-
.tuação no decurso da narrativa. Assim. a unidade de base do conto, sem a qual ele
não existe, ê a açãózyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o~ o ~vimento, esse conto míni@O ~ue envolve uma oposição da
da em direção a uma oposição resolvida. Fropp coloca como termos-chave de.um lado,
o Herói, e d. outro, Antagonista/Objeto. O uso da idéia de movimento, propostapor
P1;OPP,' está em explicitar que é o de8~nrola~ da narrativa que tem por missão,ao di.
.envolver a situação dada, resolver a oposição que origina.

Vemc.;, assim, que para Propp a meta foi. de descobrir o princípio' de


midade dos contos maravilhosos e assim p.ossibilitar seu reconheeimânto •• um gêft!.
ro estruturalmente definido - enquanto que para a escola finlandesa,. por exe~lo,
aquilo que form. o conjunto de contos pa rmanace amplaIDQnte implícito.Seguttd. Propp.
os contos que alinham as mesmas funções poderiam ser considerados do ~j,mo ti20.
Diz ele: "É sobre essa base que será possível ••• compor um index 'dos tipos, funda
do não a partir dos sujeitos, signes um pouco vagos e incertos, mas de proprieda-
de' estruturais precisas." (Propp, 1970:32). O resultado do trabàlho analít~co que
propõe, "~ •• meticuloso e pouco glerioso, (ê) ainda complicado pelo fato de ser
rQalizado de um ponto de vista formal e abstrato." (Ibid: 27). Segundo Propp, tal
resultado
. .
.erá uma morfologia, ou seja, uma descrição dos contos de acordooom luas
'

partes constitutivas e as relações dessns partes entre si e com o conjunto dos co~
tos. Esta tarefa 1evn, em última análise, a uma classificação. nizPropp: " ••• ê
preciso div~dir o'conjunto em muitas partes, isto é, classificá-Io. Uma classifi-
cação exata é um dos primeiros p"lSSOS da descrição científica." (Ibid: 111-112).

3. O conto como t.~temunha da históna

Uais recentcmcnre , um estudo do l-farie-LouiseTeneze (1972) vem, a par-


tir de Propp) Aarna c Thompson c He1etinski, organiznr os contos mnravilho!os d~
tradição francc!a sesundo seus graus de afinid~de. A autora não busca a especifi-
cidade,do conto-tipo a partir do seu 'interior' -ou seja, pelo confronto da8di-
versas -
versocs - ~s reconhecer o lu~nr que cabe a cada conto no conjunto do· qual
6zyxwvutsr
faz parte, isto ê, principalmente do texterior', por opoaição 4 outros contos-ti-
pos. Aeconheeendo a necessidade de utilizar outros eritêrio6 além dos de eariter
..,rfol;;,~ico,
leva em eonai'deração diversas distinçõea de conteúdo. Para T.naze, a
distinção fundamental estÁ entre o que denomina de oposições internas e externas-
estAndo a noção de oposição baseada na relação Herói x Antagonista/Objeto,da Propp.
A hipótese ~entral de sua pesquisa está em que a chave do que considera a ordem i~
terna do conto tem qUQ ser procurada na história: "Assim, para mim como para Propp,
a morfologia é introdução ã história. Entretanto, enquanto Propp se preocupava a,!!.
1
i
tas de tudo em indicar, paralelamente
ao próprio conto, o que ele denominouzyxwvutsrqponmlkjih
<h suas
j
'ralzes históricas', isto é, as condições exteriores ao conto que determínaram seu'
nas·cit:2nto,minha ambição~ diferente e mais limitada, ê de tentar eotccer em evi-
dência, através da análise interna do conjunt!> global de nossos contos maravilho-
sos franc:eIQs, o c:&ninho histórico q~a· esse conjunto test3mun.'1ae de cujo fato a
confrontação dos Q1e~nto.,ou seja~ os contos-tipos9 extrai uma grande parte de
sua significàção." (Tenêze. 1972:101).

apud Teneze loc.


Toneze, seguindo uma preocupação de Heletinski· (19704zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
cit.)· coloca a hipótese da existênd4 da eamadas ou n'iveis de evolução~rfol()3i.ca.
E não somente a existência de tais camadas, cv~ mostrou Meletinskí, mas a po..ib!
lidade de se entrever que a partir da uma mesma camada anterior puder.:tmse &rtict..t-
lar duas cam&ias diferentes" ou seja, que se houve evolução na estrutura morfolôgi
ca dos contos. tal evolução não foi.forçosamente unilinéar. Segundo a autora, o
conto maravilhoso, sob as influências mais diversas9 e afastando-se definitiv~n-
te do mito, com o qual pôde no inrcio compartilhar todo um universo, se encaminhou
para um conto dito noveHstiéo ou 'realista'; este t~;)de a se c-=tracterizar, como
) !'
e segundo a definição que lhe foi
o romance letrado da literatura escrita.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
d~da, h
li

por " ••• uma situação geralmente tiradn da vida de todos os.dias e encerrada em i
1
I
umam:>ldura Qstreita.u (SoderhjelI:l.apudJourda. 1966:IX) e n ••• levando ã solução !

li
j.
'de um conflito individual dramatizado. ti (Meletinski, 1970b :242). li
-li
!J
Para Tcnc'!e, a importância do estudo do conto maravilhoso eatá, port&"\-
ro, dentro de uma perspectiva histórica. ou seja? li. ex,"ticaçãode ordem interna do
repertório tradicional dos contos deve ser bue~ada na históri~. Em sua hipótese,
as etapas sucessivas e paralelas dQ tal história do conto podem ser encontradas
pois elas aubs i stcm, justapostas. no conjunto atual. Segundo a autora, enquanto a
literatura letrada avança dando as costas ao que a pre.cedeu (de tl'.odo que não se tr~ .
tendo de obras escritas elas se perd~riam no tempo), a literatura oral daQ tradi-
ções populare8~ ao contrário, avança não somente se sobrepondo ma. também se just~
pondo ã que a precedeu de modo que, aejn em tr~nsparênd~, seja lado a Lado , as ca
madas ~teriore. subsist.::m. "Dai e e.peranç~, apelar de <lusência de um..:l conserve-
7zyxwv
a o menos os principais
ção pela escrita, de reeneontrar através da análise internazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
cp.ci.t.: 103).
aspectos da história de nosso conto de tradição oral." (Tene~zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO

A pesquisa de Tenêze 5ublinha ~gualmente a relação entre a obra eomeio


do qual ela ã a expressão e que viveu a história ã qual se refere. E, ã guisa de
conel.usão,"diz a autora~ "Desde logo, e a título de hipótese de trabalho baszyxwvu
t ente

,eral, poder-I e-ia colocar que essa p2ssagem, no conto maravilhoso, de oposições
externas a oposições internas e , mai. além; do conto maravilhoso ã etApa do 'ro17Ja!!
C8'J ·seria uma tradução, na ordem do conto, da progressiva transf'ormação nos meios
(sociai.) da qualidade das relações com a natureza, por um lado, e por outro das
:ce1ações do indivíduo com a comunidade.1I (Loc.eit.).

Essa ab?rdagem de Teneze constitui uma contribuição recente ao estudo


dos contos tradicionais - motivo pelo qual nos estendemos mais longamente em seu
.registro. a título informativo. Seu artigo propõe, em suma. hipoteses para uma pe!.
quisa dentro da linha de uma catalogação dos contos. As análises morfolôgica e da
",.
conteudo que -..'V1Saffi
propoe a uma melhor . -
ordenaçao ..
dos contos marav11hosos
.

,
e nno -' a
um aprofundamento em sua estrutura interna e na decifração de seu codigo, problema
que particularmente nos interessa nesta dissertação, embora as conclusões iniciei.
de Teneze sejam de grande importância para uma compreensão daprob1emâti,ca dit)$ ctt.'t
~
.tos maravilhosos como um tcdo, representandQ uma contribuição valiosa para o. .e~
estudo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

busca da identidade eetirutural: e o n!vel. da manifestação


4. A zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Joseph Courtes, em artigo publicado na mesma revista que o de Tenêze, a


presenta uma analise. diversa da apresentada por essa autora~ sobre a especificida-
de do conto popular marevi Ihoscs francês. Courtes par te de três postulados bási-
cos para seu estudo: em primeiro lugar, toma .como objeto de análise o conto popu-
lar maravilhoso francês como um ~orpo culturalmente delimitado sem se interrogar 3
respeito·dos critérios de sua constituição nem lhe d~r uma definição prévia. Pois.
de qualquer forma, crê o autor que o conto ê menos um dado a priori do .que um obj~
to a construir •.(Cf. Courtes, 1972 :11).'

Seu segundo postulado é que o único nível pertinente para a análise do


conto popular ê o do conteúdo. Entrctllnto, acrescenta: " ••• devemos pressupor .i-
multaneamente a possibilidade de articular o conteúdo; se é verdade que só podemos
perceber o (um) sentido através do jogo das diferenças, então todo universo scmân-
tic~ requer - para ser analisado (ou·compreendido) - que se recorra ã segmentação,
ao discontinuo: a substância do conteúdo só é apreendida ou dcsir;nada pelo sentido
('biais') da form-3na qual ela se expressa." (Loc.cit.). Donde a necessidade de
8zyxwv

se reco~rer a vma análise sêmica • à instauração de uma metalinguagem que visem


..a
adequBção e, se possível, ã univocidade.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Como terceiro postulado, adota a distinção entre tipo e variante8tdefe~


dida pela escola finlandesa, na medida em que af i rma a existência de um campo se-
mântico para cada tipo de conto dado.

Courtes desenvolve secaanálise em duas' linhas, a partir dos postulados


acima enunciados: uma, com vistas a demonstrar e identidade estrutural do conto, e
Na p r íme ra , coloca a existência de
a out,ra que parte do nível da mB'l'i.ft:stação. í

dois eixos semânticos fundamentais, situados um em relação ao outro numa dupla re-
opo8ição- o sentido só sendo percebido graç~s às diferenças; e de
l~ç~o:'dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA com-
pZementaridade - os dois termos se conju~ando para definir um só espaço de siinifi
-
caçao. (Ibid.: 12).

Courtes traz o conceito de traços de identificação semânticos, que cons


tituem um tipo de nível internediârio entre o nfvel prof~ndo e , o nível da manifes-
tação textual ~ Coloca igualmente a presença. de dois componentes estreitamel'U::~
re-
lacionados e, entretanto, distintos no plano t~õrico: um, de ordem semântica..subia.
centeà narrativa, e o outro, de natureza actancial, que se encarrega do sis ••xna
de valores. O primeiro seria da ordem do objeto e o segundo do sujeito. Ent4G,de
uma maneira geral, haveria sempre dois eixos. um reservado aos elementos perIlulne~-
tes, o outro aos elementos variãveisp um, consagrado ao suj~itop o outro ao objeto.
Quanto a esses elementos permanentes ou variãvei~ (conceitos de se~ e ter) aborda
o autor o criterio de deci~ão sobre o carater de tais elementos no conto: na verda
de, para . Courtes,·a decisão
.
sobre a permanência ou a variabilidade dos eleuentos
In~
está no próprio nível da escolha efetiva realizada pelo conto - por exemplo, azyxwvutsrqp
turalidadel por sujeito e a Iculturalidarlel por objeto, ou vice-versa. Afirma o
autor: " ••• diante dos dois eixos ~;;-mânt'icos
que definem a base do conto, a sinta-
xe retém para sujeito aquele 'dos dois que,'no 'v!'aisemhZable social', parece o mais
interior." (Ibid.: 19)~ A partir da verific~ç;o,dc tal hipótese, poder-se-ia afi~
mar que a organização de conteúdos (ou o s,lstema axiolõgico) n;o ê um material uti
lizavel ã vontade, mas que exerce U!!la•action en retour' sobre o nível da sintaxe.

Referindo-se a Thompson. Courtês aponta ,o perigo que se deve evitar de


reduzir os personagens a papeis, a funções neutras. esquecendo-se de que eles vei-
culam conteúdos precisos. Sua abordagem, então, coloca que a única classificação
que se pode obter não deve ser a dos personagens, mas soment~ a 105 vaZOres~ do.
quais aqueles são ocasionalmente Q suporte. " ••• as constantes não devem ser pro-
1.. O grifo é do autor: dei:r:arrx'Js no original. para não detu!!,a.rm?8 o eentrida.oom Wn:l
tl'adução aproximada.

- -- -
,•
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I'"

, . E
9zyxwvutsrqpon

curadas ao nIvel doszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


per8Oftage~ ••• mas ao dos siatemasaxiológieos q~e e~e. têm
por missão manifeatare qti.e s-. dhtribu~ s.gtnld~ '~e.qu~~-.i~tâxieo:" (ibid. :2J.).

i _~mS1.Ill&, a abordagem de Cou_rte., ~t?


embora .aer íbua imp_o,rt,ânci..a __ sistema
• semântico', SQ alinha dentro
-

de uma per spect íva formalis~a, pr,eoeupada ..em


- .- -::-=---. ,

definir'
~o~ceitos, apurâ":los para torna-Io!- ma{s ~peracionai; dentr; de sua metodologia a-
·~irti~a. Emoutras palavras, a leitura de Courtes nos di a entrever uma abertura
, analítica em'diferentes caminhos que,não somente .a,<lueles trilhados pelos fo.1elori!,
~téls_..da escola, finlandesa ou .pelos formalistas russos e_s,eus _segu_icJore.~"
.. En.tretanto,
.sua analise Se baseia na preocupação de conceitualizar e definir~~t~nsivamenteos
,;elementos com que deve lidar o estudioso do conto m~ravilho80t .em ap_rQs~ntar um ,,
"

_estudo aprofundado-ilustrativo de sua teo.ria. _ Talvez seu tra.balnol$eja _a _tentati-


~a -de-vt renspor -uma ponte -entre a,s abordagens fo rmal i.st aa que pri~i_r.amel!t;ese' dedi
~c_aramao estudo. do conto popular maravíIhcso e ,as abordagens na linha estruturali!!,.
ta contemporânea, mais preocupadas, principalmente, numa primeira etapa, com um e~
-
tendi~nto~o- -conto-é -partfr'dcrque eleestinos=t1íiendci,-átravês:-de-~eu cÓdigain'"
. , -
·te'rno particular do que ; "sem ume compreensão ínicial ~'d"que ê o conto, -tentarcla,a
'exfeiria ;r=-sell wi~
'stii"cã--lo em tipo..-e'efe'mentos defini doi 'apartii -de 'umavisã6 ..
~e-rso narrativo próprio. Enttetanto;- a-s-"ccn:H·lusõéido--a.rtigô ::-de-Courtê-i'-'~resen-
:"iam colocações importantes- para nossô:és-túdo,ã$ -quais retornrirems aE> final (l~'l\i!Nf. ...
,
"
so 'tr.ibalho. ,.- ---

,-.-
- -----
, '-
.... -- ..
-"
~.- ii- - '- _. -. ~ - "

Dentro de uma perspectiva estruturali~ta da.ãnãlise da nart'ativa~ ases


tudos que s~ tem re-alizado-se concentram em um (oumaí a) dos três níveis da narra-
tiva,segundo proposiçno de Roland Barthes: o da vnlori:::açno das nçoes, o das a-

,
I ções e o da narração ou discurse prop'r i amente dito

Propp, precu~sor de toda uma linha de estudos contemporâneos.eoncentrou


rcs. etalZii~ 1971).
BarthaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY

sua análise, como vimos acima"no nível das funções, jUnçãO u ••• a
entendendO' perzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
, ::açãe 'déum personagem. déffrifd<!dó 'ponto -de -vista de 'sua -~ignifieação-nodecorrer
da intriga." (Propp 9 1970:31) • Para eLe, entãO' as f~ções - ou ações dos person!:,
gens - constituem a parte imutnvel da narrativa, nn medida em que a personagens di
ferentes cabem as oesmas funções, em diversas nar r at Lvas , Dessa forma, as' f\.ttlções
dos personagens representam ns partes constitutivas do discurso, substituindo a no

• çao de motivo de Veselovski, que af rmare entender


í o motivo corno a mais simples u-
nidade narrativa, cena mencion~s acima (vide p. 4).
"
Claude Bremrnond, meia re~entemente, utili28 o conceitO' de funç~o de
Propp e o considt:rat ainda, como a unidade de base da narrativa. Diz o autor: nA
1 0 zyxwvut

~arrativo, fUnçãO~ aplic.d~ como em Propp, às


unidade de base7 o átomozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
permanece azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ações e aos econteeimentos que, agrupados em eequêneias, engendrem uma narrativa. fi

(Bremmond,1971:110). Bremmond, di~erentemente de Propp, entretanto, entende que


a. funções não devem necessariamente seguir uma ~equência narrativa, podendo o nar
radar de senvo Iver uma ação ou mantê-J.a em estado de ví rtua I'idade , Ao contrário,
Propp postulou que a sucessão d~ funções e 8cmp~e idêntica.

Br errmonddesenvolve sua rret.odología através da utilização do conceito de


tipos t t ueta uma estruturação das condutas humanas ;correspond!:.
narrativos ~ que eonszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
í

riam às formas gerai~ de comportamento humano.

Quanto à ênfase ao nível descritivo ações~ A.J.Greimas, embora atri


daszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
hua importância ao encadeamento das funções constitutivas da narrativa, enfati~a a
codificação dos actantes. na medida em que trata das unieades contratuais às quais
cabe o papel da organização de conjunto da narrativa. (Cf. Greimass 1971) •. Descre
ve e classifica os personagens da narr~tiva segundo aquilo que fazem - dar a deno-
tpinação' de aetantee, O -act anze , então, define UUk1. cLass e que pode ser preenchida
,por atores dí.ferent.es , moví.dos por 'regras de multl.pllcaçgo~ eubst1tU1.çaoe. caren ..•
,.. • • _ •.• ".., .... . .. Â

eia. Os actantes par t ci.pam de três eixos semânticos


í .básicos: sujeito, objeto e
eomplemento que, para Grdmas s são: a comunicação, o desejo (ou a busca) e a prova.
Tal participaçüo. ordenada por p~res, submete o número irifinito de rersonagen$ar~
i

lações de, por exemplo, sujeitO/Objeto, doador/destinatario~ atc.


r
I

,Quant9 ã ênfase ao nível da narração propriamente dito, TzvetanTodo'tov


apresenta um estudo da nerrativa como história e como discurso, abordando o problê-
ma do conflito no-que se refere li ordem da obra em si e do contexto
narrativo so-
cial a que ela par tence-, f o que ehama de 'infração da ordem na história e no di.
curso'. (Cf. Todorov. 1971). É interessante verificar em sua análise a importância
que atribui ã posição do leitor frente ao narrador a à narrativa, posição essa de-
termin~te na própria tent~tivade ~lassificaçno dos contos. Assim ê que em sua o-
bra sobre a literatura f~ntg$tiea a reaç~o do leitor ã narrativa - n~ medida em que
esta lhe dã elementos para uma aceitação dos fatos de uma fo rna racional OU1 ao con
trerio, lança a dúvida e a hesitação quanto ã verdadeira natureza dos eventos da
história - con~titui ~~ dado relevante eonaiderar uma n~rr~tiva fantástica,
para 8C

es t ranha , ou maravi Ihos a , de aeor do com a cV'.ss!fic-'!<:,~o do autor. (Cf.Todorov, 1970).


Retomaremos às coloc<1ções de Todorov!;lais adinnte en nosso tr:tbalho.

Passemos agora a dois autores quc, em pesquisa conjunta, dediear~sezyxwvutsrqpo


ea

pacificamente ao estudo de temas folclóricos, a partir de uma abordagem estrutura-


lista. Trata-se de Elli'-Raija Kongas e Pierre Marand~, que es tudarem a aplicaç~o
de modelos estruturais 80 folclorQ (Kongas e Maranda. 1962). Os autores adotam ba-
11zyxwvuts

fUnções propostos por Propp, consider&udo a. fUn


.icamente os conceito8 det8r.rnoe ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
c;ões como elementos constantes e 01 termo. como variáveis, e concebem estrutura c2,
mo Jma forma matricial que é preenchida pelo conteúdo que vem a ser um repertório
de termos condicionados sócio-historicamente. T~rmos são ,imbolos, enquanto que
as funções· são papéis exercidoG pelos símbolos. "Os termos consistem em personifi
cações,atualizações concretas, enquanto que 8S funções são expressões mais gerais
e abstratas (Ibià.: 140).
de forças conflitivas."zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED

Kõngas e Maranda partem das conclusões de Levi-Strauss sobre o estudo


dos mitos e, por um lado, ampliao a aplicação do que chamam de "a fórmula de Lévi-
-Strauss" pa.ra a descrição de diferentes gêneros de discurse, além do discurso mI-
tico - como propusera Lêvi-Strauss - e, por outro lado, restringem. a aplicação da
'fórmula' a certas variantes representativas ou, como eles mesmos o denominaram, a
'casos típicos' - ao eontrário de Léyi~Strauss~ que analisa conjuntos completos de
variantes.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Em seu 9bjeti~o estritamente formal? os autores visam~ em última anãli-

.
'se, a apontar alguns padrões gerais recorrentes de itens folclóricos e a.firmam-que
um estudo estrutural nunca pode descrever um item folclórico exaustiv.'lmente,ha~a
!;
do diversos pontos de'partida Rara a abordage~ cio folclore, além da estrutur~: e
conteúdo (os temas), o eatilo p a função. ÇTbid.: 183).

Compartilhamos, igualmente,_ da opinião de Kengas e Maranda quanto ã va.-


riedade de abordagens poss!veis _RO folclore, a par da c8truturalista p para que se
possa estudar exaustivamente um item. Entretanto, preferimos o enfoque estrutural,
que nos fornece num prirociro-monento o padrão ~arrativo~ c que nos permite chegar
gradativamcnte ã cb~re~nsão de divürsos outros aspectos ~ pouco explícitos ã pri-
meira vista, 06 quais a análise estrutural pode nOB revelar.

6. Comentários

à guisa de eonelusãoãs diversas teorias expostas acima sobre o estudo


da narrativu9 diriamos ~ueo que subjace a todas as abordagens apresentadas, o da-
do invariante que aparece eomo denominador comum a todas elas. é o consenso geral
da existência de determinados elementos eon8tantes na narrativa que sugerem a 8ua
referência a uma estrutura particular. Sejam tais elementos os motivos, as fun-
ções, as ações. 08 PQr~onBgens ou os valores, o que permanece realmente eonstante
ê a própria existência de nlgo aonstante! Não nos subscrevemos particularmente a
nenhuma das t€orias e sim 4 suau conclusões como um todo. Interessa-nos. primeir~
mente, um entendimento de forma narrativa em si, ao invés de una busca a prio~ de
conceitualizações e definiçÕeS. Para nós, est~ seria uma etapa posterior, a ser
12

desenvolvida RPÓS obtermos um aprofundamento suficiente na estrutura narrativa do


conto,maravilhoao am particular, que constitui nosso interesse primordial no momen
to. No presente exercício, tentaremos unica~ente nos acercar do que cremos serzyxwvut
~5

sa estrutura. ~ara tanto, trataremor. no próximo item da invariância propriamente


seguida, de d i carmo+noa ã análise dos textos com que tentaremos
dita, para, emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA de-
monstrar a estrutura peculiar ao conto maravilhoso como refletida nos contos apre-
sentados.

B. A lnvariância Estrutural
Cremos que no conto nara'nlhoso, assim como no mito ou qualquer outro ser
• sócio-linguistico~ ~odemos constatar a existência de determinados elêmentos cons-
tantes, que nos informam sobre ucm determinada estrutura. Consideramos estrutura
aqui,num modo geral,como determinado conjunto de elementos regidos por aer~as re-
gras de associação e transfarmação quc9 em um nível de abstração~ se relacionam en
,tre si de urna forma p~rticular, criando um todo de tal ordenação que pode ser idan
tificãvel. Através de uma análise estrutural cremos poder tentar penetrar na lôgi
ca de uma narrativa, ou conjunto de narrativas, e procurar um entendimento de sua
estrutura pccul~ar.

têm se dedicado ã aplicação doszyxwvutsrqponmlkjihgfedcba


• -ti'
Diversos antropologos estruturais pn.nc,!;.
pios que regem aanãlise estrutural principalmente ao estudo da narrativa mÍtica.

, .
No item anterior de nossa dissertação ~presentrunos a.lgumas abordagens estruturali~
tas que se concentram basicanent~ no aspecto formal da ànãlise estrutural. Dedicar
-oos-emOs agor~ especifica~nta ,ao problemtl da.invariância que ê o que, em última
instância 9 pretendemoo atingir ntrnvês de nosso as tudo ,

Não podel'ia1!SOs
tratar da invariâneia sem inicialmente mencionar o trabalho
pioneiro de Claude têvi-Strau5S, ao qual devemos todo um descortinemento quanto às
possibilidades de aplicação da abordagem es crut.ural s ta. a serví ço de uma compreen-
í

são e um aprofundcmento cnda VÇ:~ mais científico das diversas manifestações do es-
bnsicos para se
.
pírito humano. tévi-Strcuss nos forneceu os procedimentos i~olar
a estrutur~ d~
. ...
nr.rr~tlva mltlce~ em
.
pnl't~cular~ e nos abrlU um campo para a aborda
gem de out rns formas nerrati W\S em geral. De acordo com ele, para se chegar ao cn
tendimento do ~to, ~ necessnrio cor~ccermos n forma como os elementos que o com-
-
poem se cOMbiTh~m. lais el~~ntos consistem nes unida~es con~tituti~es (ou mitemas,
t com os denominou) e devem ser p rocurados ao nível dn or~ç;:;:o. A natwreza da unida
de constitutiv~ tcn o aspecto de u~~ relaç;o, n~ medida 'em que se trata d~ atribui
ção de 'um predico~o n um sujeito. E ê a partir de forma como se combinnm os con-
juntos de rel~ções - ou feixes de relações - que as próprias unidades adquirem um
zyxwvutsrqponmlkjihgfed
--~~~-- .. ----~~-------~-----_.
-

z
-----
'!";

13
significado. O mito, provindo da ordem da Lí.nguagem e sendo parte integrante des-
ta, atualiza, entretanto, ,sua linguagem através de propriedades específicas, cujo
i~ i
sentido só pode ser encontrado a um nfvel mais elevado de expressão linguística ~o i I

que aquele habitualmente percebido. I


li
t .~,
Quais seriam então os procedimentos essenciais de uma análise estrutural~
ra chegarmos 8 'substância do ~tot? Lêvi-Strauss indica sua metodologia ao tra-
tar do Totemismo em particular, o que absolutamente não impede-que o entendamos co
mo uma·colocação de metodo de caráter mais amplo (o que, na verdade, o próprio au-
tor sugeze ao introduzir a questão): como em ou-
"De fato. nesse caso (totemismo)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
tros o método que pretendemos seguir consiste em: 19 definir o fenômeno em estudo
comO uma relação entre dois ou mais termos reais ou virtuais; 29 construir o qua-
dro das permutações possíveis entre tai~ termos; ,39 tomar esse quadro como objeto
geral de uma análise que nesse nível somente pode alcançar as conexoes necessárias,
não sendo o fenômeno empírico entrevisto a princípio nada além de uma combinação
p08sív~1 dentre outras, cujo sistema total deve ser previamente construido."(o gri
fo é nosso. Lêvi-Straus's, 1969a:22~-23). A partir dessas colocações. vemos que I,é-
vi-Strauss parece dar prioridade ã abstração generalizada, atribuindo ao fato e.,r
rico um valor secundário na analise. Na verdade, afirma ainda o autor: ma~ !t •• _ :

téria'é o instrumento, não'o objeto da significação. Para que ela se preste a tal
papel, ~ preciso de inído empobrecê-la: somente retendo dela um pequeno numero de:
elementos adequados a expressar contrastes~ é a formar pares de oposiçóes." (Lâvi~
Strauss, 1964:346-347).· E ainda: "O princípio lógico é de sempre poder opor ter-
mos que um empobrecimento previo da totalidade e~írica permite eonceber como dis
tintos." (têvi-Strauss,. 1910:98). -Dessa forma o conteúdo do mito torna-se
9 algo
simples~nte contingente e o seu sentido " ••• não pode se ator aos elementos isola
dos que entram em sua co~osição, mas ã maneira pela qual estes elementos se encon
tram combinados." (Lévi-Strauss, 19~;242). Quanto. a esse aspecto, afirma igual-
mente Edmund Leach: "Ns análise estrutural~ 08 elementos de um mito (os 'símbo-
los') nunca· têm nenhum sipnificsdo intrínseco. Um ele~ento só tem significado de-
vido a sua posição na estrutura global em relação aos outros elementos do· conjun-
to." (Leach, 1969:30). E acrescenta o autbr:" ••• a significincia deve ser enten-
dida somente nas relações entre a.
partes componentes da estória."zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
(Ibid.: 28).

K.O.L.Burridge, em seu.estudo sobre as colocações de tevi-Strauss sobre o


mito, argumenta que ao invés da Íorma e
o conteúdo que deve ser enfatizado. Para,
Burridge a forma consiste em !t ••• simplesmente uma conveniência n~ explicitaç80 do
modo de ordenamento do conteúdo em um contexto cultural particular." (Burridge,
1969:111). Na verdade, o próprio L~vi-Str,:1Ussem "ta Ceste d'Asdiwal" co Ioce que,
após uma análise estruturnl que elucida o código da mansagem~ pode-,e então partir
14

para uma anãlhe de seu sienifieado. Afirma e~te: "Tendo separado os códigos, ana
lisamos a estrutura da mensagem. 'Resta agora decifrar o significado." (Lêvi-
StrauS8, 1969b: 21). Não cremos que sem o isolamento da forma, ou seja, da obten-
ção do arranjo específico de uma determinada narrativa, possamos nos assegurar de
que nossa análise estejzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
li. dando conta do verdadeiro sentido que aquela visa expre.!
saro Somente através do desmernbramento das partes, num primeiro momento,percorre~
do o caminho inverso do 'construtor' do mito, pode-se" então, num momento poste-
rior, 'reconstruir' a estoria 'de dentro para foratzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
ou seja~ a partir dela mesma,
dos elenentos que ela fornece passo a passo ,no seu desenrolar. O resultado, alta-
mente recompensador , é o entendimento, em um nível de abst'ração geral, do signifi-'
cado das relações dos elementos entre si e em referência ao conjunto. Em outras
p,alavras, recorta-se num primeiro momento para montar-se ao final e obter, assim,a
armadura fundamental, despida de quaisquer acessórios que aenvolvem~ possivelmen-
te para dar a ilusão fantástica de·uma realidad~ magicamente ordenada - enquanto
que no seu ámago ela na verdade lida com oposiçõe,s Lnt rànaponfve s que na superfí- í

cie apárenta resolver.', E o resultado de nossa, análise poderá ·ser tanto mais con-
trolado na medida em que podemos comparar a mesma n~rrativa com outras que façam
parte do mesmo complexo. Já afirmara Lêvi~Stl"auss: 1f ••• não se insistirá j~is
demasiado sobre a absoluta neeeas Ldade de não omi tir nenhuma das varianteS que t-e-
nham sido recolhidas." (Levi-Strauss, 1967: 252). E a esse respeit::oLeac:h 4'4'.3-
centra: n ••• cada mito e parte de um complexo e qualquer padrão que ocorra em um
mito ocorrerá, na mesma variante ou ém variantes diferentes, outras partes em
do
complexo. A estrutura comum a·todas as variantes se torl19 aparente quando diferen ,, ,

"

tes versões são 'sobrepostas' uma sobre a outra." (Leach, 1959:22). Percebemos as
•im que, apesar d~8 diferenças aparentes, existe um substrato permanente que
.•
sera
,ia)
:l

sempre e cada vez mais' encontrado ,e enfatizado ã medida que cresce o conjunto: "Ozyxwvuts
orescimento do mito ê pois, contínuo'? em oposição a sua eetirutura, que permanece

lili
g

descontínua." (Lêvi-Strauss, 1967;264).

