Você está na página 1de 18

QUESTÕES SOBRE OLHAR INDIVIDUAL E O OLHAR DO OUTRO

Ignês Tereza Peixoto de Paiva1

Universidade Federal do Amazonas, Parintins, AM

RESUMO

A reflexão que hora se apresenta é produto das atividades realizadas na disciplina Metodologia da
Pesquisa, em busca do sujeito a ser construído, constituindo-se de fora para dentro, a partir as relações
se caracterizam de influências mútuas, pelas resistências, pelos desejos, etc., entre os que estão
envolvidos. Este trabalho está dividido em dois momentos: o primeiro, o olhar individual e o olhar do
outro, voltado para a discussão sobre a importância da subjetividade no processo de formação de
conceitos sobre o mundo e sobre si mesmo. O segundo momento refere-se à mudança de olhar para a
construção do projeto de pesquisa, se consolidando em uma prática que é o conhecimento construído a
partir da análise das práticas cotidianas escolares na construção de identidades. Nesse contexto a
pesquisa educacional não está alheia a esse processo de busca da iniciação cientifica. Talvez esse
exercício possua até mesmo a força de mudar o rumo dos nossos trabalhos, de selecionarmos objetos
para selecionarmos imagens. Imagens da vida social. Estabelecer estas relações depende, antes de
tudo, reconhecer o papel da pesquisa, levando em consideração os contextos educativos e suas
múltiplas referências.

Palavras-chave: Pesquisa educacional, olhar individual, olhar do outro.

ABSTRACT

The reflection that hour if presents is product of the activities carried through in disciplines
Methodology of the Research, in search of the subject to one to be constructed, consisting of is for
inside, to break the relations if they characterize of mutual influences, for the resistências, the desires,
etc., between that they are involved. This work is divided at two moments: the first one, the individual
look and the look of the other, directed toward the quarrel on the importance of the subjectivity in the
process of formation of concepts on the world and itself exactly. As the moment mentions the change
to it of looking at for the construction of the research project, if consolidating in practical one that it is
the knowledge constructed from the analysis of practical the daily pertaining to school in the
construction of identities. In this context the educational research is not other people's to this process
of search of the scientific initiation. Perhaps this exercise possesss even though the force to change the
route of our works, to select objects to select images. Images of the social life. To establish these
relations depend, before everything, to recognize the paper of the research, leading in consideration the
educative contexts and its multiple references.

Word-key: Educational research, to look at individual, to look at of the other.

1
Mestre em Educação Universidade Federal do Amazonas (UFAM); Professora do curso de Pedagogia do
Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia, email: ignestereza@hotmail.com.
INTRODUÇÃO

A educação, desde uma perspectiva mais ampla, contempla tanto a aquisição de

conhecimentos como o desenvolvimento harmônico da personalidade, da criatividade, a

conquista da identidade e o equilíbrio afetivo é o resultado de um processo comunicativo

autêntico, resultando na individualidade de cada um dos que participam neste processo.

A reflexão que hora se apresenta é produto das atividades realizadas na disciplina

Metodologia da Pesquisa, em busca do sujeito a ser construído, constituindo-se de fora para

dentro, a partir as relações se caracterizam de influências mútuas, pelas resistências, pelos

desejos, etc., entre os que estão envolvidos. Há, portanto, transformações do comportamento

por esse jogo das influências e da interação.

O reconhecimento da presença do outro, presença incorporada; implica num reconhecimento

do que de mim me é estranho. Tal fato é fundamental, pois a partir disso terei a possibilidade

de ser eu mesma, consciente de minha pluralidade e de minhas divisões. No entanto, cabe

assinalar, que esse outro me atrapalha me perturba, pois ele não faz o que lhe peço, o que eu

espero dele, isto eu não tenho o domínio, então, tenho dificuldade em aceitá-lo.

