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28/04/2020 Com Ciência - SBPC/Labjor
Roberto Takata 3 – a intolerância linguística (e a de qualquer outro tipo) está fortemente relacionada com
Aids e o preconceito: outras formas de intolerância (sobretudo racial, religiosa, sexual, política,
uma doença biológica socioeconômica). Essas relações são, em geral, hierarquizadas, ou seja, há uma forma de
e outra social intolerância de base, predominante, a que se subordinam as demais, como, por exemplo,
Cristiane Delfina ocorre no Brasil no caso do preconceito racial em relação aos negros, que pode ser
considerado uma intolerância primária, em relação às intolerâncias quanto ao modo de
Artigos falar dos negros, à sua religião etc. Os textos ou discursos muitas vezes mascaram a
Políticas de igualdade intolerância de base ou primária por meio da manifestação de uma intolerância associada
e intolerância: ou secundária, considerada mais aceitável: assim, a intolerância racial pode manifestar-se
testando a democracia como intolerância religiosa ou linguística, mascarando o preconceito racial com
racial e a cordialidade
brasileiras
preconceitos mais facilmente justificáveis ou não proibidos: quando, por exemplo, se
critica o uso linguístico do nordestino ou do imigrante ou a forma de falar do
João Angelo Fantini
homossexual, considerando-o como um uso linguístico “errado”, “feio”, que compromete
Intolerância e ou ameaça a língua, não se trata realmente ou somente de uma intolerância linguística,
preconceito na mas de intolerância socioeconômica, política, sexual, racial etc. Nesses casos, é preciso
linguagem desmascarar o jogo de manifestação das intolerâncias, mostrar o que há em águas mais
Diana Luz Pessoa de profundas.
Barros
Intolerância e racismo
A intolerância linguística está, portanto, fortemente relacionada com outras formas de
no futebol: a intolerância, o que indica que a intolerância precisa ser observada, em princípio, de uma
racialização do outro perspectiva multidisciplinar, mas, também, examinada, nas particularidades e
Thales de Almeida especificidades próprias da linguagem. Veja-se, entre outros, o caso das relações entre o
Nogueira Cervi discurso racista, o separatista e o de intolerância linguística no livro de Irton Marx Vai
nascer um novo país: República do Pampa Gaúcho. O discurso separatista, fortemente
O jurídico e o político
moralizante, é também um discurso racista (... “deixando de ser gaúchos para nos tornar
em direção à alteridade
sertanejos, perdendo cada vez mais a nossa identidade”) e de intolerância linguística
Cláudio Reis
(“Nossas emissoras de rádio serão mais potentes, e nossos locutores falarão
Tolerância corretamente o português, com boa dicção”).
Marcos Nobre e
Denilson Luis Werle A regulamentação linguística, no domínio do público, explica-se pelo papel que as línguas
assumem na construção de impérios, nações, estados, na constituição de identidades
Resenha nacional, regional, e, principalmente, na construção da língua nacional, com o
Da loucura do mal apagamento das diversidades linguísticas. Nos livros didáticos de história do Brasil, por
perpetuado por exemplo, não há uma única referência ao fato de que no período colonial falavam-se
ninguéns principalmente línguas gerais no país e não o português.
Michele Gonçalves
Ao regulamentar as relações entre os usos linguísticos de uma mesma língua, a lei
Entrevista determina um uso como mais correto, mais certo, mais bonito, mais patriótico, mais
Elizete Aparecida de virtuoso, enfim, e hierarquiza os demais, que serão ditos possíveis, toleráveis ou
Andrade
proibidos. Esse uso mais virtuoso é o da norma explícita de uma dada língua, em geral
Entrevistado por Cláudia chamada norma culta.
Carnevalli
Os usos e línguas impostos ou preferidos mantêm relações diversas com os proibidos ou
Poema
não preferidos. Os diferentes tipos de relação ocorrem tanto nas relações linguísticas
Novo mandamento
internas a uma dada sociedade, entre variantes de uma língua, e tendo por referência a
Carlos Vogt
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variante culta ou padrão, quanto entre línguas diferentes, tendo por referência a língua
Humor
nacional. Assim, por exemplo, no Brasil, as variantes utilizadas por falantes de classe
HumorComCiencia
socioeconômica pouco favorecida ou da zona rural são excluídas da escola, da
João Garcia administração, dos meios de comunicação; variantes regionais desprestigiadas, como a
caipira ou a nordestina, são segregadas, isto é, admitidas no espaço delas, mas não
devem ser misturadas com os usos prestigiados, por exemplo, do rádio ou da televisão;
ou, mais frequentemente, as variantes de menos prestígio são assimiladas às de mais
prestígio (ensina-se, muitas vezes, na escola, o uso de regiões “ em que se fala melhor”).