Perguntar-nas-iam nesse ponto de nossa discussão qual seria a relação en-)


tre a narrativa mrtica, ã qual temos nos referido até o momento, e a narrativa 'ma
ravilhosa' a que rios propusemos inicialmente nos dedicar. Em nossa opinião. a re-
lação ê bastante e~treita. Ambas as narrativas fazem parte de um repertório dito
oral, transmitido de geração em geração através da anonimidade do contador popular.
Ambas lidam tanto com elementos 'concretos', tirados do cotidiano da vida social,
~
como com elementos que escapam ao controle do grupo social e, entretanto, tem que
ser integrados, de uma forma ou de outra, por mais conflitivos ou contraditórios
possam ser; ao nível de eX1,>Hcação do real, utilizando exatamente aqueles elemen-
tos •conhecidos t para lidar com os de difícil explicação. Assim, anDas as formas
narrativas tratam de oposições fundamzntais no universo global percebido pelos mem
- ------------------------------------------ zyxw

ISzyxwvuts
bras do grupo lociale procuram explicá-Ias através de mediações sucessivas que
à volt~ do grupo sob. con-
procuram aproximar o~ opostos e, a~sim, manter o cosmoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
trole, suprimindo-lhe o mistério, apropriando-se dele.

A narrativa 'maravilhosa' que trataremos a seguir será analisada sob divar


S08 aspectos, dentro de uma perspectiva simbólico-estrutural. Como não está nas
proporçõee deste trabalho um tratamento exaustivo da narrativa maravilhosa (que,a~
.im como a narrativa mítica, cresce continuamente)", procurareOO8 mostrar, através
de um eXemplo estudado em profundidade, um determinado padrão de ordenação de ele-
mentos que nos informam sobre a estrutura peculiar desta forma narrativa. Se nossa
• hipótese for correta, a estrutura será sempre e tanto mais aparente~ ã medida que
se superpÕe outrasestôrias do IDeStOOconjunto UIM à outra. Elementos que estao IrE

nol expllcitos em um 'caso sa tornam mais -expllcitos em outro~ e assim por diante~o
que vai reforçando a adequação do modelo estrutural que pudemos construir. A fim
de possibilitar um exe~lo dessa afirmação, apresentamos após a analise de nosso
texto básico um outro t~xto analisado que faz parte do mesmo complexo, que, embora
aparentemente diverso em seu dc:senrolar~ contem, como supomos, Um padrão estrutu-
ral semelhante· ao primeiro~ e que, como dissemos acima, nos ajuda a perceber eom
maior clareza 00 primeiro texto a existência de' certos elementos que ali ;,_,~."
aparentemente encobertos ou menos explícitosll embora latentes.

Naturalmente, para que pudessemos supor uma determina~a estrutura invarian


:i
te no conjunto de contos maravilhosos ou de encantamento, realizamos uma anãliBQ ~
[~
proximativa de todo o conjunto de que dispomos, o que nos levou a pensar quase tra i1i
!~
t~va, em ultima instância, sob uma aparente variedade de teoas, da mesma narrativa
!~
I~
em diferentes versões 3 .todas elas, entretanto, pertencendo ao conto - assi'fl LJ
mesmozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
i']
como tlTodas as versoes pertencem ao uí to ," (Levi..,.Str<luss"
1967:252). Neste traba- I:~
,ia
lho poremll propomo-nos tão somente a_tentar de~nst~ar quais são os elementos que, l-~

a partir desta nossa anâlise preliminar, parecem co~~or a narrativa maravilhosa. I"

1
i.•I•.
.,• I·.ti···~.·~

!.
Um c~clarecimento quanto a nossa metodologia: ria analise que se segue tra-
taremos as unidades básicas da narrativa princip&lmente como sendo referentes -as ~'.
:- ..
-.,
implicações e vinculações dos diversos elementos entre si e em relaçÃo ao desenvol J
vimento da própria narrativa) ou saj8~ sincronicamente~ observando as relações que '".~
A

se dão entre os elementos em determinados momeutos ,'e em sua 8tlquencia diacrônica, .~

ao longo da narrativa.
buição de um determinado
Interessa-rios primordialmente investigar
predicado a um sujeito e o como se efetivam
o poP que da atri .
as relações
1
'.
existentes entre O! diversos ele~ntosdo conto. Procuraremos chegar, assim, a um ~-

padrão de combinação» operando em torno a certos eixos fundamcntai8~ que tecem a ..


,I····~··-·.·.····

trama básica na qual a narrativa se desenha. Os itens do contoi relacionados atra

,.1.·.··.•

~
-- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

16

vee de oposições c eo~le~ntações ao longo do texto, adquirem ao final um sigaifi


eado dentro de todo o conjunto do discurso. Todas as peças se eneaiY~m e se rela-
a lógica da estrutura invariante que subli-
eionamsignificativaree~te pnra comporzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC
nha a estória e a torna, por um lado~ maravilhosa e colorida, e ~or outro de uma
.implicidade e uniformidade surpreendentes. Propp apontara esse duplo aspecto do
con~o maravilhoso: " •.• de um lado, sua extraordinnria,diversidade, seu pitoreaco
colorido, e de outro, sua uniformidade não menos extraordinária, sua monotonia."
(Propp, 1910: 30).

i zy
!:
I'

I
!
I
I
III •.• ERA tn1A VEZ •••zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A. A Probl~mãtica do Conto Haravilhoso

Assim como qualquer outra narrativa~cremos que o conto maravilhoso ou de


encanta~ento pos8ui uma problemática. Atraves dos contos que nos propusemos a est~
dar procuraremos mostrar qual ê a natureza eepecífica dessa problemática. Como o
discurso nútico~ cremos que o discurso de que estamos tratando se propõe não somen
te a expor uma problemática, mas também a resolver problemas.

Em nosse ol'inião) os contos "A Rainha e as Irmãs" e "A Princesa do Sono -


-senr-°fim':tratamzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dos problemas que o Homem enfrenta na vinculação de seus relacio-

namentos sociais com a esfera mâeica e as interpenetrações das duas esferas. Assim
a narrativa tratá por um lado, da integridade/não integridade da famrlia~ num caro-
pó de ações que se desenrola numa esfera domestica que se compõe das relações en-
tre seus membros; trata~ igualmente~ da ascensão- social de indivíduos9 com referên
cis a uma esfera pública que diz respeito às relações entre membros de uma socieda
de que constitui o universo social maior em que se inser~ essas pessoas; e trata
ainda da entrada do elemento encantado que se vincula. a urna esfera mais amplap a
um cosmos no qual se encontra o indivíduo e que exerce constantemente seu poder.i~
dependentemente do indivíduo OÚ podendo ser, às vezes, apropriado por este. T~e -
mos este último ponto.

As relações dos indivíduos i ~rn todas as õpocas~ com II esfera sobrenéltural


e as tentativas de explicá-Ia com r~ferêncin a suas próprias experiências de vida,
sempre se revestiram da maior importância. A necessidade de dar conta do cosmos a
sua volta, de fenômenos q~e escapem a explic.'lçõesplausíveis em têrmos do universo
de leis conhecddas e cot:1trol~vcis~ .os !lincontroll\veis:;e "inexplic;'veis" em termos
puramente huroanos~ tem levado o homem ã atribuição de poderes es~eciais a entida-
desque dasconhece "f í.s Lcamcnt.e"r mes que pode reconhecer pelos atos que realizam.
O desejo de nk~ipulaçno~ ~c contrai e de tais seres sobrenaturaisi atreves da apro-
priação de seu. atributos e poderes nk~gicos$ esteve sempre imbuido nas ações huma-
n~. Em nossos contos; como veremos a seguir, percebe-se, por exemplo, uma concen-
tràção de poder~s ~~eicos no ~lemento fcninino~ estr~itemente vinculado, cremos, ã
propri~ cnpacirlcde singulcr da mulher na concepção de filhos~ feto natural que se
-reveste, entretnnto~ de ele~~ntos mãEicos. A chenadn do encnntamento~ sua entrada
e mistura no cotidiano das relações 8ociais~ sua m~ipuleção por p~sso«s especiais
e em funçeo de determinados propôsitosp v~i essupir ~. carnter específico na narr~
tive e se exercer; b~sic~Gnte em momentos que che~nrc~os de limin~res. Nessa esfe
ra de liminaridade tudo pode ocorrer. As pessoas e coisas adquirem poderes especi-
ais que podem ser utilizados par a o "bcm: ou para o ;;mal;;.O encantamento se car ae
terizaria ~sim por um campo em que ~ peSSQaS j ambientes ou objetos assumem atri-
18

butos "especiais:;, diferentes gernlrrcnte por sues di~nsões dnqu<?les 'considerados


'babituais·2 ou asparndoa -. No conto, tais "cs tados especiais \;se ~tualizam por
transformêções de pessoas em nnim~is, ouzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
em objetos~ destes em pessoas, de pessoas

em outras pesscas , de tmb'lcntes em outros ambientes. Ê essa modificação de situa-


ções que se opera, por exemplo, atraves da passagem de um estado para outro, ou de '
ampliaç30 ou exagêro de fenômenos non-:almcnte: conhecidos em proporções menos inten
que caracter:b~Grn a cnt rada do mngico na nar rat íva e atualizará
sificadan ~zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA sua re-
lação com osoutroa eixos b~sicos em redor dos qu~i6 se e estória: a in-
desenrolazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
tegraç~o/n~o-integraçno da família e a ?mbiçno social. Veremos como determinadas
situações intersticic.is que mediam os divers'os momentos da,narrativa constituem a
esfera de ação do clemento encantado.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
19zyxwvu
B. li Rainha e a. Irmãs

1. O texto

"Era uma vez três moças muito bonita!! e trabalhadoras, órfãs de pai e
rãe e que morav~m juntas, vivendo de co.turar. Numa noite estavam trabalhando oui
to entretidas e para passar o tempo conversavam sobre casamentos. Vai a mais ve-
lha e diz assim:
- SQ eu casasse com o rei fazia para ele uma camisa que cabia na palma
da mão e ve.tindo o cobria todo.
A do meio respondeu:
~ Pois se eu casasse com o rei tecia e bordava uma camisa que cabiaden
tro de um ovo de pOãlba, e aberta forrava uma cama.
A terceira disse:
Eu tenho outra opinião. Se casasse com o rei teria três filhos,dois
meninos e uma menina-, todos comzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
UlM estrêla de ouro no meio da testa •
..
Aconteceu que o rei estava passeando justamente diante da casa e pa-
rou para ouvir toda a conversa das três moças. No outro dia mandou buscar as três
moça,. e se agradando muito d~ mais moça~ casou com ela e convidou as cunhadas para
ficnr no palácio como ~rincesas.
O rei e a rainha viviam muito bem mas as duas.irmã. ficaram contraria-
II~~
das com a sort~ da mocinha, casando com o'rei e sendo rainh~. Tiveram inveja e co
maçaram a imaginar um jeito de perder a irmã Q ume delas easar com o rei. - j~
I
Houve entêo umas guerras e o rei teve que ir, deixando a rainha Q$pe -
rendo uma crian~a. As dues cunhadas disseram que ele podia ir sossegado. No tempo
a'rai~n teve seu descanso que era um menino bonito como o dia, com uma estrela de
ouro na testa. As cunhadas do rei trocarem o menino por um lapo e esereveram ao
rei contando a mentirn. Encarregaram a 'uma criada que levasse a criança e sacudis-
se no mar. Foi a criada e? n;o tendo coragem, abandonou o menino junto de uma ár-
vore, perto da casa de um caçador. Este. logo depois, pas.ou e vendo aquela trou-
~ chorando, abaixou-se e viu que era ~ criança. Levou-a para SUA cas~ e como
uao tinha filhos ficou criando o enjeitado.
. Quando o r~i voltou ficou muito triste mas perdoou a rainha. As guer-
ras continuavam G ele foi guerrear. deixando ~ mulher grávida. Aa duas irmãs mal-
vadas tornerama fazer a mesma perversidade, mudando o outro menino, com a estrêla
de ouro na te$te, por um sapo horroroso e mandando avisar ao rei que a rainha tiva
ra um bicho em vez de um filho.
A mesma criada foi sac"tdi1:o menino no mar mas deixcu o enjeitado de-
baixo de uáa árvore. O masmo cnç~or encontrou e levou para C~Âa o pobrezinho.
Quando o rei veio de novo custou a perdoar a rainha mas sempr~ se con-
formou. Pela tereeira vez foi ele guerrearzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
Q as cunhadas fizerem a mesma maldade.
Desta feita veio UIDr. meninar linda como os amores, e as duas pestes dis.erem que a
irmã tivera um .apo, ~d~do essa noticia ao rei. A menina foi abandonada e o ca
çador, que já criav~ os dois meninos ficou criando os três filhos do rei.
p

O rei quando acabou a. guerras ~ não desculpou a mulhlir, mandou-a pre.!!.


p

der e botar para for!'.do reinndo. Como gOlltava muito dela, promQteu AÓ vestir de
br~co e nunca mais dar uma festa. ~ duas cunhadas faziam tudo para agradá-to e
uma delas calar com ele.
. O caçador criou os trê. enjeitadas com todo mimo. Já estav~ cresci
dinho •• A trRnina ajudava em ca.~ e o. doia i~ eom o caç.'1dOrparn a. lIllltas. Numa
~el'a.."eaç~.dal, longo de casa, vir~..meles UIM estrada estreitinha que subia para
um monta muito Alto. Perguntcram para onde ia aqu21e eaminhe.
~(Jzyxwv

- Vai para a fonte de Ãeua-da-Vida~ respondeu o caçador - ainda não


só pe3soa d~queIas que foram buscar essa água.
voltou umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Pois eu vou, disse o mais-velhinhó.· E disse par~ o irmão que~ se no
fim de sete dias não voltasse nem desse sinal de vida, fosse procurá-Io. E tocou-
-se para o monte.
Andou. ruldou~ andou. Quando ia chegando no tôpo do monte atravessou
um pomar com frutas tão bonitas que eneantavn.m. Havia um rio de água muito fresca.zyxwvuts
O rapazinho estava com fome e com sêde. Tirou uma fruta, comeu-a, e bebeu ãgua.Ime
di.at.amence ae tornou uma estátua de pedra.: -
Sete dias depois ~ o irmão, não tendo notícia, foi procurá-V) e aconte-
ceu a mesma causa. Ficou virado numa estátua de pedra. A irmazinhã, não vendo os
dois manos voltar~m~ disse ao caçador qae ia também em busca dos perdidos. O caça-
dor só faltou chorar de desesperado mas a menina teimou e foi.
Quando chegou no pomar estava morta de fome e sêde mas sentou-se no
cháp e comeu o pão sêco que levava e bebeu água de um cabacinho.
Acabou~ rezou e andou para cima. Encontrou um palácio que era uma ba-
bilônia de grande, sem vivalma. Logo na ~ntrada_est~va um poço com uma agua fervc~
do. A menina encheu o cabacinho e tocou pare tras.
Quando ia saindo dopo~r viu duas estátuas nos lados da estrada e mui
tas outras espalhad~. A menina parou e re?arou que as estãtua~ eram os dois ir =
mãos seus. Não sabia o que faz~r quando se lembrou que levav~ Água-da-Vida no caba
umas gôtas em cima da pedr a , es-
einho, Tirou-o da cintura, destapou", deixou ct:'.Í.r
te estremeceu e os dois moços voltaram a ser gente, abraçando a irmã. O caçador
fêz muita festa quando os viu voltar em priz é 8 salvamento.
Como todos os três tinham estrêlas,de ouro na testa, o caçador fizera
três gorrinhos que eles usavam na cabeça~ escondendo o brilho. Estavam os três to-
mendo café nn ceia quando urná velh~ parou e pediu esmola. Foram buscá-Ia para co -
mer~ scntendo-a r.a ~sa. A velha ia comendo calada~ sem tirar os olhos dos três.De
repente peróvntou ao caçador se eram seus fiihos. O caçador contou ~ hi$tória. A
velhll.empurrou o prato e começou ti. chorar como UIM. condenndá"
- Esses menino~ são filhos do reizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
e' qu~~do nAscer~ eu fui ~tâ-los,jo
g3ndo-os no maro Como não tive coragem deixeis um de cada vez, debaixo do pé de
pau onde o c~çador os achou! Por winha culpa a santa m~e del~s foi botada pare fo
ra do reinado e vive num convento de freiras como cmpregnda, lavando o chão e co
mendo de. esmola. Eu perdi tudo quanto m", deram por esse serviço e estou arrependi-
=
da dos meus pecados e quero cjt1dar 4 fazer a vontade de Deus! .
Oe dois meninos e a menina perdoaram logo e for~m, sem perder tempo~ao
convento das freiras onde encontrarem sua mãcp ·que·os abr~çou chorandozyxwvutsrqponml
Q veio com
eles para ~ casa do caçador •
. O rei neo ca8nra e só vestia br~co, andando triste e suspirAndo. De
tanto chorar com a dureza de sua sorte cegou e não houve rêmedio de médico que des
.e melhora ao rei. Deu ~viso quc~ quem soubesse de um bom remédio para a'cegueira:
fôsse ao palécio que ser La recompensado. 'Ostr~~ viram a mão de Deus nesse caso •
Veatirarnrse dec~ntes e for~n lev~do a Ãg~ d~ Vida. Che8aram e pedirnm para ver o
rei. Quando entrêram no salão e as duas tias for~ vendo, reconheceram logo e fica
r~ da côr da ~;l daS paredes. A menina pediu licença G molhou·os olhos do rei com
·água. Logo recobrou a luz dos olhos e ficou sem ter onde botar 08 seus salvadores.
Foi logo dizendo: .
- Peçem o que quiserem!
Os três tircr.'!!Il
os go'rrínhos da cabeça , aparecendo as estr~las de ouro
Q .e ajoelb~ram e disserem:
- Queremos só que o senhor no~ bote sua benção porque é nosso Pai!
21zyxwvut
o rei avançou p~ra eles eornozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
W~ doido) abraçando e ehorando. As duas
tias pulAram por uma janela do palácio e se espatifaram nos lajedos da rua. Os me
ninos e a menina contaram tuco. O rei mandou logo buscar o caçador e a velha? daD=
do muito dinheiro aos dois c foi, com os filhos e toda a côrte onde estava a mu
lher~ pedindo perdão pelo mal que lhe fizera enganado. A mulher p~rdoou tudo e fi-
cou sendo outra vez rainha. O rei deu festas tão bonitas que as festas de hoje são
feins comparadas com ela. E todos for~~ muito felizes."

Jz
,
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j
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I
j
~
1
t
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1
S

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-- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

22
2. A análise

a) atf trêszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
irmã~

o
conto se inicia narrando a situação de três moças, que possuem
carnctcr!sticas comuns: serem bonitas, serem órfãs de pai e mãe, morarem juntas e
exercerem 8 atividacezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
de costura. A composição da casa apresenta-se, entao, em
termos de um esquema familiar, incompleta. A orfandade atual das três moç~s remete
a uma situação -anterior, inferida, em que existiriam os pais. A orfandade neste
momento opõe~·Be, por tanco, li existência dos pais num momento anterior não narrado.
A famíli~~entnog que possuia uma estrutura-integral encontra-se agora incompleta.
Es~a deficiência ettrutural traduz-se p~r8 as moças em têrmos de que têm que costu
~ar (trabalho). Se d~8F~wbrarmos essas atividades tal como elas são apresentadas
_no conto: moças - trabalhadoras ••• vivendo de costurar~ poderLamos ligá-tas às fun
ções masculina .. trabalho (par a sustentar a família) - e feminina - atividade de
costura~ no lar. Assim? as tarefas tr~dicionalmentc eS6oci~dAS respectivamente ao
homem e ã mulher, cncon~r~-se aqui identific~das nas figuras femininas que assu -
mem e.mbosos encargos, para preencher uma deficiência existente ne composição fami
liar~ a ausência de pai e mãe. Temos, então, as se~uintes opCoiições apresentadas
de início no concor homem/mulher ~ tarefas masculinas Ittl.refasfemininas ~ ambos. os
A relação de diferenciaçno en'"
conjuntos de relàçõcs encontrando-~e iden~ifict:',doa.
tre os sexos ~~ aí, omitida. Ent;o~ uma situação neo-problemntica~ de integridade
femiliar~ passa para uma situa~eo problemãtic~f de femitia não-integral, mediada,
ent.recento , -pcl~ situação das moças que concent rom em si os aspectos que, numa. si
tuação ideal, se distribuirirunentre os diversos membros da ft'mília. Obs arvemos i-
gualmente e oposiçno de gerações -pais/filhos ~ que$ nesse momento~ fica obscureci-
da, uma vez que as moças têm que trabl'.lhare costurar como seus pais o teriam fei-
to num momento enterior.

b) a aspimção de casamento cem o rei

A seguir. o conto nérra os desejos das moças com relação ao casamen


casa-
to com o rei. Temos aqui dois elementos importantes nn estrutura da estória:zyxwvutsrqponmlk
mento e rei. Teis -e Iementos referem-se simultêneamente aos eb:os principais no re-
dor dos queis gir~ toda a tr~nk~:intesridade/n~o integridnde d~ femílie,mobilidade
social e o elemento ~~0ico.

Quanto ao primeiro» atr~ves do casamento, as moç~s buscnrn suprir _


uma deficiência n~ compoaiçno de seu universo fnmilinr~ para nov~ente obterem a
integrid:!deda fCI!líli'1, zonpi.dapor sue or fzndade , Obaerve~B porem que o elemerrto
masculino introduzido atrnvcs dos desejos des moç~s é um só (o rei) e, dentro da
perspectivé1 do eixo d~ f~~ilin, como narrndo neste conto, e dentro do tipo de-so
cied~e a que ele se ~efere - monogêmica, que conhecemos pelo desenrolar da estô
23
ria - o cas~ento das três com um homem não seria possivcl, em têrmos estruturais.
Então, a relação teria que,ser reduzida a um casamento entre ~ das irmãs e o
rei. Tal situação inicial já nos informa que a não disponibilidade de parceiroszyxwvutsr
sexuaí s pode dar ocorrência a problemas fundament.aí.anas relações sociais (com a
monogamia/poligeniezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
sendo o primeiro elemento a escolha social valorizada), como
i

veremos no decorrer da narrativa. Notemos, igualmente, que os desejos das moças,se


concretizados, efetuari~ sua passagem de um mundo doméstico pora um mundo sociál,
atraves do casamento. A mediaçêo entre e3ses dois'mundos se daria, nesse momento ~
pelo cásamento. Igunlmente, com a introdução do elemento masculino, introduz-se a
diferenciação entre os 8exos~ ~tes indiferenciados p com a identificação das irmas
.na. ~tividade de trabalho e caseãr a,

Com relação ao que denomfnamos o eí.xoda mobilidade social, osdes.!,


j08 rei. O rei aqui representa a
das três moças se concentram no casamento com ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
figura máxima de autoridade, poder e riqueza no universo nbrangido pela sociedade
narrada. O desejo das moças visa, além do casamento em si (constituição de família)
igualmente ã obtenção dnmobilidade nk~xi~ em su~ sociedade. Então, as relações
'merllI!lente
de casament;oassinaladas acima I,eriamacrescidas de um atributo de nobre
za: as moças , easendo-s e com o rei~ tornar-5e-·iem rainhas. Dentro do eixo da mobi
lidade social, tcriamos a oposiç~o nobres (ou realeza)/não - nobres (plebeus), e
sua tr~sformação em nobre./nobres, pelo casamento, anulando a oposição anterior.
Os dBsejose o caráter mEgioo 'do casamento
c)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
-,,ji!'

Na natureza dos desejos das moças podemos observar elementos de ca-


rôter mágico. A3sim objetos que possuem a capacidade de adquirir t~hos
p exager~
dos, mínimos e m~imos, e crianças -nascidas com estrêlas de ouro na testa (evocan-
do a coroa real). E este ultimo elemento farn e mediação entre este eixo e os ou-
tros dois, pois. como o conto narra a seguir~ o rei ccsa-se com a moça que tGve o
d~ejo de ter filhos com estrêlas de-ouro na. testa.-

A seguir? o conto nos dã. uni outro elemento importante, que pOdería-
mos dcnomínar , errborlldeficientemente .no momento» de "acaso" - equilo que ntlo ê
controlndo~ que nno é previsto - que õ introdu3ido através da passagem supostamen-
te ecidentnl do rei diante da cese das moças. Obscrvemoss entretanto, que a nerra-
tiva não fala em "acaso'", As coisas perecem ocorrer dentro de \IIIla determinada se-
·quêncin lógica, o que nos faz pensar na existência de uma significação mais profu~
dn, que envolveria ~ causalidede de carnter meia emplo e que se referem todos os
eventos. A aperente fortuidnde da passagem do rei pela case das moças se explica -
ria. portanto, pele própria natureza do d~sejo da mais moça, que vem corresponder'
exnt~nte às cXpectlltiv3S do rei: casar-se a ter filhos com o próprio sinal da rc
lllezn~dnndo continuidade n lir~a de d~scendência (as estrêles de ouro ne teste) •
24zyxwvut

A narrativa caminha para um novo arranjo de posiçõe. em direção a


uma reintegração da família, não havendo portanto lugar para ocorrências fortuitas,
o siatema explicando cadA acontecimento a partir da lógica e do papel de cada ele-
~.ento.
Por outro lado, o fato de o rei mandar buscar as moças e, casando -
-se corouma delas, torná-Ias a uma rainha e às outras princesas, mostra mais uma
vez a importância da esfera da mobilidade social, em que o rei tem autoridade e p~
der de "tr.andarbuscar" as moças e de decidir sobre seu futuro - no caso, altamente
desejável - tornando-as nobres.· Observemos aqui o caráter específico da mobilida-
de que se dã a partir de uma iniciativa do rei, de seu interesse, ou seja, a asce~'
são das moças se dá em função da vontade e escolha do rei. Por outro lado, porem,
notemos que houve algum atributo que as moças possuiam que despertou o interesse
do rei. Primeiramente o próprio rei passa pela casa das moças - portanto fora de
se colocou ao nível social das moças
seu ambiente, do palÁcio. Na verdade, o reizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
indo a 6ua procura. Igualmente, as moças, pela natureza de seus desejos, se colo-
cam ao nível social do ·rei. Parece existir~ então, um equilíbrio nos dois tipos
de aspiração. Levemos em conta, igualmente, o fato,de que a narrativa não se refe
re a nenhum outro elemento que possa ter também influi.do na es~olha do rei, como
por exemplo algum atributo da-mocinha j sua beleza ou dmpátia, ~tc. Simplesmente
somos informados que o rei "se agradou muito da mais moçaJl• Hã, pOrtanto, uma ela
ra troca de interesses na busca do parceiro se%tial .movida por ambições marcadamen
i

te sociais •.

Todavia, um outro aspecto nos parece fundamental com relação aos de


sejos das moças e ã escolha do rei, este sim de significado tanto para o eixo da
mobilidade eomo para o da famÍlia. A mais moça das três havia express~o o desejo
de ter filhos - um desejo expressamente ligado ao objetivo de estabelecer a inte -
gr í.dada da família, ao inves de perpetuar a atividade (trabalho: costura) simboli-
camente associada no conto ã situação de não-integração da famÍlia. Note-se que
os desejos das três moças, da forma como são apresentados no conto, vão gradativa-
·mente se tornando mais específicos com respeito ã própria· relação natural entre ho
mam a mulher, e se distanciando de uma concepção mágica, encantada, aludindo ~ ca-
misa do rei, depois à cama, e finalmente aos filhos. Desse modo, 6 mais moça, que
havia expressado desejo mais claro com rQlação ao resultado da união entre homem e
mulher (o sexo e os filhos) ea escolhida pelo rei e age, neste momento, como ele-
mento impulsionedor em direção ã reestruturação da família. Vemos. então, nos des~
jos, um~ aequência que vai de uma concepção predominantementezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
mágica~ para uma pr~
dominantemente naturaL - o sexo e a prole que, ao mesmo tempo, no seu final, resu!
ta numa situaç~o que conjuga nrnbo~os elementos. e acrescenta a idéia de constitui
ção de uma família - elemento cuLtural.
2 5 zyxwvut

parente8co, casamento, competiçoozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


d)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

ComzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ó casamento com o rei, portanto, há uma nova tentativa de estru

turação dA família, no sentido do modelo de integridade familiar explicitado e va-


lorizado no conto. O casamento do rei com a moça estabelece uma nova união (que
recompõe os pais da moça. presentes na situação inicial suposta, não narrada) e
que tem possibilidades de se completar pelo nascimento de filhos, e restabelecer a
organização familiar valorizada. é ainda problemática por causa
Porem a situaçã~zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
da exiqtêncis das outras duas moças, as quaie o rei levou como prineesas para mo-
rar no palácio. HÃ, parece-nos, na composição dessa nova família, doi~ elementos
- dois)
(que na verdade agem de modo igual, valendo como um elemento estrutural, nao
que'se encontram de certa forma deslocados, o que como veremos irã acarretar a se-
rie de acontecirr.ento.s
que se seguirão. Talvez, em termos da "economia familiar" ,li
estrutura da família se limitaria ide!imente 5 presença de pai, mãe e filhos, sem
alguns dos quais ou com o acrescimo dé outros elemento$, a situação e!taria sujei-
ta a problema c -
• Ctetnosque a narrativa contem indicaçoes,
.! no seu decorrer e no seu
desfecho, nesse sentido •

. As duas irmãs ficam "eohtra.riadAs com a ~btte da mocinha, casando


-se com o réi e sendo rainha. Tiver~ inveja e'começar~ a imaginar um jei~~ de
perder a irmã e uma delas casar com·o rei.tI Vemos aqui como o tema do desejo exar-
cerbadc de estabelecer uma relação de casamento (e daí a maternidade) de encontro
às possibilidades do sistema e, por outro lado, de ascender s.ocialmente, traduzido
rei e sua inveja
pela contrari€dade das irmãs com a sorte da outra em casar com ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
da situação, é tratado na sociedade refletida no conto como algo "negativo", suge-
rindo que a ambição exagerada e aqüi vist~ como um mal, quando não ê controlada,en
quanto a.cou.tituição da familiaé sempre buscada como um be~ a se alcançar, tendo
como recompcils8 a mobilidade, esta "positiveti, valorizada pelo conto, pois agiu em
função da reestruturação familiar. _

Além da ambição social exacerbada há o aspecto de um ineonformismo


às regras e fatos sociais, que se atualiza atraves da inveja das irmãs em relação
ao casamento da outra, e do desejo de tomarem o seu lugar, casando-se com o rei ,
desconsiderando a regra social que atribui uma esposa a um homem c veta osororato
- como se pode inferir da nnrrativa, pelo fato de as irmãs terem que apelar para
atos especiais para anularem a relnção marido-mulher. Ademais, o inconformismo pa
reca se dar quanto ã conQiçã~ de "e!terilidade" das irmãs - pois não tinham mari-
do e consequencemenze ; nessa socIedcde , não poder aa ter filhos legítimos - e
í a
"fecundidade" da irmã que, casando-se, 'podia realizar-se na maternidade. O duplo
aspecto de poder que a irmn-rainhapOBsui - poder como rainha, em termos do mundo
público, e poder como esposa ~ mãe. em termos do mundo doméstico, opõe-se ã ausên-
26zyxwvuts

eia total de poder em ambos os aspectos nas irmãs. Terl4mos, então, umacoropeti -
ção em dois nIvei!: poder/subordinação e fecundidade (maternidade)/esterilidade.
Hã ainda o~tro aspecto de especial relevância neste momento: a si -
tuação de 'casamento da mais moça com o rei repreeenta uma inversão da ordêm "natu-
se
ral" da famíliá original das três irmãs, em termos de sua idade relativa, ondezyxwvutsrqpo
e.peraria que A mais velha se casasse primeiro. Poróm a ordem de idade das três,i~
vertida pela relação da mais moça, como rainha, com as 'outras, como princesas, mo~
tra uma tendência a reestabelecer-se em períodos nos qUAis a relação mais forte(ho
mem/mulher) se encontra atenuad~ pela ausência do home~marido-rei. E ainda, essa
ordem de idade é uma especie de manifestação mais fraca da relação pais/filhos que
as duas irmãs sempre tentam impedir. A estaria nos conta nesse ponto que a família

sê apresenta mais \llll4 vez carente de elgum membro, afastando-se do modelo de estr~
tura de posições. O rei se afasta~ por mOtivo de guerras, ficando novamente as três
coças.'Mas a,sep~ração entre rei e rainha esta vinculada pela gravidez desta. A apa
rente estruturação da família" em têrmos de ~ridó e mulher, e agora a perspectiva
,de um filho tem, por outro Iedo a invej~ d8S dúas irmãs quê queriam ocuparzyxwvutsrqponmlk
B poti-

ção duplamente desejável da rainha. Assim, a.inveja· das irmãs, em termos da. lnvet .;

s:;oda ordem etéria e em termos da própria 'posi~ão da mais moça, como rainha, age
.
como elemento mais forte nesse momento, tendo maior peso que o laço pai-mãe-filho,
enfraquecido pela ausência do pai. .,

Podemos o~servar que o conto a partir daí trata &8 duas irmãs se~
pre como tlcunhada. do rei" $ ao in'yesde irmãs da rainha. Percebemos aí um desloca-
mento de anfaie da consanguinidad~ para a afinidade, ocorrendo especificamente em
períOdOS problemáticos 'quanto ã estruturação da família. Igualmente, no início da
narrativa, a. moças são narradas como "moças", não como irmãs, relação que só irã
se definir mais tardQ~ com 11 entrada do rei em 'eu universo, o que sugere que pen-
semo. que o papel da mulher, ou sua' determinada posição numa estrutura, define-se
,em função do elemento masculino, 8egundo essa sociedade. E a ambiguid~de se atua·:
liza principalmente porque quando se passa a tratar es irmãs o comport~
moças comozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
mento das duas irmãs com relação ã outra, ao invés de revelar-se por união e soli-
dariedade - como parecia ler nntea o padrão de relacionamento entre irmãos e como
se concebe dentro da sociedade sobre a qual o conto nos informa (vida mais adiante
o relncionemcnto, este valorizado, entre o outro grupo de irmão.) - ê exatamente o
posto, vii ando ã desunião e à destruição da irmã.