Estabelecer estas relações depende, antes de tudo, reconhecer o papel da pesquisa, levando em

consideração os contextos educativos e suas múltiplas referências significando as várias

abordagens da realidade que podem ser verdadeiras, e possíveis, a qualquer tipo de

conhecimento, religioso, o senso comum, etc., tão válido como o científico. Isso não significa

aprofundar mais as dicotomias já existentes, mas a partir das diferenças construírem um novo

conhecimento, na práxis social. Investigar o contexto educativo implica em considerar os

sujeitos-aprendizes como enraizados numa realidade sócio-cultural heterogênea, assumindo a

intersubjetividade, visto que implica as diferenças, como o princípio para o processo der

construção do conhecimento.

2
Este trabalho está dividido em dois momentos: o primeiro, o olhar individual e o olhar do

outro, voltado para a discussão sobre a importância da subjetividade no processo de formação

de conceitos sobre o mundo e sobre si mesmo, relatando a trajetória de uma caminhada

diferente, voltada para a descoberta de novos desafios, ampliando referenciais para a

aquisição de saberes, respeitando o outro no processo da investigação.

O segundo momento refere-se à mudança de olhar para a construção do projeto de pesquisa,

se consolidando em uma prática que é o conhecimento construído a partir da análise das

práticas cotidianas escolares na construção de identidades.

Conclui-se com uma reflexão sobre a importância de se construir relações entre o olhar

individual e o olhar do outro no processo de produção da pesquisa.

1 – O OLHAR INDIVIDUAL E O OLHAR DO OUTRO

A Terra já foi o centro do mundo por erro de percepção e de imaturidade científica. E as

instituições humanas esforçaram-se por adotar uma outra perspectiva. A verdade é que sempre

nos limitamos a aceitar apenas aquilo que nos é dado a conhecer e não permitimos um espaço

para dúvidas e diferenças, a nossa natureza empobrece, estagna e, mais perigoso do que isso

estigmatiza e rejeita o que está para além da sua compreensão.

A identidade é uma das grandes questões, constituindo-se em uma ciência historicamente

recente, levando o indivíduo a se reconhecer como ser comunicante, que povos encontram

povos e desse encontro resultam construções e delimitações no espaço do político, econômico

e cultural.

3
A afirmação desse espaço é feita por oposição ao do Outro e assim começa o relacionamento

e, sejam eles nacionais, regionais, étnicos, culturais, lingüísticos ou religiosos. E também

começa o aprisionamento do Outro com definições e reconhecimentos. Mais do que palavras

ou conceitos, talvez o verdadeiro aprisionamento aconteça com o silêncio, ou melhor, com a

ausência de reconhecimento.

Falamos da complexa necessidade humana, quer coletiva quer individual, de aceitação como

fator de construção de identidade. A falta ou recusa de reconhecimento e/ou um

reconhecimento deformado podem ser considerados formas de opressão e de expressão de

desigualdades. Daí a sua defesa do caráter dialógico da entidade em que o que nós somos

depende da interação com os outros.

Essa inevitabilidade da condição humana como dialógica sustenta então a necessidade de uma

política de reconhecimento aliada a uma política de diferença. Isto porque, o universalismo do

direito à igualdade e à dignidade não deve anular a unicidade, autenticidade e originalidade de

cada indivíduo.

A questão da identidade não pode deixar de ser complexa, pois a sua própria definição, ou

melhor, composição, é também ela complexa. Complexa no sentido em que a identidade de

cada um de nós se compõe de elementos múltiplos que não se resumem aos que estão

enumerados nos documentos oficiais. Cada um de nós pertence a uma tradição, a um grupo, a

uma nacionalidade, e se pertence simultaneamente. Esse sentimento é, por si só, algo

complexo porque é mutável, muda ao longo da nossa vida e muda com os momentos

históricos. Além disso, cada mudança leva-nos a estabelecer ligações com diferentes grupos

de pessoas e, como a nossa identidade é múltipla, ela é assim dentro de uma perspectiva,

vivida e defendida de muitas formas diferentes.

