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A Submissão das Mulheres

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Capítulo 1

O objectivo deste ensaio é explicar, tão claramente quanto me é possível, os


fundamentos de uma opinião que mantenho desde os primeiros tempos em
que formei qualquer tipo de opinião sobre assuntos sociais e políticos, a qual,
em vez de se enfraquecer ou modificar, cresceu cada vez mais forte pela
progressiva reflexão e pela experiência da vida: Que o princípio que regula as
relações sociais existentes entre os dois sexos – a subordinação legal de um
sexo ao outro – é errado em si e, é agora, um dos principais obstáculos ao
desenvolvimento humano; e que deve ser substituído por um princípio de
perfeita igualdade, não admitindo qualquer poder ou privilégio para um lado,
nem qualquer incapacidade ao outro.
As palavras necessárias para expressar a tarefa a que me propus, mostram o
quão difícil esta tarefa é. Mas será um erro supor que a dificuldade do caso
deva suster-se na insuficiência ou na obscuridade dos fundamentos da razão
na qual se suporta a minha convicção. A dificuldade é aquela que existe em
todos os casos onde existe um massivo sentimento que tem que ser
contestado. Enquanto uma opinião for fortemente apoiada nos sentimentos,
ganha, em vez de perder, em estabilidade por ter um peso preponderante aos
dos argumentos contrários. Pois, se fosse aceite como resultado de um
argumento, a refutação desse argumento poderia abanar a solidez da
convicção; mas quando se mantém somente no sentimento, quanto pior se fica
na contestação argumentativa, mais persuadidos ficam os seus apoiantes de
que o seu sentimento deve ser mais profundo, ao qual os puros argumentos
não chegam; e enquanto o sentimento ficar, irá sempre atirar novas barreiras
argumentativas para reparar qualquer brecha feitas nas antigas. E há tantas
causas que tendem a ligar os mais intensos e persuasivos de todos os
sentimentos com este assunto, aqueles que se relacionam melhor e protegem
as antigas instituições e tradições, que não nos surpreendemos ao encontrá-los
ainda menos debilitados e vagos do que quaisquer outros pelo progresso da
grande transição espiritual e social moderna; nem supor que os barbarismos
aos quais os homens se ligam durante mais tempo devam ser menos
barbarismos que aqueles que eles inicialmente abanaram.
Em qualquer aspecto o fardo é pesado para aqueles que atacam uma opinião
quase universal. Têm que ser muito afortunados assim como inusitadamente
capazes se se conseguirem fazer ouvir de todo. Têm mais dificuldade em obter
um julgamento que qualquer outro litigante em ter um veredicto. Se eles
“arrancam” uma audição, estão sujeitos a um leque de requerimentos lógicos
totalmente diferentes daqueles requeridos a outras pessoas. Em todos os
outros casos, o ónus da prova é suposto ficar na afirmativa. Se uma pessoa é
acusada de assassinato, é da responsabilidade daqueles que o acusam de
provar a sua culpa, e não é o próprio assassino que prova a sua própria
inocência. Se há uma diferença de opinião sobre a realidade de um qualquer
alegado evento histórico, no qual o sentimento dos homens em geral não está

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muito interessado, como por exemplo a Guerra de Tróia, àqueles que mantêm
que o evento teve lugar, é esperado que o provem, antes de aqueles que
tomam o outro partido, possam dizer alguma coisa; e nunca a estes está a ser
pedido que façam mais do que mostrar que a evidência produzida pelos outros
não tem qualquer valor. Mais uma vez, em assuntos práticos, é suposto o ónus
da prova estar com aqueles que são contra a liberdade; que lutam por qualquer
restrição ou proibição; seja qualquer limitação de uma liberdade geral na acção
humana, ou qualquer desqualificação ou disparidade de privilégios afectando
uma pessoa ou tipo de pessoas, em comparação com outras. A presunção à
priori é a favor da liberdade e da imparcialidade. Assume-se que não deve
haver restrições não pretendidas pelo bem comum, e que a lei não deve ser a
favor de pessoas, mas deve tratar todas de igual modo, salvo onde a
dissemelhança de tratamento é requerida por razões positivas, seja de justiça
ou de política. Mas de nenhuma destas regras de evidência serão permitidos
benefícios àqueles que mantêm a opinião que eu defendo. É inútil para mim
dizer que aqueles que mantêm a doutrina de que os homens têm direito a
comandar e que as mulheres estão sobre a obrigação de obedecer, ou que os
homens estão preparados para o governo e as mulheres não, estão do lado
afirmativo da questão, e são obrigados a mostrar evidências positivas para as
asserções, ou submeter-se à sua rejeição. É igualmente inútil para mim dizer
que aqueles que negam às mulheres qualquer liberdade ou privilégio,
correctamente permitidos aos homens, tem a presunção dupla contra eles de
que se estão a opor à liberdade e a recomendar parcialidade, têm que ser
mantidos pela estrita prova do seu caso, e a menos que o seu sucesso seja de
tal maneira que exclui toda a dúvida, o julgamento deve ir contra eles. Isto seria
pensado como uma boa contestação em qualquer caso comum; mas não irão
ser pensados assim neste momento. Antes de ter a esperança de causar
alguma impressão, esperam de mim que responda, não apenas a tudo o que já
foi dito por aqueles que tomam o outro lado da questão, como imaginar tudo o
que possa ser dito por eles – para ver a sua razão, tal como nas respostas: e
para além de refutar todos os argumentos pela positiva, serei indiciado para
argumentos positivos invencíveis para provar um negativo. E mesmo que
consiga fazer isto tudo, mas deixe o partido oposto com alguns argumentos
contra eles sem respostas, e sem um único irrefutável, penso que fiz muito
pouco; para uma causa suportada, por um lado, por um uso universal, e, por
outro lado, por uma grande preponderância do sentimento popular, é suposto
ter a presunção a seu favor, superior a qualquer convicção, a qual, um apelo à
razão tem a força de se produzir em qualquer intelecto menos naqueles das
classes altas.
Não menciono estas dificuldades para me queixar delas; primeiro porque seria
inútil; são inseparáveis da luta que se tem, através do entendimento das
pessoas, contra a hostilidade dos seus sentimentos e das suas tendências
práticas: e, verdadeiramente, o entendimento da maioria dos homens tem que
ser melhor cultivado, do que alguma vez aconteceu até agora, antes que se
lhes peçam para colocarem tal confiança no seu próprio poder de argumentos
estimativos, assim como desistir dos princípios práticos nos quais nasceram e
viveram e os quais são as bases da ordem existente do mundo, ao primeiro
ataque argumentativo, aos quais, não são capazes de resistir logicamente.
Assim, eu não discuto com eles por terem pouca fé na argumentação, mas por
terem muita fé na tradição e no sentimento geral. É um dos preconceitos

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característicos da reacção do século dezanove contra o século dezoito, o
acordar aos elementos irracionais da natureza humana a infalibilidade que o
século dezoito é suposto ter descrito dos elementos racionais. Da apoteose da
Razão substituímos pela dos Instintos; e chamamos instinto a tudo aquilo que
encontramos em nós mesmos e para o qual não encontramos qualquer
fundamento racional. Esta idolatria, infinitamente mais degradante que a outra,
e a mais perniciosa das falsas adorações dos nossos dias, as quais são todas,
agora, o principal suporte, manterá o seu fundamento até perecer perante um
som psicológico, deixando a nu a realidade que se inclina perante a intenção
da Natureza e a providência de Deus. No que diz respeito à presente questão,
estou disposto a aceitar as condições desfavoráveis que o preconceito me
imputa. Aceito que a tradição estabelecida, e o sentimento geral, têm que ser
julgados como conclusivos contra mim, a não ser que essa tradição e esse
sentimento, de tempos a tempos, possam ser demonstrados no seu
merecimento existencial a outras causas para além das que pertence, e ter
derivado o seu poder das piores partes da natureza humana em vez das
melhores. Estou disposto que esse julgamento deva vir contra mim, a não ser
que eu possa mostrar que o meu juízo tenha sido falsificado. A concessão não
é assim tão grande como pode parecer; provar isto é, sem dúvida, a parte mais
fácil da minha tarefa.
A generalização de uma prática é, em alguns casos, uma forte presunção que
essa prática é, ou foi alguma vez, conduzida para fins louváveis. É esse o caso,
quando a prática foi inicialmente adoptada, ou, em seguida continuada como
um meio para tais fins, e foi fundamentada na experiência do modo na qual
esses fins possam ser mais efectivamente atingidos. Se a autoridade do
homem sobre a mulher, quando foi estabelecida, tenha sido o resultado de uma
comparação consciente entre diferentes modos de constituir um governo de
uma sociedade; se, após tentarem diversos outros modos de organização
social – o governo das mulheres sobre os homens, um governo igualitário entre
os dois, e outros modos mistos e divididos de governo que podem ser
inventados – foi decidido, com o testemunho da experiência, que o modo no
qual as mulheres estão todas sobre o governo dos homens não tendo qualquer
parte nos assuntos públicos, e que cada uma, em privado, estando sobre a
obrigação legal de obediência ao homem com quem ela associou o seu
destino, foi o arranjo mais conclusivo à felicidade e bem-estar dos dois; a sua
adopção geral pode ter sido justa pois foi pensada sobre alguma evidência que,
na altura em que foi adoptada, era o melhor: embora mesmo nessa altura as
considerações que foram recomendadas poderão ter, como outros factos
sociais primitivos de grande importância, consequentemente, com o andar dos
anos, deixado de existir. Mas o estado do caso está, em todos os aspectos, no
reverso deste. Em primeiro lugar, a opinião a favor do sistema actual, que
subordina inteiramente o sexo mais fraco ao mais forte, funda-se apenas sobre
teoria; pois nunca foi tentado um outro: assim, essa experiência, no sentido ao
qual é vulgarmente oposta à teoria, não pode pretender querer prenunciar
qualquer veredicto. E em segundo lugar, esta adopção deste sistema de
desigualdade nunca foi resultante de deliberação, ou de raciocínio, ou de
quaisquer ideias sociais, ou de qualquer noção que tenha sido conduzido para
o benefício da humanidade ou da boa ordem social. Surgiu apenas do facto de
que desde os primeiros crepúsculos da sociedade humana, todas as mulheres
(sentindo-se em dívida pelo valor que lhe é dado pelo homem, combinado à

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sua inferioridade na força muscular) se encontram num estado de servidão
para alguns homens. As leis e os sistemas políticos começam sempre por
reconhecer as relações que se encontram já existentes entre indivíduos. Elas
convertem o que é um mero facto físico num direito legal, dado nas
convenções da sociedade e almejam principalmente para a substituição dos
meios públicos e organizados de defender e proteger esses direitos, em vez
da ausência de leis no irregular conflito da força física. Aqueles que já foram
vergados à obediência tornam-se, desta maneira, legalmente obrigados a isso.
A escravidão, passou de ser uma mera relação de força entre o amo e o
escravo, tornando-se regularizada e um tipo de união firme entre os amos, a
quem, obrigando-se a entre si a protegerem-se garantem, pela sua força
colectiva, as possessões privadas de cada um, incluindo os seus escravos.
Nos primeiros tempos, a grande maioria dos homens eram escravos, assim
como todas as mulheres. Muitas eras passaram, algumas de grande sabedoria,
antes de qualquer pensador ter a coragem suficiente para questionar a
correcção, e a absoluta necessidade social, seja de uma escravidão ou de
outra. Gradualmente tais pensadores foram aparecendo: e (com a assistência
do progresso geral da sociedade) a escravidão das pessoas do sexo masculino
foi sendo, pelo menos em todos os países (embora, num deles, só há poucos
anos) progressivamente abolida, e a das pessoas do sexo feminino foi
mudando gradualmente numa forma mais suave de dependência. Mas esta
dependência, como existe actualmente, não é uma instituição original,
iniciando-se nas considerações de justiça e no expediente social – é o estado
primitivo de escravidão que ainda dura, através de sucessivas mitigações e
modificações ocasionadas pelas mesmas causas que amenizaram os
comportamentos gerais, que trouxeram as relações humanas mais para o
controlo da justiça e sob a influência da humanidade. Mas não perderam as
marcas da sua origem brutal. Portanto, não se pode fazer qualquer presunção
a seu favor do facto de existir. A única presunção que se poderá fazer, tem que
ser fundamentada no facto de ter durado até agora, quando tantas outras
coisas foram derrotadas pelas mesmas fontes odiosas tenham sido
esquecidas. E isto é, de facto, estranho aos ouvidos das pessoas comuns,
ouvir a aceitação geral de que a desigualdade de direitos entre os homens e as
mulheres não tem outra fonte senão a lei do mais forte.
Que esta declaração deva ter um efeito paradoxal, é, de alguma maneira,
credível para o progresso da civilização e para o melhoramento dos
sentimentos morais da Humanidade. Vivemos agora – isto é, numa ou duas
das mais avançadas nações do mundo – num estado no qual a lei do mais forte
foi inteiramente abandonada como princípio regulador dos assuntos mundiais:
ninguém a defende e, no que diz respeito à maioria das relações entre seres
humanos, a ninguém é permitido praticá-la. Quando alguém consegue ter
sucesso ao faze-lo, é sobre o disfarce de algum pretexto que lhe dá a
aparência de algum interesse geral social do seu lado. Sendo este o ostensivo
estado das coisas, as pessoas regozijam-se que a regra da pura força acabou;
que a lei do mais forte não pode ser a razão da existência de alguma coisa que
continuou a funcionar até aos nossos dias. Seja como for que qualquer das
nossas instituições tenha começado, só pode, pensam eles, ter sido
preservado até este período avançado da civilização por um sentimento bem
fundamentado da sua adaptação à natureza humana e à condução do bem
comum. Eles não entendem a enorme vitalidade e durabilidade das instituições

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que se colocam junto à força; como se unem intensivamente; como as boas e
as más predisposições e os bons e maus sentimentos daqueles que têm o
poder nas suas mãos, se identificam com a sua manutenção; como estas más
instituições afastam lentamente, um de cada vez, inicialmente os mais fracos,
começando por aqueles que menos se entrelaçaram com as rotinas diárias da
vida; e como muito raramente aqueles que obtiveram poder legal, porque
primeiro tiveram poder físico, tenham alguma vez perdido o poder que
detinham, até o poder físico ter passado para o lado adversário. Esta tal
mudança de poder físico não teve lugar no caso das mulheres; este facto,
combinado com todas as condições peculiares e características do caso
particular, assegurou desde o início, que este tipo de sistema, do certo se
apoiar na força, embora mais amenizado, nas suas características mais atrozes
de um período inicial do que noutros, irá ser o derradeiro a desaparecer. Foi
inevitável que este típico caso de relações sociais, baseadas na força,
sobreviveria através de gerações de instituições fundadas na justiça equitativa,
sendo quase uma solitária excepção ao carácter geral das suas leis e
tradições; mas a qual, desde que não proclame a sua própria origem, e como a
discussão não trouxe o seu verdadeiro carácter, não se prejudicou com a
civilização moderna, assim como a escravidão doméstica entre os Gregos
chocou com a noção grega de ser um povo livre.
A verdade é que as pessoas de agora, e das últimas duas ou três gerações,
perderam completamente todo o sentido prático das primitivas condições da
Humanidade; e só aqueles poucos que estudaram História de modo preciso, ou
frequentaram as partes do mundo ocupadas pelas representações vivas de
eras passadas, estão capazes de formar uma imagem mental de como era a
sociedade de então. As pessoas não se apercebem como, nas eras passadas,
a lei do mais forte era o que regulava a vida; como era pública e abertamente
reconhecida, não digo de uma maneira cínica e sem vergonha – pois estas
palavras implicam um sentimento de que havia algo com que se envergonhar,
e, naqueles tempos, não havia esse tipo de noção nas pessoas, excepto se
fosse um filósofo ou um santo. A História dá-nos uma experiência cruel da
natureza humana, mostrando exactamente como o respeito à vida, às posses e
à felicidade terrena de qualquer tipo de pessoas, era medido pelo poder que
detinham de se impor pela força; como todos os que resistiam às autoridades
armadas, independentemente do tipo de incómodo da provocação, não tinham
apenas a lei da força mas também todas as outras leis, e todas as noções de
obrigações sociais, contra eles; e aos olhos daqueles a quem eles resistiam,
não eram apenas acusados de crimes mas dos piores crimes e tinham os
castigos merecedores desses mesmos crimes, castigos esses que eram os
mais cruéis que o ser humano conseguia infligir. O primeiro pequeno vestígio
de um sentimento de obrigação de um superior reconhecer qualquer direito aos
inferiores, começou quando foi induzido, convenientemente, a fazer algumas
promessas. Apesar dessas promessas, mesmo quando sancionadas pelos
mais solenes juramentos foram, durante muitas eras, revogadas ou violadas
pelas mais insignificantes provocações ou tentações, e é provável que isto,
exceptuando pessoas de uma moralidade pior que a média, foi raramente feito
sem algumas intranquilidades de consciência. As republicas antigas,
baseando-se na maior parte das vezes desde o início sobre um tipo de acordo
mutuo, ou de alguma maneira formada por uma união de pessoas não muito
desiguais em força, tiveram possibilidades, consequentemente, de dar uma