Vimos como a inveja das dua. nnçrui. que se enfatiza com referência
ao que consideramol o eixo de mobilidade ,ocial - querer casal."com o rei e tornar-
-se rainha - extende-se pera umn inveja com relação ã maternidade da rainha. são
27zyxwvutsr

dois atributoQ que as:'dU49 moças não possuem, enquanto a mais jovem pode usufruí
-10s: ser r&inha a ser mãe. Assim ê que substituem os filhos da rainha por sapos ,
procurando negar sua mate'rnidade e, igualmente, a paternidade do rei.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
A ênfase es-

ta, entretanto, no fato de que fa&em isso com'vistas a incompatibilizar marido e


mulher para romper esta aliança em favor de l~a outra em que elas sejam beneficia-
das, substituindo-se junto ao rei. O desejo excessi,·o de ascensão e o inconformis
mo quanto a sua esterilidade se atualizam pela manipulação do fenômeno natural da
-
concepçao de filhos, que se reveste de aspectos mágicos. Entretanto, as crianças
na verdade não se transformam eItlsapos,· e sim são trocadas pelo animal. Nascem re-
almente com estréIas de ouro na testa e são mandadas jogar ao mar. O "encantamen
é de caráter rrevers Ive l , o que.posSibilitará
.to" da situação, como vemos, nãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
í ,
mais tarde, a volta a uma situação de normalidade.

As cunhadas do rei mandam uma criada jogar as crianças ao mar, subs

tituindo-ae por sapos; a criada, não tendo coragem, abandona-as junto a uma arvo-
re, perto da casa de um caçador. Observamos .aqu í ÚI!k'1 relação entre as crianças e

.os sapos~ ou seja. entre homens/animais, e mais particularmente animais de agua /


Icrianças a serem jogadas na água. Encontr~2e esses doia elementos ao mesmo temr
po identificados e diferenciados, pois par o rei e a rainha são sapos (en iraaf.s )
à

mas na ~erdade permanecem crianças (humanos). O fato de a criada não jogá-los no


mar mas na terra (árvore. floresta) traz-nos a relação mar/terra, que os sapos,por_
sua natureza de anfíbios~ mediam, e ~ próprias crianças trazem em si a mesma dua-
lidade havendo alus;o ãvida intra~uterina, em que oelemcnto líquido tem predomi-
nância. Igualmente, temos a relação dentro de casa (palúcio)/fora de casa (árvore,
floresta)5 assim como pa~ãcio (cnsa)/guerroa ~fora de cêsa). Rã uma valor ação nega
tiva do elemento égua ~mar) ncssemo~ntOt referindo-se ao local em que as crian -
ças deveriam morrer - embora em t~rmos biológicos a água se r elac i ona ao nascimen-
to, à gestação. Veremos como o elemento égua adquiriréWfu~ velora~~o positiva mais
adiante, na reestruturação elasitüação dos memb ros Coe. fnmília (vide abaixo o epÍ&ó
dia da "Ponte de Ãgua da Vida").
Observemos também o fato de as cri3nçaa serem encontradas por um ca
çador. Neste ponto de sua história de vida~ as cri,1nç~s e~tão na floresta (ãrvo
res), perto da casa do caçador, longe do palácio. associadas assim nos animais,que
habitam normalmente tais lugares. Talvez o significado aqui da condição d~ "ani -
fora da eooiedaâe , um sêr não-social. O caçador cedia os dois polos, so-
mal" sejazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ciedade e natureza, na medida em que, enqunnto caça, na mata, em contato com a na-
tureza, se encontra de certa forma id~ntificndo com e.ta, scndo portanto um ser ~.
bíguo. Roberto Da Hat t a, a respeito da "pnnema", desenvolveu este aspecto do caça-
dor. Refere-se a três fascs específica. no relacionnmcnto homem/natureza: a pri -

..•..~
~..~~~.'~C.8J~~,_"
..,.'.
~~\.,
•..~ ~..,;'~
tI. F. R. J. ~ \
~ M. N. .:·~~r
28

oeira, em que o caçador, como homem. está totalmente separado do animal, na socie-
dade; a segunda.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
durante a caçada ou pescaria onde ele se confunde com o ani
li ••• p

mAl e eom seus instrumentoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


s forro&ndo um conjunto indiviso. E uma terceira, onde
o homem se separa definitivamente do animal, quando o distribui para consumo." (Da
P4tta, 1967:12). Venos, assim, que na fase intermediaria há uma identificação en-
tre homem e natureza e que~ portanto, o caçador se apresenta como um sêr ambíguo.

Rã ainda outra relação a apontar: ~lêm de estarem identificadas com


animais, as crianças o estao também com objetos (a'trouxa), igualmente de proprie-
dades misturadas, pois ê uma trouxa que' "chor a'", humanizada. Hã, portanto, uma am-
biguidade na pessoa das crianças pois combinam em si diversas características. A-
crescente-se aqui o fato de possuirem as estrêlas de ('uro, e teremos diversas reIa
ções: homeml animal(lmâgico·1• O encantamento, que se atualiza nesse momento por uma
ambiguidade dos elementos, parece' operar dentro de uma causalidade de amplo alcan-
ce, que confere significado a cada evento, como por exemplo, a passagem do caçador
pelo local e seu encontro da trouxa com as c!ienças. Como havíamos afirmado acima
,há uma ligação significativa entre todos os acontecimentos - na verdade, não ha e~
pP.çopara o elemento "acaso" ~ uma vez que a cr í.ada já havia colocado as crianças
perto da casa do caçndor, que naturalmente'a~ encontraria.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP

08 pobres órfãos fi'Lho8 do rei


f)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A famíli~ acha-se incompleta, mas a r~estruturaçao ocorrera na medi


da em que os elementos "positivos"·- 'que funcionam a favor dos aspectos socialmen-
te valorizados, ou seja, a fam!lia - agem com um pêso maior~ neutralizando gradati
i . --

vamente a força negativa dos elementos que visam a destruição dos objetivos soci -
ais. Assim, as cr ençae ~ que tinham pai e mãe, ficaram sem nenhum dos pais, e ago
í

re adquirem um pai substituto. O caçador era um homem sem filhos, segundo a narra-
tiva, e agora possui filhos adotivos. Paralelamente, no palecio, ha o pai e a mãe
sem filhos e depois a separcção dos doisp e o rompimento total da integridade da
família que, em casae fica reduzida ao pai e às cunhadaS. Notemos que o elemento
.de ligação desses dois elementos está ausente (a mulher do cunhado, irmã das cunhe
MS) o que torna ~ relação pai/cunhadas uma relação va.zia, sem o elemento de liga-
ção, mediação. Hã, portanto, umk~ total não-estruturação da família, que se encon-
tra ca~ente dos membros que ocupam 8S posições estruturais-chave dentro de~a e que
a definem.

De acordo com 8 situação atual há ainda outras oposições que pare-


p

cem signific~tivas, na explicnçp.o deste periodo de desorgnniz~ção femiliar e que


...
mostram o care te r mêeico e !Il!1bíguo
.•. -
que e introduzido: as crittnças sao adjetivedas
_.
-
como "enje i tadas" - embo ra t.enham, na vcrdede , pai e mae ; como "pob rez ínhea " em-
bore sejam filhos de rei e rninha; e como abendcnadcs - embora tenham casa (palá
li li
29
cio}, pai, mãe e fortuna. Esse caráter ambíguo, que permeia os períodos problemá-
ticos concernentes ao eixo de integridade/não-integridade da família, manipulado
negativamente pelo eixo da aspiração incontrolada ê detonado dentro da
das irmãs,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
esf era do encantamento? que constitui o campo de possíveis ocor renaí as marginais
ao sistema mas que, por conter elementos fortemente positivos culturalmente, tende
para uma próxima reorganização da situação e sua re-inserção no padrão social.

Assim. embora deslocadas de sua casa, de seus pais, etc., as crian- ,


J
U
. ~
ças passam a ser cuidadas por um pai soe{al (em oposição a seu pai biológi~o, cuja 1
paternidade havia sido negada por obra das .irmãs) havendo um encaminhamento para a
j
I
integração da família~ embora ainda problematico, porque o pai ê sõzinho e elas
não têflmãe present~. Sera a menina, a mais moça novamente do grupo de irmãos, que
1
~
.
,
fará as funções caseiras, femininas, :l
no lar.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
;I
:j
Observemos -
que, apos o nascimento do terceiro filho como "sapo" e
-
nao criança, do ponto de vista do rei rompe-se o casamento,
••..
devido a negaçao da ; ~
,

descendência. O laço que unia rei/rainha (IlI{lrido/mulher)se manteria ã· medida em


·que ela lhe desse filhós; e não somente filhos comuns, mas com estrêlas de ouro na
testa. A dcscontinuidade do casamento efetua-se pela negação da descendência es-
perada. O desejo de manutenção de sua posição de rei, tendo herdeiros que darão
continuidade a sua realeza, pela própria marca biológica da realeza (as estrêlas
.-
de ouro na testa) e mais forte que a manútençao do laço de casamento. A força da
mobilidade social - no caso~ ~ permanência numa posição alta, máxima, na estrutura
social - assim como a aspiração a uma descendência eapec'í a'l, agem em conjunção co-
mo elemento destruidor da integriuade da família? não somente do ponto de'vista do
rei mas, como vimos» de su~ cunhadas também.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC

g) a 'marginaUdacle

Hã uma equivalência entre a situação da mãe e a das crianças, nesse


momento: ambas estão sem pais - a mãe sem filhos, nem marido; sem realeza; e sem
casa •. Igualmente, o rei esta sem filhos, sem mulher, e se afasta de sua vida pú -
blica, não dando festas~ so usando branco. Assim, a aspiração de mobilidade soci-
al a todo custo ou sua manut~;:tçao~ aliada ã frustração de uma aspiração a uma des-
cendência especial (no caso do rei) e a uma posição na estrutura da família que
não possuiam (no caso das irmãs) não sendo casadas, não tendo a maternidade, perm~
necendo cunhadas e tias), agiram de modo deter.minante na decomposição ~a família.
Veremos, a seguir~ como sera feita a mediação para a recomposição da estrutura de'
relações, que ê o modelo ideal de família aspirado pela sociedade. O encantamento
aparece aqui, portanto, vinculado a uma situação não-estruturada, que contem ele -
.entos .ambíguos em cada ator, mas tal situação não ê irreversível para a reorgani-
zação da familia,'modelo a alcançar, uma vez que ha realmente um pai, uma mãe e os
30zyxwvuts

filhos, só que leparados por obra da aspiração exacerbada veiculada pela inveja
d~ duas irmãs - apoiada pela frustraçÃo de IU~ descendência, pelo rei - que colo-
os membros da família, t emporariaaen t e , em estado de "ausência estrutural", ou
cazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
lIinvisibilidade", como diria Victor Turnar: 110 lujdto do ritual de passagem está.
no periodo liminar, estruturalmente, le não fisicamente, invisível". (Turner, 1969
:95). Os membros da fanlíliase encontram em UTJ poríodo liminar,marginal, de transi
çeo entre uma situação de família estruturnda, nno problemática, e uma outra sit~
ft~40 .·final,novamente de estruturaç.ão da ftu!lIUa,· em que 01\8 pessoas se encontram
em suas posições definidas frente o seu grupo d~8tico e ftente ã sociedade como
um todo (respectivamente, pai/m.le/filhOI c rei/t'dnha/príncipe) perrodo esse ~ i- p

gualmente caracterizado, no conto como nos rituais, pelos atributos de ambiguidade


neutralidade e invisibilidade cstrutural. ~8irn como 05 neôfitos dos ritos de. pa!
ambt-zyxwvuts
sagem, parece-nos que os me~Jros da.f~ilia enc~ltramrse com característicaszyxwvutsrqponmlkj
guas - passam para uma esfera que 1' ••• tem poucos ou nenlum dos atributos da situ-
(Ibid .• : 94); carac tcr i sticns neutras - "Não possuem sta -
ação passada ou futura".zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tus, propriedade, insígnia, vcstimcntn secular, posiç~o social, posição deparente~
co , nada para demarcâ-Los cs t ruturc lment.edo seus sene Ihcnras , (rbid.: 98); e ca- 11

racterísticas "f.nvi8{vei~" - assim como os neôfitos, clcs c3tno "em outro Iug ar" ,
nno aquele em que normalmente deveriam Citar, o.tão ausentes estruturalmente.A;uim
encontram-se numa situação que apresentn poucos ou nenhum dos atributos da situa -
ção anterior ou da seguinte: o rei catá SCln mulher o filhos, não frequenta festas
. .
e usasô branco (de acdrdo com n n~rrntivn. clQ p~ssou a usar só branco em conse -
quência de sua tristeza -:o branco como oin!.\l do uma neutralidade absoluta); a ra-
inha está sem seu marido e filhos, num outro lugnr ondc n;o cstaria em outras cir-
cunstâncins - num. convento -- pcd.índo esmolas, não tcm bens, título, posição social
ou de parentesco dcf i ní.da ; as cr ençns , igu:\lmcntet cs6io longe de casa , sem
í pai
lJ
(biológico)? sem mãe, iguc1mcntc ,em nob rcze, e Icm vcs t monto adequada - vide no
í

final como elas se vestem "dl:1ccntcJI!


para ver o rei. As próprias cunhadas do rei
estao num lugar que» de direito, nôo ó o dclM, junto no rei, ocupnndo a posição
de outros indivíduos. Notcmos, tl'lllhêm quc, MIlta CC'm()os ·ncôfitos, 8S pessoas no
., • - ", - , fi -
pcr1odo de tran31çaO ctl nossa 2storltl entrr~ em ••• concx~o com a divindade ou o
poder sobrehumano. (Loa. oit.)· M pouoe. p:lrOCOI'l rce Imcnt.e entrar em
1I
contato
com uma esfera sobrehumana: lla cr1llnça•• com o podor d..1curnr com n Água de.Vida;
a mãe, num convento - lug,~rdo OfttÇl\O.do c:ont.'\to com a esfera sobrcnatural,embora ",i
por sua car~cterl:sticn igualmcntQ r.rb!gul'\, utcjl'\ du,clTIf'cnhando
funções de criada. ,
E a situnção e ainda Ill.'lis
,'lInblgu..'1
te lH.ln'~loa que o convento Q 1nll lugar de freiras
mulheres que tradicionalmente fAzem voto de c~.tidadc - e a rainha e esposa e mae.
Pllr!3Ce,outrossim, que hti \rmI\ idúi~ de nccossfdnde de purificação ~
nssoéiada a uma "poluiçno" dos indivIduo,. qu.) t~m que 80 purificar para se reinte
31

srarem na estrutura 'social. Assim, as crianças têm que se desligar do atributo de


estarem identificados com sapos para tornarem a ser aceitas, a mae tem que provar
sua inocência, limpar-se de sua suposta culpa, e o rei tem que se privar de sua
os filhos que o salvaram de cegueira (vide ao final quan-
riqueza para recompensarzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
do o rei oferece tudo que seus salvadores queirare como pag~~nto pelo que fizeram
.cur a) , Parece que essazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
IIpurificação se dê em termos da realização
por suezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ll
de
certos ritos; pelo rei$ que se veste só de branco, se priva de festas; pela -
mae,
que vive como criada (associação significativa, se'pensmnos que a criada fora obri
gada a matar as cricnças, e a mãe havi~ gerado essas crianças - vida/morte estrei-
tamente relacionados); e pelas crianças, que estão longe de casa e na fonte de
Água da Vida._ Est~ último aspecto sera desenvolvido a seguir.

h) a fonte de Água da Vida

Morando com o caçador', as três crianças ajudam-no em casa (a menina)


e nas c~çadas (os meninos). BE aqui novamente uma diferencigção de sexos, cada um
exercendo funções específicas. A p~sscgem para a entrada na situação encantada da
fonte de Água da Vida se d~ numa das caçadas, lcnge de casa. ~ importante notarmos
a oposição casa/longe de casa, em que os eventos que acarretam encantam~nto se
dão longe de cas~ (..,id~ a saída do rei para as guerras e os acontecimentos que ,se
sucedem, e a sarda dos meninos para as caçadas, ambos "Longe de case" •

A partida de todos os irmãos em busca do outro que não voltou pare-


.ce mostrar que l'l~ Uma uni~o no grupo de siblings '(o que, na geração anterior, nao
ocorrera). Podemos co locar que neste caso 8 existência de algum pai (ou mãe), aí n
da que soment e social, pode enteocontribuir para t31 situnçoo - estritrunente den
tro dos termos da sociedade-de que estaMos tratando. Na geração da mãe e suas ir-
mãs, n30 havia nenhum dos pais que agisse como elemento de cntaliz~ção e de supor-
te ao p~rentesco, controlando, por ~xemplo, os impulsos invejosos excessivos entre
as irmãs. NoteMOsp por outro ledo~ que as crianças, embora não desobedeçam ao C~-

çador -, pai social - agem por conta,própria, deixando-o desesperedo por sua parti-
da. T31vez possamos ~ssinalar aqui um simbolismo que parece encontrar apoio no
desenrolGr da nnrretiva: a necessidade c a determinação das crianças em encontrar
a fonte de Água da Vide pode estar associada ã busca de suas origens. Afinal, a
!gua da Vid3 possibilitará, no t~rmino da estória, que reencontrem € restabeleçam
sua rGlaçno d8 filiaç~n e sua posição soci~l, ~urando o pai. N3 geração anterior,
é a nk,is jovem do grupo de irmãs que possibilita. através de seu casamento, uma
ação em direçna a uma estruturaçao da famrlia, no eixo da integridàde/não-inte
gr Ldade , Agora, é também a maie jovem que Lgua Iraence estaria agindo em direção ã
integridade, buscando e salvúndo seus irmãos, e J)ossibilitando a recomposição da
família de origem.
32zyxwvuts

ná uma diferença fundar'lcntl!.!de comportamento entre os irmãos e t1

Águ.!\d8 Vida. Eles. comendo de frutas qUta encantavam e


irmã, no local da fonte dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
bebendo de um rio com agu.:t muito fresca, tornam-se pctrific:ldos; ela, embora morta
de fome e sede$ senta-se no chão e comz o pão·seco e a ãgu~ do cantil que levava.
Além desses atos ela também reza. Vemos que os comportllmentos dos irrrtãos e da ir-
mã são ~nversos: a in~ã mais jovem, observando alimentares, rea
certas prescrições
lizando determinado ritual, submetendo-se a certas privaçõe~, abstendo-se dos ali-
mentos fr2scos (naturais) faz sua passagem sem proqlernas - nno se transforma em
pedra - agindo dentro de pndrões marclld~ntezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
culturais$ em oposição aos irmaos,que
"natural.", Dessa forma "pur i f í.cada'", ela se prepara para
tiveram um comportamentozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o contato e recebimento de poderes sobrehuoanos, os quais utilizará, de imediato,
p~ra fazer com que seus iIT.l!loS
voltem a "ser gente" (volteo a ser seres culturais)
e, a longo prazo, para ft.zer COI:! que seupni recupere a visão, e se recomponhél fi-
naloente a família. O encantanento··opcra aqui atraves de sua mediação benéfica em
direção a uma integração da ·família. O próprio ambiente em que tais eventos ocor-
re8 é um "monte muito i~totl, em relação ao lOCál da casa do caçador, portento numa
·esfera d i f er ent e do cotidiano, muito longe de casa, num lugar "aí.to" - talvez alu-
dindo ao campo do sobrenatural. Podemos as.sinalar que a menina encontra um "palá-
cio que ere urnz babilônia de grande zem viveIroa por certo uma analogia 80 outro
l
: -

palácio, do rei seu pai, que sem os membros da femilia ficara vazio .• o rei "ausen-
te" - atraves de suas auto-privações cie usar sÓ'branco e não participar de ativida
des - as cunhadas usurpando posiçõe$ de outrem e não tendo significação na famflia
como meobros essenciais, una vez que sua relação' com o rei (como cunhadas do rei,
como 530 t rat eda 5) só é explicade em termos de sua re.lação com e rainhn (irmãs
da rainha)] esta estando nuscnta, aquelas perdom seu sentido na estrutura d~ famr-
"

lia.

Com a água fOP.Jendo de um poço (elemento natural "culturellzado", elA-


borado), 8 Água da Vida, a ~enifia reabilita seus irmãos, virados em estátuas de '
pedra (naturalizados). N~ste ponto; obsorvamos a diferenciação de sexos, e~ que a
mulher demonstra ser ext remarnent.e necessária ao homem; talvez a importância. do fe-
minino aqui esteja.associada a sua capacidade de dar vida a seres humanos, fazê
-108 virarem "gent~fI,e não 50 num sentido biológico m<:!S igualmente (e principal
.mente - devido ao fato de que a menina não é mãe àeles) num sentido social., A meni
na, portanto, por seu comportamento de observância de prescrições, esta agindo co-
mo elemento transmissor de exemplos de curapr imento de preceitos sociais, de conp0E..
ta~ntos adequedos, assumindo o papel de mãe que eles nao possuem nessa momento,d~
do-lhes vid~ e reintegr~ndo-os no mundo doméstico que. embora não esteja estrutu -
râlmente co~pleto, constitui uma €ta~a ness~ direção. Amenin~ poderia ser no mo-
mento a mee socinl, aproximando a família ao modelo de integridade que a sociedade
33zyxwv

enfatiza. Temos a impresB~o dia que hE uma clara alusão ti função materna que se
extenderã mais adiante quando a menina dará luz aos olhos do pai~ iniciando o pro·
cesso de reunião da família o qual tem início aqui com a recomposição do grupo de
irmãos - exatamente o grupo de ir~i1ãos, o me s mo g r up o que na geração anterior
"decompôs" a famflia. j ã contem os elementos de uma si-
O nôvo padrão de posiçõeszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
tunçao reestruturada que se eproxima.

'. Como vimos, o episódio da Água da Vide cont~m uma oposição bastan-
te significativa entre coí sas nnrur aí s e culturais, havendo uma valorizaçno positi
va do elemento cultural, de transformação, elaboração social. Assim, temos de um
lado a água fresca que os irmãos beberam e as frutas da árvore que comeram, el~IDen
tos nitidamente naturais; de outro, lado. notamos a abstenção da menina a respeito'
da comida e bebida, comendo o pão que trouxera e a água da garrafa, produtos 50 -

cialmente transformados. ~ devido ao controle dos impulsos natur~is e preferência


pelas comí.das e bebidas "socí aí s li. ao invés de sua contrapartida natural, que a me-
ní.no possibilita a passagem do estado "natur e li.àado" dela e de seus irmãos ao seu
próprio estado social.

A segúir, vemos a fnrnílin novamente composta dos irmãos e irnã e do ca.


çador , ainda permanecendo incompleta em t erraos do mod eLo mentalizado de integrida-
de faniliar implícito na sociedade narrada.' Surge uma velha, que é a criada que
~.o mar, que nerza agor a a história das crianças e a si>
fora incumbida de jogá-loszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tuaçao de mãe, também como crieda~ num eonvento, cooendo de esmola: Em termoS do
modelo da família, há nesse momento outra tentativa de recomposição que sugere uma
situação menos daficientc. Ass.io, i:êm-se a t!l;:e, ausente fisicamente nas presente
pela narrativa da criada ~ r.csmc presente p~la própria pessoa cc criada, com quem
é identificada no Domento, por s~as posições a~uais senelhantes na sociedade (como
criadas). Notemos 'aqui que a criada perdere tudo o qU2 hnv a recebido
í pelollse!.
viço" de matar as crianças e estava arrependida dos pecados e queria ajudar a fa-
zer ~ vontade de Deus. Assim, há alusão a sua ascensão social e agora. queda, den-
tro do eixo da mobilidade (que func ona oaisuc.a
í vez negativamente quando em de -
trimento da integridade da família, .quando se anuln o desejo incontrolado de ambi-
'ção e a criada se arrepende, h3: a abertura em outra direção, pendendo a balança p~
re a reorganização- fnmilié'.r). trotemos, também, a expressno "ajudar a fazer a von-
tade de Deus!l que den~nstra szr a integraçêo da frunília o objetivo desejável e va-
·lorizado. como se fosse ° destino, a vontade de Deus.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ

iJ a l-eunião

A mêe, assin, é encontrada. pelas crianças; recompõe-se novamente a


família, ag<:>racomposta de mãe, pai (social) e filhos. O conhe ciraento da cegueira
do rei(~pai) leva as cr~nnças (-filhcs) até ele, para. dar-lhe luz aos olhos. Tal -zyxw

Ir
34

vez haja aqui, como apontaDOS acima, uma associação entre darzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
ZU3 aos olhos do pai

e e~clareeer a.sit~~ção dos filhos com relnç~o a ele~ além de própria busca das
- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
origens,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e a re-criaçao da fnnília, re-nasciBento. O pai estava cego, fisica.mente.
:ulS tambéu cego s Inbo l canent;eí pois não pode ver a situaçã.o real 41 sua volta, acre
ditando na t r ana das cunhadas. Seu desejo de manter sua posição de rei e de asse-
gurã-la 'por uma descendência de fil~cs com estrelns de ouro ~a testa foi impedido
de realização pelo f41to dos filhos naacercm suposta~ente sapos (poderírumos dizer
=~smo em oposição máxima ao seu des8jo, pois os sapos estariao numa escale diame -
t r alment;e oposta como seres a'lt ament e negat ívos e despr e aive s ~ ao passe que os fi í

lhos qu~ esperara ter. tinham características duplamente desejáveis: além de filhos
eo 'si, sua descendência biológica, pelas cstr;::lesde ouro na teste estnv:!l.
garanti-
da sua descendência ~eal - biolõ8ica 8 indelev0lnente oarcada!). A frustração. do
seu desejo foi mais forte do que a con~inuação do laço de aliança com a rnulherJro~
pendo-se o casnnento. O desejo~xcessivo de oobilidade, cono indica~os, ou e ma nu
tenção de uma pusição soc i al ~ agiu CO!:1Ç e Ienenco ocléfico: destruidor da integrida
de familiar. Agora os filhos, novido13 não pelo desejo de ascensão e qU:!l.lqucrcus-
to, mas de receber a bênção paterna (eu seja, serem reconhecidos como filhos) con-
seguem super-ar <,o esclnrecer a situnção ~ definindo 8· fanília. 2: necessário observa!.
mos a diferença entre os dois tipos de expect at Lve de ascensão social: um, tratado
nessa sociedade como negativ9~representado·pelas duas irmãs que a todo custo dese-
jam ascender, usurpando posiçõe~, destruindo qualquer obstáculo, visando unicamen-
te a neta a atingir. O outro, simbolizado pela rainha e filhos, um tipo de aspir~
çi!o de mobilidade em que snc aceitas as condições normais do papel da. mulher do
rei (isto 2~ ser ~2e possibilitando sua descendêncie) , o que torna sua ambição ju~
ta e controlada. ~ssim como os filhos i que essumeo sua filinção frente ao rei. das
p~rtando-o, sue própria paternidade, salvando-o da si-
como veremos ~diante, parazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tuação d~ obscuridade eM que se encontrcva frente n sociedade como um todo e ã fa-
oília en particular.

~ inportsnte V8r que, embora o rei tenha dito~3 crianças que pedi~
sem (\que quisessem, estas ;;ó lh~ pedi.rar.l
o reconhecimento da pnternidade. Note
mos, iguah1ente, que o rei põe ã disposição tudo qu~ possui para seus salvadoras •
Abre mão de sua riqu~za e poder - de tudo - afastando-se da sua aspiração anterio~
de mant~r sua posição socinl a qualquer custo, mesmo em detrimento do laço famili-
ar. A ambição excessiva é dcfinitívnncnte superada, e o desejo de mobilidade jus-
ta. controlada~ é realizado, o que abre cnmin~o par~ o triunfo da integridade da·
famllia, o Bem a alcançar, de acordo com os valores sociais expressos.
35zyxwvuts

Notar que a consideração-chave aqui, COllt respeito; ambição social,


ê que o desejo de ascens~o dn irmã mais jovem - que se torna rainha e mãe - está
ligado desde o início âzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI
f í.dcLí.cadc coro relaç;'o ao ideal de i:::ttegridade
da família
(ví de seu desejo de ter filhos ~ se casasse com o rei), ao passo que a runbição das
irmãs é opostazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e esta integridruic, lignndo-se muito mais aos 1'tSpectos exte.:riores e
mágicos .de um casamento com o rei, ou somente ã relaçêo sexual entre hom~~/mulher.
(como vimos: cnmisa que cobriria o rei, ou que forraria urna cama) sem fazer refe~-
rência ã geração de filhos e, consequcnternente, dentro da perspectiva aqui valor i-
z~o, sem contribuir para n integridade da f~~rlia, elemento definitivam~nte vala
rizado no conto.

2 interessante vermos que a narrativa nos diz que o rei ilficou sem
b .:1".
atar os S~VSJsa 1va~~~s.
11
ter onde O rei, desconhecedor ainda da verdadeira rela-
ção entre·ele e as crianças, não sabe onde colccn-Ias. A estrela do ouro na testa
estava coberta por gorrinhos. O rei neo pode encaixã-l~s em nenhum lugar, nenhu-
ma posição na es t ru tura social e de parenres co) , 1! preciso que as cr anças
í tirem
os gorros (disp~m-se de suas vestes "sociais H) aqpeçno sun bênção, revelando su~
p~ternidade, restabelecendo sua autoridad~ como pai, e tambGo sua realeza, pelo r~
flexo desta na testa dos filhos, pare que a situação se esclareça p~ra ele. para
que se defina, fi~aloente, a família.
Por outro ladog ofuto da vermos a criada querer ajudar a fazer a
"vont ede de Deus" e as crianças .verem lia mão de Deus no cesc" fa:;-'nospens~r que 8
vontade de Deus perec~ est~r nssoeinda aí ã re€struturaçno f~iliarp talvez em opo
siçoo a UtU11 suposta "vont ade do di~bon, associada ã aspiração maléfica e exacerba-
da de mobilidade social das cunhad8s~ seu inconformi~mo, seus atos d~strutivos pa-
ra coei a fa.IJ1ília,
agentes dessafo~ça negat í.va , As cr ançes
í t vendo. a mão de Deus
no caso, pressentem Gue as circunstâncias são favornveis para a utilização de
seus poderes sobr~naturais de cura - pel~ poss~ da Água da Vid~ - e agem como ins-
trwnentos da vontade divina - eles que já possuem certos atributos "divinos", so -
brenaturais, as estrel~s de ouro.

