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Informativo 890-STF
Márcio André Lopes Cavalcante

Julgado excluído por ter menor relevância para concursos públicos e por ter sido decidido com base em peculiaridades
do caso concreto: Rcl 14996/MG.

ÍNDICE
DIREITO CONSTITUCIONAL
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
 Alteração da Lei impugnada antes do julgamento da ADI.

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
 É constitucional lei estadual que obrigue plano de saúde a justificar recusa de tratamento.

SAÚDE
 Constitucionalidade do ressarcimento ao SUS previsto no art. 32 da Lei 9.656/98.

COMUNIDADES QUILOMBOLAS
 Constitucionalidade do Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para titulação das terras ocupadas
por remanescentes das comunidades dos quilombos.

DIREITO DO CONSUMIDOR
PLANO DE SAÚDE
 A Lei 9.656/98 é constitucional, mas não pode ser aplicada para contratos celebrados antes da sua vigência.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL


REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR
 Os Estados-membros/DF e Municípios podem fixar valor referencial inferior ao do art. 87 do ADCT (RPV), desde que
respeitado o princípio da proporcionalidade.

DIREITO PENAL
PRESCRIÇÃO
 Interpretação do art. 112 do CP.

DIREITO PROCESSUAL PENAL


FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO
 Haverá mudança de competência para julgar o recurso se, após a interposição, houve a diplomação do réu como
Deputado Federal.

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
 “Denúncia anônima”, quebra de sigilo e renovação das interceptações.

DIREITO TRIBUTÁRIO
ITR
 Progressividade das alíquotas do ITR.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Alteração da Lei impugnada antes do julgamento da ADI

Importante!!!
O que acontece se a lei impugnada por meio de ADI é alterada antes do julgamento da ação?
Neste caso, o autor da ADI deverá aditar a petição inicial demonstrando que a nova redação
do dispositivo impugnado apresenta o mesmo vício de inconstitucionalidade que existia na
redação original.
A revogação, ou substancial alteração, do complexo normativo impõe ao autor o ônus de
apresentar eventual pedido de aditamento, caso considere subsistir a inconstitucionalidade
na norma que promoveu a alteração ou revogação.
Se o autor não fizer isso, o STF não irá conhecer da ADI, julgando prejudicado o pedido em
razão da perda superveniente do objeto.
STF. Plenário. ADI 1931/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/2/2018 (Info 890).

O que acontece se a lei impugnada por meio de ADI é alterada antes do julgamento da ação? Ex: em
1999, foi proposta uma ADI contra o art. 10 da Lei nº 9.656/98; em 2013, foi editada a Lei nº 12.880
alterando esse art. 10 da Lei nº 9.656/98; ocorre que a ADI ainda não foi julgada pelo STF; o que fazer?
Neste caso, o autor da ADI deverá aditar a petição inicial demonstrando que a nova redação do dispositivo
impugnado apresenta o mesmo vício de inconstitucionalidade que existia na redação original. Em outras
palavras, ele informa ao STF que houve a alteração legislativa, mas que, apesar disso, a nova redação
continua contrariando a Constituição Federal.

E se o autor da ADI não fizer isso?


Neste caso, o STF não irá conhecer da ADI, julgando prejudicado o pedido em razão da perda
superveniente do objeto (perda superveniente do interesse de agir), nos termos do art. 485, VI, do CPC:
Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:
(...)
VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;

Nesse sentido:
A revogação, ou substancial alteração, do complexo normativo impõe ao autor o ônus de apresentar
eventual pedido de aditamento, caso considere subsistir a inconstitucionalidade na norma que promoveu
a alteração ou revogação.
STF. Plenário. ADI 2595 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/12/2017.

O que acontece caso o ato normativo que estava sendo impugnado na ADI seja revogado antes do
julgamento da ação?
Regra: haverá perda superveniente do objeto e a ADI não deverá ser conhecida (STF ADI 1203).
Exceção 1: não haverá perda do objeto e a ADI deverá ser conhecida e julgada caso fique demonstrado
que houve "fraude processual", ou seja, que a norma foi revogada de forma proposital a fim de evitar que
o STF a declarasse inconstitucional e anulasse os efeitos por ela produzidos (STF ADI 3306).
Exceção 2: não haverá perda do objeto se ficar demonstrado que o conteúdo do ato impugnado foi
repetido, em sua essência, em outro diploma normativo. Neste caso, como não houve desatualização

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significativa no conteúdo do instituto, não há obstáculo para o conhecimento da ação (STF ADI 2418/DF,
Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 4/5/2016. Info 824).
Exceção 3: caso o STF tenha julgado o mérito da ação sem ter sido comunicado previamente que houve a
revogação da norma atacada. Nesta hipótese, não será possível reconhecer, após o julgamento, a
prejudicialidade da ADI já apreciada (STF. Plenário. ADI 951 ED/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em
27/10/2016. Info 845).

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
É constitucional lei estadual que obrigue plano de saúde a justificar recusa de tratamento

É constitucional lei estadual que obrigue os planos de saúde a fornecerem aos consumidores
informações e documentos justificando as razões pelas quais houve recusa de algum
procedimento, tratamento ou internação.
O Mato Grosso do Sul editou uma lei estadual prevendo que, se o plano de saúde recusar algum
procedimento, tratamento ou internação, ele deverá fornecer, por escrito, ao usuário, um
comprovante fundamentado expondo as razões da negativa.
O STF entendeu que essa norma não viola competência privativa da União, considerando que
ela trata sobre proteção ao consumidor, matéria inserida na competência concorrente (art.
24, V, da CF/88).
STF. Plenário. ADI 4512/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 7/2/2018 (Info 890).

A situação concreta foi a seguinte:


O Mato Grosso do Sul editou uma lei estadual (Lei 3.885/2010) prevendo que, se o plano de saúde recusar
algum procedimento, tratamento ou internação, ele deverá fornecer, por escrito, ao usuário, um
comprovante fundamentado expondo as razões da negativa. Veja o art. 1º da referida Lei:
Art. 1º As operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde obrigam-se a fornecer
ao consumidor informações e documentos, nos termos desta Lei, em caso de negativa de
cobertura parcial ou total de procedimento médico, cirúrgico ou de diagnóstico, bem como de
tratamento e internação.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, entende-se por negativa de cobertura a recusa em
custear a assistência à saúde, de qualquer natureza, ainda que fundamentada em lei ou cláusula
contratual.

Em caso de descumprimento da norma, o fornecedor estará sujeito às sanções administrativas previstas


no art. 56 do CDC.

ADI
Foi proposta uma ADI contra essa Lei sob o argumento de que ela tratou sobre direito civil, comercial e política
de seguros, matérias que são de competência privativa da União, nos termos do art. 22, I e VII, da CF/88:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e
do trabalho;
(...)
VII - política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;

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Além disso, a autora afirmou que a lei estadual interfere nos contratos em vigor e viola a livre iniciativa
(art. 170 da CF/88).

O que o STF decidiu? A referida lei é inconstitucional? Viola competência privativa da União?
NÃO.
É constitucional lei estadual que obrigue os planos de saúde a fornecerem aos consumidores
informações e documentos justificando as razões pelas quais houve recusa de algum procedimento,
tratamento ou internação.
STF. Plenário. ADI 4512/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 7/2/2018 (Info 890).

Proteção do consumidor e acesso à informação


Essa lei estadual tratou sobre proteção do consumidor, matéria que está dentro da competência legislativa
concorrente, nos termos do art. 24, V, da CF/88:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
V - produção e consumo;
(...)
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer
normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência
suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa
plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no
que lhe for contrário.

Assim, a lei impugnada não disciplinou assuntos de direito civil, comercial ou política securitária.
O CDC é a norma geral editada pela União na defesa do consumidor e tal diploma reconhece como direito
básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço,
bem como sobre os riscos que apresentem (art. 6º, III).
A lei estadual está, portanto, em harmonia com o CDC, respeitando assim as regras do art. 24 da CF/88.
Além disso, essa lei atende ao comando do inciso XXXII do art. 5º da Constituição:
Art. 5º (...)
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Sem interferência nos contratos


A lei atacada cumpre a função estatal de proteção ao consumo, não havendo interferência nos contratos
firmados entre as operadoras e os usuários nem representando equilíbrio atuarial das operadoras de
planos e seguros privados de assistência à saúde. Conforme explicou a Min. Cármen Lúcia:
“A entrega do documento informativo expondo as razões pelo qual um determinado tratamento ou
procedimento foi negado não amplia o rol de obrigações contratuais entre a operadora e o usuário. Pelo
contrário, o que se tem é apenas uma transparência maior para cumprimento dos termos legislados” (Min.
Cármen Lúcia).
Em outras palavras, as operadoras já tinham esse dever por força do próprio CDC e a lei estadual apenas
explicitou o comando.

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Sem violação à livre iniciativa


A lei estadual impugnada não limita a livre iniciativa. Ao contrário, fomenta o desenvolvimento de um
mercado mais sustentável.
Além disso, conforme preconiza o inciso V do art. 170, a livre iniciativa deverá ser exercida observando-se
como um dos seus princípios a defesa do consumidor.

SAÚDE
Constitucionalidade do ressarcimento ao SUS previsto no art. 32 da Lei 9.656/98

Importante!!!
Atenção! Concursos federais
É constitucional o ressarcimento previsto no art. 32 da Lei nº 9.656/98, o qual é aplicável aos
procedimentos médicos, hospitalares ou ambulatoriais custeados pelo SUS e posteriores a
4.6.1998, assegurados o contraditório e a ampla defesa, no âmbito administrativo, em todos
os marcos jurídicos.
O art. 32 da Lei nº 9.656/98 prevê que, se um cliente do plano de saúde utilizar-se dos serviços
do SUS, o Poder Público poderá cobrar do referido plano o ressarcimento que ele teve com
essas despesas. Assim, o chamado “ressarcimento ao SUS”, criado pelo art. 32, é uma obrigação
legal das operadoras de planos privados de assistência à saúde de restituir as despesas que o
SUS teve ao atender uma pessoa que seja cliente e que esteja coberta por esses planos.
STF. Plenário. RE 597064/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 7/2/2018 (repercussão geral)
(Info 890).

Ressarcimento ao SUS
O art. 32 da Lei nº 9.656/98 prevê que, se um cliente do plano de saúde utilizar-se dos serviços do SUS, o
Poder Público poderá cobrar do referido plano o ressarcimento que ele teve com essas despesas. Veja:
Art. 32. Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art.
1º desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à
saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos
dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do
Sistema Único de Saúde - SUS. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44/2001)

Assim, o chamado “ressarcimento ao SUS”, criado pelo art. 32 da Lei nº 9.656/98, é uma obrigação legal
das operadoras de planos privados de assistência à saúde de restituir as despesas que o SUS teve ao
atender uma pessoa que seja cliente e que esteja coberta por esses planos.

Passo-a-passo
Apenas a título de curiosidade, na prática funciona assim:
1) O paciente é atendido em uma instituição pública ou privada, conveniada ou contratada, integrante do SUS;
2) A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) cruza os dados dos sistemas de informações do SUS
com o Sistema de Informações de Beneficiários (SIB) da própria Agência para identificar as pessoas que
foram atendidas na rede pública e que possuem plano de saúde;
3) A ANS notifica a operadora informando os atendimentos que realizou relacionados com seus clientes;

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4) A operadora pode contestar isso nas instâncias administrativas, dizendo, por exemplo, que aquele
serviço utilizado pelo seu cliente no SUS não era coberto pelo plano, que o paciente já havia deixado de
ser usuário do plano etc.
5) Não havendo impugnação administrativa ou não sendo esta acolhida, a ANS cobra os valores devidos.
6) Caso não haja pagamento, a operadora será incluída no CADIN e os débitos inscritos em dívida ativa da
ANS para, em seguida, serem executados.
7) Os valores recolhidos a título de ressarcimento ao SUS são repassados pela ANS para o Fundo Nacional
de Saúde.