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primeira porção de um estabelecimento de relações humanas, e colocá-las sob
o domínio de outra lei que não a lei da força. E apesar da lei da força original
continuar a operar, entre eles e os seus escravos e também (exceptuando a
limitação expressa pelo pacto) entre a comunidade e os seus súbditos ou
outras comunidade independentes; a abolição dessa lei primitiva, mesmo
timidamente, iniciou a regeneração da natureza humana, dando azo ao
aparecimento de sentimentos, demonstrando logo, pela experiência, o seu
imenso valor mesmo em interesses materiais e que a força motriz só desejava
que fosse alargada, mas não criada. Embora os escravos não fizessem parte
da comunidade, foi nos Estados livres que os escravos foram tratados como
seres humanos. Os Estóicos foram, acredito eu, os primeiros (exceptuando
talvez a leis judaicas que constituíram uma excepção) a pensar que, como
parte da moral, que os homens têm obrigações morais para com os seus
escravos. Ninguém, após a ascensão do Cristianismo, pode ser em teoria, de
alguma forma, estranho a esta crença. Nem, após o surgimento da Igreja
Católica, deixaram de surgir pessoas que defendessem esta crença. No
entanto, o reforço dessa crença foi a tarefa mais difícil que a Cristandade teve
que executar. Por mais de mil anos a Igreja manteve a contestação, sem
qualquer sucesso visível. Não foi pelo poder sobre as mentes das pessoas. O
seu poder era prodigioso. Podia fazer com que reis e nobres abdicassem das
suas posses para enriquecer a Igreja. Podia fazer com que mil pessoas, no
pico da vida e das suas capacidades, se fechassem em conventos para buscar
a salvação através da pobreza, da fome e da oração. Podia mandar centenas
de milhares por mares e terras, pela Europa e pela Ásia, dando a sua vida pela
palavra da Sagrada Escritura. Pode fazer com que reis abandonem mulheres,
de que eram alvo de um apego passional, porque a Igreja declarava que eles
estavam dentro do sétimo grau (pelos nosso cálculos era o décimo quarto) de
relacionamento. Fez tudo isto; mas não conseguiu fazer com que os homens
se guerreassem menos, nem tiranizassem com menos crueldade sobre os
servos, e quando podiam, sobre a burguesia. Não conseguiu fazer com que
eles renunciassem sobre aplicações de força, seja militar ou triunfante. A isto
nunca foram eles induzidos a fazer até serem eles próprios atacados por uma
força superior. Só pelo crescente aumento do poder dos reis foi posto um fim
às guerras, excepto entre reis, ou por candidatos a rei; só pelo crescimento de
uma burguesia sã e guerreira nas cidades fortificadas, e de uma infantaria
plebeia, a qual se provou ser mais forte em campo aberto do que uma cavalaria
indisciplinada, é que a insolente tirania dos nobres sobre a burguesia e as
populações foi trazida para dentro de certos limites. Persistiu até, e mesmo
assim muito depois, dos oprimidos terem obtido um poder que os possibilitou,
muitas vezes, de terem uma notável vingança; e no Continente prolongou-se
este estado de coisas até à altura da Revolução Francesa, apesar de em
Inglaterra, a melhor e mais antiga organização das classes sociais, ter posto
um fim a isso mais cedo, pelo estabelecimento da equidade da lei e de
instituições nacionais livres.
Se a maior parte das pessoas está tão pouco consciente de como, durante a
maior parte da existência da nossa espécie, a lei da força foi a regra reguladora
da conduta geral, sendo qualquer outra lei apenas uma consequência especial
de vínculos peculiares – e de como só muito recentemente é que têm
pretendido que os assuntos sociais em geral sejam regulados de acordo com
qualquer lei moral; assim como as pessoas pouco se lembrem ou pensem, de

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como é que as instituições ou as tradições, as quais não tiveram qualquer
poder perante a lei da força, duraram eras, e estados de opinião geral nunca
permitiriam o seu estabelecimento. Há menos de quarenta anos, o poderio dos
Ingleses era suportado pela lei da força mantendo seres humanos em
escravidão e vendendo-os como propriedade; no decorrer deste século eles
podiam raptá-los, levá-los e pô-los a trabalhar até morrerem. Este caso
absolutamente extremo da lei da força, condenado por aqueles que conseguem
tolerar quase todas as outras formas de poder arbitrário, e as quais, de todas
as outras características, apresentam os sentimentos mais revoltantes de todos
aqueles que as olham de uma posição imparcial, era a lei da Inglaterra cristã e
civilizada presente na memória de pessoas ainda vivas; e em metade da
América Anglo-Saxónica, há três ou quatro anos, não só existia escravidão,
mas havia um comércio de escravos e a criação de escravos feita para isso,
era uma prática geral entre Estados esclavagistas. Não só houve, no entanto,
um forte sentimento contra essa prática, mas, pelo menos em Inglaterra, houve
uma diminuição tanto do sentimento como do interesse a favor dessa mesma
prática, do que de outros abusos usuais da força: pois o motivo era o amor dos
ganhos, puro e indisfarçado; e aqueles que lucravam com isso eram uma
fracção numérica do país muito pouco significativa, enquanto que o sentimento
geral daqueles que não se interessavam pessoalmente por isso era de uma
absoluta aversão. Um ponto tão extremo quase faz parecer supérfluo referir-
nos a outro: mas consideremos a longa duração da monarquia absoluta.
Presentemente em Inglaterra é quase uma convicção universal que o
despotismo militar é um caso da lei da força, não tendo outra origem ou
justificação: No entanto em todas as grandes nações da Europa, com a
excepção de Inglaterra, ou ainda existe a monarquia absoluta ou terminou
muito recentemente, e ainda persiste uma grande parte da população favorável
a isso, especialmente entre pessoas de posição e com responsabilidades. É
esse o poder dos sistemas estabelecidos, mesmo quando estão longe de
serem universais; não só em quase todos os períodos da história houve
grandes e bem conhecidos exemplos de sistemas contrários mas também
foram quase sempre invariavelmente suportados pelas comunidades mais
ilustres e mais prósperas. Também neste caso, o possuidor do poder
desmedido, a pessoa directamente interessada nisso, é apenas uma pessoa
enquanto que aqueles sujeitos a esse poder e sofrer com esse poder são,
literalmente, todos os outros. A opressão é natural e necessariamente
humilhante para todas as pessoas, excepto para aquele que se encontra no
trono juntamente com aqueles que, no mínimo, esperam sucedê-lo. Quão
diferente são estes casos daquele do poder dos homens sobre as mulheres!
Agora não estou a fazer juízos prévios à questão da sua justificabilidade. Estou
apenas a mostrar que não pode ser menos vasto e permanente, e mesmo não
menos justificáveis, que aqueles domínios que temos vindo a falar.
Qualquer que seja a gratificação de orgulho que haja na posse do poder, e
qualquer que seja o interesse pessoal no seu exercício, está, neste aspecto,
confinado a uma classe limitada, mas comum a todo o género masculino. Em
vez de ser, para a maioria dos seus apoiantes, uma coisa desejável apenas no
abstracto ou, tal como nos fins políticos, normalmente disputados por facções,
de pouca importância para os privados mas apenas para os lideres; vem para
casa, para a realidade de cada chefe de família masculino, e de todos que
procurem sê-lo. O indivíduo bronco exercita, ou é levado a exercer, a sua parte

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de poder tal como um nobre. E no caso onde o desejo de poder é mais forte:
para todos aqueles que desejam o poder, desejam-no sobre aqueles que estão
mais perto deles, com quem vivem, com quem tem mais preocupações em
comum e com quem o desejo de independência é frequentemente uma
interferência nos seus interesses pessoais. Se nos outros casos específicos o
poder é manifestamente fundamentado apenas na força, e tendo o mínimo
para se suportar, são dificilmente afastados, mais difícil se torna com este caso
mesmo que não se funde em melhores argumentos que estes. Temos também
que considerar que quem possui o poder tem facilidades neste caso, até maior
que noutros casos, para prevenir qualquer subversão contra si. Qualquer um
dos súbditos vive sobre o olhar, e quase se pode dizer, nas mãos de um dos
amos – numa íntima proximidade, maior do que com os outros súbditos; sem
meios de conspirar contra ele nem de suplantá-lo, e, por outro lado, com os
motivos mais fortes para procurar o seu favorecimento evitando ofendê-lo.
Nas lutas de emancipação política, toda a gente sabe quantas vezes os seus
paladinos são subvertidos por subornos, assolados por terrores. No caso das
mulheres, cada indivíduo da classe baixa está num estado crónico de uma
combinação entre subornos e intimidações. Ao erguer uma resistência usual,
um grande número de líderes, e mais ainda as seguidoras, têm que fazer um
sacrifício quase completo dos prazeres ou dos alívios do seu grupo individual.
Se houve qualquer tipo de sistema de privilégios e de submissão forçada que
tenha a sua opressão mais apertadamente arreigada nos pescoços daqueles
que são mantidos por isso, foi isto. Ainda não mostrei que é um sistema errado:
mas todo aquele que é supostamente capaz de pensar no assunto deve ver
que mesmo que seja, irá certamente durar a todas as outras formas de
autoridade injusta. E mesmo quando alguns dos sistemas mais grosseiros
ainda existam em muitos países civilizados, e só recentemente se livraram de
outros, seria estranho que aquilo que está tão enraizado tenha sido, algures,
perceptivamente abanado. Há mais razões para se espantar que os protestos e
os testemunhos contra isso devam ser tão numerosos e tão fortes como são.
Alguns irão objectar que não é justo fazer uma comparação entre o governo do
sexo masculino e as formas de poder desleal que apresentei nas ilustrações
acima, já que estes são arbitrárias e o efeito da mera usurpação, enquanto que
o contrário é o que é natural. Mas será que houve, alguma vez, uma qualquer
dominação que não apareça natural àqueles que a possuem? Houve uma
altura que a divisão da Humanidade em duas classes, uma pequena de amos e
uma numerosa de escravos, aparentou, até às mentes mais cultas, ser a
condição mais natural e a única condição natural da raça humana. Nem mais
nem menos que uma inteligência, e que contribuiu muito para o
desenvolvimento do pensamento humano, como Aristóteles, conservou esta
opinião sem quaisquer dúvidas ou enganos; fundamentado nas mesmas
premissas em que a primeira asserção, no que diz respeito ao domínio dos
homens sobre as mulheres, assenta, nomeadamente naquela que diz que há
diferentes naturezas entre os Homens, naturezas livres e naturezas escravas;
que os Gregos eram de uma natureza livre e que as raças bárbaras dos
Trácios e dos Asiáticos eram de uma natureza escrava. Mas porque é que eu
preciso de recuar até ao Aristóteles? Não mantêm a mesma doutrina os donos
de escravos do sul dos Estados Unidos, com todo o fanatismo com o qual os
homens se apegam às teorias que justificam as suas paixões e legitimam os
seus interesses pessoais? Não bradaram ao céu como testemunha de que o

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domínio do homem branco sobre o homem preto é natural, que a raça preta é,
por natureza, incapaz de ser livre e que são marcados para serem escravos?
Alguns vão até ao ponto de dizer que a liberdade dos trabalhadores rurais não
é uma ordem natural das coisas. Mais uma vez, os teoristas da monarquia
absoluta sempre o afirmaram como sendo a única forma de governo natural;
partindo do patriarcado, que foi a primeira e espontânea forma de sociedade,
estruturada no modelo paternal, que é anterior à própria sociedade, e, como
defendem, a autoridade mais natural de todas. Ou melhor, mesmo para
aqueles que não puderam rogam por outra, a própria lei da força, sempre lhes
pareceu a forma mais natural de exercer a autoridade. Conquistar raças parece
ter sido a única lei da natureza e que o conquistado deve obedecer ao
conquistador ou, como eles euforicamente parafraseiam, que as raças mais
fracas e mais pacíficas se devem submeter às mais bravas e decididas. Do
conhecimento mais pequeno da vida dos homens na Idade Média, mostra
como o domínio da nobreza feudal sobre os homens de baixa condição
parecia, ao próprio nobre, ser uma supremacia natural, e como, para eles, o
conceito de uma pessoa de classe inferior que reclamasse igualdade parecia
ser um conceito tão antinatural. E parecia ainda menos para a classe
submetida. Os servos e burgueses emancipados, mesmo durante as suas lutas
mais vigorosas, nunca tiveram a pretensão de partilhar a autoridade; eles
apenas exigiam uma limitação mais ou menos maior do poder tirânico que
sobre eles havia. É bem verdade que antinatural geralmente significa não usual
e tudo o que é usual parece natural. Sendo um costume universal a submissão
das mulheres perante os homens, qualquer afastamento desse costume é
natural que pareça estranho. E quão depende, mesmo neste caso, o
sentimento do costume como se vê pela vasta experiência. Nada parece
surpreender mais às pessoas de outras partes do mundo, quando elas sabem
qualquer coisa de Inglaterra, o facto de esta estar sobre o governo de uma
rainha: isto parece-lhes tão estranho que não lhes parece ser credível. Aos
Ingleses tal não lhes parece ser o último grau de estranheza porque já estão
habituados; mas sentem que já é estranho que as mulheres devam ser
soldados ou membros do Parlamento. Pelo contrário, nas eras feudais, a
guerra e a política não eram consideradas actividades estranhas às mulheres,
porque não lhes era estranho; parecia natural que as mulheres das classes
privilegiadas deveriam ter um carácter mais forte, nada inferior, a não ser na
força corporal, aos seus maridos e pais: A independência das mulheres parecia
ser menos estranho aos Gregos do que aos outros povo antigos, por causa das
fabulosas Amazonas (que eles acreditavam serem factos históricos), e pelo
exemplo parcial sustentado pelas mulheres de Esparta; a quem, apesar de não
estarem menos subordinadas às leis do que em qualquer outro Estado grego,
eram de facto mais livres, treinadas em exercícios corporais da mesma
maneira que os homens, dando amplas provas de que, para eles, elas não
eram naturalmente diminuídas. Não restam muitas dúvidas de que a
experiência Espartana foi sugerida a Platão, entre as suas muitas doutrinas, na
igualdade social e política entre os dois sexos.
Mas, será afirmado, que o domínio dos homens sobre as mulheres é diferente
de todos os outros domínios ao não ser uma lei da força: é aceite
voluntariamente; as mulheres não se queixam e consentem, por seu lado,
nisso. Em primeiro lugar um grande número de mulheres não aceita esse
domínio. Desde que há mulheres capazes de dar a conhecer os seus

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sentimentos através dos seus escritos (o único meio de publicidade que a
sociedade lhes consente), um número cada vez maior de mulheres tornaram
públicos os seus protestos contra a sua presente condição social: e
recentemente muitos milhares delas, lideradas pelas mulheres mais eminentes
conhecidas do público, fizeram uma petição ao Parlamento para que sejam
admitidas no sufrágio parlamentar. As queixas das mulheres para que sejam
tão solidamente educadas, e com os mesmo níveis de conhecimento, como os
homens, surgem com uma intensidade crescente e com uma grande
perspectiva de sucesso; enquanto que os pedidos para a sua admissão em
profissões e ocupações foram-lhes até agora impedidos, torna-se mais urgente
a cada ano que passa. Apesar de não haver neste país, com o existe nos
Estado Unidos, Convenções periódicas e um partido organizado para agitar
pelos Direitos das Mulheres, há uma Sociedade, numerosa, activa, organizada
e mantida por mulheres que luta pelo objectivo, mais limitado, de obterem
direitos políticos. Não é só apenas no nosso país e na América que as
mulheres começaram a protestar, mais ou menos colectivamente, contra as
desigualdades em que se encontram. Agora, também em França, na Itália, na
Suiça e na Rússia mostram-se exemplos da mesma coisa. Quantas mulheres
mais haverão que desejam, silenciosamente, semelhantes aspirações,
ninguém pode saber; mas há abundantes indícios de como muitas desejariam
essas mesmas aspirações, onde não seriam ensinadas, tão vigorosamente, a
reprimirem-se contra o seu próprio sexo. Deve também ser lembrado que
nenhuma classe escravizada reclamou por uma completa liberdade de uma só
vez. Quando Simon de Monfort chamou os deputados das Comuns para se
sentarem pela primeira vez no Parlamento, algum deles alguma vez sonhou em
exigir de uma assembleia, eleita pelos seus constituintes, que criasse e
destruísse ministros e ditasse ao rei o que fazer nos assuntos de Estado? Nem
na imaginação do mais ambicioso esse pensamento passou pela sua cabeça.
A nobreza tem já estas pretensões: os Comuns a mais nada do que ficarem
isentos de taxas arbitrárias e das opressões mais agressivas dos oficiais reais.
É uma lei de natureza política que aqueles que estão sob um qualquer poder
antigo originário, nunca começam por reclamar do próprio poder, mas apenas
do seu exercício opressivo. Não há qualquer necessidade por parte das
mulheres que se queixam de maus-tratos dos seus maridos. Haveria
muitíssimas mais, se as queixas não fossem as maiores de todas as
provocações para um repetido e um maior uso de maus-tratos. É isto o que
frustra qualquer tentativa de manter o poder mas que protege as mulheres
contra os abusos. Em mais nenhum outro caso (excepto com as crianças) é a
pessoa, vítima do sofrimento de uma injúria, e que foi provado judicialmente,
restituída ao poder físico do culpado que infligiu os abusos. As respectivas
esposas, mesmo nos casos mais extremos e mais prolongados de maus-tratos
corporais, dificilmente atrevem-se a fazerem valer para elas próprias as leis
que são feitas para a sua própria protecção: e mesmo, num momento de
irrepreensível indignação, ou pela interferência de vizinhos, quando são
induzidas a fazerem valer as leis, posteriormente todo o seu esforço é
esquecido o mais possível e imploram ao seu tirano que não lhes dêem o
castigo merecido.
Todas as causas, sociais e naturais, combinam para que seja improvável que
as mulheres devam ser colectivamente rebeldes ao poder masculino. Até agora
elas estão numa posição diferente das outras classes submetidas, a qual seja,

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que os seus amos desejem algo mais do que o seu serviço usual. Os homens
não querem apenas a obediência das mulheres, querem os seus sentimentos.
Todos os homens, excepto os mais brutais, desejam ter, da mulher mais
próxima das suas relações, não uma escravidão forçada mas voluntária, não
apenas uma mera escravidão mas uma exclusiva. Então, fizeram tudo o que
podiam para escravizar as suas mentes. Os donos de todos os outros escravos
dependem, na obtenção da obediência, do medo; seja medo deles ou medo
religioso. Os donos das mulheres querem mais do que uma simples obediência
e viram todas as forças da educação para efectivar os seus propósitos. Desde
os seus primeiros anos, as mulheres são trazidas na crença de que o seu
carácter ideal é completamente oposto ao dos homens; sem livre-arbítrio ou
governadas pelo seu auto-controlo, mas por submissão e estando submissa
sobre o controlo de outros. Todas as moralidades dizem-lhes que é o dever da
mulher, e de todos os sentimentalismos que lhe são naturais, viver para os
outros; para fazerem uma completa abnegação delas próprias e não terem
qualquer tipo de vida fora das suas afecções. E por afecções só aquelas que
lhes são permitidas ter – aquelas que lhes são permitidas ter em relação aos
homens a que estão ligadas ou às crianças, que constituem um laço adicional e
irrevogável entre elas e um homem. Quando unimos três coisas – primeiro, a
natural atracção entre sexos opostos; segundo, a completa dependência da
esposa em relação ao marido, qualquer privilégio ou prazer que tenha ou que
lhe é dado como sendo um presente dele ou depende inteiramente da vontade
dele; e finalmente, que a principal busca, qualquer consideração e todos os
objectos de ambição social do ser humano, possam, em geral, serem vistos
como sendo obtidos por ela, só através dele, seria um milagre se o objectivo
em ser atractiva para os homens não se tornasse a estrela polar de toda a
educação feminina e da formação de carácter. E todos estes grandes meios de
influência sobre as mentes das mulheres foram adquiridos, como um instinto
que os homens, no seu egoísmo masculino, se vangloriam ao máximo de ter
como meio de manter as mulheres na submissão, representando-lhes toda a
humildade, toda a submissão e resignação de todas as vontades pessoais às
mãos dos homens, como sendo uma parte essencial da atracção sexual. Pode
haver dúvidas que quaisquer outras opressões, em que a Humanidade foi bem
sucedida na sua abolição, subsistiriam até agora se os mesmos meios
tivessem existido, e tivessem sido tão sedutoramente usadas, para vergar as
mentes a isso? Se tivesse sido o objectivo da vida de qualquer jovem plebeu
encontrar um favorecimento pessoal aos olhos de algum aristocrata, ou
qualquer jovem servo de algum senhor; se a sua domesticação, e a partilha de
quaisquer das suas afecções pessoais, fosse sustentado como sendo um
prémio que eles deveriam procurar, os mais astutos e ambiciosos tinham a
possibilidade de recolher a maioria dos prémios desejados; e se, quando estes
prémios fossem obtidos, eles fossem afastados por uma barreira de bronze de
todos os interesses que não estejam centrados nele, por todos os sentimentos
e desejos menos por aqueles que partilhou ou inculcou; não teriam sido os
servos e os senhores, plebeus e aristocratas tão amplamente distinguidos hoje
em dia como são os homens e as mulheres? E não teria um pensador
acreditado aqui e ali isso serem uns factos fundamentais e inalteráveis da
natureza humana?
As considerações precedentes são suficientemente amplas para mostrar que a
tradição, independentemente da sua universalidade, não sustenta qualquer