A "ventade de Deus 11 seria if,ualoente um dos.:lementos positivos que


reforça o aspecto cultur~l~ante valorizado que é a união de família. Então a reli
sião, instituição altaracnt;e cultural s age como mai s um elemento pare neutralizar a
força negat Lva de tentativa do destruição do valor sociel e auxi.Li a , juntamente cem
os outros elementos fortcment~ positivos~ em termos culturais, a saída da situação
margin~l, ~~ígua.

As ties t não tendo f.18isnenhuma alternativa, tendo-se esclarecido a


situação.6 ficado provad~ sua atuação maléfica e sua culpabilid~de. suicid~setPu
lando pela j.:-.ne.la •. Viram frustradas todas as !'IUI!~ ambições, estão totalmente des-
provida. de qualquer apoio estrutural de inserção (na f~rlia e na sociedade ~ não
36

seu pnrentesco com 8 irmã é ~~fetado por seus atoi que destroem,
t~o pais.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA portan-
to, essa relação fraternal, e, por decorrência, não têm cunhado, nem sobrinhos.Sua
~$piração à realeza fica bloqueada' e assim, não tendo nenhuma base em que seapõiemzyxwvuts
~a estrutura de parentesco, na e~trutura doméstica e pública~ vêm-se obrigadas a

"desaparecer de cena", Seu "suí cfd í.o " torna-se uma perspectiva menos dolorosa do
~ue uma'conformidade ã realid3de de suas vidas, d~ frustração de suas ambições."E~
patifaram-se nos Laj ed os da rua"; igualmente uma alusão' à desorganização das rela-
ções que causaram, desraembr ando+as , espedaçando+as ; estragando-as (de acordo com o
verbete no dicionário são elas que. vêm desorgani:;adas~ es
para "espatifl'J.r")lIagora~
patifadns suas aspir~ções1 que C::lempor terra, assim como elas próprias.

Notemos que e nesse ponto de narrativa que as cunhadc!lsdo rei -


sac
tias das crianças c~ justamente quando se define clarl.'UIlente
tratadas comozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA sua rela
Ç30 de parentesco, ela ê r cmp í.da pe Ia prõpri~ conseqüêl1cie. do que fora a tentativa
~nterior de negação deste: as tias haviam eliminado os sobrinhos$ por sua ambição
incontrolada tanto de mobilidade quanto da superar sua condição de esterilidade,ou
não possibilidade de SQ realizarem na maternidade, assim, os sobrinhos agora 1/ e1i-
ninamo as tias, por seu desejo de reconstituir c!lintegridade da famÍlia. As tias
finalmente ficaram para "t í tí as " - não se cascr aa e os sobrinhos passam a ser os
que mais acentu~ sua situação de solteironas, castrando a narrativa como na socie
da.de a categoria de "t e" (e seu equivalente
í pejorativo "t í t í e") contám uma carga
de desprezo social.

Vemos como os dois eixos em redor dos qunis gira basicamente a asto
ria se cruzam par a , ao final, pr evatccer a integridade da frunília sobre .-z aspira -
ção sem limites - e essa é a moral. social que se quer transmitir.

Pais e filhos e toda a corte vão buscar a mnc; conpletn-se a famí -


lia que contém agora, dentro da "economia fami liar 11 , os membros estritamente sufi-
cientes para seu bom funcrionaraento: A mãe assume sua posição de rainha, e a liga-
ção entre mundo domé$tico e mundo públicozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
se dã, agora, sem problemas~ A mulher e
as crienças, que hnvian descido na escalá social - dcixe~dop respectivamente, de
ser rainha e filhos de rei - retooam suas posições: tarito n~ fD!!líUa quanto na so-
ciedade, sempre em função de s~as aspiraçõ~s de intcgração da fanília~ valor 80-

·ciel funda~nt~l, positivo. A ~obilidad~ aqui é igualmente positiva, pois os meios


d~ etingt-Ia sno aqual es aceitas dcnt ro da per spect íva e dos limites colocado" pe-
la soc i ed ade , A mobd l dada social seria aqui a re corspensa justa para a fidelidade
í

ao ideal, ao valor social de integridade da família. Então, dã-se uoa justa corre
lação entre ,os dois tipos de desejo de Dobilidade.
37
O,conto t~rmintl. ~ntãoo ntl.rrandoti.situação da femI'lia. composta 8!;Ora
c. pai, cão e filhos, .ituaçeo elsa em quo todos sÃD felizes, unidos,aitu8çno nào-
rrobl~tica. o. problem88 forno resolvidos peia narrativa.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
3. Comentáz.i06

d!,zyxwvut
Procurtl.OOsmostrar cone o conto "A Rainha e as Irmãs" possui umnzyxwvutsrqp
t~r:llnadn estrutura. Vimos de que modo esta ~e explícita 80 longo de toda a narra
tiva, sugerindo um padrão específico de crdcnsnento dos diversos elementos entre
.i e em rQlação ao todo.Apont~os certas oposições utilizadas pela narrativa que
sarvcc para reforçnr a. linhas principais que, eu nosso modo de ver, norteiam 8

óaJtória.

Hã, ainda, diversas outras relações que poderiam ser indicadas coco
I

••xi.tentes n~ste conto, entretanto, pensamos que sua enuneração seria, prioeiramc!!,
t~t por demais monótona - peio grande nooeto ele rep~tições - e~ em segundo lugar,
porque buscamos, em últiuá instância, o oodôlo oeis simples, que forneça a informa
,
çeo suficiente para dar cont~ da estrutura súb-jacente ao conjunto.

Vimos que haverian alguns momehtos fundanentais, referentes ao tena


-chnve da composição da fAciflia. Seriac êie*:
I
(1) üm mocento iniciál, ft~d aarrado, de situação org~nizada,inferi-
do a p~rtir de.uO segundo nomento

(2)inversament~' opostop narrado, problenãtico, não organizado, .a-


luido 4e
(3) urna situação internediêria em qua, nun primeiro ooocnto há una
"quase-integridade, embora proble~tica ainda (eD que ap6rece a
iroã'meis oaça casada cem o rei, coe ai duas irmãs princesas) a

(4) um I~sundo non~nto internediêrio. de situaçno não-integral, (em


que a rainha ....
r.1ãese encontra afastada, as três criMças 60zi-
nhas , o rai 'lsolteiro" e,

(5) finalmen~e um'último oornQnto, an~logo ~o incialmente idealizado,


"em que a situação deixe de .er probleoática, reorganiza-ae o
grupo faoili~r pela combinação adequ~a de seus m~brol.

A oposição entrQ a situação internediária (3) e (4)repete, nUtla forma


de mediação, a estrutura da oposição entre os dois morncntosiniciBls (1) e (2) e o
comento final (5), que constitui a síntese final destô oposição dielética, que só
.e torna possível cco 8 mediação da situação interoediâria •
38zyxwvu
A situação final difere da inicial, não narrada, no sentido de qUQ nãozyxw
~ t:U! situação dada, pela qual os indivíduos não tiverac. que '~ut<lr',escolher por
~l~. construí-Ia. Possui, dif~rentemente do primeira, um ca~ãter fortemente defi-
e do e consciente, Utla lituação eraique ,pela'neggção da própria família, de
í todos
~I laços de parentesco e de aliança, estes laços, ao fineI, se encontr~ fortifico
ê=., confirmados, após as pessoas terem passado por um período de transição, ~m
~~ç supost~nte tudo aquilO que possuiao ou poderiam vir 8 possuir foi-lhas ncgn-
e:>, forçando-os a uma ccnada de decisüo, agora totalmente livre pois, El.travês da
introdução do elemento de conflito, foi-lhas dada a capacidade de escolha. Os mam
:rcs de
da família, afastando-se de sau grupo, ficgm em condiçõeszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
de percgbê-lo
u=e p~rsp~ctive nova, o que lhes dã possibilidade de eseolher para si caoinhos di
se reveste de umca
farcntcs. Se optam pela reconstituição da família, tal decisãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
r~ter lúcido, decorrgntc de um verdadeiro conhecioénto da situação e de una viseo
d~ sua sociedade que não possuiam antes de serem colocados em contato com o confli
to.

Os membros da família são levados n 601idão~ por circunst;neias que 01

obrigam a separar-se do grupo. Da acordo çom Roberto Da Hatta, r;:g através desta
experiência do seu próprio isolamento e flagelação (ou auto-flagelaçRo cooe poda
ocorrer 2m alguns casos) que os heróis são forjados, e interpretam suas experi~n-
c'ias , Uas o dratUl do herói só pode ter sentido. quando êle cumpre determinados, Pt'J:
caitos. Assim, é preciso que êle evite ~eterminad05 alimentos, escape de certo8P2
rigos, decifre enigmas .pu use certos objetos.1i (Da Hatta, 1965: 243-244). Cratnoa
que, igualmente, em nossa anãlise j indicamos de que modo otrmembros, da família PQ!.
correm seu período de tranBição, de~afa8tamento,cnmprindo determinadas pre5~tiçõest
~;purificando-sel: coeo UIll8 preparação para sua nova entrada no seio de jua 80-
cied~de, munidos agora de uma visão reinterprctada, a partir de uma nova experiên-
cia de vida. A reestruturáção final da família teo p ~ntão, um caráter dQ livre QS

eolha em participar dela. Os membrOs que a cotlpõem"sâo ihomens novos' ~om suas p~
lições claramante definidas dentro do grupo feciliar e da sociedade mnis ampla. An
tas, tais c~racterísticas estavam apagada. agora são confirmadas e réforçada ••Foi
p

necess';rio o conflito e a separaçBo pera fortalecer a união e a integridade dos tne.!!l


bros do grupo. A crise uniu as pessoas. ,clarificaram-se as funções de cada membro
em relaç~o aos outros~ enfatizerem-se as expectativas de conportamento, de papel,
percebeu-se cumo funciona o sistema de decisões na faoíliae na sociedade.

Pudemos observar t igualmente t como o~·tema da ambição exacerbada foi u- '

1. Da /rfatta nos esclareceu peeeoalment:e em outubro de 19.'l4 ooneidera» os preceitos


como rel.aoionadae às regras eul.tnaxcie e a lealdade para com elas.
39
ã
tilizado para simbolizar o elemento responsnvQl pelos aconteeiment08'que'levaramzyxwvutsrqpon
.eparação e.aeeintcgração do grupo f::mú.linr. A ambic;~o exagernds, t8tlto de uma si
tuac;ãode casamento COClO dê llsccnsão tocial atrllVésdele. veicult'.dapela inveja das
irmãs, contrapõe-se a ~ 'ecomodação' por parte da outra i~ã, que age passiv~e~
te diente da situação, confornando-se a ela. A fôrça maior do inconformismo em
rel~çno 8 aco~dnçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
V8~ ser equilLbrada ~ superada pela ação das crianças, quep~

sueo podêres eobrenaturais, um objeto ~~gico (a Água da Vida) que agirá CODO rnedi~
der na soluçêo no conflito. O nâgico surge, assim, como elemento fundarnental e
eficiente quando nanipulado adequadamente, quando observados preceitos (vide o com
port araent;o da menina em relnção ao episódio da fonte de Egua da Vida).

Pensamos que, ã par da idéia de inveja dcs ímãs, e seu desejo de as-
censão pelo ceszmento , estnria o eIement.ode disponibilidade .pu não de parceiros
sexuais, ou de uoe carência do elemento masculino (de acôrdo com ~ narr~tivll). Mas,
pareceu-nos que, pelo fato daI meças almejarem o casamento com o rei, figura mâxi-
me de sua sociedade. a nao com qualquer outrq homem, fi ênfase estaria oais na mobi
"lidade, embora o fator da disponibilidade de per~eiros seja igualmente relevante.
A mulher recebe nessa soci~dade UIM. funçã'ode terminante • Podemos indi
car que, ~ geraçê~ dos pais, a mãe (a mais jG~ecldo grupo de irrnns) agira 8 pri~
eípio ativamente cama intermediária n~ dircç~o da reintegração da família; depois,
acomoda-se ã situação, que ã mais forte que o laço que ~ unia ao rei (cornojá indi
~~ canos). ~ preciso que outra nulher.--igualmente a cais jovem do grupo de i~s
assuma o papel ativo e efetue a solução dos problemas, surgidOS na geração anteri-
or. A importância da nulher ã aqui fundamental. Primeiramente, fi -que desejara ter
filhos - a maternidade cow) .!lspectofeminino por excelência - é que efetu~ a pri-
meira tentativa na reorganização da situaç~o familiar nno-integral; na geração se-
guinte, é fi ~enina que rec~õe fina~ente fi família, dando 'vida' a08 ir.mãos, ~
pai e re-criando a família. O pap~l da oulhar na concepção de filhos pode ter tan
to um caráter construtivo como destrutivo. t'Quendo o pot~ncial reprodutivo da mu
.lhér acarreta ~l b~nefício para a sociedad~~ como ocorre quendo sua gravidez ê nor
mal pela ·:Jrgenizarelilções socieis. ~es ecoe o potencial reprodutivo da mulher á
algo que o grupo n~o controla, pois ê dirigidO por procasscs naturais,existe sem-
pre a possibilidade da mulher desorganizar re!ações sociais e colocar em perigo a
vida de SU.'l ecauní.dede ••• " (Da t'43tta,1970:94) !t;laestória, 8S inlÃs tentaram
controlar a reprodução da mulher, trocendo seus filhos por anitntlis. Agirm, 8S-

e contra as regras culturais,acarret~to


.sim, ao mesmo tenpo contr~ a naturezazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
os
problemas que se auced~raot desorgnnizando a estrutura fr~liar. Porém, corno os
filhos n~ nascer~ l~p0S, nas forao semente trocados por êles - criando a ilusão

-~",'
40zyxwvu

d~ uo Qnc~t~nto maléfico ou de um 'n~turalt deturpado - a norrativa pcrocQ mos-


trar que o potencial r~produtivo na verdade não ~ manipulãvQl, e ~ .ituação pôde
lar rm--ertida.

Há um outro nSPQcto que d~.ajarraQO' nancionar. A negação do parente~


e0-atuali&ada pala tentativa de deetruiç~o doe lobrinhos, PQlas tia. - pode estar
ligada 5 ~ desejo de estabelecer uma p~rantesco ainda ~ior: as tias queri~ es-
tar na p03ição de ~ das crianças, eesando-sc cçn o rei; n~ impossibilidade de 5!
cançarea isso por meios legítimos, opttrelpor una nçeo exatamente oposta: ao in-
vos de Se tornareo mães, a darem 'vida' a.seus próprio. filhos, eau.am '~rtQt aos
sobrinho&.

Igual~nte, li irtã3mais jovetl, as cais velhM é que ficam


com relaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
i:)lteiraa, ceaendo-se a maí s moça primeiro, o que inverteria uma ordea Mtural das
coisas em que as moças qua naae~ pri~irozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
se cnsariac primeiro.

Aa principais oposições que .e poda depreend~r da narrativa são,


vimos 'aeima, aquolaa que servem para reafircar a estrutura profunda a que a esto-
..
como

ria r~mete. Como indicamos, ~laa· v;o ilustrara importnncia do. ei~os principail:
a i.ntegridade/não-integridade da família e a oobilidade Bocial. com a manipulaç1io
do elemento enc~ntemento, Tai8 oposições encontram-se eucessivamente identifica-
das ou separadas ou mediadas .~porelemento., inte~diãrib8 que partilh41l Mlbiguatne!,.
te dos dois atributos opostos. simult~neamant~. Assim, temos, por exemplo, momen-
tos e:n que a fmn!lia estã completa ou incompleta, ou possui elementos dQ ·embo. 01
'estados', ou ~undo doméstico e público difQrc~ci8do8 ou identificados, como por
exemplo quando, ~través do c~samento as moça. entram em contato cóm o mundo social
i'úblico. indo mo~ar no paiácio, 'que passará igualmente a ser sua cala, .eu mundo
domZstico. Do ponto dQ vista do rei, o ~al~cio vincula-so a lua própria cesa. seu
mundo doméstico, as.im como o .ímbolo dQ seu mundo público, reaidência do rei, ch~zyxwvu
te do reinado i com sua ida para ca guerra., transfere-se p~ra lã o núcleo de .eu
mundo público, e assim por di~nte.. A oposiçeo dentro de cBla/longe 4Q casa, onde
A' caSa' t'ecebe valoriza.ção positiva e 'longe de cala' , locel em que podem ocorrer

coi.as estranhas e não contrcl~das - vida a .erda do rei para as guerras, longe de
casa ~ a .arda das crianças para as caçada., t~bQm longa da casa, e para a fonte
de Água da Vida, onde os irmãos são s~lvo. pela menina. (Notemo. que no caiO das
gue~rasp não é QxatamQnte o local afa$t~o qu~dQtona os acontecimantoa, ~. a au
sêneia, o afaStlUOOuto da pessoa de posiç;o-ch..we no parentesco). Pode haver madia
ção 'perto de casa', como no~omento das criançal eltarem debaixo de una &rvore
perto da casa do caçador, que age camo mediador po.itivo em direção ã ~econ.titui-
4 1 zyxw

ção da f~lia. Igualnente a oposição humauo/ani~81t que se encontram identifica-


dos ou separados, ligado! t~mbém ao sobrennttlr1!!"quepede inti:rferir
. . na relnçíio-c,2,z
mo vimos a identific~çno das crianças carnanimais, do caçador também com animais,
das crianças com estrêla de outro eI'!relaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
COCl o sobrenatural (vontade de Deus),
etc. Igualmente, a id~ntificação ou separação entre cbjetos e homem, ou elemento!
naturais e elementos culturais, CCI'lO vimos e! crianças relacionadas ã trouxa, por
exemplo, ou a manipul8Ç30 de elementos 'frescos', naturais, ou "eLaboradoa ", cultu
reis, na fonte de Água da Vida.

Poderí~~s seguir dessa maneira, apontando as oposições, 8t~ darmos


contada tôdas as relações que se estabelecem entre todos os elementos fornecidos
pala estória. Porém, parece-nos que em nossa análisejã abranjemos aquelas que
8no enfatizedas na narrativa e que agem de fõrma determinante e repetitiva esc18r~
cendo a problemática existente naquela -socied~de ali retratada, c contribuindo pa-
ra sua soluç;'o. Cremos qu~ a8 oposições indicadas ao longo da análise refletemdis
criminações binarias universais. fundamentais em toda a experiência hucana. De
acôrdo cem Edrnundo LcáCh, nAs oposições binnrias são intrínsecas ao processo de
pensamento humano. Qua:kt~r descrição do mundo deve discriminar catJagOrMs na fonua ~ e o
que não-R não a'. Uo objeto esta vivo ou não, e não se poderia formular o concci
to 'vivo t exce to como o inverso de seu parceiro 'morto'. Ass ím tanbeo sêres hUtl..'\-

nos são lMchos ou não machos, e pessoas do sexo 9posto são disponíveis como ~~rcei
rOI sexuais ou neO-disponíveis.Universalmente, essas sao as oposições Uk"\isfunda
mentalmente inportantes em toda a experiência humana. (Leách, 1969: 9-10)
li
42
c. A Princts& doSono-semrfim

1.0 conto que analisaremos a seguir faz parte do mesmo conjunto a


que pertence o anterior. Pretendemos, com esta segunda análise, demonstrar qu~
apesar das duas narrativas apresentarem episódios e ocorrências "Completamente di
ferentes, em termos de suas respectivas estórias ou tramas, cremos que um estu-
do emprofundidade das relações entre os elementos contidos em cada uma nos apon-
ta a exist~ncia de uma única estrutura, lubjacente às duas, o que nos sugere
que possam. amb.l, narrar a mesma estória, embora vestidas com roupagens dife-
ã primeira vista, pode confundir o ouvinte mas, após uma análi-zyxwvuts
rentes - o que,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
s~ pro f unda, que as 'espoJe
d 1 • de seus art1• f4'lc10S,
• aparece em sua nu dez reve 1adora
e inconfundível.

Nessa segunda narrativa percebemos a intensificação de determinados


aspectos menos exp11citos na primeira os quais, portanto, desenvolveremos . com
mais segurança agora, O que servira, Jgualm~nte, para ,confirmar nossas impres-
- sobre elementos semelhantes n~ primeira. Na verdade, para podermos obter
soes
padrãO do conto maravilhoso necessitarramos possuir todo o conjunto dispont-
ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
velo qua1, devidamenté analisado, em cada um~ de 'suas ~ártes ou versões? nos
permitiria sobr~pô-las UMas às outras e dess. forma conse~uir as linhas mestras
r~á1mente recorrentes e invariantés do conto maravilhoso. Como tal empreendi-
mento escapa aos limites deste exerc{cio, optamos pela apresentação de dois con
tos, que contêm basicamente, como tentaremos demonstrar, a mesma estrutura pro-
funda, e tratam dos mesmos problemas, utilizando-se dos mesmos elementos bâsi-
cos, embora em um ou outr~ determinados a8~ectos estejam mais enfatizados que
outros, o que nos permite um maior entendimentõ de cada uma por referência ao
outro.

Acreditamos que quanto maior o nÚmero de contos que pudermos anali-


sar no futuro, menores e mais simplificados se tornarão os elementos básicos que
08 CompÕem, o que redundará, num determinado momento, e-mum modelo bastante re-
duzido, embora de amplas dimen~ões de aplicação.
43
2.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O texto
t~avia um reinado em que a rainha-velha tinha a sina de correr de
lobisomem, matando gente para beber o sangue. O príncipe 8~u'filho era um moso
sem tacha, bom e valente, e vivia tr~ste com o destino da mae. Sua distraçao .
era ir conversar com um velho, muito velhinho, que morava fora da cidade, perto
de maa floresta sombria, na qual ninguém ia caçar nem passear •
. O velhinho'armava uma rede no alpendre para o príncipe descansar
e este' passava horas e horaa ouvindo as histórias do tempo antigo, esquecendo-
-se da rainha-velha e da sua doença de beber sangue de gente.:
Vez por outra, quando o vento passAva mais forte' e levantava os
g"l1hos.do arvoredo, o p,:,íncipe enxergava, lã ao longe, uma pequena-mancha ver~
.lha, parecendo um telhado de casa.
Um dia perguntou ele ao velhinho que telhado ao lonp;e era aquele.
O.velho,
, entao, eontou:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
-Aquilo é um palácio encantado, príncipe meu senhor. Meu avô
contou a meu pai e este contou a mim que, há cem anos, está ali dormindo uma
princesa, com todos os seus criado3~ pajens e mordomos, por via de umas fadas.
No reinado Fulano o rei e a rainha, nesse tempo, não tinham filhos e só falta-
vam morrer de vontade. Apresentou-se a rainha grávida e descansou uma menina
bonita como o sol. Todo o dia era uma festa no palácio. Para o batizado o rei
convidou todas as fadas que existiam por perto do reinado. Só não convidou a
fada mais velha porque'ninguém sabia da morada dela c jul~avam que tivesse mor-
rido. As fadas vieram todas e já estavam na mesa do banquete quando a fada-ve-
lha apareceu resmungando e dando de corpo' como uma condenada. A fada-meis-moça
botou reparo na zanga da fada-velha e maie do que depressa escapuliu-se da mesa
e se .escondeu sem que ninguém notasse sua falta. Depois do banquete as fadas
foram fadar, dando as sinas e os dons. Cada uma dizia a causa mais bonita.
- Eu te fado que sejas linda como a lu~do sol.
Outra dizia por aqui assim:
- Eu te fado qua sejas boa coroe amor de mae.:::ute fado que sejas ri
ca como um tesouro. Eu te fado com a ciência de Salomão. E assim foram dizen=
do e o rei todo ~atisfeito, ao lado da rainha que tinha a princesinha nos bra-
ços. No fim, a fada velha ~e levantou com a fala grossa, e disse:
i

- Nem vale a pena tanta sina boa para essa menina. Ela será tudo
isto mas durante pouco tempo. Quando se puser moça. irá visitar a quinta .doseu
pai ê aí furará a palma da mão com um fusO de fiar algodão e morrerá logo, sem
remédio nem jeito.
As fadas, que já tinham fadado e não podiam desmanchar o que a fa
da velha tinha feito, choravam, quando a fada-mais-moça saiu de detrás de uma
cortina e disse:
.,
- Nao posso des~char
- .' -
o que f01 fadado porque nao tenho poderes
~s como ainda não fadei, fado esta menina pára que, quando o fuso lhe ferir a
palma da mão, não morra mas fique dormirtdo cem anos, acordada que seja por um
prineipe, case e seja feliz. Acabou-se a festa c o rei proibiu, sob pena m mo!.
tQ, que algu~m fi~sse com o fuso no seu reinado. Apesar de todo cuidado, qu~-
do a princesinha inteirou os quinze anos, foram todos vi~itar outro palácio que
o rei possuía dentro de umas ~ta8 mais bonitas do mundo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI
A menina andava. para
cima e para baixo, corrigindo tudo, e la
num quarto esconso da casa, encontrou
uma velha aUk~ que estava fiando. Pediu logo para ver aquilo o que era e dese-
jou imitar. Assim que pegou no fuso, este saltou e varou sua mão. Nem marejou
sangue mas a princesinha caiu pAra trás, como mortA. Correram todos e deitaram
a menina numa cama, num quar to prepar ado de um tudo, cnpc Ihando de bonito. A f a
da moça veio voando e bateu a varinhe de condão na c~eira do palácio. Todo Õ

!Jlll!ll1iiiõ;;;;:',.". ~ _
.•
44zyxwvutsrqponmlkj
mundo que estava dentro, tirando o rei e a rainha, pegou ~o sono profundo.Os muzyxwvutsrq
com 08 instrumentos na boca e a mesma cozinheira agar-rou a dort~r
sieos ficaramzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
com a mão se~urando uma galinha que estava assando no fogo. O·rei e a rainha,
como aquilo era sina permitida por Deus, beijaram a filha, abençoaram e foram
embóra, com a fada, para o reinado. Por la norreram e o reinado deles acabou-
-se. Sõ ficou o palácio dentro do arvoredo, com a princesa dormindo o sono sem
fim. Era o que meu avô contava a meu pai e este me contou quando eu era menino.
O príncipe ficou alvoroçado eom a historia que o velho contou e
não dormiu pensando na princesa encantada. Pela manhã pegou um facão bem afia-
do e tocou-se para a mata, perto da casinha de velho. Chegou e meteu o facão,
abrindo uma picada, porque era tudo fechado, fechado. Ia abrindo e entrandop e
assim trabalhando, foi andando, ate que deu numa "roda de árvores enormes e no
meio estava o palácio coberto de cipós. sem nenhum rumor, parecendo morto. O
príncipe entrou pela porta principal e foi vendo soldados, músicos, damas e se-
nhores. ate cozinheiras e meninos. até os bichos, tudo parado, dormindo a sono
solto.
Depois de subir as escadas e passar as saias cheias de- gente ron-
'cando, viu deitada n~ua carna~ forrada de seda, a w~ça mais bonita que a terra
havi~ de comer, profundamente adormecida. O príncipe chegou para perto e pegou
na mao da princesa e esta logo abriu os olhos, dizendo:
- Oh príncipe! Como demoraste em vir! •••
O palácio estremeceu e ·todo mundo acordou. O príncipe ouviu as
. cornetas tocando, bichos be rrando, as pisadas ~os soldados, gritos, a músicaJe~
fim o barulho de gente viva ,
Veio um mordom~ nuito bem vestido anunciar que o jantar estava na
mesa e o 'prínc:';acomeu a galinha que estava 8e\.1dO assada há cem anos.
Ficou aí como num céu aberto. Veio o padre e casou os dois sem
perder tempo. Os dias voavam e a·princesa era feliz. O príncipe, sabendo a mãe
que tinha, ia ao palácio dar ordens e voltava, dizendo que estava caçando. Não
queria que ninguém o acompanhasse. No fim de um ano a princesa teve um filho
lindo que se chamou Belo-Dia; e no outro ano nasceu uma menina, batizada por Be
Ia-Aurora.
Apareceram umas guerras e o príncipe não podia deixar de ir com
as tropas. Como não queria deixar a mulher e os filhos naquele êrmo, resolveu
levar todos para casa. Foi na frente e contou·o que se passara a. sua mãe. A
rainha-velha só fazia· pigarrear, com a cara fechada como o rei Herodes. maginan
do cousas ruins. -
Antes de ir embora, o príncipe dividiu o palácio em duas partes •
A rainha-velha ficaria num canto e a mulher com os filhos noutro, todos comeria
dos e.conforto. Chamou o principe ao mordomo que era muito seu amigo, de toda
confiança, e pediu que vigiasse a família e tivesse cuidado comarainha-velha.
Assim que o ?rrn~ipe montou 8 cavalo e viajou, a rainha-velha co-
~çou a ter vontade de beber sangue e comer carne humana. Ficou mesmo bruta e
nao podendo passar o desejo, chamou o mordomo e mandou que lhe servisse Belo-
Din, com bom molho, no almoço no dia seguinte.
O mordomo só faltou morrer. Pensou, pensou, p rocurou a princesa.
CODtou tudo, levou Belo-Dia para sua c8sinha,longe do palácio e escondeu-o. N~
~hã do outro dia ~~tou uma lçbre, guizou-a bem e avisou que o almoço estava na
mesa. A rainha velha comeu a fartar lambendo os beiços e gabando tudo. Dias d~
pois, veio o desejo e ela mandou que o mordomo matasse Bela-Aurora. O mordomo
levou a menina para casa e assou uma paca. A rni~~a achou o prato gostoso por
demais. Dias passados, exigiu que a princesa fosse refogada em molho de tomate
e cebola, para o jantar, porque tinha a carne dura. O mordomo levou a princesa
para sua casa, juntou-a a05 filhos. bem escondidos, e matou uma ve ad'i.nha
, refo-
gando-a e preparou o jantar, com molho de tomates e cebolas. A rainha velha co-
45
saboreando.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
meu, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o~ dias Iam passandozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e a velha tornou a ter a cisma de carne huma
na de cristão e saiu de noite, como uma desesperada, farejando quem mandar ma-
tar para saciar sua sina. Ia p~ssando por uma rua longe do palácio. tarde da
noite; quando ouviu a voz da princesa sua nora e a dos netos, conversando derr-
tro duma. casa. Subiu na calçnda, eneostou o ouvido e soube que era ali a casa
do mordomo e que a princesa estava fazendo Belo":,,Dia. dormir, porque este perdera
o sono e acordara Bela-Aurora, todos com saudades do pp.i.
A rainha-velha, feia como uma coruja, nem coração tinha para es-
aas cousas,saiu babando de raiva e pela manhã mandou prenõer a nora, os netos
e o mordomo. Uma fogueira enorme foi feita diante do palácio, e quando o bra-
seiro estava escande ando de quente, a rainha-velha veio para a varanda assistir
a morte da mulher e dos filhos do seu filhó e do pobre mordomo. Já vinham to-
dos amarrados, no sol pegando fogo, quando ouviramzyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
li fortaleza salvar e o tro-
pel de cavalaria. Era o príncipe que vinha voltando com os seus soldados,morto
de saudades da mulher e dos filhos. Chegando na praça e vendo aquele horror, o
príncipe voou do cavalo em baixo, puchou a espada e livrou a esposa e os filhi-
nhos e o mordamo dM cordas, e bufando de raiva. gritou perguntando quem se a-
't.reve
re a por a mão no que ele quer a de mais em e.ima do Mundo.
í

·A rainha-velha saltou do sobrado para o fogo das fogueiras,com me


do do castigo, e aí morreu~ queimada, estorricad~, viráda cinza e p.ó preto.
O pdncipe foi para o palácio' com a pr ncese ; Selo-Dia e Bela-Au-
í

rora, llbraçando-os e chorando de alegria. Nomeou o Hordomo para Vice-rei num


.reinado que ganhara na guerra. E morreram todos de- velhos, bemzyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
f e liz e s . tI

,.
"'..