Sobre o tema:
As operadoras de plano de saúde que estejam em débito quanto ao ressarcimento de valores devidos ao
SUS podem, em razão da inadimplência, ser inscritas no Cadin.
STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 307.233-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 6/6/2013 (Info 524).

Tese dos planos de saúde


As operadoras privadas de plano de saúde comumente ingressam com ações judiciais questionando a
validade do art. 32 da Lei nº 9.656/98 sob o argumento de que a sua participação na saúde tem caráter
suplementar, uma vez que o dever primário de assegurar o acesso à saúde é atribuído pela Constituição
Federal aos entes políticos.
Logo, defendem que o Poder Público possui sim obrigação de prestar saúde a quem procurar, não devendo
os planos de saúde ser obrigados a ressarcir tais despesas.
Além disso, tais operadoras aduziram que esse art. 32 representa a instituição de uma nova fonte de
custeio para a seguridade social, o que somente poderia ocorrer por meio de lei complementar, nos
termos do art. 195, § 4º, da CF/88:
Art. 195 (...)
§ 4º A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da
seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

Art. 154. A União poderá instituir:


I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-
cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta
Constituição;

A tese dos planos de saúde foi aceita pelo STF? O art. 32 da Lei nº 9.656/98 é inconstitucional?
NÃO. O STF entendeu que o art. 32 da Lei nº 9.656/98 é válido.
O art. 32 não representa a criação de uma nova fonte de receitas para seguridade social, nos termos do
art. 195, § 4º, da CF/88. Trata-se apenas de um desdobramento do contrato firmado entre as operadoras
de saúde e seus clientes. As operadoras de saúde atuam em um serviço regulado pelo Poder Público,
devendo cumprir as condições impostas.
O tratamento em hospital público não pode ser negado a nenhuma pessoa, considerando que o acesso
aos serviços de saúde no Brasil é universal (art. 196 da CF/88). Porém, se o Poder Público atende um
usuário do plano de saúde, o SUS deve ser ressarcido, assim como ocorreria caso esse usuário do plano de
saúde tivesse sido atendido em um hospital particular (não conveniado ao SUS).
Esse art. 32 impede o enriquecimento ilícito das empresas de plano de saúde.
O STF fez, contudo, uma ressalva: a regra do art. 32 somente é aplicável aos procedimentos ocorridos após
04/06/1998, data em que foi publicada a Lei nº 9.656/98.

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Resumindo:
É constitucional o ressarcimento previsto no art. 32 da Lei nº 9.656/98, o qual é aplicável aos
procedimentos médicos, hospitalares ou ambulatoriais custeados pelo SUS e posteriores a 4.6.1998,
assegurados o contraditório e a ampla defesa, no âmbito administrativo, em todos os marcos jurídicos.
STF. Plenário. RE 597064/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 7/2/2018 (repercussão geral) (Info 890).

COMUNIDADES QUILOMBOLAS
Constitucionalidade do Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para titulação
das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos

Importante!!!
O art. 68 do ADCT estabelece que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que
estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado
emitir-lhes os títulos respectivos.”
Em 2003, foi editado o Decreto nº 4.887, com o objetivo de regulamentar o procedimento para
identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades dos quilombos.
O STF entendeu que este Decreto não invadiu esfera reservada à lei. O objetivo do Decreto foi
tão somente o de regular o comportamento do Estado na implementação do comando
constitucional previsto no art. 68 do ADCT. Houve o mero exercício do poder regulamentar da
Administração, nos limites estabelecidos pelo art. 84, VI, da Constituição.
O art. 2º, caput e § 1º do Decreto nº 4.887/2003 prevê como deve ser o critério utilizado pelo
Poder Público para a identificação dos quilombolas. O critério escolhido foi o da
autoatribuição (autodefinição). O STF entendeu que a escolha do critério desse critério não foi
arbitrária, não sendo contrária à Constituição.
O art. 2º, §§ 2º e 3º, do Decreto preconiza que, na identificação, medição e demarcação das
terras dos quilombolas devem ser levados em consideração critérios de territorialidade
indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos. O STF afirmou que essa
previsão é constitucional. Isso porque o que o Decreto está garantindo é apenas que as
comunidades envolvidas sejam ouvidas, não significando que a demarcação será feita
exclusivamente com base nos critérios indicados pelos quilombolas.
O art. 13 do Decreto, por sua vez, estabelece que o INCRA poderá realizar a desapropriação de
determinadas áreas caso os territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos
quilombos estejam situados em locais pertencentes a particulares. O STF reputou válida essa
previsão tendo em vista que, em nenhum momento a Constituição afirma que são nulos ou
extintos os títulos eventualmente incidentes sobre as terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos. Assim, o art. 68 do ADCT, apesar de reconhecer um direito aos
quilombolas, não invalida os títulos de propriedade eventualmente existentes, de modo que,
para que haja a regularização do registro em favor das comunidades quilombolas, exige-se a
realização do procedimento de desapropriação.
Por fim, o STF não acolheu a tese de que somente poderiam ser consideradas terras de
quilombolas aqueles que estivessem sendo ocupadas por essas comunidades na data da
promulgação da CF/88 (05/10/1988). Em outras palavras, mesmo que, na data da
promulgação da CF/88, a terra não mais estivesse sendo ocupada pelas comunidades
quilombolas, é possível, em tese, que seja garantido o direito previsto no art. 68 do ADCT.

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STF. Plenário. ADI 3239/DF, rel. orig. Min. Cezar Peluso, red.p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgado em
8/2/2018 (Info 890).

Quilombolas
O art. 68 do ADCT da CF/88 confere proteção especial aos territórios ocupados pelos remanescentes
quilombolas. Confira:
Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

Esse artigo possui duas partes:


1ª) estabelece um direito aos quilombolas: propriedade das terras ocupadas (“aos remanescentes das
comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva”);
2) determina uma ordem ao Estado para que pratique o ato necessário a fim de assegurar esse direito:
expedição dos títulos de propriedade (“devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”).

O que são as terras dos quilombolas?


São as áreas ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e utilizadas por este grupo
social para a sua reprodução física, social, econômica e cultural.

O que são remanescentes das comunidades dos quilombos?


Existe uma grande discussão antropológica sobre isso, mas, de maneira bem simples, os grupos que hoje
são considerados remanescentes de comunidades de quilombos são agrupamentos humanos de
afrodescendentes que se formaram durante o sistema escravocrata ou logo após a sua extinção.
O Decreto 4.887/2003 assim os define:
Art. 2º Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste
Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica
própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra
relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

A previsão do art. 68 do ADCT foi uma forma que o constituinte encontrou de homenagear “o papel
protagonizado pelos quilombolas na resistência ao injusto regime escravista” (Min. Rosa Weber).

Fundação Cultural Palmares (FCP)


Por meio da Lei nº 7.668/88, a União foi autorizada a constituir a Fundação Cultural Palmares, uma
fundação pública federal que possui, dentre outras atribuições, a de realizar a identificação dos
remanescentes das comunidades dos quilombos, proceder ao reconhecimento, à delimitação e à
demarcação das terras por eles ocupadas e conferir-lhes a correspondente titulação (art. 2º, III).

Decreto nº 4.887/2003
O Decreto nº 4.887/2003 regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.

ADI
Em 2004, o Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), ajuizou ADI contra o Decreto nº
4.887/2003.
Na ação, o autor alegou que o referido Decreto possuiria vícios de inconstitucionalidade formal e material.
Quanto ao aspecto formal, alegou que houve invasão da “esfera reservada à lei”, considerando que
disciplina direitos e deveres entre particulares e a administração pública, define os titulares da

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propriedade de terras onde se localizavam os quilombos, disciplina procedimentos de desapropriação e,


consequentemente, importa aumento de despesa. Em outras palavras, afirmou que foi editado um
decreto autônomo, ou seja, que foi muito além de apenas regulamentar a lei.
Apontou também supostas inconstitucionalidades materiais:
• no art. 2º, § 1º: o Decreto seria inconstitucional pelo fato de ter escolhido o critério da autoatribuição
para a identificação dos remanescentes quilombolas;
• nos §§ 2º e 3º do art. 2º: pelo fato de o Decreto ter, supostamente, ampliado demais aquilo que deve
ser considerado como terras pertencentes aos quilombolas;
• no art. 13: o Decreto prevê que o INCRA deverá determinar a desapropriação de áreas que estejam em
domínio particular, para transferi-las às comunidades. O partido alegou que, por força do art. 68 do ADCT,
as terras já pertencem aos remanescentes das comunidades quilombolas que lá fixam residência desde 5
de outubro de 1988. Logo, não haveria necessidade de desapropriar considerando que os particulares não
seriam donos dessas terras.

O que o STF decidiu? O Decreto nº 4.887/2003 é inconstitucional?


NÃO. Vejamos abaixo os principais pontos discutidos.

Cabe ADI contra Decreto? O STF conheceu a ação proposta contra o Decreto nº 4.887/2003?
O STF afirmou que a ADI deveria ser conhecida, ou seja, que o seu mérito deveria ser apreciado. Isso
porque cabe ADI contra decreto desde que este tenha “coeficiente mínimo de normatividade,
generalidade e abstração”, ou seja, desde que esse decreto possa ser considerado um ato normativo
autônomo, que retire seu fundamento de validade diretamente da Constituição Federal.

Alegação de que houve invasão de esfera reservada a lei


O autor da ADI alegou que o Decreto nº 4.887/2003 não regulamentou nenhuma lei, tendo regulamentado
diretamente o art. 68 do ADCT. Desse modo, para o autor, o Presidente da República invadiu esfera
reservada ao Poder Legislativo considerando que o tema deveria ter sido tratado por meio de lei.
O STF não acolheu este argumento.
O art. 68 do ADCT é uma norma de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral. Isso significa
que o art. 68 do ADCT já era apto a produzir todos os seus efeitos desde o momento em que entrou em
vigor a CF/88, independentemente de qualquer norma integrativa infraconstitucional. Em outras palavras,
ele nunca precisou de lei ou decreto para produzir seus efeitos.
Diante disso, o Decreto nº 4.887/2003 teve por objetivo tão somente regular o comportamento do Estado
na implementação do comando constitucional previsto no art. 68 do ADCT, razão pela qual não houve
invasão de esfera reservada à lei. Houve o mero exercício do poder regulamentar da Administração, nos
limites estabelecidos pelo art. 84, VI, da Constituição.
O art. 68 do ADCT é autoaplicável, mas o Decreto confere efetividade máxima à norma constitucional.
Veja que interessante: para a maioria dos Ministros, é possível que um decreto regulamente, de forma
direta, ou seja, sem necessidade de intermediação de lei, um dispositivo da Constituição Federal
(especialmente em caso de normas que veiculem direitos fundamentais).