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presunção, e não deve criar qualquer preconceito a favor de qualquer arranjo
que coloque as mulheres em submissão social e politica em relação aos
homens. Mas podendo eu ir mais longe, mantendo que o curso da História e as
tendências da progressiva sociedade humana não têm o direito a qualquer
presunção a favor deste sistema de desigualdades de direitos, mas a uma forte
presunção contra esse mesmo sistema; e que, enquanto todo o curso do
desenvolvimento humano até esta altura, toda a corrente de tendências
modernas, justificar qualquer interferência no assunto, é que esta relíquia do
passado se torne discordante com o futuro e deva, necessariamente,
desaparecer. Pois o que é o carácter peculiar do mundo moderno – a diferença
que principalmente distingue as modernas instituições, as modernas ideias
sociais, a própria vida moderna em si, daqueles tempos de uma passado
longínquo? É que os seres humanos não se fixam a um lugar na vida,
acorrentados a uma ligação inexorável ao lugar onde nasceram, mas são livres
de empregar as suas faculdades, e as respectivas mudanças que lhe são
oferecidas, para atingirem a quantidade que lhes parecem ser mais desejável.
As antigas sociedades humanas foram constituídas sobre um princípio muito
diferente. Todas nasceram numa posição social fixa, e eram principalmente
mantidas pela lei, ou interditas por quaisquer meios, dos quais conseguiriam
emergir. Tal como alguns homens nascem brancos e outros pretos, assim
outros nasceram escravos e outros cidadãos livres; alguns nasceram
aristocratas, outros plebeus; alguns nasceram nobres feudais, outros como
homens do povo e roturiers. Um escravo ou um servo nunca poderia se tornar
livre, nem, excepto pela vontade do seu amo, tornar-se livre. Na maioria dos
países Europeus foi só quando a Idade Média estava a chegar ao fim, e como
consequência do crescimento do poder real, que as pessoas de classe baixa
podiam ser tornadas nobres. Mesmo entre os nobres, o filho mais velho nascia
como herdeiro exclusivo das posses paternais e um longo período passou
antes que o pai pudesse desertá-lo. Entre a classe trabalhadora, só aqueles
que nasceram como membros de uma associação, ou fosse admitido como
membro pelos seus pares, podiam legitimamente praticar o seu ofício dentro
dos limites locais; e ninguém podia praticar qualquer ofício considerado
importante, excepto pela via legal – por processos autoritariamente prescritos.
Os industriais expuseram-se ao ridículo ao presumirem que poderiam continuar
com o seu trabalho com novos e melhorados métodos. Na Europa moderna, e
na maioria daqueles locais que participaram largamente em outros
desenvolvimentos modernos prevalecem agora doutrinas diametralmente
opostas. A lei e o governo não se comprometem a prescrever quem deve ou
não conduzir qualquer operação social ou industrial, ou quais são os modos de
condução mais legítimos. Estas coisas são feitas pela escolha livre dos
indivíduos. Mesmo as leis, requerendo que os trabalhadores devam ter uma
aprendizagem, foram, neste país, recusadas: havia uma grande certeza de que
em todos os casos onde uma aprendizagem seria necessária, a sua
necessidade seria suficiente para a introduzir. A velha teoria era que deveria
ser dada a menor escolha possível ao indivíduo; que tudo o que ele deva fazer,
dentro do praticável, seja-lhe transmitido por sabedoria superior. Deixado por
sua conta, ele teria a certeza que erraria. A convicção moderna, o fruto da
experiência de milhares de anos, é que, naquelas coisas às quais o indivíduo é
a pessoa directamente interessada, nunca dão certo quando deixadas à sua
descrição; e que qualquer regulação feita pela autoridade, excepto para

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proteger o direito dos outros, de certo que é considerada como maliciosa. Esta
conclusão, a que lentamente se chegou, e não adoptada até todas as possíveis
aplicações da teoria contrária terem dado resultados desastrosos, prevalece
agora (na secção industrial) universalmente nos países mais avançados, e
quase universalmente em todos aqueles que têm pretensões a algum tipo de
avanço. Não quer dizer que todos os tipos de processos, supostamente, sejam
todos bons, ou que todas as pessoas sejam igualmente qualificadas para tudo;
mas que a liberdade de escolha individual é agora, reconhecidamente, a única
escolha que motiva a adopção de melhores processos, e larga cada operação
nas mãos daqueles que estão melhor qualificados para isso. Ninguém pensa
que é necessário fazer leis em que só o homem poderoso seja um ferreiro. A
liberdade e a competição são suficientes para fazer de ferreiros homens
poderosos, porque os mais fracos podem ganhar mais ocupando-se em
trabalhos para os quais estão mais qualificados. Em consonância com esta
doutrina, sente-se que é uma precipitação dos limites próprios da autoridade,
determinar por antecipação, em alguma presunção geral, que certas pessoas
não estão preparadas para certas coisas. É agora perfeitamente conhecido e
admitido que se tais presunções existem, nenhuma presunção é infalível.
Mesmo que seja bem sustentada na maioria dos casos, o que é muito provável
não ser, haverá uma minoria de casos excepcionais na qual não se sustentará:
e nesses é tanto uma injustiça para os indivíduos como uma deterioração da
sociedade, colocando barreiras no uso das suas faculdades para o seu próprio
benefício e dos outros. Por outro lado, nos casos nos quais a incapacidade é
real, os normais motivos da conduta humana serão, no todo, suficientes para
prevenir a pessoa incompetente de fazer, ou de persistir, na tentativa.
Se este princípio geral das ciências sociais e económicas não forem verdade;
se os indivíduos, com essa tal ajuda com a qual podem divergir da opinião
daqueles que os conhecem, não são melhor juízes que a lei e o governo das
suas capacidades e vocações; o mundo não pode abandonar imediatamente
este princípio e voltar ao velho sistema das regulações e incapacidades. Mas
se o princípio for verdadeiro, devemos actuar como se acreditássemos, e não
estabelecer que quem nasceu rapariga em vez de rapaz, e mais ainda quem
nasceu preto e não branco, ou como um homem do povo em vez de um nobre,
que deve decidir a posição dessa pessoa durante toda a vida – deve impedir
que as pessoas de todas as posições sociais mais altas e de todas, excepto
algumas, posições respeitáveis. Mesmo admitindo o mais extremo, que foi
sempre pretendido, como a superior capacidade de todos os homens para
todas as funções que lhes são agora reservadas, o mesmo argumento aplica-
se quando se proíbe a qualificação legal para membros do Parlamento. Mesmo
que numa dúzia de anos as condições de elegibilidade que excluem uma
pessoa capaz, haverá uma perda real, enquanto que a exclusão de milhares de
pessoas não qualificadas não há qualquer ganho; pois se a constituição do
corpo eleitoral dispõe as condições para excluir pessoas incapazes, haverá
sempre imensas pessoas para escolher. Em todas as dificuldades e assuntos
importantes, aqueles que as conseguem realizar são sempre menos do que
são necessários, mesmo com a mais ampla latitude de escolha: e qualquer
limitação do campo de selecção priva a sociedade de ser servida pelos
competentes, sem nunca a salvarem dos incompetentes.
No presente, nos países mais desenvolvidos, a incapacidade das mulheres é o
único caso, excepto num, nas quais as leis e as instituições tomam as pessoas

13
pelo seu nascimento e estabelecem que nunca nas suas vidas lhes seja
permitido competir por certas coisas. A única excepção é na realeza. Ainda há
pessoas que nascem para reinar; ninguém, que não seja da família reinante,
pode alguma vez ocupá-lo, e nem mesmo ninguém dessa família pode obter o
trono, por qualquer meio que não seja o curso da sucessão hereditária. Todas
as outras dignidades e vantagens sociais estão disponíveis a todos os
membros do sexo masculino: de facto, muitos estão alcançáveis somente
através de riqueza, mas esta pode ser alcançável através do esforço de
qualquer um, como é hoje obtido por muitos homens de origens muito
humildes. As dificuldades para a maioria são, de facto, insuperáveis sem a
ajuda de golpes de sorte; mas não há qualquer ser humano masculino que
esteja sob qualquer impedimento legal: seja a lei ou opiniões que acrescentam
obstáculos artificiais aos obstáculos naturais. A realeza, como eu disse, é uma
excepção: mas mesmo neste caso todos sentem que é uma excepção – uma
anomalia no mundo moderno, acentuando uma oposição aos costumes e aos
princípios e que se justifica somente por expedientes especiais extraordinários,
os quais, apesar das diferenças entre indivíduos e nações na estimação da sua
importância, inquestionavelmente existem. Mas neste caso excepcional, no
qual uma função social alta é, por razões importantes, conferida à nascença
em vez de ser posta em competição, todas as nações livres forjam uma
adesão, na essência, ao princípio do qual nomeadamente depreciam; pois
circunscrevem esta alta função através de condições manifestamente
intentadas para prevenir que a pessoa a quem pertence, ostensivamente, esta
função, realmente a pratique; enquanto que a pessoa que realmente pratica
esta alta função, o ministro responsável, obtém este lugar numa competição na
qual nenhum cidadão de pleno direito do sexo masculino é legalmente
excluído. As incapacidades a que as mulheres estão, assim, sujeitas apenas do
simples facto de assim terem nascido, são um exemplo único na legislação
moderna. Em nenhum outro momento, excepto neste, que diz respeito a
metade da raça humana, estão as altas funções sociais fechadas a qualquer
pessoa simplesmente por uma fatalidade de nascimento, as quais não admitem
qualquer uso, ou alterações de circunstâncias, que possam excedê-las; pois
nem mesmo as incapacidades religiosas (excepto em Inglaterra e na Europa
onde elas praticamente não existem) impedem uma carreira para a pessoa
desqualificada, no caso de conversão.
A subordinação social das mulheres, no entanto, permanece um facto isolado
nas instituições sociais modernas; um pequeno apontamento no que se tornou
a sua lei fundamental; uma relíquia única do pensamento e de uma prática de
um mundo antigo desacreditado em tudo o resto, mas que foi mantida num
único aspecto de interesse universal; como se de um dólmen gigantesco ou um
amplo templo de Júpiter no Olimpo, ocupando o lugar de S. Paulo e recebendo
adorações diárias, enquanto que as Igrejas Cristãs ao redor estavam apenas
reservadas ao fastio e aos festivais. A completa discrepância entre um facto
social e aqueles que o acompanham, e a radical oposição entre a sua natureza
e o movimento progressivo, que é o impulso do mundo moderno, e que
sucessivamente afastou tudo o resto de carácter análogo a ele, suporta, de
certeza, a um observador consciente das tendências humanas, sérias matérias
para reflexão. Levanta uma presunção, em prima facie, do lado desfavorecido,
ultrapassando, em muito, qualquer tradição e costume que poderia criar

14
circunstâncias favoráveis; e deveria, no mínimo, ser suficiente fazer disso,
como a escolha entre republicanismo e realeza, uma questão equilibrada.
O mínimo que pode ser pedido é que a questão não possa ser considerada
como preconceito pelos factos e opiniões existentes, mas ser aberta à
discussão nos seus méritos, como uma questão de justiça e de interesse
próprio: baseando a decisão nisto, tal como em qualquer outra questão de
acerto social da humanidade, dependendo no que umas estimadas tendências
e consequências iluminadas possam mostrar para uma maior vantagem da
humanidade em geral, sem distinção de sexo. E a discussão deve ser uma
discussão real, descendo até às fundações, e não ficando satisfeito com
asserções vagas e gerais. Não será aceite em termos gerais, por exemplo, que
a experiência da humanidade se pronunciou a favor do sistema que existe
agora. A experiência não tem possibilidade de decidir entre dois cursos, desde
que só se tenha tido experiência de um. Se se disser que a doutrina da
igualdade entre os sexos foi baseada apenas na teoria, deve ser lembrado que
a doutrina contrária também apenas se baseou na teoria. Tudo o que possa ser
provado a seu favor, por experiência directa, é que a humanidade existiu
assim, e que conseguiu se elevar a um nível de desenvolvimento e de
prosperidade que agora vemos; mas se essa prosperidade poderia ser atingida
mais cedo, ou que é agora maior do que poderia ter sido sob outro sistema
diferente, a experiência nada nos diz. Por outro lado, a experiência diz-nos, que
qualquer passo no desenvolvimento tem sido invariavelmente acompanhado
por outro passo ao elevar a posição social das mulheres, que os historiadores e
os filósofos têm sido levados a adoptar a sua elevação ou rebaixamento como
um todo nos testes mais assertivos e mais bem medidos de uma civilização ou
de uma era. Através de todas os períodos de progresso da história da
humanidade, as condições das mulheres foram-se aproximando, até perto da
igualdade, das dos homens. Em si, isto não prova que a assimilação deva
continuar até à completa igualdade; mas de certeza que permite alguma
presunção de que isso possa ser o caso.
Nem isto avalia alguma coisa, dizendo que a natureza dos dois sexos se
adapta às suas presentes funções e posições, e que os torna apropriados para
eles. Ficando pelo campo do senso comum e da constituição da mente
humana, nego que alguém saiba, ou possa saber, a natureza dos dois sexos,
desde que tenham sido vistos na sua relação actual entre eles. Se os homens
tivessem sempre vivido, na sociedade sem as mulheres, ou as mulheres sem
os homens, ou houvesse uma sociedade de homens e mulheres onde as
mulheres não estivessem sob o controlo dos homens, seria possível conhecer
alguma coisa sobre as diferenças mentais e morais que seriam inerentes à
natureza de cada um do sexos. O que é agora chamada de natureza feminina
é uma coisa eminentemente artificial – é o resultado, em alguns aspectos, de
uma repressão forte e uma estimulação não natural noutros. Pode ter sido
declarado, sem escrúpulos, que nenhuma classe de dependentes tenha o seu
carácter tão distorcido das suas proporções naturais pela relação com os seus
donos; pois, se raças conquistadas e escravizadas tenham sido, em alguns
aspectos, mais fortemente dominados, o que quer que seja que não fosse
destruído por uma força de ferro foi deixado só, e se deixado com qualquer
liberdade de movimentos, desenvolveu-se sozinho de acordo com a suas
próprias leis; mas no caso das mulheres, tem sido feito ao longo dos tempos
uma espécie de cultivo e de casa de estufa em algumas das suas capacidades

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naturais para o benefício e prazer dos seus donos. Depois, porque certos
aspectos força vital geral se espalharam luxuosamente e chegaram a um
desenvolvimento tal, devido ao sobre aquecimento e sob esta nutrição activa e
húmida enquanto outros rebentam da mesma raiz, que são deixados lá fora ao
tempo invernoso, com gelo a desenvolver-se à volta deles, tiveram um
crescimento impressionante enquanto outros queimados e desaparecem; os
homens, com aquela inabilidade de reconhecer o seu próprio trabalho que
distinguem as mentes não analíticas, indolentemente acreditam que a árvore
cresce pelos seus próprios meios da maneira como queriam que crescesse, e
que morreria se metade dela não se mantivesse em vapor e a outra na neve.
De todas as dificuldades que impedem o progresso do pensamento, e a
formação de opiniões bem formadas nos assuntos diários e sociais, a maior é,
agora, a inefável ignorância e a desatenção da humanidade a respeito às
influências que forma o carácter humano. Qualquer que seja a destino das
espécies humanas, ou que pareça ser, tal destino, supostamente, tem uma
tendência natural para ser: mesmo quando o mais elementar conhecimento das
circunstâncias em que foram colocadas, claramente aponta as causas que
fizeram o que elas actualmente são. Porque um arrendamento que está com o
pagamento muito atrasado, em relação ao senhorio não é prático, há muitas
pessoas que pensam que os Irlandeses são preguiçosos. Porque as
constituições podem ser deitadas fora quando as autoridades, que são feitas
para as executar, viram as armas contra eles, há pessoas que pensam que os
Franceses são incapazes de terem um governo livre. Porque os Gregos
enganaram os Turcos, e os Turcos saquearam os Gregos, há pessoas que
pensam que os Turcos são mais sinceros; e porque as mulheres, que se diz
muitas vezes, não se importam nada com a política, exceptuando as suas
qualidades, é suposto que o bem comum seja naturalmente menos
interessante para elas do que para os homens. A história que é agora muito
melhor compreendida que antigamente, ensina uma outra lição: se apenas se
mostrar a excepcional susceptibilidade da natureza humana a influências
externas e a extrema variabilidade das suas manifestações, as quais são,
supostamente, serem as mais universais e uniformes. Mas na história, como
nas viagens, os homens normalmente vêem o que já têm metido nas suas
cabeças; e muito poucos aprendem da história e que não traz muito consigo
para os seus estudos.
No entanto, no que diz respeito à questão mais difícil, quais são as diferenças
naturais entre os dois sexos – um assunto no qual é impossível, no estado
actual da sociedade, obter um completo e correcto conhecimento – enquanto a
maioria dogmatiza sobre isso, quase todos o negligenciam e pensam nos
únicos meios sobre os quais uma visão parcial possa ser obtida sobre esse
assunto. Estas são, num estudo analítico da mais importante secção
psicológica, as leis de influência das mudanças no carácter. Pois,
independentemente de quão grande e irradiáveis possam ser as diferenças
morais e intelectuais entre homens e mulheres, as evidência de serem
diferenças naturais só poderá ser negativa. As quais só podem ser inferidas
que são naturais o que não pode ser artificial – o resíduo, após a dedução de
todas as características de cada sexo, os quais podem ser admitidas de serem
explicadas por educação ou por circunstâncias externas. O conhecimento mais
profundo das leis de formação de carácter é indispensável para permitir a
qualquer um a afirmação de que há, de facto, diferenças, muito mais do que