No que diz respeito às línguas estrangeiras, as relações são também sempre assimétricas
e dependem da posição econômica, cultural ou política que estabelecem relações de
dominação entre os grupos e suas línguas. Dessa forma, a língua nacional pode
encontrar-se na posição dominante (mais prestígio, mais força) ou de dominada (menos
prestígio, menos força) em relação a outras línguas. Vejamos alguns exemplos em que a
língua nacional ocupa a posição de dominante. Na Espanha, durante a ditadura de Franco,
o basco, o galego e o catalão foram excluídos em favor da manutenção do espanhol
(castelhano); no Brasil, houve também exclusão quando Pombal proibiu o uso de línguas
indígenas ou das línguas gerais no país, ou, na Segunda Grande Guerra, quando se
proibiu o ensino do alemão ou do japonês, na escola; em relação aos imigrantes, o
discurso no Brasil foi, em certos momentos, de exclusão e, mais frequentemente, de
assimilação; quanto às línguas indígenas, em certo momento foram excluídas e hoje são
segregadas (aceita-se que os índios falem outras línguas, mas nas reservas indígenas).
As relações linguísticas geram, muitas vezes, conflitos, pois o outro, o dominado, cujos
usos linguísticos se quer excluir, assimilar, agregar ou segregar, pode não querer que isso
aconteça. Quando não há conformidade entre os discursos do dominante e do dominado,
os conflitos se manifestam de diferentes formas: lutas, preconceitos, intolerância, de um
lado, formas de resistência, de outro. Entre as formas de resistência à dominação
linguística podem ser encontradas a do multilinguismo, a da aceitação das diferenças
linguísticas e o diálogo entre elas. Segundo Roland Barthes, em sua Aula no Collège de
France, “é bom que todos os homens, no interior de um mesmo idioma, tenham várias
línguas”.
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A malevolência parece ser o caminho para que as coisas sejam postas em seus “devidos
lugares”, mesmo que a falta primeira não se resolva com isso, pois o sujeito, sem os
valores almejados e em crise de confiança, procurará resolver sua falta e passará a
querer fazer mal a quem o colocou, segundo o simulacro construído, nessa situação. O
sujeito do ódio em relação ao estrangeiro, ao diferente, aos “maus” usuários da língua, é
também o sujeito do amor à pátria, à sua língua, ao seu grupo étnico, aos de sua cor, à
sua religião, ou seja, complementam-se as paixões malevolentes do ódio em relação ao
“diferente” e as paixões benevolentes do amor aos “iguais”.
Distinguem-se duas etapas nos percursos passionais do ódio do sujeito intolerante, que,
em geral, acorrem juntas nos discursos. A primeira é aquela em que o sujeito se torna
malevolente em relação ao outro, que, “diferente”, não cumpriu o contrato de identidade,
e benevolente em relação à pátria, aos iguais, aos idênticos. Essa primeira etapa, a mais
passional da intolerância, é a do preconceito.
É tudo culpa dos nordestinos... seca eterna para vocês!!!! Dilma presidente Parabéns
povo burro!!
disse que “já começou a operação de pentear o macaco”. (Folha de S. Paulo, 11 de abril
de 2011, p. A17).
Está na hora de unirmos forças e, veladamente, fazer o que nos couber para dar fim –
pouco a pouco – nesta peste. (....) O que resta a nós, seres normais, a não ser sentir
vergonha e observar inquietos nosso país cair em decadência? (...) Eu vos digo, futuros
colegas: e se a solução fosse cada um de nós tomarmos uma atitude no momento em que
essa escória nos procurar para curar suas doenças venéreas e demais pragas de seus
corpos nojentos?” (Folha de S. Paulo, 9 de dezembro de 2010, p.C10).
O vencedor era quem mantivesse garota presa nos braços por mais tempo, após dizer a
frase “Você é a menina mais gorda que eu já vi na vida”. (Folha de S. Paulo, 29/10/2010,
p. C4).
Para concluir duas considerações devem ser feitas. Tendo em vista, sobretudo, o caráter
passional e emocional dos discursos intolerantes, o homem público – político, jornalista,
professor e outros –, por sua posição de sujeito do poder e do saber, mesmo que não
realize ações diretas de discriminação e intolerância, leva a que outros o façam,
incentivando, dessa forma, a violência contra o “diferente”. Nessa posição, o sujeito não
pode, portanto, ter o direito de expressar seus preconceitos.
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