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05 Assim, o olhar disciplinar se torna uma relação de controle unidirecional, porque admite 54
apenas o olhar para o outro como objeto. Mas não admite o ser olhado pelo outro.
06 O tipo de olhar que funda a relação disciplinar exclui não apenas a reciprocidade do 54
olhar. Privilegia-se de tal maneira um tipo objetivista de percepção visual que se reduz
ou exclui outros possíveis significados do olhar, assim como sua relação com a
percepção auditiva, palatal, olfativa e táctil que constituem estruturas diferentes de
interrelação e comunicação. A relação disciplinar, fundada em um modo específico de
olhar (a vigilância hierárquica), constitui uma estrutura de poder e de saber incapaz de
incorporar e tornar conscientes as várias dimensões (além das múltiplas direções de
reciprocidade) das interrelações humanas, justamente porque privilegia a visão
objetivista como filtro de percepção, conhecimento e comunicação, favorecendo um tipo
de relação, por assim dizer, uni sensorial.
07 Ao mesmo tempo em que uma pessoa ensina, também aprende com o outro. Ao mesmo 55
tempo em que um sujeito observa, também é observado pelo outro, influenciando e
sendo influenciado em seus processos afetivos, intelectuais, decisórios, de ação, de
interação, de comunicação. Na medida em que, no processo educativo, as pessoas
constituem relações mútuas de saber e de poder, potencializam interações críticas e
criativas, superando a sujeição produzida pelos dispositivos disciplinares.
10 “Por um lado, interessa-nos indivíduos que assimilem uma cultura que se revelou 56
imprescindível para o desenvolvimento (cultura científicotecnológica), mas, por outro,
também nos interessa deixar claro que somos sensíveis aos problemas que esse
desenvolvimento provoca no tecido social e, por isso, também nos interessam indivíduos
solidários, tolerantes, que saibam proteger sua saúde, a natureza, etc.” (YUS RAMOS,
1998, p.10-11).
13 O processo educativo constitui-se entre pessoas que interagem entre si. Não basta que 57
um conjunto de pessoas se encontre, justapondo-se formal ou espacialmente. As pessoas
se educam em relação, diz Paulo Freire.
14 No processo educativo, tal como no processo mental, a relação de reciprocidade entre as 58
pessoas é acionada pela diferença. Diferença, para Bateson, é mudança, por parte de um
agente, que é percebida pelo outro. A percepção só se produz pelo movimento do objeto
em relação ao sujeito, ou do sujeito perceptor em relação ao objeto percebido. [...] A
diferença é constituída sempre pela articulação entre movimentos de elementos e um
sistema capaz de captá-los. Tal conexão, entre movimento de um objeto e sua percepção
por um sujeito, constitui a diferença.
15 Bateson enfatiza que o movimento do objeto é acionado por energia própria, da mesma 58
forma que a percepção se constitui por sistemas perceptivos autônomos. A conexão,
entre estes dois sistemas, a diferença, não tem existência nem energia própria. A
diferença, ou conexão entre um sistema e outro, depende da energia de cada um deles. A
diferença não resulta da relação direta e unidirecional de um agente sobre outro.
“Ninguém educa ninguém”, afirma Paulo Freire. A relação educativa não se faz pela
ação de um sujeito para outro, mas pela articulação, pela diferença, da ação de um agente
com a ação de outro sujeito, cada um com base em processos autônomos. O processo
educativo só se desencadeia na medida em que pessoas estabelecem, deliberada e
conscientemente, interações entre si.
16 A concepção de educação “bancária”, formulada por Paulo Freire, indica uma relação 59
“coisal” entre os seres humanos, ao pressupor que a relação educativa se esgote na
transferência unidirecional de comunicados que deveriam ser absorvidos mecanicamente
pelos sujeitos educandos. Pressupõe-se que apenas um dos sujeitos (o educador) seja
ativo e os outros (os educandos) sejam passivos. Já a concepção “dialógica” de educação
enfatiza a reciprocidade entre sujeitos e, portanto, a interação entre as pessoas. Este
critério para definir um processo mental, aplicado à relação educativa, implica que a
relação entre sujeitos só pode ser considerada “educativa” se houver interação de
reciprocidade dialógica. Não se realiza a relação educativa (dialógica) se qualquer dos
interlocutores não desenvolver energia, iniciativa, autonomia próprias para sustentar, de
seu lado, a relação de reciprocidade. O ensino, concebido e praticado como transmissão
unidirecional de informes (desconectados da historicidade, da criatividade, da
contextualidade, da autonomia de cada sujeito) não pode ser considerado propriamente
educativo, uma vez que, por minimizar a iniciativa vital e mental de parte dos sujeitos
em relação, inviabiliza a apropriação e reelaboração significativa (singular e
contextualizada) das informações que codificam as diferenças e realimentam a
reciprocidade entre os interlocutores.