16
são essas diferenças, entre os dois sexos considerados como seres morais e
racionais; e desde que ninguém, como agora, teve esse conhecimento (pois
dificilmente haja qualquer assunto que, em proporção à sua importância, tenha
sido tão pouco estudado), ninguém está, portanto, capacitado de ter qualquer
opinião positiva sobre o assunto. Conjecturas é o que se pode fazer agora, no
presente; conjecturas, mais ou menos prováveis, podem ser feitas de acordo
com o tipo de autoridade, mais ou menos aceite, que esses conhecimentos que
ainda temos das leis da psicologia, nos possam dar na aplicação da formação
do carácter.
Mesmo os conhecimentos preliminares do que são, agora, as diferenças entre
os dois sexos, fora de todas as questões de como é que elas se tornam no que
são, está ainda no mais rústico e incompleto estado. Médicos e fisiologistas
demonstraram, até um certo limite, as diferenças na constituição corporal; e
isto é um elemento importante para os fisiologistas: mas é raro qualquer
médico ser fisiologista. No que diz respeito às características mentais das
mulheres; as suas observações não têm mais merecimento do que as do
homem comum. É um assunto sobre o qual nada pode ser dito de uma forma
acabada, desde que só aqueles que possam realmente saber, as próprias
mulheres, têm dado um minúsculo testemunho, e mesmo esse minúsculo
testemunho, e, na sua maioria, subornado. É fácil de conhecer mulheres
estúpidas. A estupidez é basicamente a mesma em todo o mundo. As noções e
os sentimentos de uma pessoa estúpida podem ser confidencialmente inferidas
por aqueles que se mantêm no círculo que rodeia a pessoa. Mas não é assim
com aqueles cujas opiniões e sentimentos são uma emanação da sua própria
natureza e faculdades. Só aqui e ali é que um homem que tenha algum
conhecimento tolerante de caracteres, mesmo das mulheres da sua própria
família. Não estou a falar das suas capacidades; destas, ninguém sabe, nem
mesmo elas próprias, porque a maioria delas nunca foi posta à prova. Do que
eu estou a falar é sobre os seus pensamentos e sentimentos. Muitas vezes o
homem pensa que compreende perfeitamente as mulheres, apenas porque
teve relações amorosas com várias, talvez com muitas. Se ele for um bom
observador, e a sua experiência se estende à qualidade como à quantidade, é
possível que tenha aprendido alguma coisa de uma pequena parte da sua
natureza – uma parte importante, sem dúvida. Mas de tudo o resto, muito
poucas pessoas são assim tão ou mais ignorantes, porque só se esconde bem
essa natureza de muito poucos. O caso mais favorável em que, geralmente,
um homem ocasião para estudar o carácter da mulher, é o da sua mulher: pois
tem maiores oportunidades e os casos de extrema simpatia não são assim tão
raros. E, de facto, é desta fonte, penso eu, que a generalidade dos casos que
valham a pena serem conhecidos são originários. Mas a maioria dos homens
ainda não teve a oportunidade de estudar, desta maneira, mais do que um
caso: pode-se inferir, de acordo, com um exemplo a um nível irrisório, o que é
uma esposa, da opinião generalista do homem, sobre as mulheres. Para que
este caso colha algum resultado, a mulher tem que ser merecedora de ser
conhecida, e não só o homem tem que ser um juiz competente, mas tem que
ter um carácter, em si, tão complacente e tão bem adaptado ao dela, que ele
poderá ler a sua mente por um intuição compreensiva, ou não ter nada em si
mesmo que a faça ficar constrangida na sua descoberta. Creio que quase nada
pode ser mais raro que esta conjunção. Muitas vezes acontece que há uma
completa união de sentimentos e uma interacção de interesses como nos

17
objectos exteriores da natureza, mas que no entanto um ainda tem uma
pequena adesão à vida interna do outro como se fossem conhecidos. Mesmo
quando há uma verdadeira afecção, a autoridade de um lado e a submissão do
outro ainda impede uma perfeita confidência. Embora nada possa ser recusado
intencionalmente, não deve ser revelado. Na relação análoga entre um dos
pais e um filho, o fenómeno correspondente deve estar na mira de toda a
gente. Como entre pai e filho, em quantos casos no qual o pai, apesar das
reais afecções entre ambos, o que é óbvio para o resto do mundo, não sabe
nem suspeita de algumas partes do carácter tão familiar do seu filho. A verdade
é que a posição de olhar pelo outro é extremamente impróprio para uma
completa sinceridade e abertura com ele. O medo de perder terreno na sua
opinião ou nos seus sentimentos é fortíssimo, que mesmo num carácter
vertical, há uma tendência inconsciente para mostrar só o melhor lado, ou o
lado no qual não seja o melhor, é o lado que mais deseja ver: e pode dizer-se,
de uma maneira muito confidencial, que um conhecimento íntimo de ambos
raramente existe, existindo apenas o conhecimento entre pessoas que, apesar
da sua intimidade, são iguais. Torna-se ainda mais verdadeiro quando um não
está apenas sob a autoridade do outro mas que foi incutido nela, como um
dever, ser da mesma opinião em tudo o que se submeta ao conforto e ao
prazer dele e não o deixar ver nem sentir nada que venha dela, excepto o que
for do seu agrado. Todas estas dificuldades impedem que o homem obtenha
qualquer conhecimento íntimo mesmo de uma mulher, a qual, sozinha, ele teve
oportunidades suficientes para estudar. Quando consideramos, mais adiante,
que para compreender as mulheres não é necessário compreender qualquer
mulher; mesmo que ele possa estudar muitas mulheres de um extracto social,
ou de um país, não vai poder compreender as mulheres de outros extractos
sociais ou de outros países; e mesmo que conseguisse, essas mulheres são
mulheres de um período singular da História; podemos seguramente afirmar
que o conhecimento que os homens possam adquirir das mulheres, mesmo
que elas tenham estado, e estejam, sem referências do que elas possam ser,
for miseravelmente imperfeita e superficial, e sempre será assim, até as
mulheres dizerem tudo aquilo que têm para dizer.
E esse tempo ainda não veio; nem virá a não ser gradualmente. Foi só há
pouco tempo que as mulheres se qualificaram literariamente, ou que lhes fosse
permitido pela sociedade, para dizer qualquer coisa ao público em geral. Como
ainda há poucas mulheres que se atrevem a dizer o que quer que seja, os
quais, os homens, de quem o seu sucesso literário depende, pouco ou nada
desejam ouvir. Lembremo-nos de que maneira, até muito recentemente, a
expressão de um autor masculino, de opiniões inusitadas, ou de sentimentos
excêntricos tidos em consideração, era normalmente, e até certo ponto ainda é,
recebido; podemos formar alguma concepção vaga sobre que impedimentos a
mulher tem, que é ensinada a pensar de acordo com a sua regra, na tentativa
de expressar em livros alguma coisa preparada nas profundezas da sua própria
natureza. A grande mulher que deixou suficientes escritos que lhe dessem um
nível alto na literatura do seu país, embora necessitou afixar, como máxima, ao
seu livro mais ousado, “Un homme peut braver l’opinion; une femme doit s’y
soumettre.” 1

1
Título de Mme de Staël’s Delphine

18
A maior parte das coisas que as mulheres escrevem sobre as mulheres é mero
sicofantismo. No caso das mulheres não casadas, parece que muito do que
dizem é com o intuito de arranjar um marido. Muitas, ambas casadas e não
casadas, ultrapassaram essas características, e incutiram uma servidão para
além do que é desejável e requerido por qualquer homem, excepto os mais
vulgares. Mas isto não é um caso tão frequente como o era há uns tempos
atrás. Literalmente, as mulheres estão a tornar-se mais livres na expressão, e
com um maior desejo de se expressarem os seus reais sentimentos.
Infelizmente, especialmente neste país, são elas próprias um produto tão
artificial, que os seus sentimentos são compostos de um pequeno elemento de
consciência e de observação individual e de uma grande parte de associações
adquiridas. Este caso irá gradualmente desaparecer, mas manter-se-á como
verdadeiro durante muito tempo, enquanto as instituições sociais não admitirem
o mesmo livre desenvolvimento originário nas mulheres da mesma maneira
que o admitiram para os homens. Quando chegar essa altura, e não antes,
veremos e ouviremos, quão necessário será para conhecer a natureza das
mulheres e a adaptação de outras coisas a isso.
Demorei-me tanto tempo nas dificuldades que no presente impedem qualquer
conhecimento real da verdadeira natureza feminina por parte dos homens,
porque como em tantas outras coisas “opinio copiae inter máximas causas
inopiae est”; e há poucas hipóteses de haver um raciocínio razoável sobre o
assunto, enquanto as pessoas se auto elogiarem da perfeita compreensão de
um assunto sobre o qual a maioria dos homens não sabem quase nada, e
sobre o qual é impossível, presentemente, que qualquer homem ou todos os
homens em conjunto devam ter algum conhecimento que os poderá qualificar
para discernir as leis das mulheres sobre quais são ou não são as suas
vocações. Felizmente, esse tipo de conhecimento não é necessário para
qualquer propósito prático ligado à posição das mulheres em relação à
sociedade e à vida. Porque, de acordo com os princípios envolvidos na
sociedade moderna, a questão permanece com as próprias mulheres –
decidirem através da sua própria experiência e pelo uso das suas capacidades.
Não há maneira de saber o que é que cada pessoa, individualmente, ou muitas
pessoas, em conjunto, pode fazer, mas apenas por tentativas – e nunca
descobrindo o que serve para a felicidade de cada um ou então abandoná-los.
De uma coisa podemos estar certos – que o que é contrário à natureza
feminina nunca será feito apenas por libertarem a natureza feminina. A
ansiedade da humanidade em interferir, em nome da natureza, com medo de
que a natureza não tenha sucesso em chegar ao seu fim, é uma preocupação
de todo desnecessária. O que é que as mulheres não podem fazer
naturalmente, e deveras supérfluo para as proibir de o fazer.
O que elas podem fazer, mas não tão bem como os homens que são os seus
competidores, competição essa que é suficiente para as excluir; já que
ninguém pergunta pelas acções de protecção e liberdades das mulheres; é
apenas questionado se as actuais liberdades e as protecções a favor dos
homens devem ser revogadas; se as mulheres têm uma maior inclinação
natural para umas coisas do que para outras, não há necessidade de leis nem
de imposições sociais que as façam fazer o que a maioria já fazia
anteriormente em preferência ao que irão fazer amanhã. Seja qual for o serviço
que seja mais solicitado às mulheres, o jogo da livre competição irá retê-las nos
estímulos mais fortes que terão. E, como de deduz das palavras, elas são mais

19
requisitadas para as coisas que estão mais preparadas; pela distribuição que
lhes cabe, as faculdades colectivas de ambos os sexos podem ser aplicadas
no todo com uma grande soma de resultados positivos.
A opinião geral que é suposta ser a dos homens é de que a vocação natural da
mulher é a de ser esposa e mãe. Digo que é suposta ser porque julgando pelos
actos – por causa da completa constituição da sociedade – podemos inferir que
a opinião deles era completamente oposta. Deve ser suposto pensarem que a
alegada vocação natural das mulheres era, de todas as coisas, a mais
repugnante para a sua natureza; de qualquer maneiras se elas são livres de
fazer qualquer outra coisa – se tiverem disponíveis outros meios de viver ou de
ocuparem o seu tempo e as suas capacidades, as quais têm a possibilidade de
lhes serem agradáveis – não haverá mulheres suficientes que estejam
dispostas a aceitarem as ditas condições que lhes são naturais. Se esta for
opinião geral dos homens seria bom que fosse afirmada publicamente.
Gostaria de ouvir alguém anunciar abertamente a doutrina (que já está implícita
no que foi escrito sobre o assunto) – “ É necessário para a sociedade que as
mulheres devam casar e ter filhos. Elas não o farão a não ser que sejam
obrigadas a isso. Então é necessário obrigá-las.” Os méritos do caso seriam,
então, claramente definidos. Seria exactamente como os donos de escravos na
Carolina do Sul e no Louisiana. “É necessário que o algodão e o açúcar
cresçam: Os brancos não o podem fazer. Os negros não o farão, seja por que
salário for. Logo (Ergo), devem ser obrigados.” Uma ilustração mais próxima ao
ponto é o do recrutamento forçado. Os marinheiros devem estar absolutamente
aptos para defender o país. Acontece muitas vezes que não se alistam
voluntariamente. Assim, tem de haver um poder que os obrigue. Quantas vezes
foi usada esta lógica! e, sem nenhuma imperfeição, foi bem sucedida até aos
dias de hoje. Mas está aberta a discussão – Primeiro paguem aos marinheiros
o valor mais honesto pelo seu trabalho. Se foi feito com que valesse a pena
enquanto eles nos serviam, como quando trabalharam para outros patrões, não
iremos ter qualquer dificuldade em obter os seus serviços. Para isto não há
uma resposta lógica excepto “Eu não o farei”, e não só a pessoas estão
envergonhadas, mas não estão desejosas, de roubar o trabalho do seu
empregado, o recrutamento forçado já não é defendido. Aqueles que tentam
forçar as mulheres a casar, fechando-lhes todas as portas, deixam-se à mercê
de uma disputa semelhante. Se aquilo que dizem é aquilo que querem mesmo
dizer, a sua opinião deve ser, evidentemente, que os homens não tornam a
condição de casadas a coisa mais desejável para as mulheres, como as
induziram a aceitar pelas suas próprias recomendações. Não é um sinal de um
pensamento em que se oferece um osso muito atractivo, quando nos é apenas
permitido a escolha de Hobson, “isso ou nada”. E aqui, acredito eu, está a
chave dos sentimentos daqueles homens, que têm uma antipatia real à
igualdade de liberdade para as mulheres. Penso que eles têm medo, com
receio de que mais mulheres não queiram casar, apesar de eu não pensar que
alguém, na realidade, tenha essa apreensão; mas a não ser que devam insistir
no casamento deva ter as mesmas condições para ambos; a não ser que todas
as mulheres de espírito livre e capacidade devam preferir qualquer outra coisa,
que não seja degradante aos seus olhos, em vez de se casarem, quando o
casamento lhes deus um senhor, e também um senhor de todas as suas
posses. E, na verdade, se esta consequência estivesse necessariamente
ligado ao casamento, penso que a apreensão dos homens tinha muitos

20
fundamentos. Concordo que é provável que poucas mulheres, capazes de
fazer qualquer coisa, quereria, a não ser sob um entretenimento irresistível,
rendendo-se insensivelmente a tudo menos a ele, escolha uma tal sorte,
quando haveria outros meios que estariam abertos ao preenchimento de um
lugar honrado na vida; e se os homens estão determinados que a lei do
casamento seja uma lei de despotismo, estão completamente certos, em
termos de mera política, em deixar as mulheres com a escolha de Hobson.
Mas, nesse caso, tudo o que foi feito no mundo moderno para relaxar as
correntes das mentes das mulheres, foi um erro. Nunca deveriam ter tido
acesso à educação literária. As mulheres que lêem, e mais as mulheres que
escrevem, são, na actual ordem existentes das coisas, um elemento
contraditório e perturbador; e foi errado trazer as mulheres a qualquer
conhecimento para além daqueles conhecimentos odalísticos, ou de uma serva
doméstica.