I
I
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for\.:~
46
3. A análisezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mãszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
fJ fl"Lho

O conto tem início, como de costume, situando num passado inde


"Haví a um reinado •••". Não há alusão di
terminado os eventos que se seguirão:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
reta à.situação familiar incompleta~ porémsahemos da existência de uma mãe só
com seu filho, fi rainha-velha e o príncipe, sem que o pai apareça no quadro fa-
miliar. Naturalmente, num momento anterior, não narrado, essa família estaria
acrescida da figura paterna, ausente no momento atual. Assim, a partir de uma
situação inicial suposta, inferida, temos agora'umasituação de família não-in-
tegral. Cremos haver uma referênciaimplfcita à situação de gestaçao, em que a
partir de um momento em que há necessidade de pai e mãe para a r,eraçao - a rela ~
.ção sexual - segue-se a gravidez, período em que mãe e filho permanecem unidos,
suficientes um ao outro, sem a participação do pai. Apontamos este fato pois 1eE!
hora a narrativa de início pareça concentrar a ênfase no comportamento da rai-
nha-velhat que "tinha sina de correr de lobisomem", durante toda a história da
famUa encontramos elementos que explíei ta ou. implicitamente nos informam so-
bre "8 importância da.relação mãe/pai ausente/filho, ou' se j a , a importância da
familia incompleta, carente de al gum membro que Ihe é essencial s no desenrolar
dos eventos. Veremos ao longo da anãlis.e como a própria sina de lobisomem está
ligada a essa situação familiar Lncomp Ie t e , que a nzr-rat íva busca so lucí.onar ,

f interessante notarmos que, embora o título da estória se re-


fira ã princesa do sono-sem-fim). a-narrativa aborda priceiramente a personagem
~a'rainha-velha, com a sina de lobisomern- ctija caracterrstica é de6pePta
ficarzyxwvutsrqponmlkjihgf
ã noite, inversamente â pr.incesa que tem um sono sem fim, estã adormecida. Nao
há somente a existência do sono, mas de um sono com dimensões intensificadas(um
aspecto do encanramenro , como' ve rernos) - sono-sem-fim ("como morta", segundo nos
ê informado) - e, por outro lado, d ficar desperta irnpli.ca~para a rainha-velha,
em fazer com que outras pessoas morram. Vemos aí uma oposição, mediada pelo e-
lemento 'sono', intermediário entre os estados r desperto' (ou vivo) e "morto".
'Vere~s como esses elementos percorrem a narrativa~ aparecendo sob formas apa-
rentemente diversas, porém equivalentes' em termos estruturais. Cremos que a pa!,
tir da própria forma como é apresentado' o conto, a rainha-velha e a princesa p~
dem ser os pontos extremos do ciclo de vida dos seres h~~nos, e em particular
do ciclo feminino, de acordo com ~s características de uma e outra apresentadas.

Hã diversas oposições neste início que convêm assinalar. As ca.


raccer Is t ces ambíguas da rainha-velha
í nos remetem a uma relação nZ'!.turcza/cult.!!.
ra, na medida em que temos animal/mulher, sendo que os dois termos da relação
encontra~se também em 8i ambíguos ou 'misturados': temos uma mulher que ã noi-
te age como lobisomem (misto de lobo e homem), e um animal. em forma de mulher,
47zyxwvutsr
que tem suas cat:acterísticas naturais extrem..'lmenteintensificadas i e mesmo dege
neradas, nn medida em que necessita ~tar seres hum~OB para.sobreviver.

é tratada como raính~-velha. Nos ê apont~


Notemos que a rainhazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
do, portanto~ logo de início, o problema da velhice; como ela tem igualmente si
n~ de, lobiso~~m - beber sangue de gente - pensamos poder haver aí uma alusão ao
problema menopau8a (em que
ger~l da velhice na mulher~ que se atualiza pelazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
o
ciclo menstrual ê interrompido). Naturalmente aqui as pinceladas são exagera-
-,
das, porém os elementos nos parecem claros; mais adiante, veremos como esse ele
mento, que cremos se referir ã fase, da menopausa na rainha-velha, estará 8880-

~\ado a um elemento de correspondência oposta, embora complementar, que seria a


puberdade na'princesa (e consequentementep o início de seu ciclo menstrual), a
qual se fere no fuso de fiar. As duas-mulheres seriam centrais - a rainha-ve-
lha e a princesa - e se situam, em polos opostos e complementares com relação ao
desenrolar dos eventos, e com relação ao ciclo d~ vida feminino, em particular.
Vejamos como são dadas outras referências indiretas quanto a esse ponto, por e- i;

xemplo, ao se deserever o príncipe como um moço sem tacha, bdm e valente,que vi


via triste com o destino da mãe. O primeiro atributo do príncipe era ser um ~
ço "sem tacha" - ou seja, sem mancha. Se pensarmos no f at;o de que a rain:.a~ve-
lha bebia sangue (explicação dada logo antes da descrição do príncipe,o que ~os
Induz a buscar aí uma associação direta) e se considerarmos que o sangue pode
ser a.mancha natural por excelência, vemos 'como esse elemento reforça,embora in
diretamente (sem tacha - sem sangue?) a idéia 'coko'cada acima.

Quanto aos outros atributos do prIncipe. sua bondade e valen-


tia, sua atualização .se dã mais adiantei através da iniciativa de salvar a prin
cesa na floresta, sua compreensão a respeito da mãe, sua ida ã guerra (bom e va
lente).

b) o Vg . '.
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
lho e o prineipe

Notemos a seguir que o príncipe conversava com um velho com


quem passava horas e horas. Como o velho surge exatamente após sabermos da e-
xistência da mãe só eoo seu filho, percebemos uma alusão ã fieura do pai que o
pr!ncipe atualmente não tem. Em termos da economia da estória, o velho estaria
suprindo uma função de pai, procurando-se sempre manter o equilíbrio, no senti-
do de uma estruturaçao da família, eixo importante sobre o qual se apoia a narra
tiva. Teríamos, entãot um novo mOmento, que tenta reconstruir, com os elamen
tos de que dis,põe, li deficiência familiar. De qualquer forma , entretanto,pe~
,nece \,lIIl8 deficiência, pois a própria mãe do príncipe, com sua sina, faz com que
o filho se afasta dela, procurando esquecê-la, -Lndo conversar com o velhinho.
-- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

48
Observemos a oposição que • apontada desde logo entre velhice
• juventude, em que o pri~~iro elemento, na figura da rainha-v~tha~ parece a-
juventude~ ê valo-·
trair para si toda a C6Iga negativa, e o segundo elemento, azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
rizado positivamante. pelas características com que é qualificado o príncipe e,
mais adiante, com os atributos com que as fadas presenteiam a princesa. Nesse
8entido~ veremos como também azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
fada-velha será alinhada na valoração negativazyxwvutsrq
da rainha-velha,
-.'
repartindo com esta a carga destrutiva da estor18 - que o prL~
.,
cipe,. como porta-voz do elemento positivo, neSSG momento, com sua bondade e va-
lentia. e sem tacha, irá neutralizar.

Surge aqui uma indagação sobre a posição do velho com quem o


príncipe conversa.va. Não estaria ele tamben n.a geração ã qual se atribui os 'ma
les' que terao lugar? Entretanto, embora velho também, sua conot.açao e dife·ren
te, por ser do sexo masculino. O velhinho age como elemento socializador para
o príncipe, no sentido de contar-lhe tias histórias do tempo antigo'·',que, por
sua vez, lhe tinham sido narradas por seu pai e a este pelo avô. O príncipe ob
tinha, assim, o aprendizado de sua sociedade. O velho enfatlza os valores so-
ciais, que são passados de uma geração u· outra, mantendo viva a tradição cultu .•..
ralo Diriamos, então, que a velhice masculina parece ser vista como sjft;~imo .
de sabedoria, enquanto a'feminina é carregada de elementos de insatisfação. De
acordo com Da l1atta; podemos inferir desta narrativa: velhice masculina = sem
desejo mas com sabedoria; velhice feminina· = desejo sem satisfação (referência.
ã menopausa). Assim, enquanto no homem a velhice·é fortemente cultural, na mu-
lher ela se torna enfatizada por elementos fortemente naturais, indo na verdade
de encontro às barreiras da soc edade para tentar satisfazer
í seu desejo.

Observemos ainda outro aspecto no primeiro parágrafo: os am-


bientes em que se .desenrolao os eventos. Temos o reinado p onde mora a rainha-
ve lha e o príncipe, e o local onde mora o velho, "fora da cidade, perto de uma
floresta·sombria, na qual ninguém ia caçar nem p asse ar ;" A 'casa' do príncipe
seria o palácio da rainha-velha~ mas ele passava o tempo na casa do velhínho,ou
seja, fora de CàSR. E a caSa do v~lhinho é perto de umA floresta que contem o
palácio encantado onde dorme a princcs·a. Vemos que há uma inv~rsão de ambien-
tes. nao somente em relação e.um nível domestico (casa, lar) como em relação a
um nfvel público - pois o prrncipe~ supostamente' chefe do reinado, na falta do
pai, e tendes mãe que tinha} tr~nsfere-se para a casa do velhinho e irá mais
tarde igualmente transferir-se plra o pal~cio da floresta. A necessidade do fi
lho .se distanci~r da mãe nos sugere i€ualmente sua possível fuga ao incesto, de

1. Da Matta nos zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


euaex-iú tais conol.usoee , através de comentário pessoal, a par-
tir da Z8i~~a desta dissertaçãO.
49zyxwvutsrqp
monstrada no conto pelo desejo da rainha de comer as pessoas e beber-lhes o san
gue , Como tal desejo psrmaneceseml're insatisfeito e, no fina.l, ela desejará
comer leus próprios ne tos e nora (os filhos e a mulher de seu único filho, as
pessoaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI
li quem aquele mais amava) parece que, na verdade, hauma referência ã
relação íntima entre mãe/filho, irrealizãvel em termos sexuais porque é inces-
tuosa ·culturalmente, permanecendo, portanto, como desejo insaciavel. Daí vemos
que se recorre a um máximo de distância entre os dois (mãe e filho), indo o prI.!!
cipe viver com o velho e depois casar-se num longínquo palácio, longe ao alcan-
ce da mãe - escondendo-se, literalmente - para realizar um maximo de exogam:ia e
evitar a relação proibida socialmente.

Vemos, a seguir, a oposição entre .osdois palácios narrados,m!.


diads pela casa do velhinho. Ambos teriam características magicas pois num de-
les uma princesa (moça) dorme há cem anos (ambiguidade de ser moça e de estar,
entretanto, dormindo há cem anos), enquanto que no outro palácio» uma rainha-v~
lha fica acordada ã noite (hora do sono) e bebe sangue de gente, ou seja, faz
com que as pessoas morram. Observemos a oposição entre as idéias de viver (es-
I d~rmír I morrer. A mediáção entre os dois palácios encantados,
tar desperto)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ou entre as duas mulheres, mãe e es~osa9 seria a pessoa do velhinho, como ele-
mento socializador, e sua·morada, como o local das coisas 'normais', como se
percebe pela natureza da descrição das atividades do príncipe e do velho, no·se
gundo parágrafo: "o velhinho armava unia rede no alpendre par.a o prtncipe descaE.
sarzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e este passava horas e hora. ouvindo as histórias do tempo antigo, esquece~
do-se da rainha-velha e·da sua doença de beber sangue de gente." .Os elementos
são tirados da vida 'real': rede,· alpendre, contar histórias - a busca da norm~
lidade, nesse caso, agindo como fuga de uma situação insuportãvel~ a mãQ lobis~
mem, inaaciável. O velhinho age como madí ador , criando uma.ponte que irá permi
tir o desenvolvimento dos fatos: .«1- prfncipa passa.~; do seu reinado. do qual pr~
cisa fU3ir, para o outro reinadO •.ambos encantados, cada um ã sua maneira, um
terrível.· em qUQ as possibiliô.ade8 de expansão lhe SM cerceadas e o outro um
desafio que o alvoroça, pois prevê possibilidades de se casar com a prir1cesa;a~
bQS desejáveis, · 3 seu modo, entretanto: tl mãe, dê um lado, a mulher-esposa, do
outro. Ao final, será eliminada a oposição, sera dado o corte por completo do
laço que o trazia unido ã rainha e a constante ameaça de sua insaciedade.

Observemos as r·elaçôes que se estabelecem entre os diversos am


bientes, como o palácio da rainha-velh!1 e do príncipe/a casa do velhinho (perto
da flor~sta) I a floresta I o outro palacio da princesa do sono-serorfim. Os a-
contQcimentos valorizados 'positivamente' sezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dão num campo intermediário. perto
da floresta, longe do locál onde está o palácio da rainh'l-velha. que seria a ca
50
54 Pod~r-5c-ia pensar que o vd lho, por morar longezyxwvutsrqponmlkjihgfed
do prine.ipe.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA da e dade e pc!. í

to da floresta, eataria de certa forma 4sJotiado ao elemento natural, em opoai-


ção a uma ,ituação m!is cultural e social. que s~ria o convívio com ,as outras
pessoas t moz ando na cidade. Se assim' fosse, entÃo seu caráter socializador com
'relação pois es t ar i a dando exemplo
ao príncip~ adquiriria conotações 'negl!.tivas,
de uma vida snti-social, afastando-se do grupo social, indo morar numa floreeta,
Entretanto, creroos que o papel do velhinho) elemento transmissor dos valores s~
ciais e da propria tradição cultural, está muito, mais ligado ã mediaçÃo que es-
tabel.ce entre os dois mundos com os quais o príncipe entra em contato em seu
.desenvolvimento eomo homem: o mundo doméstico de origem que, por se encontrar
deficiente e insuportável tem que ser evitado e esquecido, passando o príncipe
a buscar aua realização fora de casag (mundo público) procurar uma esposapc&sar
-me, ter filhos, rOmpendo definitivamente o laço .que o unia à mãe lobisomem,'zyxwvutsrqponml

c) azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
pM:ncesa adormecida

A seguir, o velhinho passa a narrar a história do palácio en-·


cantado ao príncipe, o qual enxerga ao longe uma pequena mancha vermelha, pare-
cendo um telhado de casa. Cremos haver aqui uma outra referência à idéia de
sangue a que no~ referimos acima com relação às características do prrnciF~ co-
Iro moço sem tacha: agora a alusã0 é menos ambígua pois a mancha é vermeJ.ha, as
p

sim co~ o sangue, mAncha natural. Cremo! que este elemento se impõe cada vez
mais como determinante na percepção de'um eixo que parece estar aubjacênte à
narrativa, associado ãproblemãtiea feminina dà juventud@ e da velhice. Igual-
mente, há não somente ênfase sobre o aspeeto de~nCha vermelha mas igualmente
quanto ao elemento t essa t ("parece-ndo um telhado de casa"), que leva ã idéia de
um lar, ,onde o príncipe antevê a po~!ibilidade de construir o seu, j~ que não
possui, na verdade, dentro das cireun8tâ~eias que o rodeiam no seu palácio. Az-
lim, a motivação de encontrar a ea~ que está ao l~nge está li~ada ao eixo de
reconstituição da família, objetiv~ a alcançar. E, igualmente, podemos colocar,
aqui um outro aapecto f que se apresenta mais velado neste conto (enquanto foi
mais enfati~ado no conto anterior), mas que entretanto pode ser apontado,com 8~

gurança . o Objetivo de manter uma posição' sodat, na :nedida em que no palácio


encantado habitava umn princesa e que. se conseBuisse salvá-1a, seu casamento~e
daria no mesmo nível social que o seu. preservando a realeza. Este eixo de mo-
bilidade social - ou, no caso~ de,~anutenção de uma posição elevads na socieda-
de,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
coso é atualizada nest~ narrativa - se repetira mais adiante de forme mais
tlara, como veremoa ao final.

.F
51zyxwvut
f importante assinalarmos igualmente que o p~lãcio da princes~
ao longe, &istante do rein2do, perto da flcresta~ em local nio bem definido. i,!!.
sere as ocorrências num campo liminar, campo esse em que o encantamento opera
com sua maior força.

à narrativa do velhinho ao príncipe a respeito


Em relaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
do
palácio encantado, notamos aI8uns aspectos q~e convém apontar. Primeiramente,a
forma como o velho se refere ao príncipe, char.tando-ode "meu senhor". Na verda-
de, o velhinho, em termos de idade e experiência, estava numa posição de ascen-
dência sobre o príncipe, porém, dentro deuro contexto social de realeza, o prín
~ipe seria sempre seu superior. Neste momento, principalmente, podeoos obser-
var como o conto reflete uma cultura na qual foi colhido, de conceitos de domi-
...
nação e subordinação,. refletindo, igualmente, una aceitação e conformação a 'or-
dem existente, sem cOl'ocação de nenhum elemento crítico ou de contestaçao. Tal
espírito opera também ao nível da aceitação. da situação da mãe, pelo príncipe,
que se conforma, somente procur~ndo ~squecer-se de sua doença, sem qualquer ou-
tra providência de modificar a situação. Assim, a par da problemática, social,
de um sistema de dominação expresso, em pinceladas exageradas, pela realeza(que
seria, na ve rdcdc , o si:mbolo máximo de poder, transmitido hereditariamente) ,que
não se questiorta, há o problema de autoridade doméstica, de preponderância da
geração dos pais, que se aceita igualmente sem contestaçae~ Na verdade, perce-
ben~s nesta narrativa que a conformação às coisas está subjacente sob vários as
pectos seja, como vimos, por parte do príncipe com relação ã mãe, seja por par-
te do velho frente ao príncipe~seja por parte de mordomo, come veremos mais a-
diante, que procura conto-rnar a,situação da r~inha-velha; seja a sina da princ~
sa dada pela fada; enfim~ há uma aceitação per todos do destine tomo algo já e!.
tabelecido, ao qual precuram se adaptar - com exceção da rainha-velha, que não
se conferma com sua situação de mulher velha, poderiamos mesmo dizer de viúva,
e dQ sua 'esterilidada', como podemos concluir por sua velhice e neccssidade de
sangue. A rainha-velha, então, assume aqui o inconformismo traduzido no conto
at\tarior pele inveja das duas irmãs (veiculada por seu desejo incontrolãvel de
caSar com o rei; e consequentementc obter a posição (social) de rainha e (demés
tiea) de ~sposa e mãe, no lar). Compreende-se egoraj atraves deste conto,a pro
blemática feminina contida no ant2rior, que se apresentava menos clara, devido
-
a sua ndstur~ cem o aspecto da ambição social incontrol~da, mns que se esclare-
ce agora, 'sobrepondo-se' as duas narrativas.

-
Certas expressoes na narrativa do vclho devem ser apontadas,c~
mo por Qxemplo eom referência ao rei e rainh.'\do palácio na floresta, os quais
"morriam de vontade" de ter filhos; embora esta expressão possa constituir for-
-- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

52zyxwvutsrqpo
ç a de expressão como parte do repertório da própria lingua, e portanto ~OS8a e s zyxwvutsrqpon

tar r~fletindo uma determinada cultura popular, cremos que tem uma relação (in-
tencionalmente, cremos, pois nada aqui é acidental) com os elementos de vida e
morte tão ressaltados na estória. Da mesma forma, a idéia da rainha ter "des-
cansado uma menina", com referência-ao parto, expressa a crença popular do tra-
balho 'do parto (e, por associ~ção, da relação sexual e da gravidez), compensado
pelo "descanso" de UI!1 filho. Convém apontarmos a maneira velada como os elemen
tos liga.dos ã relação entre os sexos são tratados' nessa sociedade, e não somen-
te com referência 2. relação entre os sexos -mas também aos acontecimentos bioló-
gicos na ví da- de uma mulher, como primeira mens t ruaç ao , sua primeira rela-
.-
SU8.

çao sexual, o parto, a menopausa.

Continuando a estória do.velho, vemos que ao nascer a princesa, o


rei convida todas as fadas menos a mais velha,· por não saber onde morava e por
pensar que ·tives se morri.do, Nes te ponto ~ a oposição j ovem/ve lho é novamente en
_. fatÍ!:àda, quando. vereoa fada mais velha/fada mais moça e , igualmente, a velhice,
quando associada a um inconformismo (vide a raiva da fada mais velha por -
nao
ter sido convidada), denotando ms ldade , 1ie<lç~O CO!'1 coisas rui ns ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR

â)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
os fados

As sinas e os dons que as fadas'lIfadam" são vistos como elementos


detenninantes no futuro do recém-nascido; há um sentido de predestinação,de des
tino, de coisas que não,podem s:'?!r
mudadas~ a que já nos referimos. Nos atribu-
tos que "fadam" para a p rí.nce si.nha podemos observar elementos import:mtes derr-
tro do significado global da narrativa: ser linda como a luz do sol - referên-
cia ao 801. que brilha de dia, em op,osição talvez, ã rainha-velha, que fica des
perta ~ noite" trocando a noite pelo dí a , ficando a noite' associada a eventos
ruins (para frisar esse ponto o narr~dor irá, mais adiante, dar nome aos filhos
da princesa, todos com' relação ao' dia e ã luz); ser boa como amor de mãe o mo
delo de amor de mãe que o conto nos dã até o momento é oda rainha-velha, que
na verdade, apesar de matar pessoas~ poupa seu filho-de 5U:} sina. Será que a
narrativa não está querendo nos avi sa r , isui'lb12nte,sobre um tipo de amor da
mãe que envolve um desejo oculto de eliminar os poss:Íveis rivais afetivos para
ter o filho só para si? - vide que a rainha-velha irá mandar matar 05 filhos e
a mulher de seu filho. No conto, esse tipo de' amor - oculto ou abafado nas ou-
tras maes, talvez por controle social - aparece em plena expresseo, sem inibi-
~ões, dado o eneantamento.

o outro fado - ser rica como um tesouro ~ parece fazer referência


ã manutençao da posição social que n princesa já tem, sQndo filha de rei; como
53
já e
conhecido, cremos que o que se quer enfatizar ê a existência
tal fatozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA de
um d@5ejo de que a princesa se ease também com alRuem rico, assim como ela, man
tendo sua posição social. Vemos aqui o eixo da mobilidade social, ou no caso,
manutençao de uma posiçao máximA na sociedade, que subjace ã narrativa, embora
de maneira mais velada nesta eetoria do que na anterior.

Por fim, ha o fado de ter a sabedoria de Salomão. A esse respei-


to, mencionaremos somente o fato (bíblico) de que Salomão teria sido o rei cha-
mado a decidir sobre a disputa entre duas mulheres sobrezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
A verdadeira maternida
de de uma criança que cada uma dizia ser SUli. Embora, naturalmente,zyxwvutsrqponmlkjihg
a . circuns
tâncias e os elementos não sejam semelhante8~ cremos que há sempre explicação
,1
:1
"
.para o uso de determinado elemento num discurso narrativo. Parece haver uma re !
I
,ferência ã rivalidáde da mãe, a rainha-velha, com a nora, a princesa, ou com o I

que ela representa, agindo como catalizadora de todos os outros elementos que
possam por' em perigo li hegemonia do amor do fi 1~0 para com a mãe. Naturalmente •
.'ao fazarmos talassodação entre e Iereent.os distantes na' narrativa, em termos de
suasequência de apresentação - e não estarmos observando a sincronia da estó-
ria - estarnos agindo, entretanto, a partir ae uma perspectiva diacrôniea, para
dar conta de todas as relações entre os elementos, que a ,princípio podem pare-
cer inexplicãveis mas que se esclarecem, a partir de perspectivas diferentes de
análise. Portanto, no final da análise, veremos
mos agora passam a adquirir signifieado,
COMO

ao observarmos
as considerações
como a mãe do
que teee
prfncipe i
.ii

I
é colocada em oposição ã família de casamento deste, demonstrando mais nitida-
;

mente o conflito latente nessa relação.

Com referência aos' atributos da princesa, tomado! agora de manei-


ra global. perguntariamos o que eles constituem
lher desejaria possuir? beleza, bondede
realmente,'
na maternidade,
Será o que toda mu-
riqueza e sabedoria? Ao I
,I;
que nos parece, os "fados" foram' tão completos
deali~açãop que se tornaram impossíveis de realizar,
e perfeitos, em tal nível de
tendo em vi!ta se
i-
referi-
iij
'í~,r
JI
rem a um ser humano, dentro dos limites de suas imperfeições
'a narrativa
princesa,
maravilhosa, apesar de seus aspectos
pelo menos até o momento, nos e apresentada
exagerados,
e limitações
ainda mantém.
como essencialmente
- que
A
huma-
'f i
na, tendo nascido como normalmente nascem todAs as pessoas, exposta, portanto,a 1m
todos os acontecimentos, bane e ruins, de qualquer Ser humano. são necessários, ;1,1.'.,
talvez, don_ especiais para que se possa sobreviver num mundo tão adverso - co- !Iiij'
,'o '

rno nos moltra o contador popular, pela existência de alguém como a rainha-velha.
Ou talvez' o nível dos fados e dons tenha .ido tão elevada que sua duração não
poderia ser longa - daí o aparecimento da fada mais velha.

~
"'\
h '·
I
í
'.·1"
l~
54zyxwvuts
l~

HÃ, porém. em nos.a opinião, um outro aspecto. Ao nascer a prin- ...~~


li
;.:

cesa, as f4das lhe desejAram coisas boas, ,orêrn 'Ó pOB.íveis desde que a prince-
sa,permaneceuezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
viva. O maior dom que lhe poderiam ter "fadado" seria o proprio
dom da vida, mas disto nao seriam ca?azes. haja visto que até as próprias fada.
podiam morrer (pQlo que se pode inferir do que supuseram ter ocorrido com & fada
mais ,velha). Em outras palavras, o dom por excelência não seria o dom da vida,
pois este a princesa já o tinha por seu na.eimento, ma. o dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
pe~;noiaem vid~
da conquista da morte. Como colocamos acima, a'narrativa le mantem em um nível
de eoi.a. pos.rveis, não a.sumindo proporções totalmente encantadas. O nível do
pOBs!vel e extendido até os limites do encantado, do mágico, mas sem penetrar to
~almentQ nele. O ponto de referência é sempre a esfera do humano, do limitado,
embora com earaet~rístiea8 muitas vezes exageradas ou metamorfoseadas, dando a a
parência do m&ravilholo.

A fada mais velha, sentida por não ter sido convidada para o bati-
zado, lança sua prediçÃo: "Quando se puser moça, irá visitar a quinta de seu pai
• ar furará a palma da mão com um fuso de fiar algodÃo e morrerá logo, Cem remé-
dio nem jeito. fi Parec.~nos haver uma clara referência ao fato da princesa se
tornar mulher, ou seja, na epoca 'de sua -primeira menstruação - "quando.e puser
moça". ' f interellante notarmGs que quando isto ocorre a narrativa nos diz que
"nem marejou sangue" com o ferimento do fuso (enbora em outras versões isto se
dê). Na verdade, vemos como a cultura local, refletida no conto, mantém seus pa
drões de 'moralidade' e de recato nas expressões que utiliza para falar sobre as
ocorrências normais na vida de ~a mulher; a tal ponto que, assim como vemo. uma
metáfora para tratar da menstruação, podemos inferir uma de proporçoes semelhan
te. em referência ã menopausa, a que já aludimos. Desenvolvendo o tema do fuso
de fiar algodão, perguntaríamos se não constitui este um instrumento tipica~nte
de uso feminino, envolvendo uma atividade feminina, a de fiar, de costurar, liga
da ã atividade caseira, doméstiea. Concluimos. portanto, que há uma dupla refe-
rência ã condiçã~ da mulher \eomo se uma não fosse cufieiente e o narrador achas
se por bem, frisar ainda mais o fato - o que nos fas pansar em sua importância.):
ficar "moça" (ou menstruada) e entrar em eontato C01ft um elemento de extrema im-
portância para seu pllpelde mulher. Igualmente, por que "ae. remédio nem jei-
to"? Porque não há remédio para a menina deixar de se tornar mulh~r e se desen-
volver normalmente no ciclo de vida. É inevitável. Parguntsr-nos-iam, certamen
te, como chegamos a tal eonclusão, tendo e1l1vista o conto falar justamente demo.! .
te e nós estarmos concluindo que na verdade se refere à vida. Cremos que o en-
cantamento opera muita. vezes por inversões, como já a.sinlllamos. Assim, penla-
55zyxwvutsrq

mo. que a morte imediata a que a fada mais velha faz referência e.taria ligada.
num .entl&o mais profundo - e estritamentt em termos dos elementos que a narra-
tiva no. fornece (vide "quando se puse r aoça") ao fato de que, ao se tornar mu
'lhar, deixa de ler criança, menina, ou seja, morre a menina e nalce a mulher.Ve
jamo'.bem: como diz a fada mais velha, para a morte não há remédio nem jeito,
tanto é que a fada maia moçe pode 'remediar' a situaçÃo que, portanto. não era
, como cremos
irreverslv.l em termos de vida, mâS em termos de 'ciclo de vidatzyxwvutsrqponmlkjih
que a narrativa está informando.

A smbiguidade do encantamento e atualizada aí igualmente quanto ao


fato de a fada mais velha estar agindo, ao mesmo tempo, de uma forma (aparente-
mente) destrutiva em relaçÃo ao modelo momentâneo de intesrídade familiar - fa-
zendo com que azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mgnif~ morra - e de forma conetrutiva com relação ao modelo fa-
adliar pro.peetivo, na medida em que coloca. princesa em contato com uma ativi
dade e um elamento tradicionalmente de caráter tipieamente feminino - o fuso
que _a tornará (simbolicamente, como vitOO') mulher, e pouibilitarã sua realiza-
ção futura como espoaa e mãe. O conto continua, IlSS Lm, com o apareeimento da
fada mais moça que, não tendo "fadado",ainda, transforma o fado da mah velha
em um sono pr .•..
f·_!ndo,de cem anos. Age como elemento intermediário na oposição
sono~ de dimensões intengificadas (e portanto
vida/morte, ao trazer o elementozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
encantadas, dentro da definição de encantamento que propomos).

fJ a proibição do fuso

A narrativa n05 informa em sep,uida que o rei proíbe o uso do fuso


em todo o reinado, sob pena de'morte: para manter a prince.a viva estabelece-se
a pena de mo~ts. Na verdade, a oposição, como apontamos, ê mediada pelo sono,
elemento 'natural', revestido de características mágicas. A prince.a, ao com-
pletar quinze anos (puberdade, períOdo de tranaição biológica fortemente marca-
do) ,vai visitar outro palácio do.rei "dentro de U11IaS mata.s mais bonitas do mun
do"; anda de cima para baixo, corrigindO tudo, e num quarto esconso da casa en-
contra utn3 velha ama. que estava fiando. Pede para ver aquilo e deseja imitar.
-
Assim que pega no fuso, este salta e vara sua mao. Nem mareja sangue e a prin-
cesinha cai para trás como morta. f uma amazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
veLha que está fiando - velhice co
mo símbolo da morte, por um lado, e por outDD, a velhice feminina, particular-
mente, canalizando os eventos ruins distribuindo-se entre as figural da rair~a-
velha, da fa.da-mais-velha e da velha ama. Porem, veroos nease CaiO, como havia'
mos nos referido ã fada mais velha, que há • colocação da velha ama como media-
dora; no sentido de por a princesa em contato com alpo nitidamente feminino e,
também, mediadora no sentido de transrndtir um conhecimento, um aprendizado da
56

ger8~ão ã outra, que seria 4 ordem natural das coi.8s, a


vida, que palaa de umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
qual o rei, com sua proibiçÃo, queria impedir. Observemos que no reinado nenhu
ma outra mulher astari~ mais fiando durante todos aqueles anos , ou seja, a ati-
nd&\de feminina, easeira,não estava sendo realizada. uá um outro aspecto: os
elementos fuso e velha não se refeririam igualmente ao masculino disfarçado? Ve
mãO da mulher em C8~amento. o fuso fere a mãO da menina.
jamos: o homem pede azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O fuso, então~ ê tanto símbolo do mundo doméstico quanto do elemento masculino.

A narrativa menciona o ·feto.de não ter marejado sangue com o feri


mento no fuso. Por que frisar es.e aspecto? Quando há um ferimento, e com um'
o natural não seria haver sangue? Cremos que a propria afirmação do con-
.fuso,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
trário demonstra um3 preocupação em encobrir uma realidade. que seria a da meni
na ter fic.de 'moça', como haviadfto a fada mais velha.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
E pazeee que o conta-
dor popular, prelo a preceitos de sua culturá~ tanto·não pode mencionar o fato
como se vê na obrigação de negá-lO. Entretanto, os elementoi que no. fornece
são numerosos para que tenhamos usa eompreensão precisa da na~rativa. E.ta pa-
rece estar querendo no! dizer que. apesar dos esforços e cuidados e da pena de
morte, a sina se cumpre, ou seja, a menina· (como o conto a trata até o momento)
entra em contato com um aspecto do universo feminino que era tao fundamental - e
lieado • tal ponto às mulheres que foi p recí.se que se instaurasse ê'l pena de mo!,
te para que fosse abolido do reinado. Assim~ foinecessario que houves.e uma
velha ama que, escondida num quarto do palácio dentro das matas (e.conso. es-
condido), ainda mantivesse acesa a tradição daquele aspecto vital da vida da mu
"

lher, tão vital que, se a menina dele se inteirasse, 'morreria' ou~ como nos é
informado Mais .adí.arrte, passaria a ser "moça". De acordo com Freud, "... uma
coisa que G proibidá com a maior Qnfase deve ser uma coisa que é de.ejada.1t
(Freud, 1964:69). E ainda: "Onde há uma proibição deve baver um desejo subja-
cen te." (Ibid.: 70).