Análise do art. 2º, caput e § 1º do Decreto (critério de identificação)


O art. 2º, caput e § 1º do Decreto nº 4.887/2003 prevê como deve ser o critério utilizado pelo Poder
Público para a identificação dos quilombolas. O critério escolhido pelo Decreto foi o da autoatribuição, ou
seja, as próprias pessoas se autodefinem como sendo quilombolas. Veja:
Art. 2º Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste
Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica
própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra
relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

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§ 1º Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos
quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade.

O autor questionava esse critério da autoatribuição afirmando que, com isso, haveria o reconhecimento
do direito para pessoas que não mereceriam por não se enquadrarem no art. 68 do ADCT.
O STF entendeu que a escolha do critério da autoatribuição não foi arbitrária, não sendo contrária à
Constituição.
A autoatribuição é um método autorizado e prestigiado pela antropologia contemporânea e tem por
objetivo interromper um “processo de negação sistemática da própria identidade aos grupos
marginalizados”. Em outras palavras, ao se adotar este critério, estimula-se que as pessoas integrantes de
tais grupos, antes marginalizados, tenham orgulho de assumirem-se.
Trata-se de uma forma de revalorização das identidades antes desrespeitadas.
Vale ressaltar que o Estado brasileiro incorporou, ao seu direito interno, a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, de 27.6.1989, aprovada pelo Decreto
Legislativo 143/2002 e ratificada pelo Decreto 5.051/2004. Esta Convenção consagrou a “consciência da
própria identidade” como critério para determinar os grupos tradicionais (indígenas ou tribais). Esta
Convenção determinou que nenhum Estado tem o direito de negar a identidade de um povo indígena ou
tribal que se reconheça como tal.
Para os efeitos do Decreto nº 4.887/2003, a autodefinição da comunidade como quilombola é atestada
por certidão emitida pela Fundação Cultural Palmares, nos termos do art. 2º, III, da Lei nº 7.668/88.
Importante esclarecer que, para os fins do art. 68 do ADCT, não basta que uma comunidade se qualifique
como remanescente de quilombo (elemento subjetivo da autoidentificação). É necessário também o
preenchimento de um elemento objetivo: “que a reprodução da unidade social, que se afirma originada
de um quilombo, estivesse atrelada a uma ocupação continuada do espaço.”

Análise do art. 2º, §§ 2º e 3º, do Decreto (terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas)
Confira o que dizem os §§ 2º e 3º do art. 2º do Decreto:
Art. 2º (...)
§ 2º São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a
garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.
§ 3º Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de
territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo facultado
à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental.

O autor da ADI afirmava que esses dispositivos seriam inconstitucionais considerando que na
identificação, medição e demarcação das terras dos quilombolas deveriam ser utilizados critérios
histórico-antropológicos (e não critérios indicados pelos próprios interessados).
O STF explicou que o Decreto nº 4.887/2003 não prevê a apropriação individual das terras pelos
integrantes da comunidade, mas sim a formalização de uma “propriedade coletiva das terras”, atribuída
à unidade sociocultural. Em outras palavras, os títulos não são emitidos em favor das pessoas físicas
individualmente consideradas. São emitidos em favor da comunidade quilombola, sendo este pró-indiviso
e em nome das associações que legalmente representam as comunidades quilombolas.
Assim, quando o Decreto afirma que deverão ser levados em consideração, na medição e na marcação da
terra, os critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades quilombolas, isso
não significa que o procedimento demarcatório ficará ao arbítrio exclusivo dos próprios interessados. Não
é isso. O que o Decreto está garantindo é que as comunidades envolvidas tenham voz e sejam ouvidas.

Informativo 890-STF (20/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10


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Análise do art. 13 do Decreto (desapropriação)


O art. 13 do Decreto prevê o seguinte:
Art. 13. Incidindo nos territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos quilombos
título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado
ineficaz por outros fundamentos, será realizada vistoria e avaliação do imóvel, objetivando a
adoção dos atos necessários à sua desapropriação, quando couber.
(...)
§ 2º O INCRA regulamentará as hipóteses suscetíveis de desapropriação, com obrigatória
disposição de prévio estudo sobre a autenticidade e legitimidade do título de propriedade,
mediante levantamento da cadeia dominial do imóvel até a sua origem.

A insurgência do autor quanto a este dispositivo foi a seguinte: o art. 68 do ADCT já prevê que as terras
ocupadas pelas comunidades quilombolas pertencem a estes grupos. Logo, se uma pessoa que não é
quilombola possui um título de propriedade referente a esta área, esse título não é válido. Assim, não
haveria necessidade de desapropriar o imóvel considerando que o particular não seria o real dono dessas
terras.
O STF, mais uma vez, não concordou com o autor.
De fato, o próprio art. 68 do ADCT confere o título de propriedade. Assim, constatada a situação de fato –
ocupação tradicional das terras por remanescentes dos quilombos –, a própria Constituição confere-lhes
o título de propriedade.
Ocorre que em nenhum momento a Constituição afirma que são nulos ou extintos os títulos
eventualmente incidentes sobre as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos,
diferentemente do que acontece no caso das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, cujo art. 231,
§ 6º preconiza:
Art. 231 (...)
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a
ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas
naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da
União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a
indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da
ocupação de boa fé.

Assim, o art. 68 do ADCT, apesar de reconhecer um direito aos quilombolas, não invalida os títulos de
propriedade eventualmente existentes, de modo que, para que haja a regularização do registro em favor
das comunidades quilombolas, exige-se a realização do procedimento de desapropriação.

Terras tradicionalmente ocupadas pelos índios x terras dos quilombolas


A Constituição Federal prevê que as terras tradicionalmente ocupadas por índios pertencem à União (art.
20, XI), mas os índios possuem o direito à posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das
riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes (art. 231, § 2º).
Segundo o § 1º do art. 231 da CF/88 são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios:
• as que eles habitam em caráter permanente;
• as utilizadas para suas atividades produtivas;
• as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar;
• e as necessárias a sua reprodução física e cultural (segundo seus usos, costumes e tradições).
Vale ressaltar que se a terra já foi habitada pelos índios, porém quando foi editada a CF/88 o aldeamento
já estava extinto, ela não será considerada terra indígena. Confira:

Informativo 890-STF (20/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11


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Súmula 650-STF: Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos
extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto.

Apesar da divergência de alguns Ministros, segundo o critério que prevalece até hoje no STF, somente são
consideradas “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” aquelas que eles habitavam na data da
promulgação da CF/88 (marco temporal) e, complementarmente, se houver a efetiva relação dos índios
com a terra (marco da tradicionalidade da ocupação).
Assim, em regra, se em 05/10/1988 a área em questão não era ocupada por índios, isso significa que ela
não se revestirá da natureza indígena de que trata o art. 231 da CF/88. Exceção: renitente esbulho.

Esse mesmo critério temporal é adotado no caso das terras dos quilombolas?
NÃO. Durante os debates da ADI 3239/DF, os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes tentaram fazer com
que o STF desse interpretação conforme à Constituição ao § 2º do art. 2º do Decreto nº 4.887/2003 para
definir que “somente deveriam ser titularizadas as áreas que estavam ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos — inclusive as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social,
econômica e cultural —, na data da promulgação da Constituição (5.10.1988), salvo comprovação, por
todos os meios de prova juridicamente admitidos, da suspensão ou perda da posse nesta data em
decorrência de atos ilícitos praticados por terceiros”.
A maioria dos Ministros, contudo, não concordou com essa tese.
O Min. Edson Fachin registrou, no que foi acompanhado pelo Min. Celso de Mello, que, dentro de uma
hermenêutica constitucionalmente adequada à interpretação e à aplicação de um direito fundamental
que surge pela primeira vez na CF/1988, não se poderia depreender, da redação do art. 68 do ADCT, a
restrição do direito à titulação de propriedade apenas àqueles remanescentes de comunidades
quilombolas que estivessem na posse da área na data da promulgação do texto constitucional. Assim, não
haveria fundamento constitucional para a incidência da teoria do marco temporal na hipótese.
Nessa mesma linha de entendimento, o Min. Roberto Barroso assentou que o art. 68 do ADCT deveria ser
aplicado às comunidades que ocupavam suas áreas quando da promulgação da Constituição, bem como
àquelas que foram delas desapossadas à força e cujo comportamento, à luz da sua cultura, indica intenção
de retomar a permanência do vínculo cultural e tradicional com o território, dispensada a comprovação
de conflito possessório atual de fato.
Diante disso, a Ministra Relatora Rosa Weber decidiu suprimir de seu voto qualquer referência à ideia de
marco temporal.
Muita atenção porque esse ponto será explorado nas provas!

Resumindo:
O art. 68 do ADCT estabelece que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos
respectivos.”
Em 2003, foi editado o Decreto nº 4.887, com o objetivo de regulamentar o procedimento para
identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades dos quilombos.
O STF entendeu que este Decreto não invadiu esfera reservada à lei. O objetivo do Decreto foi tão
somente o de regular o comportamento do Estado na implementação do comando constitucional
previsto no art. 68 do ADCT. Houve o mero exercício do poder regulamentar da Administração, nos
limites estabelecidos pelo art. 84, VI, da Constituição.
O art. 2º, caput e § 1º do Decreto nº 4.887/2003 prevê como deve ser o critério utilizado pelo Poder
Público para a identificação dos quilombolas. O critério escolhido foi o da autoatribuição
(autodefinição). O STF entendeu que a escolha desse critério não foi arbitrária, não sendo contrária à
Constituição.

Informativo 890-STF (20/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12


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O art. 2º, §§ 2º e 3º, do Decreto preconiza que, na identificação, medição e demarcação das terras dos
quilombolas devem ser levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos
remanescentes das comunidades dos quilombos. O STF afirmou que essa previsão é constitucional. Isso
porque o que o Decreto está garantindo é apenas que as comunidades envolvidas sejam ouvidas, não
significando que a demarcação será feita exclusivamente com base nos critérios indicados pelos
quilombolas.
O art. 13 do Decreto, por sua vez, estabelece que o INCRA poderá realizar a desapropriação de
determinadas áreas caso os territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos quilombos
estejam situados em locais pertencentes a particulares. O STF reputou válida essa previsão, tendo em vista
que em nenhum momento a Constituição afirma que são nulos ou extintos os títulos eventualmente
incidentes sobre as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Assim, o art. 68
do ADCT, apesar de reconhecer um direito aos quilombolas, não invalida os títulos de propriedade
eventualmente existentes, de modo que, para que haja a regularização do registro em favor das
comunidades quilombolas, exige-se a realização do procedimento de desapropriação.
Por fim, o STF não acolheu a tese de que somente poderiam ser consideradas terras de quilombolas
aquelas que estivessem sendo ocupadas por essas comunidades na data da promulgação da CF/88
(05/10/1988). Em outras palavras, mesmo que na data da promulgação da CF/88 a terra não mais
estivesse sendo ocupada pelas comunidades quilombolas, é possível, em tese, que seja garantido o
direito previsto no art. 68 do ADCT.
STF. Plenário. ADI 3239/DF, rel. orig. Min. Cezar Peluso, red.p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgado em 8/2/2018
(Info 890).

DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANO DE SAÚDE
A Lei 9.656/98 é constitucional, mas não pode ser aplicada
para contratos celebrados antes da sua vigência

A Lei nº 9.656/98, que disciplina os planos e seguros privados de assistência à saúde, é


constitucional.
Este diploma, contudo, não pode ser aplicado para contratos celebrados antes de sua vigência.
Assim, são inconstitucionais os dispositivos da Lei nº 9.656/98 que determinavam a sua
aplicação para contratos celebrados antes da sua edição.
STF. Plenário. ADI 1931/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/2/2018 (Info 890).