Capítulo 2

Seria bom começar a detalhada discussão do assunto pela secção particular


pela qual nos levou o curso das nossas observações: as condições que as leis
do nosso e de outros país anexaram ao contracto matrimonial. Sendo o
casamento o destino determinado para as mulheres pela sociedade, o
panorama que se lhes levanta, e o assunto que lhes é destinado deveria ser
pensado por todas elas, excepto por aquelas que são tão pouco atractivas para
serem escolhidas por qualquer homem para serem as suas companheiras;
deveria ter-se pensado que tudo seria feito para tornar esta condição tão
elegível quanto possível para elas, que não haveria possibilidade de terem
qualquer tipo de arrependimento ao negarem qualquer outra opção. No
entanto, tanto nesta como, inicialmente, nas outras opções, a sociedade
preferiu alcançar o seu objectivo por meios condenáveis em vez de por meios
mais justos: mas este caso é a excepção, pois subsistiu com persistência até
aos nossos dias. Originalmente as mulheres eram tomadas à força ou
regularmente vendidas pelo pai ou pelo marido. Até muito tarde na História
Europeia, o pai tinha o poder de dispor, à sua vontade e prazer, da sua filha
para o casamento, sem qualquer respeito pela vontade dela. De facto, a Igreja,
era, de uma tal maneira, mais fiel a uma melhor moralidade do que a receber
um “sim” formal da mulher na cerimónia matrimonial; mas nada indicava que o
consentimento era de outra maneira que não o compulsivo; e era praticamente
impossível para a rapariga a recusa na complacência perante a persistência do
pai, exceptuando, talvez, quando ela poderia ter a protecção da religião por ter
resolvido obedecer aos votos monásticos.
Após o casamento, o homem tem, desde tempos ancestrais (e isto foi anterior
ao Cristianismo), o poder sobre a vida e a morte sobre a sua mulher. Ela não
podia invocar qualquer lei contra ele; ele era o único tribunal e a única lei para
ela. Durante muito tempo ele podia repudiá-la, mas não havia nenhum poder
correspondente para ela em relação a ele. Pelas antigas leis de Inglaterra, o
marido era chamado o senhor da sua esposa; era ele que, literalmente, era
soberano para ela, de tal maneira que o assassinato do marido pela esposa era
considerado traição (uma pequena traição para se distinguir da alta traição), e

21
era vingada de uma maneira ainda mais cruel que no próprio caso de alta
traição, pois a pena era ser queimada viva. Devido a estas inúmeras
enormidades terem caído em desuso (apesar da maior parte delas não terem
sido realmente abolida ou até terem deixado de ser praticadas por muito
tempo), os homens pensam que tudo está, agora, de acordo com o contracto
matrimonial; e continuamos a dizer que a civilização e o Cristianismo devolveu,
às mulheres, os seus direitos. Entretanto, a mulher é serva do seu marido; não
é menos, do que diz respeito às obrigações legais, do que, como é comum
chamar-se, um escravo. Ela promete, no altar, uma vida inteira de obediência e
isso é confirmado, na sua vida, pela lei. Os casuístas podem dizer que a
obrigação da obediência termina logo na participação do crime, mas de certeza
que se estende a tudo o resto. Ela não pode fazer nada sem o consentimento
do marido, pelo menos tácito. Ela não pode adquirir qualquer propriedade a
não ser através dele; no momento em que a propriedade é dela, mesmo que
por herança, torna-se, de facto, dele. Neste aspecto a posição da mulher, sob a
lei de Inglaterra, é pior do que a dos escravos em muitos países: pela lei
romana, por exemplo, um escravo poderia ter posses, às quais, até um certo
sentido, a lei lhes garantia para seu uso exclusivo. Às classes mais altas, neste
país, foi dada uma vantagem análoga às suas mulheres, através de contractos
especiais, à parte da lei, por condições monetárias, etc.: desde que o
sentimento paternal não seja mais forte para os pais que o sentimento de
classe pelo mesmo sexo, um pai geralmente prefere a sua própria filha a um
genro que lhe é estranho. Por determinação, os ricos arranjavam maneira de
retirar toda ou parte da propriedade herdada pela esposa para o controlo
absoluto do marido: mas elas falharam em as manter sob o seu próprio
controlo; o máximo que elas poderiam fazer era, apenas, impedir que o marido
as gastasse e, ao mesmo tempo, privasse o verdadeiro dono de fazer pleno
uso dessas propriedades.
A própria propriedade está fora do alcance de ambos; e no que diz respeito ao
lucro que deriva da propriedade, a forma de estabelecimento mais favorável à
esposa (o chamado “para seu uso privado”) apenas impede que seja o marido
a recebê-lo em vez dela: tem que passar pelas mãos delas, mas se ele lhe tira,
assim que ela o recebe, através de violência pessoal, ele não pode ser punido
nem ser obrigado a restitui-lo. Este é o tipo de protecção, sob as leis deste
país, que o poderoso nobre pode oferecer à sua própria filha no que diz
respeito ao seu marido. Na imensa maioria dos casos não há qualquer tipo de
determinação: e a retirada de todos os direitos, de toda a propriedade, assim
como de toda a liberdade de acção, está completa. Legalmente, os dois são
tidos como sendo um único indivíduo, com o propósito de inferir que tudo o que
seja dela é dele também, mas a inferência paralela, nunca é posta como se
tudo o que fosse dele também fosse dela. A máxima não é aplicada contra o
homem, excepto para o responsabilizar, perante terceiros, pelos actos dela,
como é um dono responsável pelos actos dos seus escravos ou do seu gado.
Longe de mim pretender que as mulheres sejam equiparadas, no tratamento
que lhes é dado, aos escravos; mas nenhum escravo é tão escravo, excepto na
completa definição da palavra, como o é a esposa. Raramente um escravo,
excepto aquele que está intimamente ligado ao seu dono, é um escravo a
tempo inteiro; geralmente ele tem, como um soldado, as suas tarefas definidas,
que quando estão feitas ou quando está de folga, dispõe, dentro de certos
limites, do seu tempo e tem uma família onde raramente o dono se intromete.

22
O “Tio Sam”, sob o seu primeiro dono, tinha a sua própria vida na sua “cabina”
quase tanto como qualquer homem cujo trabalho o leva para fora de casa,
podia ter a sua própria família. Mas isto não podia acontecer com a esposa.
Acima de tudo, uma mulher escrava tinha (nos países Cristãos) um direito
admitido, e considerado sob uma obrigação moral, de recusar ao seu dono a
última familiaridade. Mas não a esposa: independentemente de quão brutal era
o tirano a quem ela estava infelizmente submetida – embora ela saiba que ele
a odeia e possa ter um prazer em torturá-la diariamente e apesar de sentir que
é impossível não sentir aversão ao marido – ele pode exigir-lhe e forçá-la à
maior degradação que se pode fazer a um ser humano, que é torná-la um
instrumento em funções completamente contrárias às suas inclinações.
Enquanto ela é mantida neste horrível tipo de escravatura para com a sua
pessoa, o que é que ela pensa em relação aos filhos que teve juntamente com
o seu dono e sobre os quais têm interesses comuns? Eles são, pela lei, os
filhos dele. Apenas ele tem poderes legais sobre eles. Nem um único acto pode
ela ter em relação aos filhos, excepto se for delegada por ele. Mesmo depois
da morte do marido, a esposa não é a guardiã legal dos filhos, a não ser que
ele, por testamento, a tenha tornado. Ele pode, até, enviá-los para longe dela, e
retirar-lhe os meios de os ver ou de se corresponder com eles, até este poder
ter sido retirado, até certo ponto, pelo Acto do Sargento Talfourd. Este é o seu
estado legal. E deste estado ela não tem meios de se afastar. Se ela deixa o
seu marido, não pode levar nada com ela, seja os filhos ou qualquer coisa que
por direito seja dela. Se ele escolher, ele pode obrigá-la, por lei ou pela força, a
voltar; ou ele pode apenas em se contentar em adquirir, para o seu próprio uso,
qualquer coisa que ela possa ter ou que lhe tenha sido dada nas suas relações.
É apenas num divórcio legal, decretado por um tribunal de justiça, que dá o
direito à mulher de viver afastada, sem ser forçada a regressar à custódia de
uma prisão desesperante – ou que lhe dá o poder de aplicar qualquer ganho
para seu próprio uso, sem temer que um homem que ela não vê, talvez, há
vinte anos, se precipite sobre ela num dia e lhe leve tudo. Até há muito pouco
tempo, esta separação legal só era concedida pelo tribunal até um certo nível o
que tornava inacessível para qualquer pessoa fora das classes altas. Mesmo
agora, só é dado a casos de deserção ou nos casos de uma extrema
crueldade; e mesmo assim, são feitas queixas todos os dias que está muito
facilitada. Certamente, se à mulher é negada qualquer sorte na vida, excepto
em ser a escrava de um déspota, e sendo completamente dependente da sorte
de encontrar alguém que esteja disposto a tornar a sua favorita em vez de
fazer dela uma mera servil, é um agravamento muito cruel do seu destino que
lhe deveria ser possível tentar a sua sorte só uma vez. A sequência e o
corolário natural deste estado de coisas deveria ser, já que ela depende a sua
inteira vida em obter um bom dono, que lhe fosse permitido mudar até
encontrar um decente. Não digo que lhe seja dada, por obrigação, a
possibilidade de ter este privilégio. Isso é uma consideração completamente
diferente. A questão do divórcio, no sentido de envolver a liberdade para voltar
a casar, é uma questão que está fora do meu propósito entrar. Tudo o que eu
digo é que, para aquelas em que não lhes é permitido mais nada que não a
servidão, a escolha livre pela servidão é o único, embora de certa maneira
insuficiente, alívio. A sua recusa completa a assimilação da mulher em escrava
– e um escravo que não é no sentido mais ligeiro: pois em alguns códigos
esclavagistas, o escravo podia, sobre certas circunstâncias de maus-tratos,

23
forçar, legalmente, o seu dono a vendê-lo. Mas não há qualquer tipo de maus-
tratos, sem a adição de adultério, que liberte, em Inglaterra, a esposa do seu
carrasco.
Não desejo, de maneira nenhuma, exagerar, nem o caso tem essa
necessidade de exageros. Descrevi a situação legal da esposa, não o seu
tratamento actual. As leis da maioria dos países são muitas vezes piores do
que as pessoas que as executam, e muitos delas são apenas leis, sendo
muitas vezes esquecidas ou nunca postas em prática. Se a vida de casamento
fosse aquilo que todos esperam que seja, olhando apenas para as leis, a
sociedade seria um inferno na terra. Felizmente há sentimentos e interesses
que em muitos homens exclui, e em muitos de excelente temperamento, os
impulsos e as propensões que levam à tirania: e desses sentimentos, os laços
que ligam o homem à sua esposa demonstram sem comparação, num estado
normal das coisas, o melhor exemplo. O único laço que aproxima todos a
esses sentimentos e interesses, é entre ele e as suas crianças e que tende,
salvo em casos excepcionais, a fortalecer-se, em vez de os pôr em conflito.
Porque isto é verdade; porque os homens, em geral, não infligem, nem as
mulheres sofrem, toda a miséria que pode ser infligida e sofrida se todo o poder
da tirania, ao qual o homem está legalmente investido, fosse posto em acção;
os defensores da actual forma institucional pensam que toda a iniquidade se
justifica e que qualquer queixa são meras brigas com o mal, o qual é o preço a
pagar por qualquer supremo bem. Mas a mitigações postas em prática, as
quais, são compatíveis com a manutenção de todo o poder deste ou de
qualquer tipo de tirania, em vez de serem um tipo de desculpa para o
despotismo, apenas servem para provar o poder que a natureza humana
possui na reacção contra quaisquer vis instituições, e com que vitalidade as
sementes do bem, assim como as do mal, se difundem e se propagam no
carácter humano. Não se pode falar sobre despotismo na família que não
possa ser dito do despotismo político. Não há um rei absoluto que fique à
janela a desfrutar os lamentos do seu torturado súbdito, nem os despe dos
seus últimos farrapos e os deixe completamente abandonados à sua sorte. O
despotismo de Luís XVI não era o era o despotismo de Filipe, o Belo, ou de
Nadir Shah ou de Calígula; mas era suficientemente mau para justificar a
Revolução Francesa e para justificar os seus horrores. Se for feito um apelo às
intensas ligações existentes entre as mulheres e o seus respectivos maridos, o
mesmo se pode dizer da escravatura doméstica. Na Grécia e em Roma era um
facto normal os escravos submeterem-se à morte pela tortura em vez de
traírem os seus donos. Nas proscrições das guerras civis de Roma foi
assinalado que as esposas e os escravos eram heroicamente fiéis e os filhos
normalmente desleais. No entanto, sabemos o quão cruelmente os Romanos
tratavam os seus escravos. Mas, na verdade, estes intensos sentimentos
individuais nunca cresceram a luxúrias desmedidas como cresceram sob as
mais atrozes instituições. É parte da ironia da vida, que os sentimentos mais
fortes da gratidão devota, à qual a natureza humana parece ser susceptível,
surgem nos seres humanos contra aqueles que, tendo o poder para desfazer
inteiramente a existência humana na terra, retraem-se voluntariamente no uso
desse poder. A satisfação que sentirá a maioria dos homens, com estes
sentimentos, mesmo os de devoção religiosa, seria um verificação cruel.
Diariamente vemos como é que a sua gratidão aos Céus aparenta ter sido

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estimulada pela contemplação de outros homens a quem Deus não foi tão
misericordioso como o foi para eles próprios.
Seja a instituição a ser defendida a escravatura, o absolutismo político ou o
absolutismo do chefe de família, esperamos sempre ser julgados pelos
melhores motivos; e somos presenciados com o exercício apaixonado da
autoridade, de um lado, e de uma apaixonada submissão, por outro – a
sabedoria superior ordenando que tudo seja feito para o supremo bem dos
dependentes rodeados pelos seus sorrisos e pelas suas bênçãos. Tudo isto
viria muito a propósito se se pretendesse que não existe uma tal coisa como
sejam homens bons. Quem é que duvida que possa haver bondade, felicidade
e afecto sob o governo de um homem bom? Entretanto, as leis e as instituições
exigem ser adaptadas, não a homens bons, mas aos maus. O casamento não
é uma instituição feita só para alguns. Aos homens não se exige, como uma
preliminar cerimónia matrimonial, que se prove por testemunhas, que estão
preparados para serem de confiança no exercício do poder absoluto. Os laços
afectivos e de obrigações para com a esposa e os filhos é muito forte naqueles
que geralmente têm fortes sentimentos sociais e com muitos são poucos
sensibilizados para os outros laços sociais; mas há vários nível de
sensibilidade e de insensibilidade, como há vários graus de bem e de fraqueza
nos homens, principalmente com aqueles que não estão ligados a qualquer
obrigação e naqueles a quem a sociedade não age a não ser através da ultima
ratio, ou seja, as penalidades legais. Em qualquer grau da escala descendente
existem homens que estão obrigados a ter poderes legais de marido. O
malfeitor mais vil tem sempre alguma mulher infeliz, contra quem ele pode
cometer qualquer atrocidade excepto matá-la, e, se for cauteloso, pode fazê-lo
sem qualquer perigo de ser penalizado legalmente. E quantos milhares
existem, entre as classes mais baixas em todos os países, que, sem serem
legalmente considerados malfeitores noutros aspectos, nem que seja porque
em qualquer situação as suas agressões encontram resistência, satisfazem ao
máximo os seus habituais excessos de violência corporal para com a infeliz
esposa, que, sozinha, pelo menos nas pessoas adultas, não pode nem repelir
nem escapar dessas brutalidades; e para quem, o excesso de dependência é
uma inspiração para as suas naturezas más e selvagens, e que, não sem uma
paciência generosa, e tendo como ponto de honra, comportar-se bem para com
aquele cuja fortuna está inteiramente confiada na sua bondade, mas, pelo
contrário, com a noção que a lei as entregou, aos homens, como uma coisa
sua para ser usada a seu belo prazer, e a quem não é esperado uma prática de
alguma consideração para com as esposas, o que lhes é exigido, por eles, para
com todas as outras pessoas.
A lei, que até muito recentemente deixou que estas atrocidades extremas de
opressão doméstica ficassem praticamente impunes, fez, no decorrer destes
últimos anos, algumas tentativas fracas na repressão dessas mesmas
atrocidades. Mas as suas tentativas pouco progrediram, e não se espera que
faça muito, porque são contrárias à razão e à experiência para se supor que
haverá qualquer tipo de uma real verificação da brutalidade, compatível com o
deixar a vítima à mercê do seu carrasco. Até que haja uma condenação à
violência pessoal, ou pelo menos a uma repetição da mesma após uma
primeira condenação, que possibilite à mulher um divórcio real, ipso facto, ou
no mínimo a uma separação judicial, qualquer tentativa para reprimir estes

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“gravíssimos assaltos” através de castigos penais será impedida por um
procurador ou pela testemunha.
Quando consideramos quão vasto é o número de homens, em qualquer grande
país, que estão um pouco mais acima do que as bestas, e que isso nunca os
impedirá de serem capazes, através da lei matrimonial, de arranjar uma vitima,
a exalação do interior da miséria humana, causada apenas desta forma pelo
abuso das instituições, aumenta para algo aterrador. No entanto, estes são
casos só os casos extremos. São pequenos abismos, mas tem que se ir cada
vez mais fundo antes de lá chegarmos. Tanto na tirania doméstica como na
tirania política, o caso dos monstros absolutos ilustra bem, principalmente pelo
hábito instituído, que muito dificilmente não se pratica qualquer tipo de horror
se o déspota não quiser, e, assim, iluminando o que deve ser a terrível
frequência com que se praticam actos um pouco menos atrozes. A amizade
absoluta é tão rara quanto o são os anjos, se calhar ainda mais rara; uma feroz
selvajaria, com tiques ocasionais de humanidade, é, contudo, muito frequente:
e, no largo intervalo que separa estes de qualquer representante digno da
espécie humana, quantas são as formas e as gradações de animalidade e de
egoísmo, muitas vezes sob uma exterior aparência enganosa de civilização e
mesmo de aculturação, vivendo em paz com a lei e mantendo uma
credibilidade, aparente, perante aqueles que não estão sob a sua autoridade, e
que, no entanto, muitas vezes é o suficiente para tornar a vida, daqueles que
estão sob a sua autoridade, num tormento e num sacrifício! Será aborrecido
repetir, aqui, os lugares comuns sobre a incapacidade dos homens, em geral,
para o poder, o qual, após séculos de discussões políticas, todos conhecem de
cor, e onde nunca foi difícil a ninguém pensar na aplicação das máximas ao
caso em que, acima de tudo, elas são aplicadas. Que o poder não deve estar
nas mãos de um homem a qualquer altura, mas que é oferecido a qualquer
macho adulto, mesmo ao mãos básico e ao mais furioso. Não é porque um
homem ser conhecido por não quebrar qualquer dos Dez Mandamentos, ou
porque mantém uma personalidade respeitável nos actos com aqueles que ele
não pode obrigar a terem qualquer tipo de relação com ele ou porque não
demonstra qualquer tipo de acção violenta, por mau temperamento, contra
aqueles que não estão obrigados a suportá-lo, que é possível inferir de que tipo
será a sua conduta na privacidade do lar. Mesmo o homem mais comum
reserva o seu lado mais violento, de amuo, de indisfarçável egoísmo, da sua
personalidade para aqueles que não têm qualquer poder que os apoie. A
relação entre superiores e dependentes é o alimento destes vícios de carácter,
os quais onde quer que eles existem, são um transbordar dessa fonte. Um
homem que seja taciturno ou violento para com os seus, de certeza que é
alguém que viveu entre pessoas de classes inferiores, a quem ele podia
submetê-los por intimidação ou por preocupação. Se a família, na sua melhor
forma é, como é muitas vezes dito, uma escola de simpatia, ternura e de um
amor altruísta, é ainda muitas vezes, no que diz respeito ao seu líder, uma
escola de vontades, de prepotência, de satisfações pessoais sem limites e de
um egoísmo idealizado e ilimitado, no qual o próprio sacrifício é apenas uma
forma particular: o cuidar da mulher e dos filhos será o único cuidado que faz
parte do próprio interesse e das posses do homem, sendo o seu prazer
individual imolado, em todas as formas, nas mais pequenas preferências. O
que é que se pode esperar de melhor sob a actual forma de organização?
Sabemos que as más propensões da natureza humana são mantidas, apenas,