Assinalemos ainda aqui o fato de o termo fuso na giTia brasileira


(segundo o Dicionário de Cândido de Fi~ciredo) ~ignificar alem de "um ins~ru-
mento roliço e pent.eagudo com qUQ se fia ate form.e.ra maçeroca"; igualmente ''Bai
le de gente baixa e viciosa"; ou "Orgia" (para A. Buarque de Holaftda). Parece-
-nos que haveria, nesse sentido, uma alusão a um deteroinado preconceito na .0-
ciedade com referência às atividades femininas, que cremos estarem relacionadas
4 eexualidade. Embora esta hipótese possa ser censiderada arriscada,parece-ncs'
que, em um nível mais profundo de analisa ela encootra suporte nftnarrativa,pcw
estamos ·lidando 'OIl".cnte
com 09 elementos que esta nos fornece. Com isto em tOOn
te, acre.cent6mO' qUQ o conto parece estar dizendo que, quandozyxwvutsrqponmlkjihg
l\ sociedade deei

""'!I ~-----=----~~:=;;;;;;;;,_.-
••....•..
-.•...
_-.:----~
, 51
de sancionar determinados atos, eamo a dG 'fiar' - que era tund~nt.l e eonsi-
atividade no rma I para os seus membros (tanto que para aboli-Io
deradozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA foi prec!,
50 a pena de morte. tal o nível de integração que teria no cotidiano das ativi-
dades) - ele lê torna uma atividade lfeseonta", escondida, repudiada pela moral
social. E, como já haviamos .ssinalado? o que o conto está afirmando parece
ler ,8 'mortQ' da menina, ficando "moça", e, eonsequentemente , seu afa.tamento da
geraçÃo dos pais - atrave.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
do 80no de cem ano. - e podenos concluir que, na ver
dade, o fUBo .e refere a dois 8spectos fundarnentaisna vida da mulher que eão
complementares: a ~nstruação, que da início ao ciclo realmente feminino e des-
perta a moça para a funçÃo que se eonsumará, depoia, no'ato sexual e, por conse
.quência, no seu potencial de maternidade, período em que, em termos biológicos,
"não marej a sangue".

Vemos, a seguir, que apos cair.para trás como morta, todos deitam
a menina numa cama, "num quarto preparado de um tudo, espelhando de boniton.Por
que .já preparado? Não havia sido proibido o fuso? Como sapiam que ia ocorrer?
Realmente, a estória' nos moetra que os esfo~ç08 do rei eram no sentido meramen-
te de adiar ~ acontecimento que já estava· irrefutavelmentemarcado. A fada v~
lha não havia l!Iencionadoidades, mas di.·s~"':"~
"quando se puser moça", o que pode
ocorrer dentro de uma faixa ampla na adolescência. O conto nos confirma tal su
posição, na medida em que~ como dissemos, o quarto já estava preparado;igualmen
te, ao afirmar que o rei e & rainha aceitam o fató, pois naquilo era sina permi
tida por Deus", ou seja, o destino contra o qual não adiantava lutar. Tanto é
que o rei e a rainha vão-se embora para o reinado, após beijarem e abençoarem a
filha. Podemo. obse rvar que essa aceitação. pasa va da ocorrência, por parte dos
í

pais (e note-se que .eles .ão os únicos que saem do palacio e depois morrem e ozyxwvut
.~ut'einado ee acaba). parece fazer alusão ao fato de que os pa s não •• is í têm
função na vida futura da filha; seria o ciclo da vida, das gerações p que eles
aceitaram conforrnadol,- era eina permitida por Deus •. Como vimos, o rQinado de-
,les Se acaba, ou sejtt9 nãG mais são necessários e imprelcindíveis ao desenrolar
do. acontecimentos, e a filha seguira SQU caminho como fôra predestinado, casa-
rà e sera feliz'- como 'fadarà' a fada maia moça. A geração dos pais 8e acaba,
para ser sucedid~ por outra, .eguindo a ordem da8 coisas.

g)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o prlnaip. • a be la adormecida

o prIn~ipe fic~ alvoroçado com a história que o velho lhe contara


e não dormiu pensando na princesa encantada, que por sua vez (Ü)'f'm'Í,a profundameu
te leu sono sem fim. Sabedor portanto da lua história, o príncipe parte para
.alvá--la - aventura que exige cap~citação ceItcciaHum príncipe (que já não ê
58zyxwvutsr
um homem comum por sua re~leza)1actcscido dos atributos'bom', 'valente'e1acm ta
cha', passa a manipular o encantamento, dando vida ãprincesa. Por suas quali-
dade. especiais predispõe-se arêeeber poderes especiais - dentro de uma valori
zação positiva do eixo de integridade da fárn11ia: como veremos mais adiante,ele
irá casar-se com a prineeaa. ter filhos. A ligação da narrativa do velho - quezyxwvuts
o soeiali~ava, eontando histórias da sua sociedade - com a ida do prfncipe para
salvar a princesa, tem significação na medida em que este aprendia coisas de sua
cultura, ficava horas e horas a ouvir as histórias do tempo antigo, demonstran-
do valorizar o aspecto cultural, da tradição social, libera~do, assim, sua expo
siçÃo ao recebimento de poderes sobrenaturais (de dar vida a alguem - o que, na
.realidade, não ocorre pois a princesa não está morta mas somen~ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
cOmo morta; o
encantamento mantern-se sempre, de alguma forma, dentro de determinados limites
do 'possível'). O prfncipe estava num ambiente que teria característic~; limi-
nares (já definidas anteriormente, com relação ao primeiro conto): a casa do ve
lho, longe do reinado, perto da floresta; sua posição social de prLncipe ~stã
pouéo enfatizada, pois nãoeBtã habitando' seu palãcio~ embora pela própria a~
biguidade, caraeteríatica deues momentos, o velh9 o chame de llmeusenhor", re,!
firmando sua autoridade como chefe do rainado; sua situação doméstica, como fi-
lho, esta igualmente ambígua, pois tinha uma mãe qco, entretanto, matav~ pes-
soas, apesar de o haver gerado, feito naaee r , em um momento anterior - poder-se
- -
-ia mesmo dizer que, enbora tivesse rnBC, era como. se nao a tivesse, ou pelo me~
nos assim o desejava , na medida 'que "passava horas e horas ouvindo (do velhinho)
ag histórias •••, eSqueeendo-se da rainha-velh! e da lua doença de beber sangue
de gente. 11 Ainda com relação ã ambiguidade da situaçÃo do príncipe, sabemos que
não tinha pai .(inferidopela emissão deste 'da narrativa). embora a presença do
velho supra, em termo. de economia da narrativa, o lugar daquele. Aasim, como
no conto anterior (com relação ã menina que salv6 o. irmãos) podemos apontarq~
encontrandO-i e em determinad~"eircunstâncies Q ob.erv~ndo determinados prece i
tos (no caso do prrneipa, valorizando os objetivos culturais) ê conferida ao i~
divíduo a manipulação de podares especiais - ou seja, o príncipe poderá desper-
tar umn mulher .que dorme há cem anos. 19ualmentQ. a••inalemos aqui a8 earacte·
ri.tiea. cspacífic~1 da narrativa que chamamo. de ~ravilhosa, que envolve uma
mistura de elementos 'naturais' (poss1veis dentro de uma experiência humana) e
de elementos .obrenaturais qua, na verdade, são 08 elementos eonhecidos da expe
riineia h~na ~creleidos de características especiais ou modificadas. Aa.im,v~
mo. qUê o príncipe não ressuscita a princesa, o que sQria ir totalmente de en-
contro aOS limites da capacidade humana, ma! somente a desperta (embora de um
.ono de proporções encantadas - caraeterí.tica exagQrada do natural).
59zyxwvuts
Retorll&ldo ã ,l.quinda narrativa, 'Vemoa como o prlncipe entca na
mata fechada, na qual sabemos que ninguém ia caçar ou pal.e.r, pois era uma fIo
resta sombria. AssimzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
CONO no eonto anterior, em que a. crianças vão para ua
monte muito alto, aqui também o rapaz 8e lança a uma aventura para li qual esta-
va preparado, munido de poderes que o possibilitaria. realizar a passagem pela
floresta, lem problema,_ eom o propó.ito de casar com a princes., recoostituir
a fam!lia ~ dentro do eixo de integridade valorizado socialmente. Ele, fiIhod!
uma rrrulherque tirava a vida de outras pe8soas~.ia dar vida a outra mulher, e a
todo o seu palacio, peSI088 e animai., enfim, a toda uma comunidade - soldados,
mügicoa, damas e senhorel, cozinheiras, meninos, mordomo, e 08 bichos; e vemos.
igualmente, que o conto se refere ao fato de o palacio estar sem vida, "sem ne-
nhum rumor. parecendo morto" - o encantamento operando aí no sentido de uma i-
dentificação geral entre seres humanos, animais e objetos, que o príncipe iria
diferenciar novamente, quebrandó o encantamento, rompendo o estado de indifere!!.
ciação que associava, além disso, pessoa! de n{vQis sociais diversos - como sol
dados, músicos, etc~.- diferentemente do padrão social existente refletindo um
isomorfismo existente entre o universo natural e ? universo
humano, em um níve~
e entre todo o grupo social, em outro, ~ 'isomorfismo irrealizãvel fora do en-
cantamento.

Chegando ao palácio, o príncipe vê a "moça mais boni ta que a ter-


ra havia de comer" - a assoeiaç~o .da beleza da ClOçacom a idéia de morte nos Dl<!!
tra como o problema da morte está presente para todas as pessoal em todos 08 lll2.

mentos, mQsmo nesse que serill de felicidade, em que ele se casaria com a princ~
aa. A própria relaçÃo sexual ê nesse momeu.to aproximada ã morte fíeiea, na me-
dida em que o conto.nos apresenta tais elementos em uma sequência que os a.so-
cia diretamente, quando descreve a'entrada do príncipe ate encontrar a princesa
e, ao encontrá-Ia, pega-lhe a mão, um ato de amor que alude ao ato de atoor lite
ral, o ato sexual - que advirâ naturalmente em seguida com o casamento que logo
·se realizará, usam perQer tempo". Ao descrQver todos esses fatos com & sequên
cia e a proximidade com que faz, o contador popular não parece agir acidental-
mente; relaeiona, de fato, os elemento. porque e.tes estão relacionados na so-
ciedade. Morte, vida, sexo, amor, se ~sturam a cada momento da vida, estreita
mente relacionados.

g interessante notarmos que, com o encontro da princesa comopri~


viva. Mas,
cipe. o palieio e.tremece e todo •• cordam.fa~endo barulho dQ gentezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZ
-
uso e.taV5tl IIIOrtol,IÓ dormí.ndej entreU.nto, era como se estive ••em. Com o das
pertar da princela, 'nasceram' de.novo. Notemo. quehã barulho de berrol, gri-
tos - como um na. cimen to.

----- ------
60zyxwvuts
A .eguir os doi. 'ta ealam cem pel'd3 de tempo -e .ue era o- tempo,
enfim, para quem dormira eem anos? A dimensã. temporal é eOftoebida no campo do
maravilholo da forma extremamente elastiea, mas eont~m os elemento. do real. em
i.
bora intensificados, neste caio. A narrativa ainda nos diz com refe~êneia azyxwvu
80 que os "dí as voavam", e aerescenta em seguida que. 4 princesa .ra feliz.Feliz

porqúe os dias voavam, p8sIavam rÃpido agora que estava easada, que era mulher,
que tinha marido? Feliz porque aeordara de seu"sono profundo, que durara cem
anos, e agora, despertando para a vida, ciente de lua eondição de mulher, podia
de.frutar do dom da vida enfim? Ou, mais provavelmente, porque cumprira sua'si
na', seu lacrifrci~, seu período de solidão, durante o qual perdera todo o con-
"tato eom a sociedade, estivera 'ausente', fora de toda a estrutura social, 'eon
gelada' soeialnente: sem pais, lem posição de parentesco, sem posição na socie-
dade ( o preprio reinado do rei, seu pai, se acabara), estava num palácio. ms$
dentro de uma floresta, em que homens e animais se associavam em seu sono,em r~
natureza~ernhora fO~8e princesa (cut~) e e.tive ••e~
lação, portanto, eom azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mindoum 80no de proporções encantadas (8obrdnat~t).

Segue-se o nascimento dos doi. filhos, Belo-Dia e Bela-Aurora. O.


nomes doi filhos são os únicos que o conto apresenta realmente como nomes, pois
as outras derlominações .io com referência is próprias earaeterístieas das pe8-
soal: rainha-velha, fada maia velhat fad~ mais moça, o velho ou velhinho, o mar
domo, a velha-~AI a princesá (menina, prineeainha), o príncipe ou filho da r.i
nha-velha." Por que então Belo-Dia e Bela-Aurora? Dia e aurora indicam objeti-
vament2 a valorização da idéia de luz, de dia, de na. cimento do sol - es crian
çal .ão filhu de al8Uém que domiu cem anos, "que esteve como morta, de olhos
feehado. (vida como A prineesa abrira os olhos ao tocar a mio do príncipe), po~
tanto no efeuro. nas treVAS. Hã uma oposição em relação à própria figura da r.i
aba-velha, que ficava desperta i noite, hora da escuridão. A própria iniciação
da princee8 na reali~açio da profecia que lha coubara .e dá em um quarto 'escon
80' do palácio, referência a eoisas escondida. - e e nome do. filhos vem se o-
por por se referir a coisa, elara8, como o dia ou o nascer do dia. Existe, i-
gualmente, ~~ valorização das crianças. como o .inal concreto da eontinuidade
da famíliA e, consequentcmentc, da .oeiedade eomo um todo. A família permanece
sempre o valor social por excelência e a maternidade - da qual a. crianças aao
o .ímbolo - torna-se a função bá.iea esperada da mulher. E ne ••e aspecto,a 'es
terilidade' atual da ráinha-velha assume o polo oposto de desprezo social.

"Apareeeram umas guerra. e o prIneipe não podia dGixar de ir comzyxwvut


a. tropa8." A família, que Ia tornara inte~ral, de acordo com o modelo ida.ide

-,..
61
é agora ameaçado com a perspecti va
família expresso e valorizado na narrativazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
a sua composição. Vemos como às guerras são
de ausência de um membro essencialzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
tratadas como uma ocorrência natural, aceita no cotidiano, sem causar sobressaI
to, apesar de frequenteme~e ocasionarem a desorganização do grupo familiàr.

Como o príndpe não queria deixar mulher e filhos "naque Le êrmo"


(idéia ambísua pois, apesar da distância do palácio da princesa, em relação ao
palÁcio do príncipe - sua casa de origem - "aque Ie êrmo" constituia agora a ca-
sa deles, o lar, em que tinham construido sua família; mas o príncipe se refere
a seu palácio anterior como sendo ainda sua casa, ligadO, portanto, ainda 4 sua"
familia original" de nascimento, valorizando-a neste mornonto em detrimento da n~
va família que constituira pelo casamento - fato es!e que acarretará os eventos
'maléficos' que se lueederão), resolve, então, o príncipe, ir na frente e tudo
relatar a sua mãe - refere-se nesse momento à rainha-velha comozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
mae. E~ta até
então não estava a par dos acontecimentos, não havia sido informada do casamen-
to "do filho e do nascimento das crianças'. Assim, a rainha-velha so "fazia pi-
garrear, com a cara fechada como o rei Herodes1 maginando cousas ruins." (Assi-
nalemos a referência ao rei Rerodes que, como é de conhecimento geral, mandara
matar 8S crianciahas do Eeito - a narrativa já anuncia, portanto, através doa
termos de suá descrição da reação da rainha-velha, os eventos que terão 1ugar a
seguir, visando ã destruiçãod8 integridade da família, dentro do eixo de inte-
gridade que cremos .er subjacente ã narrativa.

h} o d28ejo da rainha-ve lha

"o príncipe divide o palácio em duas partes, uma para a rainha-ve-


lha e outra para sua mulher e filhos. Parece que o conto com isto está nos in
formando que existe uma nítida separação entre as duas famílias, que deve ser
mantida, a de origem e aquQla criada a partir do ca.amento; embora sob o mesmo
teto, possuem partes diferentes". A proximidade exigiu um tipo de distanci~n-
to, para evitar poaaíveis conflitos, latentes •
.
Com a ida do príncipe para ftS guerra., A família se torna defi-zyxwvuts
ciente, com li falta de um membro fundamental ã sua integridade. O elemento in-
termediario que o conto fornece para equilibrar a situação é o mordamo, deposi-
tário da confiança do prIncipa, embora fosse membro do palácio da rainha-velha
e .abedor de sua condição de lobisomem. Fiea como guardião da familia do prín~
pe, em seu lugar. A narrativa está, mais uma vez. suprindo as deficiência. em
termos de estruturaç~o do ~rupo famili~r, substituindo .empre um membro ausente
por outro. Então, enquanto com a ausência do príncipe (~rido e pai) a f~lia
estava incompleta, com a presenç~ do mordamo preenche-se estruturalmente d defi
62zyxwvutsr
ciência, porém de forma ánb!gua e incompleta, pGis o elemento reÁl de ligaçÃo
ols filhos desta (netos) e a rainha-velhJl (sogra e avó),
entre a princesa (nora).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
está ausente, deixando a 8ttua~ãoém indefinição e desequilibrada.
,.
ObservemQs que aa,im que o prrncipe ~htà & c!vá1o e viaja, a rai
nha-velha começa a ter vontade de beber sangue e comer carne h~rltt. Co~ b.o
se dãzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a8sim que o filho se vai. podemos concluir que, enquanto ele ainda estava
no palácio, em casa, ela não tivera essa vontade. Será que com a proximidade
frs{ca do filho sua sensação de maternidade se renovava? Ou seja, sua condição
de mulher e mãe, que lhe havia possibilitado anos antes ter gerado aquele filho,
.~e afirmava com a própria presença dele, prova concreta dessa capacidade femini

I
na de gerar. Com sua partida, via-se frente ã esterilidade - a menopausa ~ e
dai sua ânsia de beber .angue e comer"carne humana. Vemol que como não pOdia
"passar o desejo" de beber sangue e comer carne huaana qui. comer Belo-Dia - o
filho-homem de seu filho (assim como este havia sido para ela). Observemos i-
gualmente a idéia da. 'desejo' - popularmente associada ã gravidez, ter desejo
de comer algo. Assim, não podendo engravidar, tem o prbprio desejo de colocar
dentro de sua barriga - seu ventre - uma criança: pelo ato de comê-Ia. E, vej.!,
mos bem, nao qualquer criança, ma. o filho de seu filho.

ç O mordomo, que ficara em lugar do prIncipe cuidando da famíli~. ~


ge, como já mencionamos, na função de pai da. crianças e, semelhantemente. como
marido da princeaa.Sua própria reação - "só faltou morrer" - demons t ra sua
preocupação e responsabilidade para com eles •. Ã medida que a rainha-velha vai
pedindo para comer todos 09 membros da famIlia, ele os vai substituindo por ani
mais •. Há uma mistura de animais com seres humanos, contida na própria pessoada I
rainha-velhaqua, agindo como lobisomem, msto de lobo e homem, reprelenta a
própria oposição resolvida em 8i_~esma.

Vemos como a situação da família le encontra extremamente ameaça-


da com a ~aida do príncipe, dando oportunidade a ocorrências maleficas. O encan
tamento t~lêfico'. traduzido pelo delejo da rainha-velha. na verdade ê neutra-
lizado pela fidelidade ao ideal de salvaguardar a integridade da família. assu-
uddo pelo mordomo - inversão social do prIncipe - e impede que a litu~ão, que
poderia se desintegrar totalmente, entre inteiramente no campo do mágico irre-
ver$rvel. As.im, COIOO havi anos dito com relação ao conto nnterior, o oncBnta-
mento opera muito mais como reestruturndor de relnçõe. do que como desintegra-
dor, quando ~nipulado pelas pessoas fortemente cult~rais, ou seja, movida. por
aspirações loeialmenta valorizadas, como no caIO, o mordomo, que procura prese~
var o grupo familiar.
6)
Lembreroo& que o príncipe, enquanto estava morando no palÃeio da
princesa, ia "ao palácio dar ordens e voltava, dizendo que estava eaçando." Por
tanto, o que a rainha-velha sabia sõbre suas atividades era que estava caçando,
e aSsim, quando ele resolve ir para as ~rrAa e conta tudo a mãe e, em se8uid~·
traz sua famíliA para casa, podemos dizer que, em termos eg~ritamente da narra-
tiva, embora a mãe já aoubesse da verdade, o que o filho estava trazendo para
. .~

casa era o resultado de suas 'caçadas'. Agora, a rainha-velha quer comer o que
o filho ttou~gra da caçada, e o mordomo lhe ofe~ecet realmente, animais de ca-
ça: uma lebre, uma paca e uma veadinha.Para a rainha-velha, como vemos ao co-
mer os animais e não notar a diferença, o que parecia importar era que pensava
serem seres humanos, que constituiam sua 'caça', tinham sangue. Hã aqui uma o
posição de elementos naturais e culturais, refletida nas proprias característi-
guí.aada, assa-
cas da rainha-velha e mediadazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
pe.La forma de elaboração da carne:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb

da e refogada - o que indica uma gradação (de acordo com os critérios da narra-
tiva) a partir do mais 'mal-passado', prõximo ao cru,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
naiural., ao mais 'bem-pa1!.
sado ", próximo ao coz í.do , mais elaborado ·cu1.tumz.mente·~ numa relação inversacom
a rainha-velha: quanto mais cultural se tornava p alimento, mais natural (ani-
mal) o comportamento da rainha-velha, ou seja, mais demonstrava sua animalidade~
matando e comendo mais pess'oas.O mordomo, parece··•.
los,··
procura equiparar o ali
mznto que prepara - atraves de sua gradativa elaboração (aproximando-o de um e-
lemento cultural) - ao alimento que ela desejava,. seres humanos (ou seja, igual
mente um elemento cultural).

Após aleuns dias~ a velha (como ê tratada agora) "tornou ti ter a


cisma da carne humana -de cristão". Por que o termo 'cristão' ê acrescido agora
ã vontade de comer carne humana? Podendo ser uma expres~ão cultural, pensamos
igualmente numa a~sociação aos cristão-mártires que eram comidos por animais pa
ra dar prazer e divertimento à ,elite romana. Na narrativa, ê uma rainha que tem
o desejo de matar pessoas. beber+Ihes o sengue e comer sua carne - ela procura
.'naturalizar' a. pessoas. animalizã-las. ela que ê um misto de humano Q animal.
Como o desejo parte da rainh~, que ocupa a posição de autoridade máxima naquela
80ciedade ounico remédio é tentar contornar a situação quando possível (como
p

no caso do mordamo trocar as crianças e a princesa por animais). Observemos o


elemento de conformismo às coisas, expresso na narrativa, em oposiçao ao incon-
formismo da rninha-velha, insaci~da em sua velhice.

Temos, em seguida, a rainha-velha .aindo de noite, como uma de-


sesperada. farejando quem mandar matar para sacinr sua sina." Notemos que oco!!,
tador nos d~5creve o desespero da·rainha que fareja cornoum animal, pnrazyxwvutsrqponml
8aaia~
sina. Novamente a ideia de sina, do destino, embora haja ambiguidad.~ poi.
suazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
antes, neste mesfOO parágrafo, o conto diz ter a rainha cisma de carne h\Ull.a1la.Hã
uma mistura de predeterminação e de iniciativa própria. de emprnho pessoal (si-
~eS804 que é ta~ém
na e cisma) que se confundem numazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
miG~~~ada em seus elemen
tos,ê tanto humana quanto animal.

A rainha ouve a voz da princesa sua nora e dOR netos - aqui ê es-
clarecido o parentesco existente entre estes ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
8, rainha, justamente quando esta

pensava estarem eles mortos e comidos já por ela. Parece que, enquanto vivos,
ela só os podia conceber em relação ã afinidade; depois de mortos - ou de assim
pensar que estivessem - suas relações de parentesco podiam se esclarecer no sen
tido de uma consanguinidade, refletida no próprio fato de que ela pensava ter-
-lhes bebido o sangue e comido a carne (associação também com a ideia de comu-
nhão, que podemos acrescentar ã idéia de cristão acima: beber o sangue -:' vinho
- e o corpo de Cristo - pão)~seriam agora realmente do mesmo sangue e da mesma
carne: •consanguineQs , ! l~sBa forma completamente literal de considerar o pa-
rentesco de sangue como identidade de substância torna fácil entender a necassi
dada de ser renovado de tempos em tempos pelo processo físico da refeição 8&cri
fical." (Snuth, 1894: 1398zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
apud. Freud, 1964: 137-138).

Observemos que a princesa fazia Belo-Dia dormir porque este perde


ra o sono e acordara Bela~~urora, todos eom saudades do pai. A idéia de sono é
novamente colocada junt~~nte com a idéia de"ausência - vide como o pai (princi
pa) despertara a mãe (princesa) de um sono profundo, com aua chegada. Aqui, as
crianças despertam por seut Lrem saudades do pai, SU4 falta. Parece-nos que o
Bono é visto como ~a forma de esquecimento, ou de distanciamento ou de81ig&me~
to das coisas da vida, que oco~rem fora do mundo do 80no.f uma pasaividada fren
te ao. acontecimento., às tristezas, alegrias, enfim, ã vida com todas as .uas
ocorrências. ~ uma ausência. um congelamento em vida. Em oposição, temos a rai
..
nha-velha que fica acordada à noite, hora do sono, dAndo va.ão a 8eu inconfor-
mismo, a que seul de.ej~j intontrolaveis se realizem. Pensamos, igualmenta,que
se não fosse a "ausência.do pai, 8S crianças estariam dormindo normalmente, e na
da teria ocorrido ou viria 8 ocorrer. Percebemos aqui um grande elemento de de
ficiência familiar, de falta de um elemento jeterminante na família, o que dã
margem 8 acontecimentos adversos ã sua integridade. A ausência do pai e marido
posaibilitouque tudo acontecesse. Traçando um paralelo com a ausência do pai
do príncipe e marido da rainha, talvez os fatos não teriam seguidO o rumo que
seguiram ie aquele estivesse presente. 'Cremos que o conto nos da elementos pa-
ra tais suposições, na medida em que coloca a ocorrência dos males após a parei
6Szyxwvuts

da do príncipe. Assim~ podemos reconstruir uma situação anterior, não na~ada,


i t, pai e marido, a rainha desenvolveu sua s í.na de
em que, com a ausência ,do "rezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
lobisomem. ~ possfvel que o conto 'queira nos dizer que se o marido estivesse
vivo, a rainha-velha não seria lobisomem. Sua sina não seria tambem o reflexo
de uma nece sa dade de,relações sexuais e, consequentemente, de ter filhos,seres
í

humanos? Devido ã impossibilidade - por não ter mais marido e por ser velha -
ela xesoIve a problema de forma inversa, ,poré~ estruturalmente chegando aos me!,
mos resultados: o ato de comer torna-se seu ato 'sexual e a ingestão de pessoas,
ficando em sua barriga, seu ventre, lhe substitui uma gravidez que não mais po-
de obter - e não só por não ter marido como igualmente por necessitar de 'san-
Jgue' (vide sua,sina), alusão, segundo conc:lulramosde início, a sua menopausa.
Enfim. parece-nos haver uma critica ã condição, de viuvez na mulher, que se agr~
va com sua esterilidade; o desespero"que isso provoca dã margem a atitudes ani-
roalescas. Na verdade, a mulher tomou a si tanto a função masculina (representa
d~ pela busca do que comer~ da caça) como a feminina, de conservá-Ia em seu cor
po. Como naturalmente o processo não pode durar o tempo de uma gravidez e na
verdade esta não redun,danas consequências naturais (o parto, nascimento de fi-
lhos), é necessário que se repita seguidamente. Além disso» podemos acrescen-
tar o fator da nãO-disponibilidade de parceiros sexuais, a que já fizemos refe
rência no conto anterior. Assim, não havendo outro rei com quem ela pudesser~
lizar um casamento no seu nível social, a situação e irreversível. So havia no
reinado o príncipe ,seu próprio filho, com quem a relação seria naturalmente san
cionada pela sociedade. Assim, ela toma a si as próprias funções do filho (en-
quanto marido) e da princesa (epquanto esposa e mãe), na sua ânsia de comer se-
res humanoe , .Segundo Freud , "Uma mulher, cujas necessidades psico-sexuais en-
contr'ariam satisfação no seu casamento e na sua vida familiar, ê frequentemente
emeaçada com o perigo de ler deixada insatisfeita, porque a relação de casamen-
to chegou a um fim prematuro e por causa da'monótonia1 de lua vida emocional.
Uma mãe~ ã medida que envelhece; se salva dessa 8ituação colocando-se no lugar
de seus filhos, identificando-se com eles, e realiza isso tornando suas as expe
riências emocionais deba. ti (Freud, 1964: 15).

Voltando ao encontro noturno da rainha-velha com a famrlia do fi-


lho, vemos como o contador popular a compara ã feiura de uma coruja. A coruja,
um animal noturno; significa figurativamente mulher velha e feia (de acordo com
Cândido dê Figueiredo). Parece-nos que na tradição popular significa também a~
gouro, presságio. De qualquer forma, ê uma associação com um animal de caracte
rr.ticas desagradaveis, reafirmando a ambiguidade da rainha, tudo no conto ten-

1. No zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
oPigir.a.Z "uneventfuZ.nes8 ti.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

: ,z
*'
66

do seu significado, até nos menores detalhes que reforçam as linhas principais.

