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Proposta para a fundação da Universidade em Berlim

(à sua majestade real.1 Königsberg, 10 de julho de 1809)

Pode parecer estranho que o Departamento de Ensino Público arrisque elaborar um


plano na situação atual, já que sua efetivação parece pressupor épocas mais calmas e felizes.2
Mas V. Majestade apontou para tantos e tão razoáveis direções, nas quais, ainda que no
meio da comoção das circunstâncias mais inquietantes, não perdeu de vista o ponto mais
importante da educação nacional e da formação [National- Erziehung und Bildung], que faço
apelo a este sentimento [Gesinnung] tão sublime quanto raro para ter a coragem de
encaminhar-lhe a seguinte proposta.
Vossa Majestade designou a aprovação, através de um edito do soberano conselho
ministerial de 4 de setembro de 1807, do estabelecimento de uma instituição de ensino
universal e superior em Berlim; desde então, vários estabelecimentos e cargos foram colocados
em consideração; mas, para a real efetivação, é preciso ainda um segundo passo mais decisivo,
e <esta efetivação> traz um duplo fundamento, que tem a ver com o presente momento, para
sua necessidade.
Já há muito tempo que a confiança que toda a Alemanha depositava na influência da
Prússia sobre o Esclarecimento [Aufklãrung] e <sobre> a mais alta formação espiritual
[Geistesbildung], ao invés de afundar, por causa dos últimos infelizes acontecimentos, antes,
aumentou. Viu-se que espírito [Geist] Vossa Excelência produziu em todos os novos
estabelecimentos do Estado, e com que prontidão, mesmo nas maiores dificuldades, institutos
científicos foram apoiados e melhorados. Os estados de Vossa Majestade podem e irão, assim,
continuar a ocupar, sob este aspecto, o primeiro lugar na Alemanha, e a exercer, com sua
correção intelectual e moral, a mais decisiva influência.
A fundação de uma instituição de ensino universal em Berlim contribuiu muito para
esta confiança do pensamento. Nada, a não ser um tal instituto superior, pode estender sua
influência também sobre os limites do Estado. Se V. Majestade, a neste momento, endossasse e
garantisse a efetivação deste estabelecimento, se conectaria do modo mais firme a tudo que, na
Alemanha, interessa à formação e ao Esclarecimento [Bildung und Aufklãrung]; despertaria
um novo ímpeto e o ímpeto e um novo calor pelo reflorescimento de seus Estados, e, em um
instante, onde uma parte da Alemanha é devastada pelas guerras, controlada por um outro, em
uma língua estrangeira, de uma região estrangeira 3, a ciência alemã encontraria, talvez, um
asilo agora ainda apenas desejado.
Assim, tais condições convergentes, e isto fornece um segundo importante fundamento,
fazem também com que, atualmente, mais homens dos mais variados talentos, ao contrário de
sua inclinação <inicial>, formem novas alianças.
O pensamento de uma instituição de ensino universal e superior em Berlim surgiu,
certamente, a partir da observação de que já existe, efetivamente, além de ambas as
Academias,4 uma grande biblioteca,5 o observatório astronômico, um jardim botânico e muitos
acervos, <próprios> de uma faculdade de medicina inteira. Sentiu-se que toda separação das
faculdades da verdadeira formação científica [wissenschaftlichen Bildung] é nociva, que os
acervos e os institutos, como os mencionados acima, só se tornam, de fato, úteis, quando é
associado a eles o amplo ensino científico [wissenschaftlicher Unterricht], e, enfim, que para se
elevar tais fragmentos na direção do que pertence a um estabelecimento universal, só era
necessário avançar um único passo à frente.