4
A constituição do ser humano como um sujeito dá-se a partir de um complexo

desenvolvimento do indivíduo em seu meio. Como Vygotsky (1984) discutiu e descreveu, a

consciência individual aparece e se desenvolve na apropriação das relações sociais.

As relações sociais tornam-se funções essenciais através de um processo de internalização,

que é possibilitado na e pela produção de signos. A internalização ocorre com a assimilação e

reelaboração da linguagem, locus onde transita e se constitui o pensamento socialmente

disseminado.

A partir desses pressupostos, entendemos que a subjetividade não existe a priori, mas se

concretiza no processo de internalização, evidenciando que o desenvolvimento acontece de

modo partilhado.

A capacidade de significar de cada indivíduo passa a existir pelos significados atribuídos

pelos outros às suas ações. O significar do outro está na gênese do comportamento

significativo do eu, na gênese do pensamento de cada indivíduo, que vai constituindo-se

inserido em um mundo simbólico/lingüístico, onde a linguagem possibilita a

constituição/organização do pensamento.

À medida que o pensamento vai sendo elaborado nas relações sociais, os enunciados dos

outros passam, numa relação contínua, a tornarem-se enunciados próprios do indivíduo. Ao

enfocarmos o discurso individual é possível dizer que ele está repleto do discurso do outro

caracterizado pela alteridade ou pela assimilação (Bakthin, 1992:314). O discurso não é um

território homogêneo com sentidos únicos, mas um local de conflitos e lutas sociais, onde

surgem e transformam-se diferentes significações. Na apropriação do discurso, nos

apropriamos também de conceitos, de valores, etc., que transitam socialmente, os quais

incorporamos, modificamos e recusamos.

5
Acreditamos que o enfoque voltado ao movimento de apropriação, pelo indivíduo, do

discurso coletivo possibilita a discussão sobre a constituição da subjetividade e a formação

dos conceitos sobre o mundo e sobre si mesmo. Pois, a constituição da subjetividade do

indivíduo é marcada pelas condições de produção (materiais e ideológicas) nas quais o

indivíduo se insere.

Como Bakthin (1992:317) argumenta "nosso próprio pensamento nasce e forma-se em

interação e em luta com o pensamento alheio”. Assim, a construção do conhecimento na

Disciplina Metodologia da Pesquisa teve sua importância a partir de conversas entre o

professor e os alunos em sala de aula, propiciando leituras que possibilitaram o entendimento

sobre a constituição do sujeito, e sua relação com o objeto (ser-no-mundo).

1.1- Trajetória de uma caminhada diferente e a construção de saberes

A importância da relação e da abertura para o diferente enquanto processo fortificador e

afirmador da vida para uma caminhada no processo de construção do conhecimento. É assim

que posso retratar a minha trajetória na Disciplina Metodologia da Pesquisa no Mestrado em

Educação da Universidade Federal do Amazonas ministrada pelo Professor Doutor Carlos

Rojas, para a construção de saberes, a partir da relação dialética da objetividade e da

subjetividade, me permitindo uma comunicação, uma abertura entre os vários sentimentos,

pensamentos e ações, talvez não me sinta tão estranha ou tão "extraterrestre". As coisas que

aconteceram comigo ao olhar para cima e para baixo e depois o questionar se estava fora da

realidade; foi fruto da falta de entendimento e comunicação, abertura comigo mesma.

À medida que o diálogo foi avançando, fui me tornando mais integrada. À medida que fui me

permitindo, encontrando e afirmando a presença das várias facetas do meu estranhamento,

superei o conflito.

6
A realidade era tudo que estava sentindo, pensando, e fazendo antes, durante e depois de olhar

para cima e para baixo. Da mesma forma se dá na relação com outro. Se eu me abro para

diferença do outro e para singularidade do outro, eu estabeleço uma comunicação. O outro

deixará de ser um estranho, um louco. O outro continuará a ser diferente, mas um diferente

respeitado em suas singularidades, diferenças e particularidades. Como eu também as tenho.