A reação ,da rainha-velha é,descrita como não. tendo coração para


tais coisas (não teria 'sentimentos'. não seria humana), e ter saído babando 'de
é' aqui clara, e, igualmente (pelo fato de
raiva- a alusão a um animal selvagemzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sair babando de raiva) podemos associá-Ia a um ente louco, raivoso. Notemos i-
gualmente a ambiguidade ao tratar dos membros da famrlia, na medida em que ago-
ra a rninha se refere ã "mulher do filho" e aos "filhos de seu filho", e não
mais como os netos e a nora, como o f;i:terahá pouco.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1! dé8crit:"a& raiva que lhe
dã o fate da famIlia do filho álnda estar viva, como sendo uma ofensa a suas or
dena ao motdomo, de matá-Ios; sua autoridade, embora exercida em termos de 10u-
'cura, tin.."'-a
que ser cumprida, não importa a quem doesse, mesmo se fosse a famí-
lia do filho - ou, talvez, principalmente se fosse 6 família do filho! Percebe
mos aqui um forte elemento de negaçãõ do parentesco e dos laços de aliança-quan
do, ns verdade, o desejo era de estabelecer um 'parentesco' ainda maior: beber
o.s?ngue, haver uma só 'consanguinidade'.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU

i) zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a opção final, do p1!lncipe - a fa:mí.Ua l"einte~ada

Vemos como, em seguida~ o príncipe chega "morto" de saudades da


múlher e dos filhos que. ne verdade t estavam,quase 'mortos' também na fogueira
que li rainha mandar a fé\zerpara queimá-los e ao mordomo. O príncipe per'gunt;a
com raiva "quem se atrevera a por e'mão no que ele queria de mais em cima do
Mundo." Notemos que também o príncipe ''bufava de raiva" - como a rainha simi-
larmente havia "babado de raiva"; entretanto esta, porque as pessoas não esta-
vam mortas, como desejara, e aquele porque iam ser mortas. A perspectiva opos-
ta dos dpis --mãe e filho - se coloca aqui claramente, em termos dos seus inte
,J
resses com relação ã família dele: o amor de um e o ódio de outro. Vemos a ri- ,;j

validade existente entre, os dois~ com relaç~o às mesmas pessoas, o que nos mos I, ;

tra que a narrativa está nos dizendo a re~peito das atitudes exatamente opostas
de uma mãe para com a nora e os filhos desta. em relação a seu filho, O qual se
expr muu a respeito destes como "o que ele queria de mais em cima do ~undo"
mais do que à ~e, portanto. Podemos sugerir • a partir desses elementos que a
narrativa nos fornece, que um sentiménto muito forte movera a rainha a realizar
os atos que desejara, o ciÚme do filho (que ousara amar outras pessoas mais do
que a ele), a inveja do nora (moça; que podia ter filhos, que tinha um mar-ido, .
que não era es téri1), e das crianças, seus netos, que eram a prova concreta. de
sua velhice. de sua condição de,avo, e do fato de que não podia mais ter filhos.
67zyxwvu

A crise se soluciona, finalmente, por iniciativa da própria rai-


nha. que parece demonstrar nesse momento conseiência de su~ ~ulp4bilidade. Ela
se atira ao fogo com medo do castigo. Que CAsti.gO, perguntarlamos.Atirar-se .na
fogueira seria castigo menor do que algum outro? Parece-nos que sim. O castigo
verdadeiro parece Ser.a raiva do filho e, mais do que isso, o fato de saber que
alé queria ~i8 do que qualquer outra coisa do mundo ã mulher e aos filhos,mais .
do que a ela, sua mãe. Tal castigo, e a.aceitação desse fato, seria insuportâ
vel e de proporções muito mai.ores do que morrer "queimada, 'estorricada, virada
cinza e pó preto." A idéia de fogo nos sugere, igualmente, a idéia de inferno,
que na mente popular se associa ao fogo; inferno, pena máxima para os pecadores,
-não cristãos. Mas,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
B ràinha não viu a fogueira como pena pior do que o' castigo

que obteria se ficasse viva - e esse castigo, podemos concluir, seria a consciên
eia de sua rejeição pelo filho.

Finalmente a estória se encerra, indo todos para Q palacio - o


chorandb ~e alegria (talvez uma alusão a sua dor pela mãe, por um lado,
príncipezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e a alegria de ter salvo sua família por outro; chorando, igualmente, talvez~
ter tido que sacrificar sua família original. em benefício da outra, que esco-
lhera para casamento, e nesse momento crucial mostrou ser sua opção final ).

Vemos que o príncipe nomeia o mordamo vice-rei num reinado que g~


nhara na guerra - referênci~ ao eixo de valorização da posição social elevada,
embora aqui a mobilidade social que o mordomo adquire seja 'positiva', em ter-
mos da narrativa; é como uma recompensa pelo que havia feito em função da pre-
servação da família - em oposição ã ida do príncipe para as guerras, que colo-
cou .em riseo'o grupo familiar. Cremos que a ambição de guerrear e obter mais
poder (mais reinados - pois~ como vimos, ga~hara um reinado na guerra, o qual
dá ao final ao mordomo)., a ambição exagerada do poder age como força negativa e
destrutiva do bem maior, valorizado no conto, que se quer alcançar ou preservar,
que é .a integridade da família'.

Finalmente morreram todos de v~lho8, bem felizes - demonatrando a


narrativa seu modelo ideal de vida para os indivíduos: morrem de velhos e feli-zyxwvu
zee aqueles que. procuraram como objetivo de vida manter unidos 08 membros do gru
po familiar, embora para chegar a tal compreens~o do sentido da regra social há
.ica tenha sido necessário que sofressem a separação, a solidão, que percorres~
sem, cada um a sou modo, o seu 'calvãrio' (vide ideia de cristãos sacrificadoa
pela rainha-velh~). ~ a partir do s8crifIcio, de um períOdo de sofrimento e
flagelação, em que tudo parece caminhar em direção' a um fim total, gm que tudo
parece negado AO indivíduo, que este pode, após haver tomado consciência sobre

-----•.•.. ~
68

o mundo que o cerca, lutar pela superação dos obstáculos e reconstruir o futuro
a partir das bases agora lúcidas do presente. A separação e o risco de
perda
quase total e irreparãvel agem agora no sentido de uma união maior, porque foi
dado.ao indivíduo a possibilidade de optar.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM

4. Comentãrios

QualzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a estrutura de liA Princesa do sono-sem-fim"?
.
Em nossa op1n1ao, .-
é bastante semelhante ã de liA Rainha e as Irmãs". Em termos gerais, podemos cE-
locar a existência de certos momentos centrais que isolam os polos de intensa
dramaticidade da narrativa e nos permitem vê-la como um todo coerente. na medi-
da que esta propõe seus p rob Iemas e resolve passo a passo isuas oposições, a-
em
través de elementos mediadores q~e equilibram os conflitos de cada momento par~
ao final, propor uma solução globai que recr.í a a estória e a traz, novamente,pa
ra o o'rdenamento do modelo que sugere implicitamente no inl:cio (não narrado),~ <

deIo idealizado de integridade estrutural - ónde cada elemento tem seu lugarzyxwvuts
e
seu par correspondente e complementar, e a narrativ~ se completa em sua auto-su
.ticiência •
I
Esses momentos-seriam. similarmerlte aú conto anterior:

1- um momento inicial, de integridade e harmonia da família, modelo


este implícito na,narrativa e idealizado por esta (8 partir dos
elementos que ela nos fornece no sentido de que a felicidade tem
lugar quando a família se forma ou esta reunida e comp Ie t aj j

2 -- um segundo momento, a partir do qual se infere o primeiro, exata


. .
mente contrário, em que encontramos a famíli~ não-integral,na me
dida em que não contêm todos os membros· que a definem. Vemos no
conto como o príncipe não tem pai e a rainha-velha não tem mari-
do, embora a figura do velho com quem o príncipe conversava ve-
nha temporariamente suprir, em termos éstruturais~eesa carência;

3 - num nivel intermediário, que reflete a oposição inicial, pod~o8


perceber diversos arranjos no sentido de solucionar problemas
criados em relação a uma situação não-integral familiar. Assim,
há uma aparente reestruturação, em dois níveis: primeiro, quando
o rei e a rainha que não tinham fi.lhos finalmente conseguem o na!!.
cimento da princesinha, completando o seu grupo familiar (mas-e
~qui vemos como ocorrem as oposiçõea de dimensões menores no con
to, que reforçam as linhas principais - a própria felicidade do
69
nascimento e
da filhazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
conturbada pelo fado de que 'morrerá', ha-
vendo, entretanto, a mediação sçno que possibilitará
do elementozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
a solução da oposição); em segundo lugar, com a ida do principe
em busca da princesa, seu casamento com ela e o nascimento dos
filhos;

4 - esse arranjo temporário e abalado pelo advento das guerras, que


levamo p aí e marido para fora de casa, dando possibilidade a que
eventos adversos tenham. lugar - vide os desejos da rainha-velha;

5 - finalmente, a crise se soluciona com a volta do príncipe, a rai-


ê punida e a famÍlia pode gozar sua integridade,
nha-velhazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA e o
conto fecha assim a corrente de oposições, resolvendo os probl,!
mas propostos de início.

Da mesma forma que no conto anterior, vemos como a oposição interme-


diária repete, através de oodiação, a oposição proposta nos dois momentos ini-
ciais, e o momento final soluciona todas as o,osições, sintetizando-as,o que só
foi possível atraves da mediação da situação intermediária.

I
A mesma análise que efetuamos, ao comentarmos o primeiro conto pode
ser aplicada a este. Entretanto, embora consideremos que todo o conjurttode co~
tos ~ravil~osos tratem da mesma problemática, cre~s que em determinados con-
tos certos elementos' são mais· enfatizados enquanto outros se encontram menos de

I
senvolvidos- o que , na=ver dade , nos permí.t;eum ent.enddraen to maior de cada conto
e de seus elementos menos explícitos por teferência ao outro.

Assim ê que em liA Princesa do sono-sem-fim" percebemos a importância I


da problemática
fisiológicos
fe~inina, em t~rmos de ciclo de vida da mulher,
a que está sujeità infalivelmente e a relação disto com suas expe~
dos fenômenos
I
'1

tativas sociais - de realização no casamento, de ter filhos. Enquanto no conto


I
anterior a inveja das irmãs com relação ã rainha se traduzia mais explicitatren-
j
te por seu aspecto de ambição social, de ascendência a uma posição máxima na 80
I,
j
ciedade, e menos explicitamente, embora de modo latente, pelo fato de não terem' ,

casado e, portanto, não terem tido filhos 1dentro da moral social, aparentemen-
te não permitido), no presente conto vemos como a rainha-velha vive a sua velhi
ce e sua esterilidade. na ambição - já irrealizãvel - de reaver uma condição fi
siológica que possuira antes e uma consequente posição doméstica de maternidade.
Em contraposição (e equivalência estrutural), vemos a princesa percorrer o C1-

elo de sua vida desde menina, até 'ficar moça' e, finalmente mulher e rnãc,ciclo

.--:-----..• zyxwvutsrqponmlkjihgfed
-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA - --_.~
5 j
70zyxwvuts

este já percorrido eagor& encerrado para a r~inha-velha, mas que esta luta de-
~perdd8mente por r~8ver. como pudemos concluir por sua necessidade, seu dese-
jo de sangue humano e de carne (carne jovem, principalmente, como pudemos cons-
tatar, por seu desejo de comer primeiramente as crianças e a própria princesa,
mulher jovem se seu filho - embora haja ambiguidade na pessoa desta, pois ê uma
moça que havia dormido cem anos). Procuramos mos~rar que o próprio desejo se
compara ao que popularmente se associa ao desejo das mulheres na gravidez. O fa
to de querer comer a nora e.os netos, a sua ânsia de 'incorporá-Ios' parece se
referir a um desejo desesperado (e insaciável) de reaver qualidades que teriati
do na juventude, de ser mulher jovem, fertil, poder ter filhos, etc. De acordo
com Freud, "Ao incorporar partes do corpo de uma pessoa atraves do ato de co-
~r. adquire-se ao mesmo tempo as·qualidades p05sui:das por ela." (Freud, 1964:
82) •

Paralelamente a esse eixo da ~roblemãtica feminina, vimos como se co


loca a rivalidade np casamento, entre a família que chamamos de origem e a nova
família que se cria pelo casaraeuto, pela .aliança·,que vem compartilhar a hegem2,
nia da primeira (vide ao final do conto como o príncipe mostra serem a mulher e
os filhos aqueles a quem mais amava no mundo).

Cremos que há ainda um outro eixo de importância fundamental, bastan


te desenvolvido particularmente neste conto, embora tenha aparecido implicita-

.
mente no anterior. Trata-se da atitude das pessoas frente aos acontecimentos ezyxwvutsrqponm
situações a que estão sujeitos em sua situação de vida~ Parece-nos que a narra
tiva n08 diz que exís'teurna conformação, uma aceitação dos fatos adversos que
ocorrem às pe8soas~ que não po4em mudar seu destino. Assim, o príncipe, e aque
,
1a sociedade em geral - como o demonstram a pas s í.ví
dade do velho, do mordomo
estão cientes da doençe da ~ainha-velha, mas não tomam nenhuma atitude quanto a
isso. O rei e a rainha se sujeitam ã sorte da filha- a partir dos fados - pOE
que "aquilo era sina permitida por Deus". O destino torna-se, ã primeira vista,
portanto, um elemento fora do controle humano - se for bom, como haviam sido os
fados das fadas boas, tanto melhor; se for mau, como o da fada mais velha, nao
há nada a fazer. A tentativa de evitar que se cumpra o que estava predestinado
não funciona - vide a proibição do fuso e o encontro da velha ama com a menina.

Entretanto, embora aparentemente as id~ias de destIno e de conforma~


-
çao
...
as coisas estejam associadas, cremos haver um elemento fundamental que in-
tervém deterrninantemcnte aqui, o qual já apontamos ante'rLormentie
, Existe, real
mente, a idéia da necessidade de 'aceitação do próprio ciclo da vida: as pessona
nascem, crescem, as meninas se põem moças .casam-se. têm filhos) e morrem - os
71
- se sucedem e essa e -
..
As geraçoes
pais da princesa morreram seu reinado acabou.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
a ordem natural das coisas.
. ....,.. .
Vemos como a pr1nc1p10 o re1 tenta eV1tar que se
ê em vão. Esse esforço tambem de-
cumpra a sina da fada-velha, mas seu esforçozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
ve ser entendido cornoa dificuldade para os pais aceitarem o fato de sua filha
ficar moça, sair de sua tutela e casar (a filha, na verdade, representando maior
preocupação para os pais, embora a mesma reação se dê, em certa medida, com re-
ferência ã rainha-velha e seu filho, apesar de aqui a problemática ser de natu
reza diferente e enfatizar outros aspectos da relação). Entretanto, ê preciso
chamarmos a atenção para o fato de que a problemática do destino como p tratada
no conto maravilhoso - e como já mencionamos a respeito da narrativa anterior -
se relaciona principalmente ã observação de certas regras pelos membros do gru-
t

po, de modo que $UaB ambições sejam ~em sucedidas. Se o indivíduo age de 'acor-
do com os padrões estabelecidos'pela sociedade, observando seus preceitos e ps~
ticipando de seus valores, suas chances de sucesso são certas. Ao contrârio,se
age de acordo com seus próprios instintos individuais, abandonando as regras do
grupo, seus planos e ambições caem por terra e recebem, o desprezo social e a pu 11i
nição mereeida. Assim, o rei e a rainha se conformam com a 'morte' da filha U i!

'porque aquilo era sina permitida por Deus ~ poderiamos então equacionar ~~ui as
l".:::
,.'.
'.I
1,,1

ta sina de Deus com. a "síma" da eociedadepa ,força do social, do cultural agin-


do de modo a dar continuidade às instituições que o sustentam, como o casamento,
a família e consequentemente os filhos que perpetuarão ,~o seguirem o mesmo p~
t

cesso, os valores que a sociedade privilegia e se propõe a manter. :::

Nesse sentido, vemos~ por exemplo, a forma como opera nesta narrati-
va o eixo da mobilidade social que, embora menos explícito que no conto ante-
rior,' nos fornece eLementos suficientes para percebermos sua importância, agin-
do a ambição de mobilidade, quando incontrolada, de modo a ir de encontro aos
objetivos valorizados definitivamente na narrativa, relacionados ã integridade
da família. O pr Incí.pe , por não poder deixar de ir com as tropas para a guerra,
preferc'a manutenção de sua heeemonia como chefe do'reinado, a exercer sua fun-
çeo de marido ~ de pai junto ã familia., Tal eixo, como vimos no conto anterior,
opera no sentido de minar ~ integridade da família. No presente conto, vemos
que é a partir da viagem do príncipe que sua família passa a correr perigo e -e
só com sua volta - e em decorrência exclusiva dela - que a situação se solucio-
na. Não esqueçamos, igualmenté, que, ao final. o príncipe nomeia o mordamo p.!.
ra vice-rei de um reinado que ganhara na guerra. A narrativa, mais uma vez,foE
nece sempre os elementos necessários para conter sua lógica: o príncipe fora ã
guerra, então, não simplesmente para assumir sua posição de chefe do reinado,c2,
mo parte de suas atividades como príncipe - o que seria de se esperar em termos

:l
72zyxwvu

das tarefas masculinas ligadas ao trabalho e, no caso, ao comando de um reino


- ~~s, fôra ã guerra para a conquista, resultando em um aumento de seu poder 0

de seus territórios, enfim, vaíorizando excessivamente o seu mundo público e o


aspecto da ambição social exagerada, em d~trimento de seu mundo doméstico, o
A decisão de ir para a guerra
qual deixa quase irreparavelmente desprotegido.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
fOl uma escolha consciente pois tinha conhecimento da situação da mãe e temia
pelo que poderia ocorrer à sua família - vide como·pede ao mordomo que cuide de
sua família e vigie a rainha-velha. Assim, se· escolheu ir às guerras,apesar de
tudo, e se as guerras (como vimos pelo fato de present~r o mordomo com um vice-
-reinado que ganhara na guerra) constituem meios de aumentar seu poder como cl~
fe do reino ou ao menos mantê-Io. então vemos como, no eixo da mobilidade, a

.
ambição social exagerada age aqui em detrimento do eixo da integridade da. fami
... .
114, modelo nitidamente valorizado nessa sociedade. Entretanto, como o pr1nc1pe
era um homem bom e sem tacha, como foi descrito de in!cio, apesar de sua valen-
tia (atualizada, talvez~ com o fato de ir às guerras), foi capaz, ao final, de
salvar sua família ·eremediar a situação, tendo optado ao' mesmo tempo pela fa-
m!lia que constituíra através do casamento, uma yez que foi impossível conci-
liar a mãe com sua mulher e filhos, tendo em vista 08 impulsos puramente indivi
dua.is daquela, em detrimento da sobrevivência do grupo familiar. Quanto 8 esse
aspecto. vemos que foi preciso que visse os filhos e a mulher na fogueira para
finalmente compreender seu papel fundamental ao lado da família e 8 desorganiz!!
ção de relações que sua ausência desencadeara. No conto anterior, foi preciso
que os próprios filhqs, apôs terem sofrido igualmente a ausência e rejeição do
pai, restituissernrlhe a.visão, o entendimento das coisas que, em sua cegueira,
seu desligamento, deixara ocorrer, sem umá visão cr!tica sobre elas. No prese~
te conto, vemos como o elemento s~ parece demonstrar uma passividade frente
aos acontecimentos, um desligamento e um 'fechar de olhos', deixando que aS coi
aas ocorram como têm que ocorrer, sem i.ntervenção ou iniciativa pessoal. f pre-
ciso que elementos fortemente culturais - como a menina na narrativa anterior
ou o príncipe e também o mordomo nesta narrativa (que concentra os aspectos f~
damentais de valorização doa objetivos sociais, atraves da tentativa de manter
os membros da família unidos e da ausência de uma ambição social como único mo-
tivador de suas atitudes - recebeu o vice-reinado como prêmio e recomp~nsa pelo
bem que fizera e nno como resultado de uma ambição visando somente a satisfação
de um desejo pessoal de poder) - enfim, ê preciso que as pessoas que agem den-
tro dns normas e aspirações de caráter marcadamente social, tomem a iniciativa
de 'despertar' aos outros, de 1embrar-lhes, pelo seu exemplo, da importância da
ação do grupo como uma unidade, .para salvaguardar a própria sociedade e a conti
nuidade do próprio homem como ser cultura. e separá-Ia definitivamente da
dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA na
tureza.
7 3 zyxwvutsr

Dentro da noção de 'sono' a que nos referiamos acima podemos igual-


mente entender 8 pcópria idéia de fantasia, de sonho, que seria um mundo imagi-
nário que se cria para substituir aquele em que se vive realmente e que não se
pode mudar - assim, somente com a intervenção do mágico, de elementos encanta-
dos» se consegue temporariamente abstrairzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
li realidade- como vimos o 'fado' do
sono de cem anos, ao invés. por exemplo, da morte prematura. Igualmente, perc~
bemos a manipulação do elemento mágico na troca das crianças por animais, pelo
mordamo. Entretanto, como já haviarr~s mencionado, o mágico'penetra na estória
exagerando ou ampliando as possibilidades do real, ou mesmo invertendo-o, ou s~
ja'em suma, modificando de alguma,forma situações conhecidas. mas não entrando
jamais totalmente no mundo da fantasia e do não-realizavel. Os elementos são
baseados na vida real. embora sua intensidade lhes atribua proporções 'maravilhozyxwvut
S4S t •
74

IV - CONCLUSÕES
Como.nos propusemos a demonstrar, no início deste trabalhozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
p cremos que
existe uma determinada estrutura, subjacente ao conto maravilhoso, que pôde ser
entrevista atraves de uma análise simbólico-estrutural. Nossa metodologia, em-
bora baseada nos procedimentos indicados por Levi-Strauss ã análise es-
quantozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
trutural (Cf. Levi-Strauss, 1967) divergiu um pouco deste autor, na medida em
que ele propôs realizar-se, em primeiro lugar, o que seria a análise estrutural
propriamente dita, para depois poder-se atingir o nfvel do significado da nar+
ratizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
v e: - como ele mesmo veio a realizar. em IILa Ges te d 'Asdiwal" t por exernp 10.P~
ferimos~ então, a~ontar, paralelamente ã separação do código do conto, igualme~
te a mensagem que este estaria expressando. Dessa forma, pudemos entrever pa~
so a passo a relação das partes entre si e em referência
todo que reflete, emúltima instância, e a um nível de explicação
ao conjunto como·
global, as re
um
I
':'

lações específicas entre os diversos elementos, por suas oposições, complementa


ções e mediações, "contando umaest.ória" s, construída desde os mínimos itens cons
titutivos ate atingir su~ expressão final. Apresentemos, como se viu acima,dms '
textos pertencentes ao mesmo complexo de contos denominados maravilhosos ou de
encantamento que, na realidade? já estavam associados atrav2s dos criterios de
classificação ,baseados nos motivos de S. Thompson e A. Aarne~ a que fizemos re
ferência na introdução deste trabalho. - Cremos que as conclusões a que chegaram
os porta-vozes da chamada Ii~scola finlandesa" quanto ã classificação do.s contos
populares maravilhosos, e que estão contidas .no seu lndex de motivos, se aprox~
mam bastante do que nós pudemos co.ncluirp a partir deuoa abordagem estrutura -
lista do oesoo material. Entretanto, divergimos en diversos aspectos e no que
se refere as conclusõ~s tirada~ a partir da a~ãlise de caráter mais aprofundado
que esperamos ter p~dido realizar. Primeiramente, não só porque nossas unida -
des narrativas básicas não. consistem em motivos, mas em conjuntos de relações
que se estabelecem a um nível mi'nimo da narrativa, repetindo-se seja por reafir
mações, seja por negações, ao longo da estória, tecendo um determinado padrão
decombineções e permutas que se pode identificar como característico dessa for
ma narrativa. ~m segundo lugar, porque nosso objetivo não e o de classificar ,
embora esperamos que nossa análise possa ter contribuído para uma reformulação
dos critérios de classificação utilizados ate o.monent.o , e que os folcloristas
possam se beneficiar. de alguma forma, de nosso estudo.

Nossas conclusões, neste ponto, podem se colocar em diversos níveis. 1ni


ciaremos pelo nível do código que pudemos decifrar nos textos apresentados. O
contador popular, em sua tarefa de contar uma estória, parece trabalhar ao modo
do "br co.l.eur" (Levi-Strauss, 1970: 37-55): com um niine ro limitado de elementos,
-
í

destinados originalmente a outros fins, ele realiza operaçoes tais que possam
75zyxwvutsrqponmlkj

dar conta de deterninados problemas de grande complexidade e de difícil explic~


ção, tornando possrvel~ dessa forma, seu enunciado e seu tratamento a um nível fi
de expressão que corrcsponda às expectativas de equilíbrio e de solução de con- "II
flitos insolúveis para os recebedores g assim que, nos contos que
da mensagem.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
analisamos, surge um repertório relativamente limitado de elementos que repeti-
dam~nte se sucedem, não arbitrariamentet como se poderia supor ã primeira vista,
mas de acordo com um padrão específico de ordenaoento, o que nos informará, ao
final da análise, sobre sua estrutura peculiar' e nos apontará a direção de seu
significado.
1-
O repertório da narrativa maravilhosa utiliza, entao, como pudemos verifi
,cer ao isolarmos suas orações diminutas, as relações de elementos nos seguintes
. têrmos: cultura/natureza, humano/animal, juventude/velhice, fecundidade/esteri-
lidade, família c~mpleta/família,d~ficiente, mundo doméstico/mundo público, dis
. -
ponibilidade de parceiros sexuais/nãO-disponibilidade, casa (lar)/fora de casa,
acomodação/ambição, conformismo/inconformismo"em que os primeiros elementos
nas 'oposições se encontram valorizados na narrativa. Estes seriam, em linhas ~
rais, os conjuntos biná~ios basicos, tirados do repertório universal, utiliza -
dos pela narrativa como já mencionamos ao comentarmos os contos, para dar conta
dos problemas ligados às relações dos homens entre .si e com a nntureza. Acres -
cente-se ainda a oposição Vida/Morte~ fundamental no conto maravilhoso, e igual
mente a relação Cultura/Natureza/Sobrenatural queresumemp por assim dizer, to-
das as oposições tratadas. A forma como cada ítem das relações opostas acima
adquire uma deterInÍnadélvaloriza.ção nos contos, nos remete ao nível do signifi-
cado propriamente dito, através do qual percebemos que a narrativa TIk~ravilhosa
não consiste somente de uma s~rie de ep í sôd os fantásticos,
í que lidam com enti-
dades absurdas, em s'ituélçõesextraordinárias,
,
sem nenhuma referência a um nível
de concreticidade 1 do possível. Ao contrário j vimos que' o conto popular mar av i
1hoso lida com elementob tir~dos do cotidiano, eobora atribuindo-lhes propor-
ções exageradas ou moclificadas1 o que justamente o coloca em um nível do "encan
t ado" p da fantasia. Os contornos p entretanto p sao extr€,mamente "humanos /I, se
,poderíamos assim dizer: partem do que conhecemos da 'experiência humana concreta,
de suas limitações e aspirações.

Neste sentido, Todorov, em seu trabalho sobre a literatura fantãstica,de~


creve, entre os diversos tipos de narrativas de características fantásticas, o
que ele denomina de "mar.aví Ihoso hiperbólico l
', que em nossa opinião, retrata o'
que cremos haver encontrado em nossos contos de encantamento. Diz o autor: 'lpO
deríamos'falar então de um naravilhoso hiperbólico. Os fenômenos só sno, aqui,
sobrenaturais por SUélS dimensões,. superiores àquelas que nos são f amí Lí ar e s ,"(1'0
dorov, 1970: 60). O cncantancnto, como ocorre nos contos que analisamos, -
nao
76zyxwvu

opera por ume inserção completa numa esfera fantástica, sobrenatural,totalmente


alem dos limites do possível em termos humanos; antes, utiliza os elementos que I
o homem conhece e atribui-lhes proporções exageradas ou modificadas, em relação
I
ã realidade conhecida e vi veuc i ada pelo homem.
g interessante observarmos a forma como o contador poru1ar do maravilhoso
atualiza a entrada do magico na narrativa. Ele constroi um determinado "cena -
rioll,uma ambiente.ção, que possibilitam a inserção dos fenômenos sobrenaturais
num cotidiano palpnvel e reconhecível pelo leitor ou ouvinte da estõ~ia. Essa
~bientação poderia ser entendida~como fizemos alusão nas analises acima, a um
campo liminar, não facilmente integrado ao Ci"'r.!pO da "nomalidad~ll, que recorre,
entretanto~ a esta para. compor os seus contornos. Nesse campo, os fenômenos
ocorrem sem os linites comunentc inepostos nos fenômenos na esfera puramente hu-
mana~ a prépria natureza dos elementos é modificada, seja por inversão,seja por
ampliação (exagero) do real. Assim, as características humanas das pessons,por
exemplo, são distendidas até um nível dO'sobre-humano (atraves da aquisição de
poderes especiais1 como por exe~p10 a cura dos irmãos e do rei-pai, pela menina
da primeira estória, e a capacidade do príncipe de despertar a princesa que dor
mia há cem ~~s; ou, como observamos em outros contos do mesmo conjunto em· que,
por exemplo, uma boa moça desencanta um príncipe encantado em lagarto, ou em
cavalo, ou com feições de veado; ou quando um rapaz bom e valente salva uma prin
cesa de um monstro ou de algum~ sina ou encanto, etc. (Cf. Cascudo, 1967:81-96-
7l~159-4771). Em todos os casos a quebra do encantemento ou do fado ou sina e
sempre realizada por alguém especial, .que de uma forma ou outra tenha se mostra
do merecedor de receber-poderes r.1~ioresque o das outras pessoas comuns. E ob-
servemos igualmente. que a posse dos poderes sobrehumanos sempr e se dã na medida
em que essas pessoas que o adquirem tenham cumprido a18~ tipo de preceito so-
cial ou seja, se apresentem fortementezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
cul.tuxaie , valorizando os as-
como sereszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
pectos sociais de sua condição de [ser vivo; cono no caso do príncipe do segundo
conto, o qual era um moço boo, valente e sem tacha, que aprendia com o velhinho
as estóri~s do passndo ae sua sociedade e se propõe a realizar um ato "valoriza
do" nos contos'ou seja, salvar uma· pessoa, dar-lhe vida (vida aqui entendida
principalmente num sentido social), e constituir uma família ou no caso da irmã
zinha do primeiro conto que. com o objetivo _de salvar os irmãos e reintegrar
sua fam.ília, e observando um comportamento cultural (em oposição no comportam.e.!!
to marcadamente natural dos irnãos) consegue obter a água da Vidà. Ou, em ou-

1
Comreferência aos contos: "O pr{ncipe Zaga::t'tãoli~"Maria Gomee", "0 veado de
plumas", '~ px-inceea e o gifJanteN~ '~ princesa de Bambuluà",
77zyxwvutsrqponmlk

tros contosp em que, por exemplo, uma moça se propoe a ajudar a criar o prínci
pe que nascera com corpo de lagartop amamenta-o e posteriormente aceita casar-
-se com ele e salva-o do encant~ento, através da observação de um determinado
ritual com elementos religiosos (portanto culturais); ou como o rapaz que salva
una princesa encantada em jie por não ter tido asbições exacerbadas de enriqu~
car e por ter valorizado a'", ao in-
as qualidades de bondade e dedicação da IljIzyxwvutsrqponmlkjihgfedc
vés de sua feiura ou pobreza, por exemplo, casando-se coo ela e ainda ajudando
sempre sua própria família pobre, conseguindo,. ao final, desencantar a princesa
por·seus bons 3toS.2

Inversanente, os indivíduos. que ageo contra os objetivos valorizados rece

I
bem a "punição 11
do s í.s t eraa , Veja-se ti. atitude das duas irmãs da rainha na pri-
meira estória, que querem destruir a relaçeo rei-rainha - marido-oulher e pais-
-filhos, ou seja; a frunl:1ia,categoria altamente valorizada na narrativa. As
irmãs são punidas no final. Igualmente, a rainha-velha, na segunda estôria,que
morre ao verem frustrados seus desejos cenibalescos de comer a todos os f!}Dilia
resmaí s queridos do filho, de st.rui.ndc sua família, por um interesse puramente
individual e instintivo, portanto marcadamente natural, em detrimento de um in-
tercsse de valor social, coletivo. Assimp os comportaoentos que visam sempre
a beneficiar os objetivos altm~ente sociais são sempre recompensados, e~;~ünto
os que visam prejudicá-los são sancionados. O que se quers em última instân-
cia, ê preservar o sisteQ8. As ações maléficas
-as
são atribuídas a indivíduos es-
.- .
pec~f1ccs que
. -
nno souberam se adaptar
.
regras do sistema. E o castigo sempre
.aparece nos contos da encantamento da mesma. forma que a recompensa pelos atos
praticados dentro das regras e eÀ~ectativas sociais -vide a criada e o caçador.
assim como o mordomo. Na
-
verdade, então~ não existe fortuid~de ou acaso nesse
sistema~ tudo ê previsto dentro de um determinismo inescapãvel.