1
O imperador Friedrich WIlhelm III (Frederico Guilherme III) governou a Prússia entre 1797 e 1840.
2
A Prússia encontra-se, desde 1806, sob o domínio de Napoleão. Ver Marion Gray, p. 46.
3
Mais uma referência à ocupação de Napoleão na Prússia.
4
Königlich-Preußische Akademie der Wissenschaften e Akademie der Künste.
5
Staatsbibliothek zu Berlin. Kommode.
Também o Departamento6 permaneceu fiel a estes pontos de vista. Seu desejo é,
portanto, unir, até certo ponto, em um todo orgânico,
a Academia de Ciências,
a de Artes,
os institutos científicos,
– particularmente os clínicos, anatômicos e médicos, sobretudo na medida em que são de
natureza puramente científica – a biblioteca, o Observatorium 7, o Jardim Botânico e os acervos
de história natural e arte e o próprio estabelecimento de ensino universal, de tal modo que cada
parte, na qual ele preserva uma independência própria, coopera comunitariamente com as
outras na direção de fins últimos universais [allgemeinen Endzwecke].
Precisamente de tal visão das coisas se deduz a determinação do local, a saber, que um
tal estabelecimento só poderia ter seu lugar em Berlim. Produzir-se-iam, se não fosse
desnecessário, gastos realmente inacreditáveis para se relocar os institutos mencionados para
um outro lugar. Um estabelecimento que incorpora, como um ponto de convergência, tudo o
que pertence à ciência e à arte superiores, também deve, mais que nenhum outro, se localizar
como que no lugar de direção, caso não se queira que ele estrague a cooperação de muitos dos
homens notáveis, assim como aqueles que estão em condições de trabalhar juntos por uma
mútua assistência.
Mas o já mencionado Departamento deve pedir respeitosamente autorização a V.
Excelência para investir o estabelecimento de ensino universal com o antigo e tradicional nome
de universidade, e para, na medida em que ele for, ocasionalmente, purificado de todos os
antiquados abusos, que lhe seja concedido o direito de conferir graus acadêmicos.8

6
Departamento de ensino e culto.
7
O Berliner Sternwarte, também conhecido como Observatorium, tornou-se um importante observatório
astronômico na Alemanha do século XIX. À época em que Humboldt redige esta sua proposta para a fundação da
Universidade de Berlim, no entanto, sua situação era ainda bastante precária. Fundado em 1700, e contando com
um astrônomo desde esta data, ele só recebeu seus primeiros equipamentos e mobiliário em 1711. Mesmo após ter
sido reformado, sob a direção do astrônomo Johann Elert Bode, em 1800-1801, somente vinte e cinco anos mais
tarde, por influência do interesse despertado pela obra do irmão de Wilhelm, Alexander von Humboldt, Kosmos, o
governo passou a investir em sua estrutura e tecnologia, visando competir com outros observatórios da Europa,
sobretudo o de Paris. Sobre a história do Observatorium, cf. ZAUN, J., “Pistor & Martins, die Erbauer der
Berliner Meridiankreise” In: DICK, W. R. & KLAUS, F., Dreihundert Jahre Astronomie in Berlin und Potsdam,
Frankfurt a. M.: Harri Deutsch Verlag, 2000 pp. 91 e ss.
8
No original, akademische Würden, também conhecido na história das instituições de ensino alemãs como
Privilegium. O Privilegium, cuja história irregular remonta às universidades francesas (Paris, especialmente) e
italianas (Bolonha, especialmente) do século XIII, regulamentava o nível de conhecimento de um aluno que
completava o ciclo de formação nestas instituições, atestando sua expertise através de provas orais e, mais tarde,
escritas, e permitia ao seu portador o exercício do magistério em uma determinada faculdade. Além disso, através
das provas ou Examinationes para obtenção do grau acadêmico, as escolas superiores e universidades podiam
decidir que tipo de salário poderia ser pago a alguém que tivesse o título de Doctor, Lizenziat, Magisterium ou
Baccalaureat – todas as possíveis classificações hierárquicas na escala de saberes, que determinavam, por sua vez
– e cada vez mais insistentemente após as reformas neo-humanistas do começo do século XIX e o
desenvolvimento industrial alemão da segunda metade daquele mesmo século – uma nova escala econômico-
burocrática. Sobre a história deste documento (e das instituições vinculadas a ele), o livro Geschichte der
Entstehung und Entwickelung der hohen Schulen unsers Erdtheils (publicado em 1803) de Christoph Meiners,
filósofo e naturalista contemporâneo de Humboldt, conhecido por suas teses poligenistas de caráter fortemente
racistas, é particularmente importante – cf., em especial, o volume II, pp. 290 e ss., sobre a situação histórica
alemã. MEINER, Ch., Geschichte der Entstehung und Entwickelung der hohen Schulen unsers Erdtheils – Band
II, Göttingen: Johann Friedrich Röwen, 1803.

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