Cada qual mantendo sua especificidade. Entenderei que também sou diferente e aí estaremos

afirmando um ao outro, o nosso jeito, a nossa maneira. Eu sou e você é.

A partir das próprias sensações e descrições das experimentações apresentadas na disciplina,

deparei-me com uma metodologia baseada na estética da sensibilidade, que fui descobrindo e

problematizando as discussões acerca da abertura para diferença e relativizando a realidade na

perspectiva da subjetividade, percebendo que a questão da comunicação enquanto presença e

relação dialógica é um caminho de crescimento para si e principalmente para o outro.

A construção do conhecimento, não será definida só por mim ou pelo professor, não será

imposto, mas será construído por nós dois, constituído, elaborado por nós. Será uma realidade

diferente. Poderá ser até discrepante, sem sentido a primeira vista, caótica. Mas será um

conhecimento que tenderá cada vez mais se confirmar. Isso implica em dizer que será cada

vez mais forte. A construção do conhecimento trata da vida e se é desse conhecimento de que

estamos falando, será um de vida forte.

A construção do conhecimento pretendida na disciplina Metodologia da Pesquisa é muito

mais ampla do que uma comunicação verbal. Passa pela estética da sensibilidade e

principalmente, pela disponibilidade e abertura de ser preenchido pela presença do outro que

se encontra aí, na frente. Se o outro se sente comunicando e o conhecimento é compreendido

ao invés de ser avaliado, então a mútua confirmação da existência atual é estabelecida.

7
É importante relatar a minha dificuldade de construir o conhecimento, tendo como ponto de

partida os diversos olhares sobre o objeto, colocando a subjetividade, e o embate entre o eu e

o outro para melhor captar o movimento dos fenômenos em sua pluralidade e diversidade.

A dificuldade será exemplificada, a partir da analise do ponto, para a percepção

fenomenológica da pesquisa.

Fazer análise sobre o ponto na folha de papel para mim foi um processo doloroso, multidões

de fios em minhas idéias se entrelaçam e embaraçam e até que aos poucos vão se organizando

ao descobrirem o risco sobre o qual o bordado pode ser tecido. A tecedura do texto foi árdua,

pois, tentava organizar o posicionamento e o tamanho do ponto na folha de papel que clama

por uma decisão, cada um divergia,chega-se a um consenso, repleto de indagações a respeito

da importância de se construir um texto para analisar a trajetória que um simples ponto iria

causar em nossas mentes e quais os pontos em comum que temos com esse outro que

podemos chamar de ponto. Cada um na sua subjetividade tentava dialogar com o ponto como

forma de preencher um vazio e viajar no universo imaginário sobre que aspectos envolvem a

construção do ponto na transformação do homem no mundo e quais suas implicações sócio-

históricas nas relações com a natureza.

A luz dessa concepção, o ponto está posto colocado na folha de papel que sofreu

transformações com a sua chegada, seu reflexo, nos leva a acreditar que as possibilidades de

criação existem, e que elas devem ser articuladas as funções mentais elementares do ser

humano, podendo ocupar lugar no espaço físico, ter cor, tamanho, forma, e, que nos causa

estranhamento diante da relação do eu e o outro no desafio de construir um ponto sobre vários

olhares.

8
O ponto não é nada mais que um ponto final no texto, com sua função pragmática, é o

recomeço, a percepção de se construir uma proposta como uma criação coletiva, integrante de

um diálogo cumulativo entre o eu e o outro, entre muitos eus e muitos outros (Bakhtin).

Na verdade, estamos treinados a conhecer o mundo de uma única forma (modo físico), por

esta razão, compreender o mundo fenomenologicamente torna-se uma tarefa complexa,

quando o pensar está em questão, é o próprio homem, no mundo, que é alvo de interrogação.

Os fenômenos precisam ser compreendidos na sua totalidade e complexidade, onde cada

aspecto desempenha uma determinada função.