Da Matta desenvolveu essa noção de um determinisno do sistema, ao anali -


sar a ••
Panema" (Da Hatta, 1967: 5-24) . Ao associar a crença na "panema'", exis-
tente na Amazônia, ao sistema de sorte/azar de nossa sociedade, mostrou o àU-
tor como tais mecanismos constituem tentativas de transformar situações ou re-
lações regidas. por probabilidades em relações e sistemas cujo caráter· seja de-
terminado (Ibid.: Cf. p. 7). Desse medo, a estrutura é poupada, na medida em
que se possa atribuir a acontecimentos específicos uma causa igualmente especí-
fica. Em suma , h ••• a vantagem de ordenar acontecimentos dcs t e modo não é só a
de se poder trensformer a indeterminaç;o na certeza. r! a de permitir a tradu -
ção de relações entre domínios antiteticos e exclusivos (como, por exemplo, na-

2zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Caecuda ~ 1967: 86.
"A pl"inaes<1 jiazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Ii~
18

tureza/sociedade) em relações morais." (Ibid.: 20). E mais adiante: " ••• se o


à risca todas as regras destinadas a evitar categorias
homem seguirzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA impróprins,
panema." (Ibid.: 21). Dessa forma, a má-sorte de Ur:1 indiví
ele jamais ficarázyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
duo é atribuída sonen te a suas ações individuais, e n;o ao sistemazyxwvutsrqponmlkjihgfedc
en si. ;r ••• o·
homem que não se conforma n ordem social - na medida eu que infringe certas re
gr as sociais - ficaré bloqueado em sua interação com a natureza. 11 (Ibid.: 23) •
Assim, a ocorrência de determinados eventos que poderiar:tdar margeo a um ques
tionawento sobre o funcionanento do sistema - que se quer, en últio8 instância,
preservar - fica atribuída a determinados indivíduos e ao caráter de suas ações
diante do sistema. Se essas ações prejudicrun de certa forna o sistema, o infra
tor é dELalgun modo punido; caso contrário, se o indivíduo agiu em' função dos
objetivos sociais, recebe os benefícios e o prêmio do reconhecimento social~rin
cipalmente se as ações realizadas representarem uma força positiva que neutra.li
zou a força contrária dê destruição do siste~a, exercida pelos membros do grupo
movidos por interesses anti-sociais. Aqueles ·indivíduos são duplamente fortas
em termos cu ltur aí.s , pois não somente observaram os pr cce í.t os sociais ,como tan-
bém puderem anular, por sua atuaçeo accntuadanante cultural, os efc.itos negati-
vos do comportamento anti-cultural dos outros (como vimos, por excnplo, a meni-
na do pr íme í ro con to , que consegue _recompor a faoília, 'anulando os atos. destru-
tivos das tias).

Poderí8.!:losagora tentar errtendar qual seria o -significado maí s amplo da


atribuição de podzrcs sobrehumanos a determinados indivíduos. Parece-nos que
o contador popular tehta nos revelar que a par de una esfera de acontecinentos
cotidianos que podcno? entender e controlar, pois conhecemos suas causas em um
nível de p laus ib Li.dade ,
í existe una outra esfera que escapa a nossa compreensão
e capacidade de explicação CD terDoS oereoente humanos,. cuje manipulação esta-
ria-além dos limites de um controle pelo homem. Porém se, com:) já mencionamos ,a
narrativa maravilhosa na verdade nao nosapreseata â. ocorrência de quaisquer f~
nômenos como fortuita.- antes, acondiciona ã observância de determinados pre-
ceitos e comportanentos, - terí$los que buscar outra explicação também para tais
fenômenos sob rehumancs , Todorov, desenvolvendo a idéie. acima de Da Hatta _.qua.!!,
to n "panemall, ncs fornece uma análise bastante adequada quanto a esse aspecto
específico do conto maravilhoso. Ao se referir a seres mais poderosos que o ho
mem comum , Todorov afirma que tais seres suprem uma causalidade deficiente; as-·
sim, se não se aceita c acaso (ou seja, a intervenção de una causalidade isola
da, não ligada diretnnente às séries causais que regem noss~ vida) tem-se - que
postular a existência de ua~ causalidade gener8liz~da, una relação necessériadc
todos os e Lenen tos entre si. Afirma Todorov: -iA fada que assegura o destino fe
liz do uma pessoa,nao é maí s do que a incnrnaç2io de uma causalidade imagirmia.,
79zyxwvut

para aquilo que poderia ser também chamado de: "chance ", ac aso ,,, Mas .ns paI,!
vr as "chance " ou "acaso" são excluídas desta parzyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
t e do mundo fantástico •••• Po-
deríamos falar aqui de um deterrr..inismogeneralizadop umpan-determinismo:
dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
t~
,do, até o encontro de diversas séries causais (ou i1acaso"), deve ter sua causa,
no pleno sentido da palavra, mesmo se estll so puder ser de ordem sobrenatural".
(Todorov, 1970: 116) Nesse sentido, podemos entender como todos os elementos do
conto têm um significado entre si e se pode se~mpre buscar a explicação de ele-
mentos aparentemente menos explícitos, dentro' da própria lógica da narrativa.Já
postulara Lêvi-Streuss que, subentendido no sentido manifesto deve existir um
outro não-sentido~ uma mensagem envoltà num código. '~ã um não sentido subja -
ccnte em todo o sentido." (Lêvi-Strauss, 1973: 33). E a esse respeito, escre -
veu igualmente Todorov: " ••• Dk~is além do sentido primeiro, evidente, pode-se
sempre descobrir um sentido na s profundo í (uma llsurinterpretctionlf). 11 (Todorov,
1970: 118). E quanto ao que denominou dapan-determinismo acrescenta ainda es
te autor: IiOpan-determinismo tem como conseqüência natural o que se poderia
denominar de "pan-s,ignificaçãoii: pois, como as relações existem em todos 9S ní-
veis, entre todos os elementos do mundo~ este mundo torna-se altamente signifi-
cante.1I {Loa.ait.J

Nesse sentido ~ão so as pessoa~p como exe~plificamos aci~~~ adquire~ ca -


,
racterísticas especiais, cuja explicação ê encontrada ao nível da própria signi

I
ficação geral da narrativa (dentro dos eixos em torno dos quais ela funciona e
dentro das valorizações que ela atribui a determinndos aspectos), nas' também os
ambientes e~ que ocorrem os fenÔmenos e os objetos que são manipulados. Todos
os elementos, portanto, "
adquirem um significado global dentro do todo narrativo,
tornando-o "a lt araenze s í.gní t icante ", E assim que as idéias de, casa, floresta,

i
ou perto de casa e' longe de casa, dentro do reinado ou fora dele, as guerras,ete,
e aproximação
I
adquirem importância específica nos diversos oomentos, eo relaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
ou d í.st anc'iaraento dos objetivos a e l.cançar en ultima instnncia - que se referem
sempre e relação básica de união entre homem e mulhêr~ ao nível de suas sexuali
dades "naturais" específicas, e ao nível de sua união "cul.rur.at ", pelo casamen-
·1
to.

Igualmente, os objetos que os personagens manipulem articulam as esferas


humana e sobrenatural: a Água da Vida, o fuso , o próprio sono sem fim; ou, co+ :
mo vemos em outros contos, a utilização de-determinados objetos especieis,de p~
deres mágicos, como uma "almofadinha de ouro';t uma varinha ou uma f rase especial.

A par desses aspectos apontados, cremos poder ver igualmente nos contos
maravilhosos a expressão de uma de tcrmí nada "mcr e'lid.ade"; as relações que se e~
tabelecem são'carregãdas de conotações positivlis ou nege.tivas (como os concei -
80

tos bom ou malvado, feio ou bonito, recompensa ou castigo, etc.) e a narrativa


finaliza sempre conferindo o "raer ec í.do"a cada um - de acordo com os atos que
praticou dentro de um critério subjacente de moralidade que se quer transmitir.
O conto maravilhoso torna-sezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p assim, algo que vai além de um mero "conto de fa-,
d as"; e uma mensagem de conduta social, quase um aviso. Contem em si todo o
conjunto de regras dentro das quais devera agir os membros do grupo, caso não de
.•.
sejem ser eliminados da sociedade, se não as observarcra. E não sonente ao n~-
vel da vida social ele propõe sua "mora lii, mas também ao nível da própria vida
em si, dos ciclos que ela inevitavelmente estabelece. Há necessidade de aceita
ção, de conformação a esse ciclo, a que todos os homens estão sujeitos desde
que nascem até sua morte. A nar rati.va popu lar maravilhosa capta a antitética
relação entre a valorização cultural e a força invencível do natv~aZ~ que li
dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mita o hUD3no e o nivela a qualqu.r outro ser vivoi desprovido e de
de culturazyxwvutsrqponmlkjihgfe
intelecto como ° honen: todo ser vivo morre. Essa dualidade inevitável e terrí
vel é magistralmente resolvida no conto maravilhoso: os que norrem sao os que
não se conforn8m às regras sociais, os que tomnram a si a missão que é só acei-
ta em últina instânCia pelo agente natural (a morte) e tentaram destruir o ho-
mem, intervindo na açeo do natural, assumindo o papel da norte. A esses~ a eul
tura paga ne mesma moeda: recebem a puniçeo máxima de serem e l íraí.nadosdo convi:
vio social, pois na verdade ousaram destruir o que os homens haviam construi:do,
sua herança cultural~ suas r~gras e vaiores qUe asseguram o bom funcionaI!1cnto
do sistema social. Aos que, agiram dentro dos objetivos e limites culturalnente
valorizados, é atribuída a felicidade ou a velhice feliz - vide ao final dos
contos a alusão constante a esses aspectos, como por exemplo: :'Emorreram todos
ll
de velhos, bem felizes .("A pr,incesa do sono~'sem-fim")ou::E todos foram muito .fe
lizes'C'A rainha e as irmãs") ou ainda em outros contos de encantamento," ••• vi-
vendo até cem::anos na mais per f e í ta f eLi.ci.dcde" (Cascud o , 1967: 39 - "O fiel
Dom José"), ou !I ••• e foram felizes como Deus com os anj os " (Tbi.ds ; 95 - "Har La
Gomes"), ou 11 ••• e foi a vida mais feliz desse mundo" (Ibid.: 143 - "O peizinho
encantado"), ou IIEv~veram na terra como. anjos e no céu como santos" (Ibid.:159
- liA princesa e o gigante"), .etc. Portanto, o conto maravilhoso ,assim como o
mito, se de&tina nao semente a apresentar uma determinada problemática mas igual
mente a resolver problemas. Parece s então, dirigir-se a uma determinada. audiên
cia, a um leitor que~ munido do rn8STIO instrumental de conhecimento sobre sua 50

I
ciedade que o "narradorti, pode entendê-lo eu{ sua mensagem cifrnda. Nesse senti
do, o conto popular nar3vilhoso nos esta infornando sobre una determinada socie·
dade, ã qual ele se refere e na qual é divulgado, dando-nos a entrever diversos
aspectos desta, como te80s procurado demonstrar. Como vimos, percebe-se a im-
I
portância d.:lin~tituição doméstica, a fanília, e a união de seus menbros, como fi

I
obj e t í.vo ideal a s lccnçar , Qua Lque r un que aja con o propósito de abalar essa
8 1 zyxwvuts

integridade, sera punido rigorosamente. Valoriza-se principalmente o casamentozyxwvuts


e a maternidade - o nascimento de filhos - que garantem a descendência e asseg~
rem a continuidade e do Homem, em última instância, e o ca
do social, em geral,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
minho que tem li. p~rcorrer em sua experiência de vida. O importante passa a ser
não o caminho em si, mas a forma COBO ceda um consegue percorr~-lo, mantendo-s~
dentro dos padrões sociais, observando os preceitos, agindo dentro de um quadro
limitado de opções; caso se afaste disso, a sançno social cai infalivelmente 50

bre o infrator.

Percebe-se igualmente .a importnncia atribuída ã maternidade em particular,


e o rigor com que se julga a esterilidade. A seqüência normal das coisas pare~
ce ser, então: nascer-crescer-casar-ter fiZhos-envelhecer-morrer~ em que o ele
mento intermediário (que grifamos) e enfatizado pois confere a marca do social
ao processo. A regra de suficiência familiar, ou suficiência de membros, pare-
ce, se aplicar na medida em que "a ausência de um dos membros essenciais (pai-mãe
+f i Iho s):ou a existência de outros membros supêrf Iuos em relação ã família "nu- .
H
clear (como vimos'?as estórias: tiass sügra)$ pode aca.rre.tarUr;:1 deterioramento
das relações e por em risco a preservaçeo da integridade da família - no último
caso, desde que os elementos "extras" da 'família"possuam interesses diferentes,
e muitas vezes opostos, ã. integridade (;.ç.qliela
faoíli.".e t oman iniciativa no
sentido de desorganizá-Ia em seu favor i.ndividual, em detrimento do grupo fami-
liar.

Os contos parecem, ent aozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH


i sugcr í.ruma determinada estrutura familiar "com-

posta sOQente dos me~bros estritamente necessarios a seu funcionamento, em que


o acrescimo ou carência de algum elemento na "casa" d2i mar gem 8. que a penrlBnên-
eia da família fique 'aneaçada. R~s estorías que anal samcs , a presença das I
I
í

tias, em um caso, é da rainha-velha, no outro, desencadeou acontecimentos que


por pouco não destruiram totaloente o grupo femiliar.Em outros contos do mes-
~
mo conjunto encontrnco3 a tLajetória de uma. moça ou lli~ rapaz que saem de sua ca
sa de origem (ou já não a têm,· de início) em buscada constituição de sua pró-
pria família., embora. Igumas vezes passem terminar morando perto da casa
à dos
pais ou mesmo ,com eles, oas socente após haverem afirondo sua independência e
.i
~
percorrido seus próprios cnoinhos - e desde que, igualmente, os outros membros
da fanília sejan taroen elen",ntos ilpositivos" dentro dos padrões sociais.

Cano ví.ncs nas estarias, os compor t emcnt os que visam a se Ivagurrrd ar a in -


tegridade da. família são sempre recompensados: vide o c~çador e a velha criada
que, no prinairo conto, salvaraB as crianças. Receben eles muito dinheiro.Jgual
mente, ,o mordeno que se tornou vice-rei, no segundo conto. Surge aqui um outro
ã sociedade a que os contos se referc~
aspecto que podemos entrever coo relaçcozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
82

o tema da mobilidade lltingí-lll. O nar rcdor popular do ma


social e os meios dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
ravilhoso apr~senta algumas poucas alternativos de ascendência social: ou o in-
divfduo jé se encontrá em una posição social elevada (é príncipe, ou rei, etc.)
e se propõe, então, 8 mantê'-la ou enriqueéê-ln ainda mais (como por exemplo a-·
través das guerras? a obtençeo de outros reinados); ou quando, por exemplo, o
rnp~z pobre ascende ao trono desde que demonstre ser possuidor de qualidades es
peciais ~ de feitos extraordinnrios que o tornem superior aos outros homens co-
muns, ou "p Iebcus " (Cf. Coqueiro, 1973: 15-24); ou no caso da mulher pobr e , des
de que ela assim como o rapaz ncirnarevele certos atributos que a tornem de al-
guma forma atraente ao príncip~ ou rei (COI:lO vimos ao nA rainha e as irmãsi1) .De
qualquer modo~ o conto de encantamento parece realmente estar .refletindo uma es
trutura fechada de poder na sociedade, ~ que só tem acesso excepcionalmente os
que demonstrem possuir ou manipularalguo tipo tanbém de poder~ de controle so-
bre determinado aspecto do universo que os carcn - poder esse que projeta ou r~
flete. de alguma forma, o próprio poder ou autoridade do rei ou grupo dominante
da sociedade,alinhando o indivíduo que o possua entre os detendores do poder
j,
social (o rei, o príncipe, etc.). Assim, neo ap9recemnos contos mecanismos ~I
e

"normaí s" de ascensão gradativa. A passagem, como era geral se dá no conro , de. j:
.'
pobreza para a riqueza e5 éonsequentenentc~ p~ra w~a posição social elevada que
implica eo 81g~ tipo de doninação~ só se efetua, cntno, através da ~nipulaçeo
de algum elemento que esteja fora do alcance hun~~ocooum ou social, o elemento
mngico, sobrenatural. E quanto" a este aspecto, ve~os toda uma dependência do
campo sobrenatural para se Lrenlizar tarefas que, de outra forma, estariam cer
ceadas ao sinples ser humano - muitas vezes õrfãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
p ou carente de algum membro
da família, frequ~nt~~ent2 pobre - enfim, á~m.quàl~uer apoio estrutural. g as-
sim que a irmã mais moç1'!de "A rainha ~ as irmãs" .Jxpressu o desejo de Il ter fi-
U
lhos com estrelas de ouro na testa , e o rapaz de 110 espelho mágico" (Cascudo ,
1967:122) possui a cap~eidaQe de se esconder sem ser encontrado (pois já ê ór-
fão, sendo, portanto~ já "escondido" estruturalmente). O mágico. portanto, pa-
rece ser utilizado para transpor barreiras que, de outra forma, estariam fora
do alcance dos ,indivíduos, que seriam intransponíveis em termos meramente soei
ais, den t ro do que cona der amos o eixo da mobilidade.
í No caso do príncipe, que
já estava numa posiçêo saciel elevadap a problemática da mobilidade se da num
sentido de I!l8nutenç~o dessa posição de r::a.lezél garantindo p e assegurando o con-
trole qu~ j5 possui - em detrimento, entrotantop de aspecto doré~tico que, caco
I:
vimos, ficou ameaçado, pois a ambição de cnnquist~ foi exagerada em relnçã0 aos I;
limites.socielnente aceitos.
83

Por outro lado.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


A inserção da nar ratIva num campo liminarzyxwvutsrqponmlk
que permite li.
t

oeorrência do elemento mfgico, possibilita a solução de determinadas oposiçÕes


que o hot:lem,dentro àe sua limitação de ser vivo - independentemente de sua si-
'tuaçno social -e contendo port~nto, em sua propriadefinição a inevitabilidade
dn morte, não pode superar. ~ assim que vemos a princesa ao invés de morrer ca
ir num sono profundo semelhante; morte, porém viva. E a menina de liA. rainha e
as irmãs" que dá vida a seus irmãos. Cremos que em ambos os casos existe UInIl.

relação entre cultura e natureza, opçeo ambígua contida no próprio Homem:os con
tos parecem narrar e a oposição existente entre os dois conceitos antagônicos ,
coexistentes no ser humano , e as soluçces que procura dar em termos da livitórhf
do social da cuÚura, a ilusão da vida. Assim, no caso da princesa, que rece-
p

bera os dons das fadas - dons esses que lhe conferem um caráter não somente de
pessoa (mulher, cultura, diferente de a..'1imal),
COt:lO de urna pessoa muito espe-
cial: linda, boa , rica e sabia - ao ser "fadado" de norte prematur a , recebe aiE.
da um outro dom que vem nediar a oposição coloeada, o doa do sono e do desper -
tar'para a vida, o casamento e para a felicidade. Ou seja. ° conto estende o
alcance da experi~ncia h~3na ate um nível máximo de intensificação, de anplia-
'çã:o,embora dentro dos quadros do conhecido, do vpos s Ive l , Não foi fadado ã
nunca, simpLe sment;e que dormiria para acordarzyxwvutsrqpon
princesa que ela não '1'.orreria e
se casar c(~um príncipe e ser feliz p vindo a morrer 'só de velhice. Assim, o

conto dá $ em certos momentos, a ilusão do mágico, do encantado, operando em po!!,


tos críticos para possibilitar ao indivfduo transpor as barreiras que sozinho
não poderia vencer. E nos referimos ãzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
iZusãO porque, na verdade, as soluçces
não se encaixam totalmente na esfera de um nâgico absolutenente' absurdo e irra,!!. I

lizável em termos dos ÜLlites 'bumanos (o que- ccrresponder a ao tipo de "m...'\ravi- 1,1
í

fiII
I

lhoso puro" de Todorov), antes~ opera!atraves de elementos tirados do real, e


principalmente, dando una explicação social, cultural, eos eventos. Porque, ve

I
I'

jamos bem, o sono, por exemplo, embora seja e~ si una ocorrência natural, fai
utilizado no conto como um mçio,de prolongar a vid~~ de ?~iar a morte que havia
i~

sido fadada a ocorrer na juventude. E qual seria entno o papel da cultura fren
te à mortz? Naturalmente, nna seri~ aboli-Ia - tarefa hWilanamente impossível -
mas procurar ~eios de eonsel~ar o ser hum~~o em vida por Uô período mais longo.
Assio, o encant~mento 5, em última instQnci~, associado aocultural (quando ao
encantamento é dcd~ una conotaçeo positiva), conferindo um caráter, ~mbora apa-
rente aonente , de independência do Homem (ser social) na decisão sobre sua vida
e sua morte (fenômenos em última instância naturais).

No primeiro conto, no episódio da fonte de Água'da Vida, vimos como a me


nina'consegue ~ivrar seus irmãos, fazê'-los virarem gente, através da manipula -
çãode um objeto mágico - a água da vida - o qual~ na realidade, ela só pudera
84zyxwvuts

manipular tendo observado certas prescrições de caráter fortemente cultural


re eandc , ~etc. E a forma como o
comendo e bebendo alimentos elaborados,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
conto
relata o fato indica que seu comportamento tinha o carater socializante, de cn-
.sino de regras culturais aos irmãos que não as tinham observado. E o resultado
é fazê-Ias reviver, voltar a ser gente - e nao somente vivos, mas gente,pessoas,
seres sociais.

Parece que 8S indicações que o conto nos dã a respeito da sociedade a que


se refere nos mostram estar esta igualmente imbuída de valores fatali8tas quan-
to ã sorte de c.sda indivíduo e que, na.verdade, só conseguem se lisalvar" aque -
les que manipulem o sobrenatural, com o qual entram em contato por possuírem
dons especiais, ou sejap por haverem merecido penetrar na compreensão da totali
dade da experiência humana, a partir de uma preocupação social. Em outras' pal~
vras, é pela observância do cultural que o homem se salva, ou amplia sua atua-
ção como Homem, prolongando a sua vida e sendo felh. "••• como Deus com 'seus an
jos ", (Cascudo, 1967: 84 -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"é: moura tortaI1)1.

Enfi~, errtende+se a valorização da ambição quando dirigida para fins que


a sociedade enaltece, como a família, instituição suporte do social mais aoplo,
e que, se am; a çad a , ameaça igualmente o próprio func i onaraent;odo s í.s ceraa social
como um todo :.-.
portanto, o ide3;l quase. sagrado e constante nos contos de salva-
guardá-la a todo custo e contra todos os perigos e encan tnment os e ambições "ne
gativosll, que visem a destruí-la; ou seja, contra todos os perigos dela ser ani
malizada, naturalizada (como se vê norm~lmente nos contos, quando os encnntamen
il
tos são Ilmalêficos , vo Ltados 'para uma desintesraçno das relaç2es - por exemplo,
a rainha-velha~ que é lobisomem).

A recompensa para os que.agem dentro dos preceitos e ideais sociais e-


grande: felicidade, velhics feliz, ascensão social (dinheiro e posição).

o conto nos Dostra como só a çlguns privilegiados, detendores de atribu


tos'especiais (tirados do repertório de valorização social) é dado o acesso -.
azyxwvut
obtenção da felicidade, entendida C0L10 a integridade do grupo familiar e a as-
c e n sã o so c ia l.·

.zyxwvutsrqponmlkjihg
1 Observemos que »epetridamentie nos contos 8~ compara a felicidade dos homens na
terra à de Deus ou dos anjos e santos no oéu - tial.uez iienhamoe aqui umoutr?r
aspecto' da ilusão da vida, embora extiremamente velado no conto: a·! aspiração.'
da eternidade, da imortaZidade. Entmetcmto , como Cl'C17l0S que o -contador popu-:
lar do maravi lhaeo eatá "com os pés na t.erra", na realidade, este tema perma-
nece em wn ní.vd. de aspiração somente, talvez aspil'ação essa voltada para lia
outra vida"; após a movtic; tema básico do catol.iciomo , religião a oicioe sUnbo I
Zoa 08 contos }:'requentemente reCOI'l'eJn.
85zyxwvutsr

E a embiguid8de, o enígmc propo~to e aparentemente solucionado n03 contos


rir: as regrs8 estão est~belecidas p~r8 todos para que se
se encontra ex~te~ntezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
j am cumpr í.das da forraa p res cr t a , í Masp se já estão prescritas, onde estarina
margem de liberdade do indivíduo de escolher o seu próprio caminho? Hã o recur-
so Õ "d Iví.ndede " f ao sobrenatural. t-'..3.s, o próprio contato com este está sujei-
to à ,observância dll.Sregras. Então, o círculo se fecha, o destino já está es-
crito (como ca diz popularmente, lIDeus põe e o homem,dispõe"). E mais uma vez,
o conto retrata a t'lI!lbigüidade
do próprio homem,' ser natural e cultural s ímulna-:
neament e , em sua Lut a para r esoIve r esse ant agorri sno fundamental, e seu apelo
ao mágico 7 que t,~'nbém se rcvest;a de caract er fs t cas ambl:guas. E o enigma da Vi-
í ,
,da permanece, envolvido em cores fantasiosas, que tentam distorcê-Io e ~iniIDiz8
. -10, para que as gerações continuem se sucedendo e a Vida permaneça na face da
terra. E~ no final das contas, há que se conformar, como o fizerem 08 pais da
pr í.nces e , porque ~ "ainade Deus li.

Onde estaria exatam~nte o llencantnmentoll em tudo isso? Diríe.mos, en SUI!'.a,


, ,

que o encantamento se-ria a esfera em que. se dã uma "suspcnsjio" da r ea l í.dade ; a


passagem para a ent.r cda na situaçno encantada parece se dar por obra de elet1cn-
tos carregados de valores especiais, embora nornalBente, nos contos, a iniciatizyxwvutsr
ve da chamade do encantamento se opere sempre por e Lernent.os lIanti-culturais';com
~
Objetivos m~léficos 2m relação a sociedade em geral. Portantop a passagem de
volta para o estado "ncrmat ", ,socialmente desejãvel~ se dá na medida em que ha
ja uma maior carga devolores culturais nos próprios elementos que realizam (e
só dessa forma podem realizar) ~ pass agcm de retorno ao estado de nornalidade •
Parll.uma carga negative forte é necessário outra contraria altamente positiva ,
cuja ess2ncia, como vi~o8t ê sempre o cultur~l.

Essa faixa.interm~diária constitui o cncantamento:,trênsfor~ação das coi-


sas habitualmante conhecidas sob proporções dif~rentes. ná igualmente as proj~
ções eo menor escala, no transc~rrer da narrntiva, desse monent:o inter~ediãrio,
o qual ã o modelo maior do encantamento, em que se concentram vividamente os as
pect os que car ec t arlaam esse estado espe cíaI de "suspcns'ão" de uma realidade
.considerada o nível de normalidade. Esses pequenos momentos de encantamento,po
daríamos dizer) epreaent em cada um deles um elemento - ;s vezes mais de un-dos
in totum no encantamento em si, e servem para vermos a própria
que existemzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA con~
t ruçao , pela nont agera c combí.naçao de tais e Leracntos dos nomont os isolados, do
próprio elemento encántado global.

A estrutura soci~l procura dar conta de tudo que ocorre sob seu coctrole
- o encantamento, 6pcrente~nte umn ocorrência não controlnda, na rcalidade~
titui UGl mo~~nto de negação dessa 'estrutura, por ele~cntos que coro ela não es-
86

tão satisfeitos ou a ela não se ajustam. ,Se. se retratam


A es ses ''marginais''zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
é dado o perdão - vide a criada no primeiro conto~ csso eon
do mal que fizeram,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
trário, o sistema os elimina def i.nízyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
t Lvarnence , A es cruturn , portanto, continua
funcionando ~ampre, e o sistema permanece como o único viável.

o êncantamento fica sendo entao uma negação do sistema, em certo sentido,


ou urnk~ abstração dele, não o sisteTIklem si, o qual permanece regido por normas
altanente organizadas e que exerC2ffium controle e um cerceamento do campo de
ações dos indivíduos, que passa a ser bastante limitado. Nno há lugar, portan-
to, para ações fora da estrutura. social" fora dos padrões valorizados socialmen
te. O encantamento, enquanto ocorrência fortuita ou tré~ca,~ontra o sistema,e
eliminado. E a normalidade, a família estruturada dentro dos ideais e valores
culturalmente funàamentados é que passam a ser a própria oaterialização daasp~
ração ao encantado. O que se busca, na realidade, ê atribuir ~ ocorrência roti
ne i ra e normal aade , dentro dos padrões da sociedade, o dom da "felicidade".
í En
tão, decanta-se o encant araent o e o" atribui-se-lhe o Fi.carátercultural - esse c
qua passa a ser o maravilhoso almejado.

Podcría~s afirnarp com Court~s~ que o conto maravilhoso" ••• õ menos uma
transcriçno dequilo que é do que daquilo que deve ser: porque, re-situndo áo nL
vel concreto G':: seu eXGrcício (narrador/ouvintes), o conto popular oaravilhoso
se propõe como uo ensinancnto·nor!il1l.tivo
dos "valoresil que devem ser mantidos p~
Ias pessoas. Meis que uma imagem da sociedade. el,e aparece como esse i1uais a-
lem" que .e funda e a garante» este espaço que a torna possível." (Courtes,1972:
40) 1. Ep acrescenta Cour t âs , se o conte) se denomina "maravd Ihoso", ê precisa -
mente porque ".••• o sobr enatur af 80 quaL ele recorre (ao nível dos meios poa-
lei que
tos em prática par a a obtenção do objetivo) parece o me Ihor suporte dazyxwvutsrqponmlkjih
ele ê suposto pror:rulgar.1I (Loc. oit.)
Assim, além da narrativa mar aví Ihos a expor uma prob lemât í.ca s ela resolve
problé;~~~~
explic~do aos indivíduos ~s contradições de sua condição huoana. ·e

de sua sociedade - talvez pnra conformá-Ios ã aceitação de una oposição insupe-


rável cuja imp~ssibilid8de de resolu~ãà causaria total desorgenizáção na vida
social, nos v81ores~ nas reluções sociais, no p~ôprio futura e sobtevivência da
sociedade. Assim, 8 rainhe-v<i!lh.amorr<:, por castigo ou, talve.z, nc.reali.dade

I No ori~inaZ: est moinn une tranecription de ce qui eat que de oe qui doitzyxwvut
It •••

être: CaI'J ressitu.é au niveau concret: de son exertriee tnarrateusi/audi.teurel ,


te conte populaive mervei/l leux se veut catme Uit eneeiqnemeni: noxmatrif SUl" tee
"val-euce" qui daivent: êtl'e tienuee pour ccx-tainee, Plue qú i u,"'le imaae de la
eoeieté, il apparait commecet: au-dez.à qui la forule et: ta garantit., oet: espa-
ae qui ta rer;d vvaieemblabl:e, ií
",

87 I
:1

ii
por nlio ter ~ceito a inevitabilidade do ciclo da vida e as norIDl'ls
culturnis;por 'i
)
ter ido de encontro aos próprios preceitos de sobrevivência do Homemzyxwvutsrqpon
i da Cultu-
ra.Igualmente~as irmãs invejosas morrem porque nno puderan aceitar as regras
de sua cultura (no caso, de que só atravcs do casamento poderiam ter filhos, de
é monogâmico, de que fi oobilidade social nao
que o casanento em zua sociedêdezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA -
funciona da forma como pretendiam, em detrimento da integridade da família. Em

ambos os casos, optaram por comportamentos que vão de encontro ao social e -


neo
puderam, portélnto~ alcançDr seus objetivos. O que o conto perece estar dizendo,
então, é que só vencem, só têm a recoopensa de felicidade (e do prolongamento da
vida - na realidade, ê este o dom maximoque se pode obter? dentro dos limites
da exper i cne i a humana) 05 que tÊún como regra de conduta t ou agem de acordo com
os preceitos culturais, dentro dos padrões sociai~. que, en últi~a instância~dão
o car5ter cultural· ao homem - ser ambíguo por excelência, que nasce e morre por
processos naturais e vive através de um meio·cultural.

Como palavras finais~ desejar~anIDs r~tornar ao ponto colocado na introdu-


ção deste trabalho: o por quê da permanência .s= contos maravilhosos. Par cce-r
-nos que através de nossa análise pudemos perceber que os elementos com osquais
lida essa forma narrativa são essencialmente humanos e, portanto, pertencem a
toda uma herança universalp o que permite, sempre, em qualquer sociedade, que
seja narrado e que comunique algo aos indivíduos. As ~posiçces a que faz refer
rência e a solução que para elas encontra o contador popular do maravilhoso se
situam profundamente na e~fera da experiência humana, que é universal. E talvez
a universaiídade da narrativa maravilhosa - ou de qualquer outra forna narrati-
va que a substitua no consumo popular - sua divulgaçco por diversos países e
sua permanência.no tem?o, atrié\v5sda tradição oral dos povos, encontre sua ex-
plicação na própria universalidade da prob Iemât i ca a que remete.
• P ' > tiS , ? J à FZ
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