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dentro de certos limites quando não lhes é permitido liberdade de acção para
as suas satisfações. Sabemos que pelo impulso e pelo hábito, quando não
formam um objectivo deliberado, de quase todos os outros de quem lucram,
continuam a usurpá-los até chegar a um ponto que eles são obrigados a
resistirem. É esta a tendência comum da natureza humana; o poder quase
ilimitado que as organizações sociais dão ao homem sobre, pelo menos, um
ser humano – aquele com quem ele reside e que está sempre presente –
procura e evoca os germes latentes do egoísmo nos cantos mais remotos da
sua natureza – atiça as suas fracas faíscas e o carvão em latência – oferece-
lhe uma abertura para a satisfação daqueles pontos da sua personalidade
original, os quais, em todas as outras relações em que se viria envolvido
acharia necessário reprimi-las e escondê-las e cuja repressão criará, com o
tempo, uma segunda natureza. Sei que há um outro lado da questão. Dou
como adquirido que a esposa, se ela não consegue efectivamente resistir,
pode, no mínimo, retaliar; também ela pode tornar a vida do marido
inconfortável, e com esse poder que dispõe, ter a possibilidade de obter muitos
pontos que ela devia, e muitos que não devia, manter. Mas este elemento de
auto-protecção – que se pode chamar de censura ou de uma sanção pelo mau
génio – tem o fatal defeito, que é aproveitado, na maior parte, contra os mais
pequeno dos superiores tirânicos e a favor dos dependentes que menos
merecem. É a arma das mulheres irritáveis e empreendedoras; daquelas
mulheres que fariam o pior uso do poder se o dispusessem para si, e que,
geralmente reverte este poder a um mau uso, contra si. As amistosas não
podem usar este tipo de instrumento, as orgulhosas desdenham-no. E, por
outro lado, os maridos contra quem é usado mais efectivamente são os mais
gentis e mais inofensivos; aqueles que não podem ser induzidos, mesmo que
por provocação, a socorrer-se a qualquer exercício mais duro de autoridade. O
poder da esposa em ser geralmente desagradável apenas estabelece uma
contra-tirania maior e faz, por seu lado, serem vitimas daqueles maridos que
estão menos inclinados a serem tiranos.
O que é, então, que realmente tempera os efeitos corruptores do poder e o
torna compatível, como vemos agora, com uma tal soma de bem? Meras
carícias femininas, embora de grande efeito em indivíduos, têm muito pouco
efeito na alteração das tendências gerais da situação actual; pois, o seu poder
só dura enquanto a mulher é jovem e atractiva, muitas vezes quando o seu
charme é novo e não esbatido pela familiaridade; e em muitos homens não
tem, nunca, qualquer influência. As reais causas mitigadas são: o afecto
pessoal que cresce com o tempo, enquanto a natureza do homem seja
susceptível a isso, e a personalidade suficientemente congénita com a do
marido para o excitar; os seus interesses comuns no que respeito às crianças e
os seus gerais interesses comunitários no que respeita terceiras pessoas (para
os quais, no entanto, há grandes limitações); a importância real da mulher no
conforto e prazer diário do homem, e o valor que ele, consequentemente, lhe
dá, o qual, num homem capaz de sentimentos por outros, lança as bases para
do cuidar dela por ela; e, finalmente, a influência naturalmente adquirida por
quase todos os seres humanos que estão perto dessas pessoas (não sendo
desagradáveis para com elas); a quem, seja por súplica directa seja pelo
contágio insensível dos seus sentimentos e disposições, são muitas vezes
capazes, a não ser que sejam contrariados por alguma forte influência pessoal
igual para obter um grau de comando sobre a conduta do superior que é tanto

27
excessiva como irracional. Através destes diversos meios, a esposa exercia,
frequentemente, demasiado poder sobre o homem; ela é capaz de afectar a
sua conduta em coisas, nas quais, ela não era qualificada para influenciar de
vez – na qual a sua influência poderia não só ser ignorada como empregue do
lado errado da moral; e na qual ele poderia agir melhor se deixado à sua
própria inclinação. Mas o poder não é, nem nos assuntos familiares nem nos
de Estado, uma compensação para a perca de liberdade. O seu poder dá-lhe,
muitas vezes, aquilo que ela não tem direito, mas não lhe dá a possibilidade de
assumir os seus próprios direitos. A escrava favorita do Sultão tem escravos
sob o seu domínio, sobre quem ela tiraniza; mas o desejável seria que ela não
tivesse escravos nem fosse, ela própria, uma escrava. Por se submeter
inteiramente ao seu marido; por não ter qualquer vontade a não ser a dele (ou
persuadindo-o de que ela não tem vontade) seja em que coisa for que diga
respeito à relação entre os dois, e fazendo como o seu modo de vida estar à
disposição dos sentimentos dele, a esposa pode gratificar-se por influenciar, e
muito provavelmente perverter, a conduta dele naquelas relações externas em
que ela nunca se achou capaz de julgar ou nas quais ela própria está
inteiramente influenciada seja por algo pessoal ou por terceiros, seja por
preconceitos. Sendo assim, e como as coisas estão agora, aqueles que têm
uma atitude mais simpática para com as suas esposas, são assim, muitas
vezes, depreciados ou elogiados, pela influência da esposa, no que diz respeito
a todos os interesses que se estendem para lá do círculo familiar. Ela é
ensinada de que não tem qualquer interesse em assuntos fora da sua própria
esfera pessoal; e, de acordo com isso, ela raramente tem uma honesta e
consciente opinião sobre os mesmos; e, por isso, dificilmente se intromete
neles seja por que objectivo for, por mais legítimo que seja, e nos quais
geralmente se interessa. Ela nem sabe nem se preocupa qual é o lado certo da
política, mas sabe o que lhe trará dinheiro ou convites, o que dará títulos ao
marido, um lugar ao seu filho ou um bom casamento à sua filha.
Mas como, perguntar-se-á, pode existir uma sociedade sem governo? Numa
família, como num Estado, alguém deve ser o chefe máximo. Quem é que
decide quando pessoas casadas diferem de opinião? Ambos não podem
vencer, e no entanto uma decisão tem que ser tomada seja para um lado seja
para o outro.
Não é verdade que em todas as uniões voluntárias entre duas pessoas uma
delas deva ser o chefe absoluto: ainda menos é isso verdade mesmo que seja
a lei a determinar quem deva ser esse chefe. O caso mais frequente de união
voluntária, próximo do casamento, é a parceria em negócios: e ainda não foi
pensado que seja necessário impor isso numa parceria de que seja um dos
parceiros a ter o controlo total sobre o negócio e que o outro apenas obedeça
às ordens do primeiro. Ninguém entraria numa parceria nos termos aos quais
se tinha que submeter à responsabilidade de um parceiro que se achasse o
principal, com os privilégios e os poderes de um clerical ou de um agente
policial. Se a lei tratasse com os outros contratos como trata com os
casamentos, ordenaria que um dos parceiros deveria administrar o negócio,
que é comum aos dois da parceria, como se de um negócio particular se
tratasse; que as ordens só teria poderes deliberativos; e que esse
administrador deveria ser designado por alguma presunção geral da lei, como
por exemplo, ser o mais velho. A lei nunca faz isso: nem a experiência mostra
que é necessário que alguma desigualdade teórica de poder deva existir entre

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os parceiros, ou que a parceria deva ter outras condições que possam ser, elas
próprias, apresentadas, por artigos de acordos. E no entanto parece que o
poder exclusivo poderá ser concedido com menos perigo para os direitos e os
interesses dos mais desfavorecidos, mais no caso de uma parceria do que num
casamento, já que uma das partes é livre de cancelar esse poder ao retirar-se
dessa ligação. A esposa não tem esse poder, e mesmo que tivesse é quase
sempre desejável que ela tente todas as possibilidades antes de chegar a este
ponto.
Na realidade, as coisas que têm que ser decididas diariamente, e que não se
podem ajustar gradualmente ou esperar por um compromisso, devem
depender de uma só vontade: uma pessoa deve ter o controlo dessa vontade.
Mas daí não se segue que deva ser sempre a mesma pessoa. O acordo
natural, seria o de uma divisão de poderes entre os dois; cada um sendo
absoluto no seu campo de acção, requerendo um consenso a dois se houver
qualquer mudança de sistema e de princípios. A divisão não deve nem pode
ser pré-estabelecida pela lei, já que deve depender das capacidades e das
disponibilidades de cada um. Se ambas escolhem, elas podem pré-determinar
essa escolha, através do contrato matrimonial, como os acordos de permuta
que são agora, muitas vezes, pré-indicados. Assim, raramente iria haver
qualquer tipo de dificuldade em decidir essas escolhas por mútuo acordo, a não
ser que o casamento fosse um daqueles casamentos infelizes em que todas as
outras coisas, tal como esta, se tornariam assuntos para conflitos e disputas. A
divisão de direitos naturalmente seguiria a divisão de deveres e de funções; o
que já é feito por consentimento, ou em todos os actos não regulados pela lei,
mas por costume, modificado e modificável ao gosto das pessoas envolvidas.
A real decisão prática dos assuntos, a quem quer que seja que possa ser dada
a autoridade legal, irá depender grandemente, como agora se faz, das
comparações qualificativas. O simples facto de que seja simplesmente o mais
velho irá dar, na maior parte dos casos, uma preponderância ao homem; até ao
ponto em que ambos, no mínimo, cheguem a uma altura na vida em que a
diferença de idades já não seja assim tão importante. Haverá, naturalmente,
uma possível voz ao lado, seja ela qual for, que traga os meios de suporte. A
desigualdade deste tipo não depende da lei do casamento, mas nas condições
gerais da sociedade humana, como está, actualmente, constituída. A influência
de uma superioridade mental, seja ela geral ou especial, e de carácter no
julgamento irá, necessariamente, ser maior. Faz-se sempre isso agora. E este
facto mostra quão pequeno é o fundamento para a apreensão que se faz dos
poderes e das responsabilidades dos parceiros ao longo da vida (tal como nos
parceiros nos negócios) não podem ser satisfatoriamente distribuídos por
mútuo acordo entre eles. Eles estão sempre muito distribuídos, excepto nos
casos em que a instituição matrimonial é um fracasso. As coisas nunca
chegam a um estado de um completo poder, de um lado, e de uma completa
obediência, do outro, excepto onde a ligação, que já em si é um erro, e onde
seria uma bênção para ambos serem libertados dessa ligação. Alguns podem
dizer que a coisa sobre a qual um estabelecimento amigável de diferenças
pode ser possível, é no poder da obrigação legal que está latente; tal como as
pessoas se submetem a um julgamento porque há um tribunal na retaguarda,
ao qual sabem que têm sempre que ser obrigados a obedecer. Mas para pôr os
casos paralelamente, temos que supor que a regra do tribunal não foi o de
julgar o caso, mas o de dar um julgamento justo, seja quem for o arguido.

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Se assim é, a responsabilidade para com isso seria, para o queixoso, um
motivo para concordar com qualquer arbitragem, mas seria exactamente o
inverso para o acusado. O poder despótico que a lei dá ao marido, pode ser a
razão que faça com que a esposa concorde com qualquer compromisso em
que o poder é praticamente partilhado pelos dois, mas não pode ser a razão
pelo qual o marido o faça. Que haja, quase sempre entre pessoas
decentemente educadas, um compromisso prático, embora um dos dois, no
mínimo, não esteja sobre qualquer necessidade física ou moral de o fazer,
mostra que os motivos naturais que leva a um ajuste voluntário da vida em
comum de duas pessoas de uma maneira que seja aceitável para ambos, faz
com que, no todo, esse compromisso prevaleça, excepto em casos
desfavoráveis. O assunto não é, certamente, melhorado fixando-o por decreto
legal, numa situação em que a superstrutura de um governo livre se erga sobre
as bases legais do despotismo de um lado e da submissão do outro, e que
todas as concessões aos quais o déspota possa fazer, a seu gosto e sem
qualquer aviso, sejam lembradas. Além de que não vale a pena qualquer tipo
de liberdade quando esta é mantida por mandatos tão precários, e onde as
suas condições não são, provavelmente, as mais equitativas quando a lei atira
com um peso muito maior para um único lado; e quando os ajustes são feitos
entre duas pessoas, em que se define uma como tendo direito a tudo e a outra
não só fica sem direito a nada, excepto enquanto durar a disposição do outro,
como fica sob uma forte obrigação moral e religiosa não devendo se revoltar
sob qualquer excesso opressivo.
Um adversário obstinado, chegando aos limites, pode dizer que os maridos
estão, na verdade, dispostos a serem razoáveis e a fazer justas concessões às
suas parceiras sem serem obrigados a isso, mas o mesmo não acontece às
suas esposas: esposas essas que se lhes dão alguns direitos, que são seus,
não reconhecerão esses direitos a mais ninguém e não irão submeter-se a
mais nada, a não ser que possam ser obrigadas pela simples autoridade do
homem, a ceder a tudo. Isto seria dito por muitas pessoas a algumas gerações
atrás, quando as sátiras às mulheres estavam em voga e onde os homens
pensavam que era algo de muito inteligente insultar as mulheres por serem
aquilo que os homens queriam que elas fossem. Mas, agora, não será dito por
ninguém a que mereça a pena responder. Não é a doutrina actual de que as
mulheres são menos susceptíveis de terem menos sentimentos, e
consideração para com aqueles a quem estão mais unidas por laços mais
estreitos, do que os homens. Pelo contrário, estamos a ser perpetuamente
informados de que as mulheres são melhores que os homens, por aqueles que
são totalmente adversos ao tratamento que se lhes dá, como se elas realmente
o fossem; assim, a afirmação passou a ser uma frase feita, incómoda, com
intenções de pôr uma máscara, lisonjeira, sobre uma injúria e que faz lembrar
aquelas celebrações de clemência real, às quais, de acordo com Gulliver, o rei
dos Lilliput, sempre acrescentou aos seus decretos sanguinários. Se as
mulheres são melhores que os homens em alguma coisa é, certamente, no
auto-sacrifício individual para com os membros da sua família. Mas não dou
muita atenção a isso, desde que sejam universalmente ensinadas de que
nascem e são criadas para esse auto-sacrifício. Acredito que a igualdade de
direitos afastaria esta exagerada auto-abnegação que é o actual ideal do
carácter feminino, artificial, e que uma boa esposa não seria mais auto-
sacrificada que um bom homem: mas por outro lado, os homens seriam muito

30
menos egoístas e mais altruístas que actualmente, porque não seriam mais
ensinados a venerar as suas próprias vontades como se de uma grande coisa
se tratasse, e que é, realmente, lei para outro ser racional. Não há nada mais
fácil que possa ser ensinado aos homens do que esta auto-veneração; todas
as pessoas e todas as classes privilegiadas tiveram isso. E quanto mais
transmitido é, de geração para geração, na escala da humanidade, mais
violento fica; e a maior parte daqueles que nunca são, nem se espera que
venham a ser, postos em relevo acima de qualquer outra pessoa não têm uma
melhor expectativa que não seja uma infeliz esposa e umas infelizes crianças.
As honrosas excepções são, proporcionalmente, poucas relativamente a
qualquer outra debilidade. A filosofia e a religião, em vez manterem esta
situação sob observação, são geralmente subornadas para defendê-la; e nada
as controla a não ser esse sentimento prático de igualdade entre os seres
humanos, que é a teoria do Cristianismo, mas sobre a qual o Cristianismo,
praticamente, nunca irá ensinar, enquanto as suas sanções institucionais se
basearem numa preferência arbitrária de uns seres humanos sobre os outros.
Há, sem dúvida, mulheres, como há homens, a quem a igualdade de
considerações não satisfará; com nunca haverá paz enquanto não se
considerarem leis apenas as suas próprias vontades. Estes tipos de pessoas
são os sujeitos ideais para a lei do divórcio. Servem apenas para viver
sozinhas e nenhum ser humano deve ser obrigado a unir a sua vida a eles.
Mas a subordinação legal tende a tornar esse tipo de carácter mais frequente
entre as mulheres. Claro que se o homem emprega todo o seu poder, a mulher
é esmagada: mas se é tratada com complacência, e lhe permitem que assuma
um poder, não há regras para determinar as suas usurpações. As leis, que não
determinam os seus direitos, e, teoreticamente, não lhes dão nenhuns,
praticamente declara que os limites a que ela tem direito, são os que ela pode
arranjar forma de ter.
A igualdade entre pessoas casadas antes da lei, não é só o único modo no
qual uma relação particular pode ser consistente, com justiça, para ambos os
lados e ser favorável a uma felicidade para os dois, mas é o único meio de
contribuir para o quotidiano da humanidade, e de uma maneira mais elevada, é
uma escola de cultivação moral. Embora, na verdade, não possa ser sentida ou
conhecida nas gerações vindouras, a única escola de um genuíno sentimento
moral é a de uma sociedade entre iguais. A educação moral da humanidade
foi, até agora, emanada da lei da força e é apenas adaptada às relações
criadas pela força. Nos estados menos avançados da sociedade, raramente as
pessoas reconhecem qualquer relação com os seus pares. Ser um par é ser
um inimigo. A sociedade, desde os níveis mais altos até aos mais baixos, é
uma enorme e longa corrente ou mesmo uma escala, onde cada indivíduo está
ou acima ou abaixo do seu vizinho e, onde ele não comanda, deve obedecer.
Por consequência, as moralidades existentes estão ajustadas para uma
relação de comando e de obediência. No entanto, o comando e a obediência
não são mais do que infelizes necessidades da vida humana: uma sociedade
em igualdade é uma sociedade no seu estado normal. Já na vida moderna, e
cada vez que cresce o seu progresso, o comando e a obediência tornam-se
factos excepcionais da vida, geralmente guiada em associações de igualdade.
A moralidade dos primeiros tempos sustentava-se na obrigação da submissão
ao poder; o que nas eras que se seguiram sustentou-se no direito dos mais
fracos e na indulgência dos mais fortes. Por quanto tempo mais é que este tipo

