Filosofia, cultura, arquitetura: a fundação do Altes Museum em Berlim.
Fabiano de Lemos Britto
Desde a aurora do que hoje entendemos como modernidade o homem se espanta
com sua finitude. Um homem grego à época de Sócrates tinha disponível em seu aparato ideológico, imediatamente, toda sua tradição imemorial através do mito e das epopéias. Cada um dos espectadores da Antígona de Sófocles sabia, àquela altura, que ela era a apresentação física, sinteticamente concreta, da longa e torturada dinastia dos Labdácidas. Isso não porque estes espectadores haviam lido em livros ou ouvido nas escolas sobre esta desgraçada família, mas, mais fundamentalmente, porque sua idéia de tempo derivava de uma horizontalidade que os tornava vizinhos: o passado podia ser considerado, sob muitos aspectos, a moeda de troca da reflexão teórica e das práticas simbólicas dos gregos antigos. Separado destes por um milênio, e assombrado pela idéia de sua própria morte, o burguês dos séculos XVIII e XIX precisou elaborar intrincados mecanismos de preservação de passado e de vinculação com ele. No círculo dos philosophes, o conceito de tempo passa a se duplicar na idéia de origem, que, para eles, se tornou opaca. Basta pensarmos no amplo processo de estruturação dos museus e de reestruturação das coleções de história natural em cidades como Paris e Berlim, na passagem para o século XIX, para nos convencermos de que o assombro com a origem que não mais se reconhece, que se torna objeto de interesse científico e popular, orienta cada uma das decisões envolvidas neste processo. O museu é apenas uma das instituições nas quais o homem, através de uma série complexa de idealizações do espaço, oferece a si mesmo o espetáculo de um tempo há muito perdido, e, portanto, de uma cultura cujo esforço educativo só pode apreender ao se associar a estas instituições. O que nos cabe investigar – e o estudo de caso a partir da discussão em torno da fundação do Altes Museum em Berlim, entre 1822 e 1830 deverá tornar esta investigação mais concreta – é que políticas institucionais tornaram possível a emergência deste novo modelo ideológico, e, no caminho inverso, que elaborações conceituais confirmaram ou legitimaram a nova topografia pragmática do tempo na modernidade no interior da instituição que tinha como objetivo, justamente, articular e administrar o passado e a memória.