O projeto e desejo de ser serão resultados do movimento concreto da pessoa em um contexto

material objetivo que lhe impõe possibilidades e limites se constituindo a partir de

experiências concretas e cotidianas, dentro de um contexto no qual o pesquisador esta

inserido. Devemos compreender as relações do tempo e do espaço, possibilitando uma

comunicação em rede, um diálogo que se abre na perspectiva de romper com fronteiras do

conhecimento, desafiando as amarras acadêmicas e propondo uma nova abertura capaz de

trazer uma dimensão mais ampla.

A trajetória de um caminhar diferente, aqui explicitada, encerra a demarcação de um

movimento tensivo entre pólos diferenciados. Ter a coragem de mostrar as dificuldades, ao

invés de considerá-la como a única opção possível, é também circunscrevê-la em um caminho

aberto relacionado com o caráter entrelaçado do ser humano com a natureza, porque se trata

de um processo que emerge no intento da busca de caminhos. A minha trajetória do caminhar

diferente traçada aqui deve olhar adiante, desafiar, estabelecer um horizonte de referência,

sempre palpitante, e que pelo próprio andar, se desloca à frente, abrindo dimensões ainda não

vistas, ampliando horizontes e emprestando significação ao próprio andar. Assim, debater

nossos desafios pode também significar nossa caminhada, talvez de avanços e também de

9
recuos, para as descobertas e o olhar crítico necessário a construção de conhecimentos e

saberes.

1.2 – O olhar do outro e a construção do eu

Vivemos coletivamente, em relação contínua e mútua com outros seres humanos.

Construímos cotidianamente redes de configurações uns com os outros, instituindo relações

de poder, cujo equilíbrio é instável. No entanto, dedicamos pouco tempo para compreender as

configurações que construímos, sobretudo quando se trata das nossas práticas de pesquisa em

educação.

No geral, o conhecimento que alicerça a construção que fazemos do outro é simplório.

Muitas imagens cotidianas não se colocam para nós como uma preocupação. Estão onde

sabemos que estão e não nos causam surpresa. Não sentimos necessidade de pensar sobre

elas. Somente quando essas imagens se transformam, deixam de ser habituais é que exige de

nós um esforço de compreensão.

É justamente quando a imagem cotidiana é vista como não banal que passa a ser

problematizada, tornando-se um tema para além do nosso entendimento, necessitando ser

pensada. É desse desafio que nasce o esforço da compreensão, da investigação científica.

Tornar visível uma questão ou uma situação, elegendo-a como objeto de estudo,

significa dar atenção e visibilidade a um tema que é importante para nós. E, longe da Razão

das Luzes, o olhar não apenas examina, separa e mede. Dirigimos nossos olhos não só para

perceber algo, pois olhar é expressão e desejo.

Olhar também é sinônimo de zelar, de ter cuidado. É um ato de acolhimento, revela

uma esperança. Assim, transformado em atenção, indica uma escolha. As práticas cotidianas

poderiam ser compreendidas como um processo criativo de significação, de acolhimento,

10
através do qual lançamos olhares para nós mesmos e para o outro, expressando nossos desejos

mais profundos e nossas esperanças.

O acelerado ritmo da vida moderna traz imagens rápidas do cotidiano, como se

não tivessem tempo. No mundo contemporâneo, as imagens são invisíveis, não exigem que

olhemos para elas, não exigem compreensão.

Diante desse sentimento de urgência, convém uma “estratégia da lentidão”. Como

sugere Maffesoli (1998, p. 11).

“Assim, confrontadas que estamos, todos, ao fim das grandes


certezas ideológicas; conscientes, também, do cansaço que invade
os grandes valores culturais que moldaram a modernidade; por
fim, constatando que esta última já não tem grande confiança em
si mesma, é indispensável recuar um pouco para circunscrever,
com a maior lucidez possível, a socialidade que emerge sob
nossos olhos. Esta, por mais estranha que seja, não pode deixar
ninguém indiferente. O observador, o “ decididor”, o jornalista
ou, simplesmente, o ator social, estamos todos implicados por tal
emergência. Mas resta ainda saber apreciá-la em seu justo valor.”