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de sociedade e de vida irá ter, no seu âmago, a moralidade feita para outros?
Tivemos a moralidade da submissão, a moralidade da cortesia e da
generosidade; neste momento temos a moralidade da justiça. Sempre que nas
eras passadas se fazia uma abordagem em relação à igualdade na sociedade,
a Justiça fez valer as suas pretensões como fundamento da virtude. Era assim,
desta maneira, nas repúblicas livres da antiguidade. Mas mesmo nas melhores
destas repúblicas, as igualdades eram limitadas apenas aos cidadãos homens
livres; escravos, mulheres e para os residentes sem direito a voto, estavam sob
a lei da força. A influência conjunta entre a civilização Romana e a Cristandade
fizeram esquecer estas distinções, e, na teoria (se fosse praticada
parcialmente), declarava que as pretensões do ser humano, como ser humano
que era, eram primordiais para os cidadãos do sexo oposto, de outras classes
ou de outras posições sociais. As barreiras que começaram por ser iguais para
todos começaram a ser erguidas outra vez pelas conquistas nórdicas; e toda a
história moderna consiste no lento processo, através da qual, essas barreiras,
foram sendo desgastadas pela passagem do tempo. Estamos a entrar numa
ordem das coisas na qual a justiça será, outra vez, a principal virtude;
sustentada, como antes, na igualdade, mas agora também na agradável
associação; não tendo mais as suas raízes no instinto de igualdade para auto-
protecção, mas no cultivo de uma compreensão entre eles; e não deixando
ninguém de fora, mas colocando uma medida igual que seja estendida a todos.
Não é uma novidade que a humanidade não preveja distintamente as suas
próprias mudanças, e que os seus sentimentos estão adaptados ao passado, e
não às eras futuras. Ver os acontecimentos futuros da espécie foi sempre um
privilégio de uma elite intelectual, ou daqueles que delas aprenderam; ter os
sentimentos sobre esses acontecimentos futuros tem sido a distinção, e
normalmente, o martírio de uma elite ainda muito rara; Associações, livros,
educação, companhia, todos treinam o ser humano para o que é antigo, muito
depois da novidade ter aparecido; muito mais quando apenas surge essa
novidade. Mas a verdadeira virtude do ser humano é a capacidade de viver em
conjunto como iguais; nunca reclamado nada para eles próprios mas ao que
eles livremente dão aos outros; no que diz respeito ao comando como algo de
uma excepcional necessidade, e em todos os casos como uma necessidade
temporária; preferindo, sempre que possível, as sociedades em que há uma
alternativa e uma reciprocidade entre os dirigentes e os seguidores. Para estas
virtudes, nada na vida, como ela é actualmente, dá uma educação prática. A
família é uma escola de despotismo, na qual as virtudes desse despotismo,
mas também os seus vícios são largamente alimentados. Nos países livres, a
cidadania é, parcialmente, uma associação baseada na igualdade; mas a
cidadania preenche apenas um pequeno lugar na vida moderna, e não chega
nem perto dos hábitos quotidianos ou dos sentimentos mais íntimos. A família,
recentemente constituída, seria a verdadeira escola das virtudes da liberdade.
É de certeza uma escola suficiente para tudo o resto. Será sempre uma escola
de obediência para as crianças, ou de comando para os pais. O que precisava
é que fosse uma escola de simpatia em igualdade, de se viver em conjunto
com amor, sem o poder de um lado nem a obediência do outro. Isto deve
acontecer entre os pais. Seria, então, um exercício daquelas virtudes que se
requer de ambos e que os prepara para todo os tipo de associação e um
modelo para as crianças sobre os sentimentos e a conduta que elas treinam
temporariamente, através da obediência, e que é feita para ser habitualmente

32
realizada, e portanto naturalmente também, por elas. O treino moral da
humanidade nunca será adaptada às condições de vida para as quais todo o
outro progresso do ser humano é uma preparação, até eles praticarem, na
família, as mesmas regras morais que são adaptadas à constituição normal da
sociedade humana. Qualquer sentimento de liberdade que possa existir num
homem para quem as maiores intimidades são com as pessoas mais próximas
e mais queridas e para as quais ele é um senhor absoluto, não é um
sentimento de amor, nem genuíno nem Cristão, mas do que o amor pela
liberdade era para os antigos e na idade média – um intenso sentimento de
dignidade e de importância da sua própria personalidade; desdenhando uma
união para ele próprio, da qual não tem qualquer aversão sobre o que quer que
seja, em abstracto, mas a que está completamente pronto para impor aos
outros para o seu próprio interesse ou glorificação.
Admito, de boa vontade (e são os verdadeiros fundamentos das minhas
esperanças) que inúmeras pessoas casadas, mesmo sob a actual lei (a grande
maioria provavelmente nas classes mais altas de Inglaterra), vivem num
espírito de uma justa lei de igualdade. As nunca seriam melhoradas, se não
houvessem numerosas pessoas cujos sentimentos morais são melhores do
que as leis existentes. Essas pessoas devem apoiar os princípios aqui
defendidos; os quais têm como único objectivo fazer com que os outros casais
sejam semelhantes ao que aqueles o são agora. Mas pessoas de considerável
valor moral, a menos que sejam também pensadores, estão prontos a acreditar
que as leis ou nas práticas não têm malefícios, os quais não experimentaram
pessoalmente, mas que provavelmente fazem o bem (se supostamente forem
aprovadas), e que é errado objectarem contra elas. Seria, no entanto, um
grande erro, nessas pessoas casadas, supor, devido ao facto de as condições
legais do laço que as une, não lhes ocorrer nem uma única vez, e porque
vivem e sentem, em todos as aspectos, como se fossem legalmente iguais, que
o mesmo possa ocorrer nos outros casais, onde o marido não é um notório
rufia. Para supor isto, seria mostra também uma igual ignorância da natureza
humana e dos factos. Quando menos qualificado for um homem para possuir o
poder – mais deve ser impedido, igualmente, de exercer qualquer poder sobre
qualquer pessoa mesmo com o consentimento dessa pessoa – mais ele se
agarra à consciencialização do poder que a lei lhe dá, requerendo os seus
direitos legais até ao ponto mais extremo que o costume (o costume de
homens como ele) tolerará, tirando prazer desse exercício de poder, apenas
para avivar o sentimento agradável da sua posse. E o que é pior: nas partes
mais naturalmente brutais e não moralmente educadas das classes mais
baixas, a escravatura legal da mulher, e algo como a mera submissão física
como instrumento contra as suas vontades, faz com que eles sintam um total
desrespeito e desprezo para com as suas próprias esposas que eles mesmos
não sentem por qualquer outra mulher ou qualquer outro ser humano que
entrem em contacto; o que lhes parece que ela não passe de um simples
objecto apropriado para qualquer tipo de indignidade. Deixemos que um
observador atento dos sinais dos sentidos, que tenha as oportunidades
desejadas, julgue, por ele próprio se isto é ou não o caso: e se ele vir que de
facto é, não se admire que venha a sentir alguma aversão e indignação contra
as instituições que naturalmente levaram a este estado depravado da mente
humana.

33
Devem dizer-nos que, talvez, a religião impôs o dever de obediência; tal como
em todos os casos estabelecidos onde é muito mau admitir qualquer outro tipo
de defesa, está sempre presente, para nós, como se de uma ordem formal da
religião se tratasse. É verdade que a Igreja se regozija nas suas formalidades,
mas seria difícil derivar qualquer dessas ordens formais do Cristianismo. É-nos
dito que São Paulo disse, “Esposas, obedeçam aos seus maridos”: mas ele
também disse, “Escravos, obedeçam aos seus donos”. Não era problema do
São Paulo, nem era consistente com o seu objectivo, a propagação do
Cristianismo, o incitar alguém a rebelar-se contra as leis existentes. A
aceitação do apóstolo de todas as instituições sociais, como as encontrou, não
pode ser interpretado como se fosse uma desaprovação das tentativas para as
melhorar no tempo apropriado, assim como a sua declaração, “Os poderes que
existem são ordens de Deus”, como não sanciona o despotismo militar, e
apenas isso, tal como não forma um governo político cristão ou ordena uma
obediência passiva. Pretender que o Cristianismo fosse uma forma estereotipa
de governo e de sociedade, e as protegesse contra a mudança, é reduzi-lo ao
nível do Islamismo ou do Bramanismo. Foi precisamente pelo facto de o
Cristianismo não ter feito isto, e que foi eleita como a religião daquelas parcelas
progressivas da humanidade e o Islamismo e Bramanismo, etc., são as
religiões daquelas que ficaram estacionárias; ou mesmo (pois não há,
realmente, essa coisa que seja uma sociedade estacionária) das parcelas em
declínio. Tem havido uma abundância de pessoas, em todas as eras do
Cristianismo, que têm tentado fazer o mesmo; converter-nos a uma espécie de
Muçulmanos Cristãos, com uma Bíblia em vez do Corão, proibindo todo o tipo
de desenvolvimento: e como tem sido grande o seu poder e quantos
sacrificaram as suas vidas ao resisti-los. Mas foram impedidos, e a resistência
fez-nos aquilo somos hoje e ainda nos fará ser aquilo que queremos ser.
Depois do que foi dito no que diz respeito à obrigação da obediência; é quase
supérfluo dizer qualquer coisa respeitante ao ponto mais especial que está
incluído num outro mais geral – o direito das mulheres à sua própria
propriedade; pois não preciso de esperar que este tratado possa causar
qualquer impressão naqueles que não precisam de nada para os convencer
que a herança ou os ganhos de uma mulher deva ser tanto dela antes como
depois do casamento. A regra é simples: qualquer coisa que tenha sido do
marido ou da esposa antes do casamento, deve se mater sob o seu controlo
durante o casamento; o qual não precisa de interferir com o poder que foi
acordado pela união, para preservá-lo para as crianças. Algumas pessoas
sentem-se sentimentalmente chocadas com a ideia de interesses separados
nos assuntos monetários, como sendo inconsistente com a fusão idealizada de
duas vidas numa. Pela minha parte, sou uns dos maiores apoiantes da
comunidade de bens, onde possa resultar um claro sentimento de unidade nos
donos desses bens, o que fará com que esteja tudo em comum entre eles. Mas
não tenho qualquer prazer numa partilha de bens que se funda numa doutrina
que determine que o que seja meu é teu mas o que seja teu não é meu; e
prefiro declinar em entrar numa tal firmeza com qualquer um, mesmo que seja
eu que vá lucrar com isso.
Esta particular opressão e injustiça para com a mulher, que é para a
compreensão geral, mais óbvio do que tudo o resto, admite uma solução sem
interferir com outros enganos: e pode haver poucas dúvidas que irá ser uma
das reparações mais breves. Já em muitos dos Estados novos e velhos da

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Confederação Americana foram inseridas providências, mesmo nas
Constituições escritas, assegurando que a mulher uma igualdade de direitos
neste aspecto: e desse modo melhorando a posição, materialmente, na relação
matrimonial, daquelas mulheres que tinham propriedades, deixando-lhes um
instrumento de poder que elas não abdicaram; e prevendo também o
escandaloso abuso da instituição matrimonial, que perpetrada quando um
homem apanha, numa armadilha, uma rapariga casando com ele sem um
consentimento, apenas com o único propósito de ficar com o dinheiro dela.
Quando a sustentação da família depende, não na propriedade, mas nos
ganhos, o acordo comum, pelo qual o homem ganha o salário e a mulher
supervisiona a lida doméstica, parece-me a divisão mais capaz de trabalho
entre duas pessoas. Se, além do sofrimento físico do cuidar das crianças, e de
toda a responsabilidade do seu cuidado e da sua educação nos primeiros anos,
a mulher ainda trata das aplicações económicas ganhas pelo marido para o
conforto geral da família; ela não só fica com a sua justa parte, mas com a
maior parte do esforço mental e físico que é requerido na existência conjunta;
Se ela ainda ficar com uma qualquer parte adicional, raramente se liberta
delas, e impede-a de executá-las apropriadamente. A preocupação de que ela
se liberta, no tratamento das crianças e da lida doméstica, mais ninguém a
terá; aquelas crianças que não morrem, crescem da melhor maneira que
podem, e a lida da casa tem uma grande probabilidade de ficar tão má, que
mesmo a vertente económica terá um enorme abatimento no valor das posses
da mulher. Em qualquer outro estado de coisas, não é, penso eu, um costume
desejável, que a esposa deva contribuir, com o seu trabalho, para os ganhos
da família. Num injusto estado de coisas, o facto de ela o fazer pode lhe ser
útil, dando-lhe maior valor aos olhos do homem que é, legalmente, o seu dono;
mas, por outro lado, dá a possibilidade de abusar ainda mais do seu poder,
forçando-a trabalhar, e deixando o sustento da família às suas custas,
enquanto que ele passa a maior parte do tempo a beber e no ócio. O poder de
ganhar é essencial para a dignidade da mulher, se ela não tiver propriedades
que a tornem independente. Mas se o casamento fosse um contrato igualitário,
não impondo uma obrigação de obediência; se a ligação não fosse mais
imposta pela opressão daqueles para quem isso foi um puro engano, mas por
uma separação, em termos justos (não falo agora de um divórcio), possa ser
obtida por qualquer mulher que tenha, moralmente, direito a isso; se então ela
encontrar empregos honrosos tão livremente como os homens; não seria
necessário, para a sua protecção, que durante o casamento ela fizesse um uso
específico das suas faculdades. Tal como um homem quando escolhe uma
profissão, quando uma mulher se casa, deve ser compreendido, no geral, que
ela faz uma escolha da direcção da lida doméstica e o de construir uma família,
tal como os primeiros são uma aplicação dos seus esforços, durante os anos
da sua vida que forem precisos para chegar ao seu objectivo; e ela renuncia a
todos os outros objectivos e ocupações, mas sobretudo àqueles que não são
compatíveis com os requisitos para a lida. O uso actual, numa maneira geral e
sistemática, de práticas exteriores, ou aquelas que não se podem fazer em
casa, seria, por este princípio, praticamente interdito a um enorme número de
mulheres casadas. Mas uma amplitude mais elevada deve existir para a
adaptação de regras gerais às capacidades individuais; e não deve haver nada
que impeça que as faculdades excepcionalmente adaptáveis a qualquer outra
ocupação, de cumprir com a sua vocação, apesar do casamento: devido às

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provisões serem feitas para sustentar qualquer redução que se possam tornar
inevitáveis, no seu exercício das normais funções como a matriarca da família.
Estas coisas, se alguma opinião fosse directamente ao assunto, seriam
deixadas em perfeita segurança para serem reguladas pela opinião, sem
qualquer interferência das leis.

Capítulo 3
Num outro ponto, no qual está envolvida a justa igualdade das mulheres, a
aceitabilidade das mulheres a todas as funções e ocupações até agora
mantidas como monopólio do sexo mais forte, não prevejo que haja qualquer
dificuldade em convencer qualquer pessoa que me tenha acompanhado no
assunto da igualdade das mulheres na família. Penso que as suas
incapacidades, a tudo o resto, apenas estiveram agarradas a essas ideias para
manterem a sua submissão na vida doméstica; porque a generalidade dos
homens não consegue tolerar, ainda, a ideia de viver com alguém que é igual a
ele nos seus direitos e como ser humano. Se não fosse por isso, penso que a
maioria das pessoas, no estado actual das opiniões sobre política e sobre
política económica, admitiria a injustiça que é a exclusão de metade da raça
humana do grande número de actividades lucrativas e de quase todos as altas
funções sociais; Ensinadas desde o seu nascimento de que não são nem há
possibilidades de virem a ter capacidades para ter empregos que estão
legalmente abertos ao mais estúpido e ao mais básico ser do outro sexo, e
mesmo que possam ter algum tipo de capacidades, esses empregos deverão
ser-lhes interditos, com o intuito de preservar o exclusivo benefício dos
homens. Nos últimos dois séculos, quando a mera existência dos factos (o que
era o caso, infelizmente) era ultrapassada ao se pensar numa razão que
justificasse as incapacidades das mulheres, não raras vezes as pessoas
aceitavam, como razão, as inferiores capacidades mentais delas; nas quais,
nas alturas em que haviam verdadeiros julgamentos das faculdades pessoais
(dos quais nenhuma mulher era excluída) nas querelas do dia a dia, ninguém
acreditava. As razões dadas nesses tempos não eram as incapacidades das
mulheres mas os interesses da sociedade, o que significava o interesse dos
homens: tal como uma raison d’état, que significa a conveniência do governo e
o suporte da autoridade existente, era considerada como uma explicação
suficiente e uma desculpa para os mais flagiciosos crimes. Actualmente, o
poder tem uma linguagem mais suave e qualquer pessoa que o oprima,
pretende fazê-lo sempre para o seu próprio benefício: assim sendo, quando
qualquer coisa é proibida às mulheres, é, entretanto, necessário dizer e
desejável acreditar, que elas estão incapacitadas de o fazer e que elas saem
fora do seu verdadeiro caminho do sucesso e da felicidade quando aspiram a
se empregar. Mas para tornar esta razão plausível (não digo válida), aquelas
para quem isso é desejo ardente têm que estar preparadas para levar esse
desejo a uma amplitude maior que qualquer outra pessoa se aventura a fazer
em face da experiência actual. Não é suficiente que se mantenha a opinião de
que as mulheres são, em média, menos capacitadas que a média dos homens,
com a certeza de terem maiores capacidades mentais, ou que um número
muito baixo de mulheres, em comparação com os homens, estão aptas para
ocuparem posições e exercerem funções de carácter mais elevado

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intelectualmente. É necessário manter a opinião de que não há mulheres que
estejam aptas, de todo, para essas funções, e de que as mulheres mais
destacáveis são inferiores, em faculdades mentais, aos homens mais
medíocres a quem essas funções estão presentemente a ser entregues.
Porque se a execução das funções é decidida ou pela competição ou pelo
modo de escolha, a qual é assegurada pelo interesse público, não é preciso
haver nenhum receio de que qualquer emprego importante irá cair nas mãos de
mulheres inferiores à média dos homens, ou à média dos seus competidores
masculinos. O único resultado seria de que haveria menos mulheres que
homens nesses empregos; um resultado certo de acontecer em qualquer caso,
se e só se a preferência, quase sempre sentida pela maioria das mulheres,
pela única vocação à qual não há ninguém para competir com elas. Assim, o
mais determinado depreciador das mulheres não se aventura a negar, que
quando adicionamos a experiência recentes às dos tempos antigos, as
mulheres, não apenas algumas mas muitas mulheres, provaram serem
capazes de qualquer coisa, se calhar sem um única excepção, que é feita
pelos homens, e que estão sendo bem sucedidas e com credibilidade. O
máximo que se pode dizer é que há muitas coisas em que nenhuma delas teve
o mesmo sucesso que alguns homens na execução de funções – muitas das
quais não chegaram aos níveis mais altos. Mas são extremamente poucos,
dependendo apenas das faculdades mentais, que não tenham chegado aos
níveis próximos dos mais elevados. Não é isto o suficiente, e mais do que
suficiente, de tornar uma tirania para elas e um detrimento para a sociedade,
que elas não possam competir com os homens para o exercício dessas
funções? Não é uma mera banalidade dizer que essas funções são muitas
vezes preenchidas por homens com muito menos capacidades para elas que
muitas, mulheres e que seriam derrotados por mulheres numa competição
justa? Que diferença faz que haja homens, algures, completamente ocupados
com outras coisas, que possam ser mais qualificados para as funções em
questão do que estas mulheres? Não acontece isto em todas as competições?
Haverá uma tão grande superabundância de homens capacitados para as altas
funções, que a sociedade possa de dar ao luxo de rejeitar o serviço de
qualquer pessoa competente? Estamos assim tão certos de encontrar um
homem feito à nossa medida para exercer qualquer função ou dever de
importância social que fique vago, que não percamos nada em por uma
proibição sobre cerca de metade da humanidade, e recusar antecipadamente
as suas disponíveis capacidades, por muito distintas que possam ser? E
mesmo que possamos passar sem elas, seria consistente com a justiça o
recusar-lhes a sua justa quota-parte de honra e de distinção, ou negar-lhes os
iguais direitos morais de todo o ser humano de escolher a sua ocupação (sem
ofensa para outros) de acordo com as suas preferências, ao seu próprio risco?
Nem a injustiça está confinada a elas: é partilhada por aqueles que estão numa
posição de beneficiarem com os seus serviços. Ao decretar que qualquer
pessoa não deva ser médica, ou não deva será advogada, ou não devam ser
membros do parlamento, não só está só a prejudicá-las, mas todos aqueles
que dão trabalho a médicos ou a advogados, ou que elegem membros do
parlamento e que são privados do efeito estimulante, uma grande competição,
do exercício dos competidores, assim como estão restritos a um estreito campo
de escolha individual.

