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NOTAS PARA UM TEATRO DE SOMBRAS CONTEMPORÂNEO

MONTECCHI, Fabrizio. Além da Tela: Reflexões em Forma de Notas Para um


Teatro de Sombras Contemporâneo. ​Móin Móin: Revista de Estudos Sobre o
Teatro de Formas Animadas​ - v.2, nº4, 2007
Por que fazer teatro de sombras hoje? É o questionamento central que move
as reflexões do italiano Fabrizio Montecchi tecidas a partir de seu encantamento
inicial pelo trabalho de ​Chat Noir​ e suas realizações com o grupo Teatro Gioco Vita.
Sobre ​Chat Noir coloca a visão de um teatro de sombras europeu, construído
como uma linguagem de imagens onde se fazem pesquisas de óptica, lanternas
mágicas e um teatro das maravilhas. Em sua visão é o que o ocidente faz ao se
apropriar de um teatro oriental, transformá-lo em espetáculo ocidental. Tendo então
uma proposição do teatro de sombras como um espetáculo de imagens que muito se
aproxima da arte cinematográfica.
O autor percebe que é a teatralidade que vai se tornando perdida e difusa
nesse sentido. A figura do manipulador e do contador da história são ofuscadas,
suas presenças são “ausentes” no espetáculo deste modelo. Assim, perde-se muito
do teatro no teatro de sombras. Também as sombras passam a ser percebidas como
cópias mortas, enquanto verdadeiramente só existem na presença do objeto e da luz
que a produzem sendo tão reais quanto o objeto e um modo de manifestar a
realidade.
Montecchi se volta então para as origens dessa prática, para os modos
orientais de fazer teatro de sombras e percebe que a principal diferença é como são
dispostos no espaço a tela, os animadores, o contador e os espectadores. Ele
ressalta como não há divisões no espaço e todos ocupam-no de maneira una. Há
então um destaque para a comunhão, o encontro dos artistas, das sombras e das
pessoas que fazem de fato com que haja um ​teatro ​de sombras.
Lança então um outro olhar sobre a sombra e o acontecimento teatral que ela
proporciona, a partir da figura do animador e da relação entre objeto-luz no espaço.
Com o grupo começa a buscar um modo de reencontrar essa teatralidade sem
perder também a espetacularidade que lhes interessa.
Em seu trabalho com o grupo onde produziam teatro de sombras começam
então a experimentar o que poderia levar a isso. Encontram primeiramente na
ruptura com a tela, dando evidência corpórea ao animador uma maneira de fazer a
sombra habitar o espaço e não somente a superfície dialogando com as outras
sombras, com a luz e com a escuridão. A sombra passa então a ser algo em sí, não
que esteja pré construído, mas que toma forma com a luz.
Desta maneira, o espetáculo sai da bidmensionalidade e ganha a
tridimensionalidade do espaço. O evento teatral passa a ser composto de silhuetas,
luzes e corpos. A sombra não domina mais a cena e volta a sua condição de figura
fronteiriça, sua natureza própria.
O uso da sombra corpórea foi outra importante ruptura com efeitos explosivos
tanto para o grupo quanto para o público, alterando completamente sua percepção
do que é o teatro de sombras. As realizações a partir disso chegam a causar o
questionamento de “isso ainda é teatro de sombras?”. O inegável é que a sombra se
torna uma matéria viva que foge dos limites do tradicional.
Entra em cena a figura do animador. Sua presença e sua gestualidade ficam
muito mais evidentes e criam outras experiências das quais o corpo desse
ator-animador é elemento relevante. Passa-se a questionar a que ponto a esse
sujeito interpreta ou representa as personagens das histórias de sombras. Em tal
sentido que aponta-se que este é o ponto fulcral a se desenvolver para um teatro de
sombras contemporâneo, onde não deve-se ter preconceitos para explorar essas
relações complexas da cena de sombras.
Além disto, podemos pensar atualmente quais as relações possíveis do teatro
de sombras com o teatro contemporâneo? As noções de personagem que se
encontram remexidas atualmente podem ser um modo de caminhar para um teatro
contemporâneo de sombras ou teatro de sombras contemporâneo?
Artur Ferreira da Silva.
24/07/2019

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