O processo de investigação científica implica um olhar, uma escolha. Uma questão que

merece ser discutida e, sobretudo, compreendida, é a seguinte: o que está diante de nós? Quais

são os temas essenciais, colocadas para os pesquisadores e pesquisadoras que se dedicam a

estudar? Quais são as imagens que constituem o campo visual dos pesquisadores do campo da

Educação? Longe ou perto? O Outro é aquele que não queremos ver.

O discurso, quantificado, tende a não exprimir a rede de relações sociais concretas, que

é formada por pessoas. A possibilidade de visualizar, de ilustrar, de nomear e descrever,

mesmo que não tenha a força de gerar conceitos, permite destacar a razão interna das coisas.

11
. Na construção do eu, a diversidade de olhares é essencial para captar realidade tão

diversificada.

1.2.1 – A ética na construção do outro

O tema central da Ética são os atos e princípios que pautam a conduta do ser humano,

enquanto ser possuidor de razão. Os atos que são livres e, enquanto tais, corretos ou

incorretos, justos ou injustos de uns modos mais simples, bons ou maus, o seu objetivo é a

virtude na condução da vida, facilitando a realização das pessoas.

Falar sobre ética é ter em mente um elenco de fatos, acontecimentos e fenômenos

humanas que estão sujeitos à interpretações mais distintas e diferenciadas quanto às visões

sócio-econômica-política e cultural. Além disso, os fatos não se apresentam verdadeiramente

reais simplesmente porque alguém se propõe a construir novas interpretações e descobertas. É

o olhar do sujeito que se põe sobre o objeto dada a sua cultura, a sua estrutura mental e a sua

postura valorativa.

É importante ressaltar as dimensões éticas, políticas e epistemológicas no processo de

construção da pesquisa, indicando uma postura vivenciada - e “naturalmente” incorporada -

cotidianamente por muitos pesquisadores e pesquisadoras na relação com o outro.

Vivemos sempre tecendo relações com estranhos. Essa experiência é uma constante e

também pode ser caracterizada como uma peculiaridade humana. Mutável é o modo como as

pessoas manejam esse processo de estranhamento, como buscam ou se esquivam dele. O

estranho, a rigor, não existe em si, o que existe é um sentimento de estranheza com relação ao

outro, que é gerado pela decisão de situarmos a medida do que é normal.

Pode-se afirmar que cada um de nós constrói sua própria coleção de outros,

configurações possíveis, selecionadas intencionalmente ou não. Nessa coleção de outros o

12
indivíduo está potencialmente colocando em movimento seus valores, seus poderes. E, por ser

possível estar numa configuração onde não existe o controle absoluto das trocas e das

relações, tem-se a noção de valores abertos ou fechados, que emergem como fatores que

podem atingir lugares conhecidos ou desconhecidos, que podem estar ou não na dependência

do indivíduo.

Construir esse caminho, no campo da pesquisa em educação indica uma nova questão

relacionada ao processo de investigação científica, não estamos falando apenas do outro,

enquanto sujeito maior. Estamos discorrendo também sobre nós mesmos: pesquisadores e

pesquisadoras desse campo, já que colocar o outro no nosso campo visual tem o significado

de uma auto-reflexão sobre a nossa imagem, a partir daquela construída pelo outro. Esse

aspecto precisa ser evidenciado melhor. No interior desse processo de identificação, não

existe a separação sujeito-objeto. Essa indistinção é fundamental para alicerçar novas

perspectivas na construção do conhecimento.

Ao considerar tais reflexões sobre a ética, talvez seja necessário revigorar a

discussão em torno da especificidade da investigação no campo da educação, como também

natureza das diversidades no contexto escolar. Se estivermos repensando a concepção de

ciência e, particularmente, a especificidade da pesquisa em educação, é necessário buscarmos

diferentes caminhos para a os problemas a serem estudados, ou seja, entender o outro assim

como o outro gostaria de ser entendido.