Lei nº 9.656/98
A Lei nº 9.656/98 dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. É conhecida como a
“Lei dos Planos de Saúde”.
A Confederação Nacional de Saúde ajuizou ADI contra diversos dispositivos dessa Lei e também contra a
MP 2.177/44/2001, que alterou esse diploma.
Em 2003, o STF concedeu, em parte, a liminar, para declarar inconstitucionais alguns poucos dispositivos
da Lei e da MP e para afirmar que os contratos celebrados antes da edição da Lei nº 9.656/98 não podem
ser por ela atingidos.
Agora, em 2018, o STF julgou definitivamente a ação e confirmou a medida liminar que já havia sido
deferida em 2003.

Informativo 890-STF (20/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13


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Quais dispositivos foram declarados inconstitucionais?


• o art. 10, § 2º e o art. 35-E da Lei nº 9.656/98;
• o artigo 2º da MP 2.177-44/2001.

Esses dispositivos previam que a Lei nº 9.656/98 deveria incidir mesmo se o contrato tivesse sido
celebrado antes da sua vigência. Vejamos a sua redação:
Art. 10 (...)
§ 2º As pessoas jurídicas que comercializam produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta
Lei oferecerão, obrigatoriamente, a partir de 3 de dezembro de 1999, o plano-referência de que trata
este artigo a todos os seus atuais e futuros consumidores. (Redação dada pela MP 2.177-44/2001)

Art. 35-E. A partir de 5 de junho de 1998, fica estabelecido para os contratos celebrados
anteriormente à data de vigência desta Lei que: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44/2001)
I - qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores com mais de sessenta anos
de idade estará sujeita à autorização prévia da ANS;
II - a alegação de doença ou lesão preexistente estará sujeita à prévia regulamentação da matéria
pela ANS;
III - é vedada a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato individual ou familiar de produtos
de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei por parte da operadora, salvo o disposto no
inciso II do parágrafo único do art. 13 desta Lei;
IV - é vedada a interrupção de internação hospitalar em leito clínico, cirúrgico ou em centro de
terapia intensiva ou similar, salvo a critério do médico assistente.

Art. 2º Os arts. 3º, 5º, 25, 27, 35-A, 35-B, 35-D e 35-E da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998,
entram em vigor em 5 de junho de 1998, resguardada às pessoas jurídicas de que trata o art. 1º a
data limite de 31 de dezembro de 1998 para adaptação ao que dispõem os arts. 14, 17, 30 e 31.

Por que esses dispositivos foram declarados inconstitucionais?


Porque previram a incidência das novas regras dos planos de saúde fixadas pela Lei nº 9.656/98 aos
contratos celebrados anteriormente à vigência deste diploma normativo. Isso representa afronta ao art.
5º, XXXVI, da CF/88:
Art. 5º (...)
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Nas palavras do Ministro Marco Aurélio, a vida democrática pressupõe segurança jurídica e não há
segurança jurídica se uma lei nova desrespeita o ato jurídico perfeito e acabado, como é o caso de um
contrato já assinado.
Não se pode aplicar uma lei nova para relações contratuais já consolidadas, considerando que essas regras
não existiam no momento da manifestação da vontade das partes.

E os demais dispositivos da Lei nº 9.656/98?


O STF entende que são todos constitucionais.
Assim, o que você deve guardar é o seguinte:
A Lei nº 9.656/98, que disciplina os planos e seguros privados de assistência à saúde, é constitucional.
Este diploma, contudo, não pode ser aplicado para contratos celebrados antes de sua vigência.
Os contratos celebrados antes da edição da Lei nº 9.656/98 não podem ser por ela atingidos.
STF. Plenário. ADI 1931/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/2/2018 (Info 890).

Informativo 890-STF (20/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14


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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR


Os Estados-membros/DF e Municípios podem fixar valor referencial inferior ao
do art. 87 do ADCT (RPV), desde que respeitado o princípio da proporcionalidade

Importante!!!
Os Estados-membros podem editar leis reduzindo a quantia considerada como de pequeno
valor, para fins de RPV, prevista no art. 87 do ADCT da CF/88.
É lícito aos entes federados fixar o valor máximo para essa especial modalidade de pagamento,
desde que se obedeça ao princípio constitucional da proporcionalidade.
Ex: Rondônia editou lei estadual prevendo que, naquele Estado, as obrigações consideradas
como de pequeno valor para fins de RPV seriam aquelas de até 10 salários-mínimos. Assim, a
referida Lei reduziu de 40 para 10 salários-mínimos o crédito decorrente de sentença judicial
transitada em julgado a ser pago por meio de RPV. O STF entendeu que essa redução foi
constitucional.
STF. Plenário. ADI 4332/RO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/2/2018 (Info 890).

Regime de precatórios
Se a Fazenda Pública Federal, Estadual, Distrital ou Municipal for condenada, por sentença judicial
transitada em julgado, a pagar determinada quantia a alguém, este pagamento será feito sob um regime
especial chamado de “precatório” (art. 100 da CF/88).
No caput do art. 100 da CF/88 consta a regra geral dos precatórios, ou seja, os pagamentos devidos pela
Fazenda Pública em decorrência de condenação judicial devem ser realizados na ordem cronológica de
apresentação dos precatórios. Existe, então, uma espécie de “fila” para pagamento dos precatórios:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e
Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de
apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos
ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
(Redação dada pela EC 62/09)

Exceção ao regime de precatórios


O § 3º do art. 100 da CF/88 prevê uma exceção ao regime de precatórios. Este parágrafo estabelece que,
se a condenação imposta à Fazenda Pública for de “pequeno valor”, o pagamento será realizado sem a
necessidade de expedição de precatório:
§ 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos
pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas
devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

Quanto é “pequeno valor” para os fins do § 3º do art. 100?


Este quantum poderá ser estabelecido por cada ente federado (União, Estado, DF, Município) por meio de
leis específicas, conforme prevê o § 4º do art. 100:

Informativo 890-STF (20/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15


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§ 4º Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às
entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo
igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social.

União
Para as condenações envolvendo a União, pequeno valor equivale a 60 salários mínimos (art. 17, § 1º, da
Lei nº 10.259/2001).
Em 2018, levando-se em consideração o salário-mínimo de R$ 954,00, isso significa que, nas dívidas em
que a União for condenada até R$ 57.240,00 (60 x 954), a parte beneficiária não precisará ter que entrar
na fila dos precatórios, recebendo a quantia por meio de requisição de pequeno valor (RPV), um
procedimento muito mais simples e célere.

E se o ente federado não editar a lei prevendo o quantum do “pequeno valor”?


Nesse caso, segundo o art. 87 do ADCT da CF/88, para os entes que não editarem suas leis, serão adotados,
como “pequeno valor” os seguintes montantes:
I — 40 salários mínimos para Estados e para o Distrito Federal;
II — 30 salários mínimos para Municípios.

RPV
Nas hipóteses de “pequeno valor”, o pagamento é feito por meio de requisição de pequeno valor (RPV),
que se trata de uma ordem expedida pela autoridade judicial à autoridade da Fazenda Pública responsável
para pagamento da quantia devida.

Imagine agora a seguinte situação concreta:


Rondônia editou lei estadual (Lei nº 1.788/2007) prevendo que, naquele Estado, as obrigações
consideradas como de pequeno valor seriam aquelas de até 10 salários-mínimos. Em outras palavras, a lei
afirmou que “pequeno valor”, para fins de RPV no Estado de Rondônia, seria até 10 salários-mínimos.
Veja o caput do art. 1º da Lei estadual nº 1.788/2007:
Art. 1º Para fins previstos no artigo 100, § 3º da Constituição Federal e artigo 87 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, será considerado de pequeno valor, no âmbito do Estado
de Rondônia, o crédito decorrente de sentença judicial transitada em julgado, cujo montante,
devidamente atualizado, não exceda o valor correspondente a 10 (dez) salários mínimos ao tempo
em que for requisitado judicialmente.

Essa lei foi “boa” ou “ruim” para os credores (exequentes) do Estado?


“Ruim”. A Lei Estadual 1.788/2007 reduziu de 40 para 10 salários-mínimos o crédito decorrente de
sentença judicial transitada em julgado a ser pago por meio de RPV.
Se não houvesse a Lei nº 1.788/2007, a quantia considerada “pequeno valor” seria 40 salários-mínimos,
conforme previsto no art. 87 do ADCT da CF/88.
Antes da Lei, se a pessoa tivesse um crédito em relação ao Estado de Rondônia de até 40 salários-mínimos,
não precisaria receber por meio de precatório. Com a Lei, esse limite caiu para 10 salários-mínimos. Isso
significa que ficou mais “difícil” (restrito) receber por RPV. Em outras palavras, mais pessoas passaram a
ter que se submeter ao regime de precatórios (que é horrível).

Essa previsão da Lei estadual nº 1.788/2007 é válida?


SIM.
Os Estados-membros podem editar leis reduzindo a quantia considerada como de pequeno valor, para
fins de RPV, prevista no art. 87 do ADCT da CF/88.
STF. Plenário. ADI 4332/RO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/2/2018 (Info 890).

Informativo 890-STF (20/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16


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A norma do art. 87 do ADCT tem caráter transitório e ela própria afirma que somente tem eficácia
enquanto o Estado-membro não editar sua lei regulamentando o tema:
Art. 87. Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê
a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o
disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em
precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a:
I - quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal;
II - trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.

Desse modo, o legislador estadual tem sim liberdade para fixar valor inferior aos 40 salários-mínimos para
o pagamento por meio de RPV, de acordo com a sua realidade orçamentária regional.

E o Estado pode fixar qualquer valor? Ex: o Estado de São Paulo pode fixar 5 salários-mínimos como
sendo pequeno valor para fins de RPV? Isso seria possível?
NÃO. Os Estados/DF e Municípios, ao editarem as suas leis definindo o que seja “pequeno valor”, deverão
ter como critério a sua capacidade econômica, respeitado o princípio da proporcionalidade.
A fixação de 5 salários-mínimos como sendo pequeno valor para um Estado rico como São Paulo seria uma
ofensa ao princípio da proporcionalidade.
No caso concreto, entendeu-se que Rondônia atendeu o princípio da proporcionalidade ao reduzir esse
teto para 10 salários-mínimos considerando que é um dos Estados que menos arrecada na Federação,
com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,69.
Vale ressaltar que nenhum ente pode fixar como pequeno valor quantia inferior ao valor do maior
benefício do regime geral da previdência social (“teto do INSS”):
Art. 100 (...)
§ 4º Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às
entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo
igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social.

Em 2018, o “teto do INSS” foi fixado em R$ 5.645,80.

Uma última pergunta: os Estados/DF e Municípios podem editar leis fixando quantias superiores aos
limites do art. 87 do ADCT? Ex: São Paulo pode editar uma lei dizendo que “pequeno valor” naquele
Estado, para fins de RPV, corresponde a 60 salários-mínimos?
SIM. Os Estados/DF e Municípios podem fixar limites inferiores ou superiores àqueles que estão previstos
no art. 87 do ADCT. Na prática, contudo, será muito difícil que um Estado amplie o limite do art. 87 porque,
em tese, ele prejudica suas finanças considerando que terá mais débitos a serem pagos por RPV.

Informativo 890-STF (20/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17


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DIREITO PENAL

PRESCRIÇÃO
Interpretação do art. 112 do CP

Importante!!!
Tema polêmico!
Se o Ministério Público não recorreu contra a sentença condenatória, tendo havido apenas
recurso da defesa, qual deverá ser o termo inicial da prescrição da pretensão executiva? O
início do prazo da prescrição executória deve ser o momento em que ocorre o trânsito em
julgado para o MP? Ou o início do prazo deverá ser o instante em que se dá o trânsito em
julgado para ambas as partes, ou seja, tanto para a acusação como para a defesa?
• Posicionamento pacífico do STJ: o termo inicial da prescrição da pretensão executória é a
data do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação, ainda que a defesa
tenha recorrido e que se esteja aguardando o julgamento desse recurso. Aplica-se a
interpretação literal do art. 112, I, do CP, considerando que ela é mais benéfica ao condenado.
• Entendimento da 1ª Turma do STF: o início da contagem do prazo de prescrição somente se
dá quando a pretensão executória pode ser exercida. Se o Estado não pode executar a pena,
não se pode dizer que o prazo prescricional já está correndo. Assim, mesmo que tenha havido
trânsito em julgado para a acusação, se o Estado ainda não pode executar a pena (ex: está
pendente uma apelação da defesa), não teve ainda início a contagem do prazo para a
prescrição executória. É preciso fazer uma interpretação sistemática do art. 112, I, do CP. Vale
ressaltar que, com o novo entendimento do STF admitindo a execução provisória da pena, para
essa segunda corrente (Min. Roberto Barroso) o termo inicial da prescrição executória será a
data do julgamento do processo em 2ª instância. Isso porque se estiver pendente apenas
recurso especial ou extraordinário, será possível a execução provisória da pena. Logo, já
poderia ser iniciada a contagem do prazo prescricional.
STF. 1ª Turma. RE 696533/SC, Rel. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em
6/2/2018 (Info 890).

Conceito de prescrição
Prescrição é a perda do direito do Estado de punir (pretensão punitiva) ou de executar uma punição já
imposta (pretensão executória) em razão de não ter agido (inércia) nos prazos previstos em lei.

Espécies
Existem duas espécies de prescrição:
I – Prescrição da pretensão punitiva, que pode ser:
I.a) prescrição da pretensão punitiva propriamente dita;
I.b) prescrição superveniente ou intercorrente;
I.c) prescrição retroativa;

II – Prescrição da pretensão executória.

Prescrição da pretensão executória (prescrição da condenação)


Ocorre quando o Estado perde o seu poder-dever de executar uma sanção penal já definitivamente
imposta pelo Poder Judiciário em razão de não ter agido nos prazos previstos em lei.

Informativo 890-STF (20/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18


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Cálculo da prescrição executória no caso de pena privativa de liberdade


A prescrição da pretensão executória da pena privativa de liberdade é calculada com base na pena concreta,
fixada na sentença ou no acórdão que já transitou em julgado e, portanto, não pode mais ser alterada.

Termo inicial
Como vimos, o Estado tem um prazo máximo para fazer com que o réu condenado inicie o cumprimento
da pena. Caso não o faça, ocorre a prescrição executória.
A pergunta é: a partir de que dia começa a correr esse prazo que o Estado tem para fazer com que o
condenado inicie o cumprimento da pena? Dito de outra forma: qual é o termo inicial do prazo da
prescrição da pretensão executória?
A resposta encontra-se no art. 112, I do CP:
Termo inicial da prescrição após a sentença condenatória irrecorrível
Art. 112. No caso do art. 110 deste Código [que trata da prescrição executória], a prescrição
começa a correr:
I - do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga
a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional;

Desse modo, segundo o art. 112, I do CP, o termo inicial da prescrição executória é a data do trânsito em
julgado da sentença condenatória para a acusação.

E se o MP não recorre, mas a defesa apresenta recurso?


Nesse caso, a sentença condenatória transitou em julgado para a acusação. Logo, segundo a redação do
art. 112, I do CP, inicia-se a contagem do prazo de prescrição executória mesmo ainda estando pendente
a apreciação do recurso interposto pela defesa.

Veja o seguinte exemplo hipotético


João foi condenado a 4 anos de reclusão pelo Tribunal de Justiça.
O Ministério Público concorda com o acórdão e não recorre, razão pela qual ocorre trânsito em julgado
para a acusação no dia 18/02/2010.
O advogado do réu apresenta recurso extraordinário, de forma que, para a defesa, não houve trânsito em
julgado.

Qual é o prazo de prescrição executória quando o réu é condenado a 4 anos?


A prescrição ocorre em 8 anos (art. 109, IV, do CP). Em outras palavras, se o réu for condenado a 4 anos,
o Estado tem o poder-dever de fazer com que esse condenado inicie o cumprimento da pena em até 8
anos. Se passar desse prazo, o Estado perde o poder de executar a sanção e o condenado não mais terá
que cumprir a pena imposta.

Em nosso exemplo, quando se iniciou a contagem do prazo de prescrição executória (levando-se em


consideração a regra do art. 112, I do CP)?
No dia 18/02/2010, data em que a sentença transitou em julgado para a acusação. Isso significa que o
Estado tinha um prazo de 8 anos para fazer com que o réu iniciasse o cumprimento da pena.
Se o réu não começou a cumprir a pena até 18/02/2018, aconteceu a prescrição.
Essa é a regra que está presente no art. 112, I do CP.

Crítica à regra do art. 112, I do CP


A CF/88 prevê que ninguém poderá ser considerado culpado até que haja o trânsito em jugado da sentença
penal condenatória (art. 5º, LVII). Por força desse princípio, durante os anos de 2009 até 2016 prevaleceu no
STF o entendimento de que não existia no Brasil a execução provisória (antecipada) da pena.

Informativo 890-STF (20/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19


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Assim, de 2009 até 2016 o STF entendia que, enquanto não tivesse havido trânsito em julgado para a
acusação e para a defesa, o réu não poderia ser obrigado a iniciar o cumprimento da pena.
Se ainda estava pendente de julgamento qualquer recurso da defesa, o condenado não podia iniciar o
cumprimento da pena porque ainda era presumivelmente inocente.
Isso perdurou, como já dito, de 2009 (STF. Plenário. HC 84078, julgado em 05/02/2009) até 2016, quando
o STF mudou sua jurisprudência no HC 126292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/2/2016.

Desse modo, perceba a seguinte situação estranha que o art. 112, I, ocasionava (entre 2009 a 2016):
• se o réu fosse condenado, a defesa recorresse e o MP não, esse condenado não podia iniciar o
cumprimento da pena enquanto estivesse pendente o recurso;
• apesar disso, pela redação literal do art. 112, I, do CP, já começava a correr o prazo da prescrição
executória.

Diante desse paradoxo que podia ser ocasionado pela regra do art. 112, I, do CP, alguns doutrinadores
e membros do Ministério Público idealizaram a seguinte tese:
O início do prazo da prescrição executória devia ser o momento em que ocorre o trânsito em julgado para
ambas as partes, ou seja, tanto para a acusação como para a defesa.
Não se pode dizer que o prazo prescricional começa com o trânsito em julgado apenas para a acusação,
uma vez que, se a defesa recorreu, o Estado não pode dar início à execução da pena, já que ainda não
haveria uma condenação definitiva.
Se há recurso da defesa, o Estado não inicia o cumprimento da pena não por desinteresse dele, mas sim
porque há uma vedação de ordem constitucional decorrente do princípio da presunção de inocência. Ora,
se não há desídia do Estado, não se pode falar em prescrição.
Desse modo, foi uma tese que surgiu para desconsiderar a interpretação literal do art. 112, I, do CP.

Essa tese que desconsidera a regra do art. 112, I, do CP foi aceita pela jurisprudência?
• STJ: NÃO. Para o STJ, conforme determina o art. 112, I do CP, o termo inicial da prescrição da pretensão
executória é a data do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação, ainda que a defesa
tenha recorrido e que se esteja aguardando o julgamento desse recurso. Nesse sentido: STJ. 6ª Turma.
AgRg no RHC 74.996/PB, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 12/09/2017.
O argumento de que se deveria aguardar o trânsito em julgado para ambas as partes não tem previsão
legal e contraria o texto do Código Penal.
Além disso, não se pode querer “corrigir” a redação do art. 112, I, do CP invocando-se o art. 5º, LVII da
CF/88, porque, nesse caso, se estaria utilizando um dispositivo da Constituição Federal para respaldar uma
“interpretação” totalmente desfavorável ao réu e contra expressa disposição legal.
Exigir o trânsito em julgado para ambas as partes como termo inicial da contagem do lapso da prescrição
da pretensão executória, ao contrário do texto expresso da lei, seria inaugurar novo marco interruptivo
da prescrição não previsto no rol taxativo do art. 117 do CP, situação que também afrontaria o princípio
da reserva legal.
Assim, somente com a devida alteração legislativa é que seria possível modificar o termo inicial da
prescrição da pretensão executória, e não por meio de "adequação hermenêutica".

• Precedente da 1ª Turma do STF: SIM.


A 1ª Turma do STF acolhe a tese acima explicada e entende que o art. 112, I, do CP deve ser interpretado
sistematicamente à luz da jurisprudência que prevaleceu no STF de 2009 a 2016, segundo a qual só era
possível a execução da decisão condenatória depois do trânsito em julgado.
Assim, se não era possível a execução provisória da pena, não era razoável considerar que o curso da
prescrição da pretensão punitiva já começou a correr pelo simples fato de a acusação não ter recorrido.
Ora, não é possível prescrever aquilo que não pode ser executado.

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Veja ementa nesse sentido:


(...) 2. A partir do julgamento pelo Plenário desta Corte do HC nº 84.078, deixou-se de se admitir a
execução provisória da pena, na pendência do RE.
3. O princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade, tal como interpretado pelo STF, deve
repercutir no marco inicial da contagem da prescrição da pretensão executória, originariamente regulado
pelo art. 112, I do Código Penal.
4. Como consequência das premissas estabelecidas, o início da contagem do prazo de prescrição somente
se dá quando a pretensão executória pode ser exercida. (...)
STF. 1ª Turma. HC 107710 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 09/06/2015.

Em suma:
Se o Ministério Público não recorreu contra a sentença condenatória, tendo havido apenas recurso da
defesa, qual deverá ser o termo inicial da prescrição da pretensão executiva? O início do prazo da
prescrição executória deve ser o momento em que ocorre o trânsito em julgado para o MP? Ou o início
do prazo deverá ser o instante em que se dá o trânsito em julgado para ambas as partes, ou seja, tanto
para a acusação como para a defesa?
• Posicionamento pacífico do STJ: o termo inicial da prescrição da pretensão executória é a data do trânsito
em julgado da sentença condenatória para a acusação, ainda que a defesa tenha recorrido e que se esteja
aguardando o julgamento desse recurso. Aplica-se a interpretação literal do art. 112, I, do CP,
considerando que ela é mais benéfica ao condenado.
• Entendimento da 1ª Turma do STF: o início da contagem do prazo de prescrição somente se dá quando
a pretensão executória pode ser exercida. Se o Estado não pode executar a pena, não se pode dizer que
o prazo prescricional já está correndo. Assim, mesmo que tenha havido trânsito em julgado para a
acusação, se o Estado ainda não pode executar a pena (ex: está pendente uma apelação da defesa), não
teve ainda início a contagem do prazo para a prescrição executória. É preciso fazer uma interpretação
sistemática do art. 112, I, do CP.
STF. 1ª Turma. RE 696533/SC, Rel. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 6/2/2018
(Info 890).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO


Haverá mudança de competência para julgar o recurso se, após a interposição,
houve a diplomação do réu como Deputado Federal

Se, após a interposição de recurso especial contra a condenação criminal, o réu foi diplomado
Deputado Federal, a competência para julgar este recurso passa a ser do STF.
STF. 1ª Turma. RE 696533/SC, Rel. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em
6/2/2018 (Info 890).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João, Prefeito, praticou um delito de competência da Justiça Estadual.
O Tribunal de Justiça condenou João.
A competência para julgar os crimes cometidos por Prefeitos é, em regra, do Tribunal de Justiça (art. 29,
X, da CF/88).
Suponhamos que o TJ tenha condenado João a uma pena de 6 anos de reclusão.