2 – A construção de paradigmas no Projeto de Pesquisa

No decorrer da caminhada na disciplina Metodologia da Pesquisa, a construção de

referenciais é importante, a partir da relação e a abertura para o diferente, que se consolida

13
enquanto processo fortificador e afirmador para a construção teórica que possibilita a análise

de uma realidade, permitindo vislumbrar a complexidade dos paradigmas que norteiam as

diferentes compreensões da realidade concreta.

Definir paradigma não é uma tarefa fácil, mas o que se percebe é que a não

identificação do paradigma leva o pesquisador a não saber sobre o que está falando. É

necessário perceber o paradigma como modelo capaz de guiar uma investigação, sem

imposições, como mudança de olhar, diferentes formas de olhar, procurando dar conta de uma

faceta, de uma realidade.

É importante ressaltar também aos modos de organização da sociedade, pois as

relações sociais de poder são expressas em vários níveis: Na economia assistimos às

mudanças na administração das empresas e na organização do trabalho. Como ocorre a

hegemonia nas relações materiais, também ocorre nas formas ideológicas de relação, de modo

que, a transformação do campo semântico não é apenas condição para o estabelecimento

dessa hegemonia; ele é parte integral da transformação.

A formação dos pensamentos ocorre pelas possibilidades existentes, de modo que o

senso comum vai constituindo-se na apropriação e reelaboração por parte da população das

idéias que transitam na sociedade, através dos mais variados meios de comunicação, e o

indivíduo, na sua particularidade, de modo todo singular; faz seu esses pensamentos

socialmente constituídos e explicita isso em suas ações.

Como nos explica Bakthin (1992), em cada época da história, o discurso é marcado por

diferentes gêneros, elaborados em cada esfera de utilização da língua, que reflete, de uma

forma sutil e sensível, as características e mudanças na vida social.

14
O mundo vive um acelerado processo de renovação do conhecimento que se reflete nas

várias instâncias da sociedade: quer cultural, social, tecnológica, política e educacional,

exigindo um repensar de todas as estruturas para enfrentar desafios, transformando

continuamente o agir e o sentir do homem no mundo e com o mundo.

A mudança de paradigma impõe um novo olhar em direção a construção do Projeto

de Pesquisa, propondo compreender as práticas cotidianas da Escola, dentro de uma visão,

voltada para ação-reflexão-ação, e a relação de alteridade que marca o ser humano, ou seja, a

interação entre o eu e o outro, exigindo um olhar mais apurado sobre a realidade Escolar.

Ao falar sobre o olhar da realidade escolar, entendendo-o não só como o olhar sobre a

Escola, mais do que isso, o olhar que a escola, enquanto organismo vivo com identidade

própria constituída pelos seus professores, alunos e funcionários, pela sua direção pedagógica

e administrativa, ganha face à diversidade cultural. É aquele olhar maravilhado, de espanto,

cujas origens remontamos na descoberta do outro enquanto estranho, é o olhar com toda a

carga de admiração, busca e descoberta, respeito e consideração pelo ser diferente. Ao

perssonalizar a Escola, encaro-a com a mesma força que lhe era atribuída enquanto um dos

aparelhos ideológicos do estado que detinha o poder de produzir e reproduzir desigualdade,

revelada nos anos sessenta e setenta, só que, neste caso, com uma força em sentido inverso. É

por isso que menciono a Escola sempre com maiúsculas, dotada de personalidade própria,

com sonhos e expectativas, fracassos e realizações.

Como conhecer a educação em práticas cotidianas? Se procuro conhecer as práticas

cotidianas,preciso saber se minha intervenção na escola pode ser uma intervenção

democrática ou autoritária. Neutra não será? Entendo que as relações vão se construindo entre

o pesquisador e sujeitos da pesquisa, apesar de serem desiguais,não são automaticamente

autoritárias ou democráticas,mas o meu ouvir,o meu olhar,a minha postura precisam garantir

15
o mínimo de um diálogo suficiente para que a pesquisa aconteça ou não, e se acontecer haja

sempre possibilidade para o ouvir do outro, o olhar do outro,e a postura do outro. As relações

oriundas no movimento da pesquisa não se encontrm isentas do controle do poder, de saber,

de gostar ou de odiar,e são relações que permeam o espaço das práticas cotidianas escolares.