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Contra o acórdão do TJ, o réu interpôs, simultaneamente, recurso especial ao STJ e recurso extraordinário
ao STF.
Ocorre que, logo em seguida, João foi diplomado Deputado Federal.

O que fazer com o recurso especial?


O STJ deverá encaminhá-lo ao STF para ser julgado conjuntamente com o recurso extraordinário
considerando que a competência para julgar Deputados Federais é do Supremo Tribunal Federal, nos
termos do art. 102, I, da CF/88:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,
cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do
Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

Se, após a interposição de recurso especial contra a condenação criminal, o réu foi diplomado Deputado
Federal, a competência para julgar este recurso passa a ser do STF.
STF. 1ª Turma. RE 696533/SC, Rel. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 6/2/2018
(Info 890).

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
“Denúncia anônima”, quebra de sigilo e renovação das interceptações

“Denúncia anônima” e quebra de sigilo


Segundo a jurisprudência do STJ e do STF, não há ilegalidade em iniciar investigações
preliminares com base em "denúncia anônima" a fim de se verificar a plausibilidade das
alegações contidas no documento apócrifo.
A Polícia, com base em diligências preliminares para atestar a veracidade dessas “denúncias”
e também lastreada em informações recebidas pelo Ministério da Justiça e pela CGU, requereu
ao juízo a decretação da interceptação telefônica do investigado.
O STF entendeu que a decisão do magistrado foi correta considerando que a decretação da
interceptação telefônica não foi feita com base unicamente na "denúncia anônima" e sim após
a realização de diligências investigativas e também com base nas informações recebidas dos
órgãos públicos de fiscalização.

Renovação das interceptações


A Lei nº 9.296/96 prevê que a interceptação telefônica "não poderá exceder o prazo de quinze
dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova."
(art. 5º).
A interceptação telefônica não pode exceder 15 dias. Contudo, pode ser renovada por igual
período, não havendo restrição legal ao número de vezes para tal renovação, se comprovada
a sua necessidade.
STF. 2ª Turma. RHC 132115/PR, Rel. Min. Dias Tóffoli, julgado em 6/2/2018 (Info 890).

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O que é a chamada "denúncia anônima"?


Denúncia anônima ocorre quando alguém, sem se identificar, relata para as autoridades (ex: Delegado de
Polícia, MP etc.) que determinada pessoa praticou um crime. É o caso, por exemplo, dos serviços
conhecidos como "disk-denúncia" ou, então, dos aplicativos de celular por meio dos quais se "denuncia"
a ocorrência de delitos.
O termo "denúncia anônima" não é tecnicamente correto porque em processo penal denúncia é o nome
dado para a peça inaugural da ação penal proposta pelo Ministério Público. Assim, a doutrina prefere falar
em "delação apócrifa", "notícia anônima" ou "notitia criminis inqualificada".

É possível decretar medida de busca e apreensão com base unicamente em “denúncia anônima”?
NÃO. A medida de busca e apreensão representa uma restrição ao direito à intimidade. Logo, para ser
decretada, é necessário que haja indícios mais robustos que uma simples notícia anônima.

É possível decretar interceptação telefônica com base unicamente em “denúncia anônima”?


NÃO. A Lei nº 9.296/96 (Lei de Interceptação Telefônica) estabelece:
Art. 2º Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer
das seguintes hipóteses:
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

Desse modo, a doutrina defende que a interceptação telefônica deverá ser considerada a ultima ratio, ou
seja, trata-se de prova subsidiária.

Tendo como fundamento esse dispositivo legal, a jurisprudência pacífica do STF e do STJ entende que é
ilegal que a interceptação telefônica seja determinada apenas com base em “denúncia anônima”. Veja:
(...) 4. A jurisprudência desta Corte tem prestigiado a utilização de notícia anônima como elemento
desencadeador de procedimentos preliminares de averiguação, repelindo-a, contudo, como fundamento
propulsor à imediata instauração de inquérito policial ou à autorização de medida de interceptação telefônica.
5. Com efeito, uma forma de ponderar e tornar harmônicos valores constitucionais de tamanha
envergadura, a saber, a proteção contra o anonimato e a supremacia do interesse e segurança pública, é
admitir a denúncia anônima em tema de persecução penal, desde que com reservas, ou seja, tomadas
medidas efetivas e prévias pelos órgãos de investigação no sentido de se colherem elementos e
informações que confirmem a plausibilidade das acusações.
6. Na versão dos autos, algumas pessoas - não se sabe quantas ou quais - compareceram perante
investigadores de uma Delegacia de Polícia e, pedindo para que seus nomes não fossem identificados,
passaram a narrar o suposto envolvimento de alguém em crime de lavagem de dinheiro. Sem indicarem,
sequer, o nome do delatado, os noticiantes limitaram-se a apontar o número de um celular.
7. A partir daí, sem qualquer outra diligência, autorizou-se a interceptação da linha telefônica.
8. Desse modo, a medida restritiva do direito fundamental à inviolabilidade das comunicações telefônicas
encontra-se maculada de nulidade absoluta desde a sua origem, visto que partiu unicamente de notícia
anônima.
9. A Lei nº 9.296/96, em consonância com a Constituição Federal, é precisa ao admitir a interceptação
telefônica, por decisão judicial, nas hipóteses em que houver indícios razoáveis de autoria criminosa.
Singela delação não pode gerar, só por si, a quebra do sigilo das comunicações. Adoção da medida mais
gravosa sem suficiente juízo de necessidade. (...)
STJ. 6ª Turma. HC 204.778/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 04/10/2012.

Logo, se a autoridade policial ou o Ministério Público recebe uma “denúncia anônima” (“delação apócrifa”)
contra determinada pessoa, não é possível que seja requerida, de imediato, a interceptação telefônica do

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suspeito. Isso seria uma grave interferência na esfera privada da pessoa, sem que houvesse justificativa
idônea para isso.

É possível a propositura de ação penal com base unicamente em “denúncia anônima”?


NÃO. A propositura de ação penal exige indícios de autoria e prova de materialidade. Logo, não é possível
oferecimento de denúncia com base apenas em "denúncia anônima".

É possível instaurar investigação criminal (inquérito policial, investigação pelo MP etc.) com base em
“denúncia anônima”?
SIM, mas a jurisprudência afirma que, antes, a autoridade deverá realizar uma investigação prévia para
confirmar se a "denúncia anônima" possui um mínimo de plausibilidade. Veja o que diz Renato Brasileiro:
"Diante de uma denúncia anônima, deve a autoridade policial, antes de instaurar o inquérito policial, verificar
a procedência e veracidade das informações por ela veiculadas. Recomenda-se, pois, que a autoridade policial,
antes de proceder à instauração formal do inquérito policial, realize uma investigação preliminar a fim de
constatar a plausibilidade da denúncia anônima. Afigura-se impossível a instauração de procedimento criminal
baseado única e exclusivamente em denúncia anônima, haja vista a vedação constitucional do anonimato e a
necessidade de haver parâmetros próprios à responsabilidade, nos campos cível e penal." (LIMA, Renato
Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 129).
Confira julgado recente que espelha este entendimento:
(...) As autoridades públicas não podem iniciar qualquer medida de persecução (penal ou disciplinar),
apoiando-se, unicamente, para tal fim, em peças apócrifas ou em escritos anônimos. É por essa razão que
o escrito anônimo não autoriza, desde que isoladamente considerado, a imediata instauração de
“persecutio criminis”.
– Nada impede que o Poder Público, provocado por delação anônima (“disque-denúncia”, p. ex.), adote
medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, “com prudência e
discrição”, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo
de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo,
a formal instauração da “persecutio criminis”, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse
procedimento estatal em relação às peças apócrifas.
– Diligências prévias, promovidas por agentes policiais, reveladoras da preocupação da Polícia Judiciária
em observar, com cautela e discrição, notadamente em matéria de produção probatória, as diretrizes
jurisprudenciais estabelecidas, em tema de delação anônima, pelo STF e pelo STJ. (...)
STF. 2ª Turma. RHC 117988, Relator p/ Acórdão Min. Celso de Mello, julgado em 16/12/2014.

Segundo o STF, não é possível desprezar a utilidade da "denúncia anônima". Isso porque em um mundo
no qual o crime torna-se cada vez mais complexo e organizado, é natural que a pessoa comum tenha
receio de se expor ao comunicar a ocorrência de delito. Daí a admissibilidade de notícias crimes anônimas.
Procedimento a ser adotado pela autoridade policial em caso de “denúncia anônima”:
1) Realizar investigações preliminares para confirmar a credibilidade da “denúncia”;
2) Sendo confirmado que a “denúncia anônima” possui credibilidade (aparência mínima de procedência),
instaura-se inquérito policial (IP) ou procedimento de investigação criminal conduzida pelo Ministério
Público (PIC);
3) Instaurado o IP ou o PIC, a autoridade policial ou o MP deverá buscar outros meios de prova que não a
interceptação telefônica (como visto, esta é a ultima ratio). Se houver indícios concretos contra os
investigados, mas a interceptação se revelar imprescindível para provar o crime, poderá ser requerida a
quebra do sigilo telefônico ao magistrado.

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Renovação da interceptação telefônica


A Lei nº 9.296/96, ao tratar sobre a decisão que decreta a interceptação telefônica, estabelece o seguinte:
Art. 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de
execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo
uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

É possível a prorrogação da interceptação por mais de uma vez?


SIM, é plenamente possível. A jurisprudência do STF e do STJ consolidou o entendimento segundo o qual
as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas, desde que devidamente fundamentadas pelo juízo
competente em relação à necessidade do prosseguimento das investigações, especialmente quando o
caso for complexo e a prova indispensável.
Entende-se que a redação deste art. 5º foi mal elaborada e que, quando fala em “renovável por igual
tempo” não está limitando a possibilidade de renovações sucessivas, mas tão somente dizendo que as
renovações não poderão exceder, cada uma delas, o prazo de 15 dias.
De igual modo, a expressão “uma vez”, presente no dispositivo legal, deve ser entendida como sinônima
de “desde que”, não significando que a renovação da interceptação somente ocorre “1 (uma) vez”.
Nesse sentido, confira recentes julgados:
RECURSO ORDINÁRIO EM “HABEAS CORPUS” – ALEGADA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DECISÓRIO
QUE DETERMINOU A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA – INOCORRÊNCIA – DECISÃO QUE SE VALEU DA TÉCNICA
DE MOTIVAÇÃO “PER RELATIONEM” – LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DESSA TÉCNICA DE
FUNDAMENTAÇÃO – SUCESSSIVAS PRORROGAÇÕES DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA – POSSIBILIDADE –
PERÍODO NÃO SUPERIOR A 15 (QUINZE) DIAS EM CADA RENOVAÇÃO – PRECEDENTES – PARECER DA
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELO NÃO PROVIMENTO DO RECURSO – RECURSO DE AGRAVO
IMPROVIDO.
STF. 2ª Turma. RHC 117825 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 08/03/2016.

O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que a interceptação telefônica não pode exceder
15 dias. Contudo, pode ser renovada por igual período, não havendo restrição legal ao número de vezes
para tal renovação, se comprovada a sua necessidade.
STJ. 5ª Turma. RHC 47.954/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 01/12/2016.

Não há mais dúvida de que o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996 não limita a prorrogação da interceptação
telefônica a um único período, podendo haver sucessivas renovações, e de que o prazo de 15 dias ali previsto
começa a correr da data em que a escuta é efetivamente iniciada, e não do despacho judicial.
STJ. 6ª Turma. RHC 72.706/MT, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 06/10/2016.

Resumindo:
Segundo a jurisprudência do STJ e do STF, não há ilegalidade em iniciar investigações preliminares com
base em "denúncia anônima" a fim de se verificar a plausibilidade das alegações contidas no documento
apócrifo.
No caso concreto, a Polícia, com base em diligências preliminares para atestar a veracidade dessas
“denúncias” e também lastreada em informações recebidas pelo Ministério da Justiça e pela CGU,
requereu ao juízo a decretação da interceptação telefônica do investigado.
O STF entendeu que a decisão do magistrado foi correta considerando que a decretação da
interceptação telefônica não foi feita com base unicamente na "denúncia anônima" e sim após a
realização de diligências investigativas e também com base nas informações recebidas dos órgãos
públicos de fiscalização.

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A Lei nº 9.296/96 prevê que a interceptação telefônica "não poderá exceder o prazo de quinze dias,
renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova." (art. 5º).
A interceptação telefônica não pode exceder 15 dias. Contudo, pode ser renovada por igual período,
não havendo restrição legal ao número de vezes para tal renovação, se comprovada a sua necessidade.
STF. 2ª Turma. RHC 132115/PR, Rel. Min. Dias Tóffoli, julgado em 6/2/2018 (Info 890).

DIREITO TRIBUTÁRIO
ITR
Progressividade das alíquotas do ITR

Importante!!!
É constitucional a progressividade das alíquotas do ITR previstas na Lei nº 9.393/96 e que leva
em consideração, de maneira conjugada, o grau de utilização (GU) e a área do imóvel.
Essa progressividade é compatível com o art. 153, § 4º, I, da CF/88, seja na sua redação atual,
seja na redação originária, ou seja, antes da EC 42/2003.
Mesmo no período anterior à EC 42/2003, era possível a instituição da progressividade em
relação às alíquotas do ITR.
STF. 1ª Turma. RE 1038357 AgR/ SP, Rel. Min Dias Tóffoli, julgado em 6/2/2018 (Info 890).

ITR
ITR é a sigla para Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural.
Trata-se de um imposto federal previsto no art. 153, VI, da CF/88, nos arts. 29 a 31 do CTN e na Lei nº
9.393/96. Veja o texto da CF/88:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
VI - propriedade territorial rural;

Características
• Imposto com finalidade extrafiscal.
• Imposto direto.
• Sujeito a lançamento por homologação.
• Deve respeitar os princípios da legalidade, da noventena e da anterioridade.

Fato gerador
Segundo a redação do art. 29 do CTN, o ITR tem como fato gerador:
- a propriedade
- o domínio útil ou
- a posse
- de um bem imóvel por natureza (como definido na lei civil)
- e que esteja localizado fora da zona urbana* do Município.

Como se define o que seja imóvel rural?


O conceito de imóvel rural é dado por exclusão. O CTN, em seu art. 32, §§ 1º e 2º, explica em que consiste
o imóvel urbano para fins de incidência do IPTU. Se o imóvel não se enquadrar em tais critérios, será
considerado rural.
* Assim, em regra, o ITR incide apenas sobre imóveis rurais. Se o imóvel for urbano, o imposto devido é o IPTU.

Informativo 890-STF (20/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26


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Por que se falou “em regra”? Existe alguma exceção? Existe hipótese em que o ITR incidirá sobre imóvel
localizado em zona urbana?
SIM. Segundo o STJ, incide o ITR (e não o IPTU) sobre imóveis comprovadamente utilizados para
exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, ainda que localizados em áreas
consideradas urbanas pela legislação municipal. Nesse sentido:
Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que
comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial.
STJ. 1ª Seção. REsp 1112646/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 26/08/2009.

O fundamento para essa decisão do STJ está no art. 15 do DL 57/66:


Art. 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (artigo do CTN que fala
sobre o fato gerador do IPTU), não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em
exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, incidindo assim, sobre o mesmo,
o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.

Se o imóvel rural está tomado pelo “Movimento Sem-Terra” (MST), o proprietário continua obrigado a
pagar ITR?
NÃO. Se o proprietário não detém o domínio ou a posse do imóvel pelo fato de este ter sido invadido pelos
“Sem-Terra”, não há fato gerador do ITR (STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp 1346328/PR, Rel. Min. Napoleão
Nunes Maia Filho, julgado em 15/12/2016).

Sujeito passivo
O contribuinte do ITR é...
- o proprietário do imóvel
- o titular de seu domínio útil ou
- o seu possuidor a qualquer título.

O domicílio tributário do contribuinte do ITR é o município de localização do imóvel, vedada a eleição de


qualquer outro (art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.393/96).

Responsável tributário
É responsável tributário pelo pagamento do ITR o sucessor, a qualquer título, nos termos dos arts. 128 a
133 do CTN.

Obrigação propter rem


O ITR, assim como o IPTU, constitui-se em obrigação propter rem. Isso significa que o sucessor do imóvel,
a qualquer título, também deverá responder pelo pagamento do tributo.

Se o imóvel tiver mais que um proprietário


Se o imóvel pertence a dois ou mais proprietários, em condomínio, é legítimo exigir o pagamento do ITR,
em sua totalidade, de todos ou de qualquer deles, reservando-se ao que pagou a faculdade de ressarcir-
se dos demais devedores, na forma do art. 283 do Código Civil.
STJ. 1ª Turma. REsp 1232344/PA, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 17/11/2011.
Existe, aqui, uma solidariedade, nos termos do art. 124, I, do CTN:
Art. 124. São solidariamente obrigadas:

Informativo 890-STF (20/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27


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I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação
principal;

Base de cálculo
A base do cálculo do ITR é o valor fundiário que, nos termos da Lei nº 9.393/96, consiste no valor da terra nua.
Segundo o art. 10, § 1º, da Lei nº 9.393/96, para fins de apuração do ITR deverá ser considerado o valor
do imóvel, excluídos os valores relativos a:
a) construções, instalações e benfeitorias;
b) culturas permanentes e temporárias;
c) pastagens cultivadas e melhoradas;
d) florestas plantadas;

Assim, como já dito, a base de cálculo é o valor da terra nua tributável, não importando construções,
plantações etc.
Esse valor da terra nua deve ser calculado com base no preço de mercado das terras, apurado em 1º de
janeiro do ano de ocorrência do fato gerador.

Área tributável
Quando vai ser calculado o valor do ITR, é necessário considerar a área tributável do imóvel, ou seja, a
área total que será considerada para fins de incidência do imposto. Isso porque determinadas áreas do
imóvel podem ser excluídas do cálculo do valor fundiário.

Segundo o art. 10, § 1º, II, da Lei nº 9.393/96, a área tributável é igual à área total do imóvel, excluídas as
áreas:
a) de preservação permanente e de reserva legal, previstas no Código Florestal;
b) de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declaradas mediante ato do órgão
competente, federal ou estadual, e que ampliem as restrições de uso previstas na letra “a”;
c) comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração agrícola, pecuária, granjeira, aquícola ou
florestal, declaradas de interesse ecológico mediante ato do órgão competente, federal ou estadual;
d) sob regime de servidão florestal ou ambiental;
d) sob regime de servidão ambiental;
e) cobertas por florestas nativas, primárias ou secundárias em estágio médio ou avançado de regeneração;
f) alagadas para fins de constituição de reservatório de usinas hidrelétricas autorizada pelo poder público.

Assim, o art. 10, § 1º, II, da Lei nº 9.393/96 prevê que as áreas apontadas nas letras acima listadas são
partes do imóvel que estão isentas do pagamento de ITR.

Para que área de RESERVA LEGAL seja excluída da base de cálculo do ITR, é necessário que o proprietário
faça a averbação disso no registro de imóveis?
SIM. O STJ entende que somente é possível assegurar a isenção do ITR nesses casos se a área da reserva
legal já estiver averbada no registro do imóvel.
A isenção de ITR prevista no art. 10, § 1º, II, “a”, da Lei nº 9.393/96 depende de prévia averbação da área
de reserva legal no registro do imóvel.
STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp 1.243.685-PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 5/12/2013 (Info 533).

Veja o texto legal:


Art. 10. (...)
§ 1º Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á:
(...)
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II — área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas:


a) de preservação permanente e de reserva legal, previstas na Lei nº 4.771, de 15 de setembro de
1965, com a redação dada pela Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989;

Para que área de PRESERVAÇÃO PERMANENTE seja excluída da base de cálculo do ITR é necessário que
o proprietário faça a averbação disso no registro de imóveis?
NÃO. As áreas de preservação permanente são instituídas por lei, sendo, por isso, desnecessário que se
faça averbação no registro de imóveis.
(...) 1. Quando do julgamento do EREsp 1027051/SC (Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe
21.10.2013), restou pacificado que, "diferentemente do que ocorre com as áreas de preservação
permanente, as quais são instituídas por disposição legal, a caracterização da área de reserva legal exige
seu prévio registro junto ao Poder Público".
2. Dessa forma, quanto à área de reserva legal, é imprescindível que haja averbação junto à matrícula do
imóvel, para haver isenção tributária. Quanto às áreas de preservação permanente, no entanto, como são
instituídas por disposição legal, não há nenhum condicionamento para que ocorra a isenção do ITR. (...)
STJ. 2ª Turma. AgRg nos EDcl no REsp 1342161/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em
04/02/2014.

Não confunda:
• área de reserva legal: é necessária a averbação no registro de imóveis ou inscrição no CAR para que haja
isenção do ITR;
• área de preservação permanente: não é necessária a averbação no registro de imóveis ou inscrição no
CAR para que haja isenção do ITR.

Alíquotas
A menor alíquota do ITR é de 0,03% e a maior é de 20%.
As alíquotas do ITR devem ser progressivas, com o objetivo de desestimular a manutenção de
propriedades improdutivas, nos termos do art. 153, § 4º, da CF/88:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
VI - propriedade territorial rural;
(...)
§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput:
I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de
propriedades improdutivas; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42/2003)

Progressividade é uma técnica de tributação que tem como objetivo fazer com que os tributos atendam à
capacidade contributiva.
Na prática, a progressividade funciona da seguinte forma: a lei prevê alíquotas variadas para o imposto e
o aumento dessas alíquotas ocorre na medida em que se aumenta a base de cálculo.
Assim, na progressividade, quanto maior a base de cálculo, maior será a alíquota.
O exemplo comum citado pela doutrina é o do imposto de renda, que é progressivo.
No IR, quanto maior for a renda (BC), maior será o percentual (alíquota) do imposto. Quanto mais a pessoa
ganha, maior será a alíquota que irá incidir sobre seus rendimentos.