Pesquisar as práticas de participação na gestão, as práticas pedagógicas, culturais ou de

convivência é desvendar um processo educativo e cultural oculto no cotidiano escolar onde

estão presentes outros e o Estado.

O acesso das diversas classes à escola pode ser um ponto de partida para a

compreenssão do cotidiano escolar, porque mais e novos sujeitos transitam no espaço e tempo

da escola. Mais e novos sujeitos trazem sua cultura, seus saberes e sua convivência para

juntos ou separados participarem do cotidiano escolar.

Nesse sentido,torna-se necessário investigar a igualdade ou a desigualdade, a liberdade

ou controle autoritário, o acesso ou a negação dos direitos nas atividades administrativas,

pedagógicas e culturais, porque nelas se constróem ou se desfazem as relações de

solidariedade, de competição, de amor e ódio,em síntese pode-se perguntar: Como as práticas

cotidianas escolares estão sendo construídas, para atender as diversidades locais e regionais?

No novo paradigma que o contexto atual exige de nós, uma das práticas mais

importantes é a do conhecimento construído, buscado, partilhado. A criatividade passa a ser o

ponto alto, num momento em que novos caminhos podem ser valorizados e já não se tenta

obedecer a um único padrão. À medida que o saber é construído, ocorre a partilha das

experiências. Isso legitima o conhecimento, pois o expõe a críticas, a divergências e, é claro,

enriquece a pesquisa de todos.

16
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A imagem do outro tem uma força de religação, que nos permite pensar o caminho da

investigação científica, tanto no que se refere à seleção de temas e problemas a serem

estudados, como à forma de expor as sínteses elaboradas. A pesquisa educacional não está

alheia a esse processo de busca da iniciação cientifica. Talvez esse exercício possua até

mesmo a força de mudar o rumo dos nossos trabalhos, de selecionamos objetos para

selecionarmos imagens. Imagens da vida social.

A forma consagrada de dispor, manusear e analisar os dados na pesquisa social – que

aprendemos com os positivistas – tendem a não dar força a temas do cotidiano. É preciso

reinventar o trato do objeto e a forma de exposição dos nossos temas, a partir da relação

dialética entre conteúdo-forma – o que, inclusive, daria mais força ao nosso objeto de estudo.

No entanto, é preciso extrapolar o modelo instituído, sobretudo pela especificidade da

pesquisa em educação, que também possui um forte caráter formativo. A imagem, mais uma

vez, é colocada como um fator de escolha, podendo favorecer a experimentação de emoções

compartilhadas e a saída de si mesmo em direção ao outro, pelo outro.

17
REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 2ª ed. Tradução coordenada e revisada

por Alfredo Bosi. São Paulo: Mestre Jou, 1962.

BAKTHIN M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: HUCITEC.1988

_____________. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes.1992

___________. Dialogismo e construção do sentido. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997.

CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1995.

D’ AMORIM, M. O Pesquisador e seu Outro – Bakthin nas ciências humanas. São Paulo:

Musa, 2001.

DEMO, P. Conhecimento moderno: sobre ética e intervenção do conhecimento.

Petrópolis, RJ.Vozes,1997.

FAZENDA, I. Metodologia da Pesquisa Educacional. 8ªed São Paulo.Cortez.2002

FICHER, E. A necessidade da Arte. Ed Guanabara.1987.

MAFFESOLI, M. A Contemplação do Mundo. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995.

______________. Elogio da Razão Sensível. Petrópolis: Vozes, 1998.

MATURANA R, H. Ontologia da Realidade. Belo Horizonte.Ed UFMG,1997.

VYGOTKSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. 1984

18

Você também pode gostar