Progressividade do ITR
A Lei nº 9.393/96 estabeleceu que a progressividade do ITR deveria levar em consideração dois critérios,
a serem apreciados conjuntamente:
1) o grau de utilização da terra (quanto mais improdutiva, maiores as alíquotas); e

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2) a área da propriedade rural (quanto maior a área, maiores as alíquotas).

Ocorre que o art. 153, § 4º, I, da CF/88 previu apenas o critério da produtividade, não falando nada sobre
a possibilidade de o ITR ser progressivo também em função da área do imóvel.
Diante disso, surgiu uma corrente defendendo que a Lei nº 9.393/96, ao estabelecer a progressividade em
razão da área do imóvel, seria inconstitucional por violar o art. 153, § 4º, I, da CF/88.

Essa tese foi acolhida pelo STF? A Lei nº 9.393/96 violou a CF/88 ao prever alíquotas progressivas em
função do grau de utilização da propriedade e também em razão da área do imóvel?
NÃO. O STF não concordou com a tese e decidiu que:
É constitucional a progressividade das alíquotas do ITR previstas na Lei nº 9.393/96 e que leva em
consideração, de maneira conjugada, o grau de utilização (GU) e a área do imóvel.
Essa progressividade é compatível com o art. 153, § 4º, I, da CF/88, seja na sua redação atual, seja na
redação originária, ou seja, antes da EC 42/2003.
Mesmo no período anterior à EC 42/2003, era possível a instituição da progressividade em relação às
alíquotas do ITR.
STF. 1ª Turma. RE 1038357 AgR/ SP, Rel. Min Dias Tóffoli, julgado em 6/2/2018 (Info 890).

A Lei nº 9.393/96 estabeleceu que a progressividade das alíquotas do ITR deveria levar em consideração
não só o grau de utilização da terra (GU), como também a área do imóvel, tendo em vista que tais critérios
não são isolados, mas sim conjugados. Assim, quanto maior for o território rural e menor o seu
aproveitamento, maior será a alíquota de ITR. Essa sistemática potencializa a função extrafiscal do ITR e
desestimula a manutenção de propriedade improdutiva.

Progressividade do ITR era permitida mesmo antes da EC 42/2003


Vale ressaltar que a redação do art. 153, § 4º, I, da CF/88 foi dada pela EC 42/2003. Compare:
Redação originária Redação dada pela EC 42/2003
Art. 153 (...) Art. 153 (...)
§ 4º O imposto previsto no inciso VI terá suas § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput:
alíquotas fixadas de forma a desestimular a I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de
manutenção de propriedades improdutivas e não forma a desestimular a manutenção de
incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas propriedades improdutivas; (Incluído pela Emenda
em lei, quando as explore, só ou com sua família, Constitucional nº 42/2003)
o proprietário que não possua outro imóvel.

O STF registrou que, mesmo antes da EC 42/2003, já era possível que a Lei instituísse alíquotas progressivas
do ITR, razão pela qual a Lei nº 9.393/96 nasceu compatível com o texto constitucional. Nesse sentido:
(...) I – Nos termos do art. 145, § 1º, da CF, todos os impostos, independentemente de seu caráter real ou
pessoal, devem guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo e, tratando-se de
impostos diretos, será legítima a adoção de alíquotas progressivas.
II – Constitucionalidade da previsão de sistema progressivo de alíquotas para o imposto sobre a
propriedade territorial rural mesmo antes da EC 42/2003. (...)
STF. 2ª Turma. RE 720945 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 09/09/2014.

Mas o ITR é um imposto real... mesmo assim ele pode ser progressivo? Mesmo não sendo um imposto
pessoal, o ITR pode ser progressivo?
SIM. Para o STF, é irrelevante se um imposto é real ou pessoal para fins de verificar se ele pode ou não se
sujeitar à técnica da progressividade. O § 1º do art. 145 da CF/88 não proíbe que os impostos reais sejam

Informativo 890-STF (20/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30


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progressivos. Nesse sentido: STF. Plenário. RE 562045/RS, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o
acórdão Min. Cármen Lúcia, julgado em 6/2/2013 (Info 694).

Imunidade das pequenas glebas rurais


O art. 153, § 4º, II, da CF/88 prevê uma imunidade tributária específica relacionada com o ITR:
Art. 153 (...)
§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput:
II - não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário
que não possua outro imóvel;

Alguns autores afirmam que a lei a que se refere o art. 153, § 4º, II, deveria ser uma lei complementar já
que se trata de limitação ao poder de tributar (art. 146, II, da CF/88).
Apesar disso, esse dispositivo foi regulamentado pela Lei nº 9.393/96, cujo art. 2º previu:
Art. 2º Nos termos do art. 153, § 4º, in fine, da Constituição, o imposto não incide sobre pequenas
glebas rurais, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro
imóvel.
Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, pequenas glebas rurais são os imóveis com área igual
ou inferior a :
I - 100 ha, se localizado em município compreendido na Amazônia Ocidental ou no Pantanal mato-
grossense e sul-mato-grossense;
II - 50 ha, se localizado em município compreendido no Polígono das Secas ou na Amazônia
Oriental;
III - 30 ha, se localizado em qualquer outro município.

No art. 3º, a Lei nº 9.393/96 criou hipóteses de isenção do ITR:


Art. 3º São isentos do imposto:
I - o imóvel rural compreendido em programa oficial de reforma agrária, caracterizado pelas
autoridades competentes como assentamento, que, cumulativamente, atenda aos seguintes
requisitos:
a) seja explorado por associação ou cooperativa de produção;
b) a fração ideal por família assentada não ultrapasse os limites estabelecidos no artigo anterior;
c) o assentado não possua outro imóvel.
II - o conjunto de imóveis rurais de um mesmo proprietário, cuja área total observe os limites
fixados no parágrafo único do artigo anterior, desde que, cumulativamente, o proprietário:
a) o explore só ou com sua família, admitida ajuda eventual de terceiros;
b) não possua imóvel urbano.

Delegação da fiscalização e cobrança do ITR para os Municípios


Já vimos que o ITR é um imposto federal.
A CF/88 previu, contudo, uma interessante possibilidade.
Segundo o art. 153, § 4º, III, da CF/88, se o Município quiser, poderá combinar com a União que ele
(Município) ficará responsável pela fiscalização e cobrança do ITR sobre os imóveis localizados em seu
território.
Assim, por exemplo, o Município de Maués (AM) poderá optar por fiscalizar e cobrar o ITR dos imóveis
rurais localizados em sua circunscrição territorial. Veja:
Art. 153 (...)
§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput:

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III - será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que
não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.

Qual é a vantagem para o Município de assumir esse encargo?


Caso o Município faça a opção de fiscalizar e cobrar o ITR, ele receberá toda a arrecadação desse imposto
relativamente aos imóveis rurais situados em seu território.
Se ele não fizer essa opção, a fiscalização e cobrança ficarão a cargo da União e o Município receberá 50%
do produto da arrecadação do ITR relativa aos imóveis rurais situados em seu território.
É o que prevê o art. 158, II, da CF/88:
Art. 158. Pertencem aos Municípios:
(...)
II - cinquenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade
territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da
opção a que se refere o art. 153, § 4º, III;

EXERCÍCIOS
Julgue os itens a seguir:
1) A revogação, ou substancial alteração, do complexo normativo impõe ao autor o ônus de apresentar
eventual pedido de aditamento, caso considere subsistir a inconstitucionalidade na norma que
promoveu a alteração ou revogação. ( )
2) É constitucional o ressarcimento previsto no art. 32 da Lei nº 9.656/98, o qual é aplicável aos procedimentos
médicos, hospitalares ou ambulatoriais custeados pelo SUS e posteriores a 4.6.1998, assegurados o
contraditório e a ampla defesa, no âmbito administrativo, em todos os marcos jurídicos. ( )
3) (DPE/SC FCC 2017) São bens da União, conforme dispõe expressamente a Constituição Federal de 1988
as terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades quilombolas. ( )
4) (PGE/PR 2015) A Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata dos direitos
dos povos indígenas e tribais, tem sido aplicada no contexto brasileiro para abranger também as
comunidades quilombolas. ( )
5) O critério escolhido para a definição dos quilombolas foi o da autoatribuição (autodefinição), sendo este
reputado ilegítimo pelo STF. ( )
6) A Lei nº 9.656/98, que disciplina os planos e seguros privados de assistência à saúde, por ser norma de
ordem pública, pode ser aplicada imediatamente aos contratos mesmo que assinados antes da sua
vigência. ( )
7) Os Estados-membros não podem editar leis reduzindo a quantia considerada como de pequeno valor,
para fins de RPV, prevista no art. 87 do ADCT da CF/88. ( )
8) Se, após a interposição de recurso especial contra a condenação criminal, o réu foi diplomado Deputado
Federal, a competência para julgar este recurso passa a ser do STF. ( )
9) É constitucional a progressividade das alíquotas do ITR previstas na Lei nº 9.393/96 e que leva em
consideração, de maneira conjugada, o grau de utilização (GU) e a área do imóvel. ( )
10) Se o proprietário não detém o domínio ou a posse do imóvel pelo fato de este ter sido invadido pelos
“Sem-Terra”, não há fato gerador do ITR. ( )

Gabarito
1. C 2. C 3. E 4. C 5. E 6. E 7. E 8. C 9. C 10. C

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JULGADO NÃO COMENTADO

Responsabilidade subsidiária da Administração Pública por débitos trabalhistas


Em conclusão de julgamento, o Plenário, considerada a perda superveniente de objeto, julgou prejudicadas
reclamações em que se discutia eventual descumprimento do Enunciado 10 da Súmula Vinculante do STF
(Informativo 727).
Rcl 14996/MG, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 7.2.2018. (Rcl - 14996)
Rcl 15106/MG, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 7.2.2018. (Rcl - 15106)
Rcl 15342/PR, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 7.2.2018. (Rcl - 15432)

OUTRAS INFORMAÇÕES

CLIPPING DA R E P E R C U S S Ã O G E R A L
DJe 5 a 16 de fevereiro de 2018

REPERCUSSÃO GERAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 860.631 – SP


RELATOR: MIN. Luiz Fux
Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. EXECUÇÃO
EXTRAJUDICIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. PRINCÍPIOS DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA
AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. DIREITOS FUNDAMENTAIS À PROPRIEDADE E À MORADIA. QUESTÃO RELEVANTE DO PONTO DE VISTA
JURÍDICO, ECONÔMICO E SOCIAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

Decisão Publicada: 1

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
5 A 16 DE FEVEREIRO DE 2018

Medida Provisória n° 820, de 15.02.2018 - Dispõe sobre medidas de assistência emergencial para
acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise
humanitária. Publicada no DOU, Seção 1, Edição n° 32, p.2, em 16.2.2018

OUTRAS INFORMAÇÕES
5 A 16 DE FEVEREIRO DE 2018

Decreto nº 9.277, de 5.2.2018 - Dispõe sobre a identificação do solicitante de refúgio e sobre o Documento
Provisório de Registro Nacional Migratório. Publicada no DOU, Seção 1, Edição n° 26, p.2, em 6.2.2018
Decreto nº 9.288, de 16.2.2018 - Decreta intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro com o objetivo de
pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública. Publicada no DOU, Seção 1, Edição Extra nº 32, p.2,
em 16.2.2018
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
CJCD@stf.jus.br

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