37
Talvez será suficiente se eu me confinar, nos detalhes da minha
argumentação, à finalidade da natureza pública: desde que, e se eu for bem
sucedido naqueles, será rapidamente garantido que as mulheres devam ser
admissíveis a todas as outras ocupações as quais não sejam, de todo,
totalmente físicas independentemente de serem admitidas ou não. E aqui
deixei-me começar por assinalar um ponto, totalmente distinto de todos os
outros, ao seu direito, o qual é inteiramente independente de qualquer questão
que possa ser levantada a respeito das suas capacidades. Quero falar do
sufrágio, tanto parlamentar como municipal. O direito a partilhar na escolha
daqueles que vão exercer funções públicas, é, no seu todo, algo distinto do que
competir por cargos públicos. Se ninguém pudesse votar num membro do
parlamento que não tivesse capacidades para ser candidato, o governo seria,
de facto, uma oligarquia apertada. Ter uma voz na escolha daqueles por quem
vão ser governados, é um meio de auto-protecção ao dispor de qualquer um,
embora ele teria que estar para sempre excluído da função de governar: e se
as mulheres são consideradas como capazes de fazer essa escolha, pode-se
presumir do facto que a lei já dá essa escolha às mulheres nos casos mais
importantes para elas: para a escolha de um homem que tem que governar
uma mulher para o resto da sua vida, pressupõe-se, sempre, que essa escolha
foi feita, voluntariamente, por ela. No caso de eleição de cargos públicos, e da
responsabilidade da lei constitucional de rodear o direito de sufrágio com todas
as indispensáveis seguranças e limitações; mas quaisquer seguranças que
sejam suficientes para os homens, não são precisas outras para as mulheres.
Seja em que condições forem, seja que limites houverem, os homens são
admitidos no sufrágio, não há a mais pequena justificação para que não sejam
admitidas mulheres. A maioria das mulheres de qualquer classe não devem
diferir muito da opinião política dos homens da mesma classe, a não ser que a
questão seja do interesse das mulheres e que estejam, de alguma forma,
envolvidas nela; e se estão, as mulheres exigem o sufrágio, como garantia de
terem considerações iguais e justas. Isto devia ser óbvio para aqueles que
coincidam comigo na disputa desta doutrina e em mais nenhuma outra. Mesmo
que todas as mulheres fosses esposas, e se todas as esposas devam ser
escravas, mais necessidade havia de protecção legal para estas escravas: e
nós sabemos que tipo protecção legal os escravos têm onde as leis são feitas
pelos seus donos.
No que diz respeito à capacidade das mulheres, não só para participar em
eleições, mas para elas próprias conseguirem cargos públicos ou exercerem
profissões envolvendo importantes responsabilidades públicas; já comentei que
esta consideração não é essencial à questão prática em disputa; desde que
cada mulher, que tenha sucesso numa profissão liberal, prove por esse facto
que é qualificada para esse trabalho. E no caso de cargos públicos, se o
sistema político de um país e de tal modo que exclua homens desqualificados,
excluirá, igualmente, mulheres desqualificadas: enquanto não o for, não há
qualquer mal adicional no facto de pessoas desqualificadas que são admitidas
podem ser homens ou mulheres. Assim, desde que seja reconhecido que
mesmo as poucas mulheres que possam estar qualificadas para estas
obrigações, a lei que impede que estas excepções não podem justificar esses
impedimentos por qualquer opinião que se tenha sobre as capacidades das
mulheres em geral. Mas, embora esta última consideração não seja essencial,
está longe de ser irrelevante. Uma visão sem preconceitos disso dá uma força

38
adicional aos argumentos contra as incapacidades das mulheres, e reforça-os
pelas altas considerações de utilidade prática.
Inicialmente façamos uma total abstracção que todas as considerações
psicológicas tendem a mostrar, e que quaisquer diferenças mentais que
supostamente possam existir entre as mulheres e os homens são apenas um
efeito natural das diferentes educações e circunstâncias, e que não indicam
qualquer natural diferença radical, muito menos uma natural inferioridade
radical. Consideremos as mulheres como elas já são, ou como são mostradas
como têm sido; e consideremos as suas capacidades como nos têm sido
praticamente mostradas. O que elas têm feito que ao menos prove o que elas
podem fazer se não houver mais nada que o faça. Quando consideramos quão
assiduamente são elas treinadas longe, em vez de serem treinadas para, de
qualquer ocupação ou de assuntos reservados aos homens, é evidente que
estou a tomar um humilde partido por elas, quando as defendo, no seu caso,
no que elas realmente conseguiram. Pois neste caso a evidência negativa vale
a pena, enquanto qualquer evidência positiva é conclusiva. Não posso inferir
que seja impossível a uma mulher ser um Homero, ou um Aristóteles ou um
Miguel Ângelo ou um Beethoven, porque nenhuma mulher produziu até hoje
algum trabalho que seja comparável aos seus pares naqueles casos de
excelência. Estes factos negativos deixam, no máximo a questão incerta e
aberta a discussão psicológica. Mas é certo que uma mulher possa ser uma
Rainha Elisabete, ou uma Débora, ou uma Joana D’Arc, já que isto não é
inferido, mas um facto. É uma consideração curiosa, que a única coisa que a lei
actual exclua as mulheres de fazer, sejam as coisas que elas provaram serem
capazes de fazer. Não há lei que impeça que uma mulher tenha escrito todas
as peças de Shakespeare ou que tenha composto as óperas de Mozart. Mas a
Rainha Elisabete ou a Rainha Vitória, não tendo herdado o trono, não podiam
ter sido instruídas nos mais pequenos deveres políticos, nos quais a primeira
mostrou ser igual aos maiores.
Se alguma coisa de conclusivo pode ser tirado da experiência, sem análises
psicológicas, seria que as coisas às quais as mulheres têm sido proibidas de
fazer são os mesmos a que estão particularmente qualificadas; desde que a
sua vocação para o governo arrepiou caminho, e se tornou evidente, através
das poucas oportunidades que lhe foram dadas; enquanto que nas linhas de
distinção, que aparentemente lhes foram abertas, elas não têm meios se
distinguirem eminentemente. Sabemos quão pouco nos é apresentado pela
história o número de rainhas que governaram em comparação com os reis.
Deste pequeno número houve uma maior proporção nas amostras de talento
para governar; embora muitas delas tenham ocupado o trono em épocas muito
difíceis. É também notável que elas tenham, num enorme número de
circunstâncias, sido distinguidas por incorrerem no carácter mais oposto que é
possível imaginar nos convencionais caracteres de mulher; têm sido tão
reconhecidas pela firmeza e pelo vigor das suas leis, como pela sua
inteligência.

39
Quando adicionamos regentes e vice-reis das províncias às rainhas e
imperatrizes, a lista de mulheres que têm sido eminentes regentes da
humanidade aumenta em grande número. 1 Este facto é tão incontestável, que
alguém há muito tempo atrás, ao retaliar o argumento, o transformou a verdade
admitida num insulto adicional, dizendo que as rainhas são melhores que os
reis, porque sob o reinado de um rei governam as mulheres e sob o reinado de
uma rainha, governam os homens.
Parece-me um desperdício de tempo replicar a uma má piada; mas estas
coisas realmente afectam as mentes das pessoas; e ouvi homens a mencionar
isso, com uma atitude em que parecia que havia algo de substancial naquilo. A
qualquer altura pode servir como ponto de partida numa discussão, assim
como tudo o resto. No entanto, afirmo que não é verdade, que sob o reinado de
um rei, são as mulheres que governam. Esses casos são uma completa
excepção: e reis fracos têm muitas vezes governado mal por influência de
homens da sua preferência, assim como por mulheres. Quando um rei é
governado por uma mulher apenas pelas suas propensões eróticas, não é
provável que haja um bom governo, embora, mesmo assim, haja algumas
excepções. Mas a história francesa contêm dois reis que, voluntariamente,
deram, durante muitos anos, o governo dos assuntos públicos, um à sua mãe,
o outro à sua irmã; um deles, Carlos VIII, era apenas um rapaz, mas ao fazer
isso seguiu as indicações do seu pai, Luís XI, o rei mais capaz da sua época. O
outro, São Luís, foi o melhor rei e um dos mais vigorosos, desde o tempo de
Carlos Magno. Ambas as princesas governaram de uma tal maneira que era
dificilmente igualado pelos príncipes contemporâneos. O imperador Carlos V, o
príncipe mais político do seu tempo, que teve o maior número de homens
capazes ao seu serviço que alguma vez algum governante teve, e era o rei
menos provável a sacrificar os seus interesses pelos sentimentos pessoais, fez
de duas princesas da sua família sucessivas regentes da Holanda, e manteve
uma ou outra nesse posto durante a sua vida (foram depois sucedidas por uma
terceira). Ambas governaram com bastante sucesso e uma delas, Margarida da
Áustria, foi dos governantes mais capazes da sua época. Basta para o que se
precisa para um lado da questão. Agora para o outro. Quando dizem que sob o
reinado de rainhas, quem governa são os homens, querem significar o mesmo
quando dizem que sob o reinado de um rei quem governa são as mulheres?
Significa que as rainhas escolhem como instrumentos de governo, as pessoas
associadas aos seus prazeres pessoais? Mesmo para aqueles que são mais
escrupulosos no último ponto, como Catarina II, os casos são raros: e não é
nestes casos que encontramos um bom governo que surgisse, alegadamente,
por influência masculina. Se fosse verdade então que a administração está nas
mãos de melhores homens sob o reinado de rainhas do que sob o de reis, deve
seguir-se daí que as mulheres têm uma melhor capacidade de escolha; e as
mulheres devem estar melhor qualificadas do que os homens tanto para a
posição de regente como de primeiro-ministro; pois uma das principais

1
Isto é especialmente verdade se tomarmos em consideração a Ásia e também a Europa. Se um principado Hindu é governado
vigorosamente, vigilantemente e economicamente; se a ordem é preservada sem opressão; se a cultura é estendida, e as pessoas
prosperam, em três casos de quatro esse principado é governado por uma mulher. Deste facto, para mim totalmente inesperado,
colhi de um longo conhecimento oficial dos governos Hindus. Há muitos exemplos destes: apesar de, pelas instituições Hindus, uma
mulher não pode reinar, ela só é a regente legal durante a menoridade do herdeiro; e as menoridades são frequentes, sendo que a
vida dos regentes termina prematuramente por causa da inactividade e do excesso sensual. Quando consideramos que estas princesas
nunca são vistas em público, nunca conversaram com qualquer homem nem mesmo da sua família excepto por detrás da cortina, que
não lêem, e se lessem, não há livros nas suas línguas que lhes possa dar a mais pequena instrução em assuntos políticos; o exemplo
que podem mostrar da capacidade natural das mulheres para o governo é muito poderoso.

40
obrigações dos primeiros-ministros não é governar pessoalmente mas
encontrar as pessoas mais capazes na condução dos departamentos nos
assuntos governamentais. Quanto mais rapidamente se conhecer o carácter,
que é um dos pontos reconhecidamente admitidos de superioridade das
mulheres sobre os homens, torna-as certamente, com em qualquer coisa na
igualdade de qualificações em outros aspectos, mais aptas do que os homens
na escolha de instrumentos, que é a função mais importante daqueles que se
envolvem na governação da humanidade. Mesmo a não escrupulosa Catarina
de Medici pode sentir o valor do Chanceler de Hôpital. Mas também é verdade
que a maioria das grandes rainhas tornaram-se grandes pelo seu próprio
talento para governar e têm sido bem servidas precisamente por essa razão.
Mantêm o supremo governo dos assuntos nas suas mãos: e se ouvem bons
conselhos dão, por esse facto, fortes provas de que o seu julgamento lhe dá a
capacidade de lidarem com os grandes assuntos da governação. Será razoável
pensar que aqueles que servem para as grandes funções políticas, são
incapazes de se qualificarem para as funções menores? Haverá alguma razão
na natureza das coisas, para as esposas e as irmãs dos príncipes devam,
sempre que são chamadas, serem tidas como competentes como os próprios
príncipes nos seus assuntos, mas que as esposas e as irmãs de homens de
Estado, de administradores, directores de empresas e directores de instituições
públicas, devam ser incapazes de fazer o que é feito pelos seus maridos e
irmãos? A verdadeira razão está bem à vista: é que as princesas, sendo mais
bem-criadas que a maioria dos homens, mais pelo seu estatuto do que por
estar abaixo deles apenas devido ao seu sexo, nunca foram ensinadas de que
era impróprio para elas preocuparem-se com políticas; mas, sendo-lhes
permitido sentir o liberal interesse, natural para qualquer ser humano culto, nas
grandes transacções que se passavam ao redor delas e nos quais eram
chamadas a tomar um partido. As senhoras das famílias reais são as únicas
mulheres a quem é permitido terem o mesmo tipo de interesses e de liberdade
de desenvolvimento que os homens; e é precisamente no seu caso onde não
se encontra qualquer inferioridade. É exactamente aí, na proporção em que as
capacidades governamentais das mulheres foram postas à prova, onde elas se
afirmaram como sendo adequadas.
Este facto está de acordo com as melhores conclusões gerais, às quais a
imperfeita experiência do mundo ainda dá a impressão de sugerir,
relativamente às peculiares tendências e aptidões tão características das
mulheres, e de como têm sido as mulheres até agora. E não estou a dizer, que
continuarão a ser; pois, como eu já afirmei mais do que uma vez, considero ser
uma presunção de qualquer pessoa pretender decidir o que as mulheres são
ou não, o que podem ou não ser pela sua constituição natural. Até agora, foram
sempre mantidas, do que diz respeito ao desenvolvimento espontâneo, num
estão tão pouco natural que a sua natureza não teve outra hipótese do que ter
sido enormemente distorcida e disfarçada; e ninguém pode declarar com
certeza que se a natureza das mulheres escolhesse o seu caminho tão
livremente como a dos homens, e se não houvesse uma tentativa de dar uma
vocação artificial, excepto no que é requerido pelas condições da sociedade
humana, e sendo dadas a ambos os sexos em igual medida, não haveria uma
diferença concreta, ou talvez não haveria qualquer diferença, que se revelasse
no seu próprio carácter e nas suas capacidades. Presentemente quero mostrar,
que mesmo a menos importante das diferenças contestáveis que existem, são

41
de tal maneira que podem muito ter sido produzidas apenas pelas
circunstâncias sem qualquer diferença na capacidade natural. Mas olhando
para as mulheres como são conhecidas na experiência, pode ser dito, delas,
com uma verdade maior do que aquela que pertence à maioria das
generalizações no assunto, que a vocação geral dos seus talentos é em
direcção ao prático. Esta declaração está em conformidade com todas as
histórias públicas das mulheres do presente e do passado. E isso não foi
menos sustentado pela experiência diária. Consideremos a especial natureza
das capacidades mentais mais características da mulher com talento. São de
uma maneira tal que as capacita para a prática e fá-las tenderem a ir nessa
direcção. O que é que significa por capacidade da mulheres em percepções
intuitivas? Significa uma visão rápida e correcta do facto presente. Não tem
nada a ver com princípios gerais. Ninguém nunca entendeu as leis da natureza
científica nem chegou a uma regra geral do dever ou de sagacidade por
intuição. Isso é o resultado de uma lenta e cuidadosa colecção e comparação
de experiências; e nem os homens nem as mulheres de intuição se salientam
neste departamento a não ser que, na verdade, a experiência necessária é de
tal maneira que podem adquiri-la por eles próprios. O que é chamada de
sagacidade intuitiva, é, pois, o que os torna particularmente aptos a reunir
essas verdades gerais da mesma maneira que as reúnem pelos seus próprios
meios de observação. Quando, elas têm a possibilidade de serem,
constantemente, tão bem providas como os homens são, com os resultados
das experiências das outras pessoas, através da leitura e da instrução (uso a
palavra “possibilidade” deliberadamente, pois no que diz respeito ao
conhecimento que tende a adaptá-las às grandes preocupações da vida, as
únicas mulheres instruídas são as auto-didactas), elas estão, na generalidade,
melhor equipadas do que os homens com os requisitos essenciais para um
exercício habilidoso e bem sucedido de uma profissão. Os homens que têm
sido muito mais ensinados estão aptos a serem incompletos com sentido do
facto actual; eles não vêm, nos factos a que são chamados a lidar, o que é que
está realmente ali mas o que é que foram ensinados a esperar. Isto acontece
raras vezes com as mulheres com qualquer capacidade. A sua capacidade de
“intuição” impede-as que lhes aconteça o mesmo. Com uma igualdade nas
experiências e nas faculdades gerais, normalmente, uma mulher vê muito mais
o que está perante ela do um homem. Esta sensibilidade ao presente é a
principal característica da qual a capacidade do exercício de uma profissão,
distinguida da teoria, depende. O descobrir de princípios gerais pertence à
faculdade especulativa: discernir e distinguir os casos particulares onde eles
são e não são aplicáveis, constitui um talento especial: e para isto, as
mulheres, tal como são agora, têm uma particular aptidão. Admito que não
possa haver um bom exercício de uma profissão sem princípios, e que o lugar
predominante que a rapidez de observação tem entre as mulheres, torna-a
particularmente apta a construir generalizações precipitadas sobre as suas
próprias observações; embora, ao mesmo tempo, esteja imediatamente pronta
em rectificar essas generalizações, assim que as suas observações atingem
uma amplitude maior. Mas a correcção destes defeitos faz-se pelo acesso às
experiências da raça humana; a cultura geral – exactamente a coisa que a
instrução pode fornecer. Os erros das mulheres são exactamente aqueles que
são próprios de um homem educado, que vê, muitas vezes, o que os homens
experimentados na rotina não conseguem ver, mas que caem em erros por

42
querem conhecer coisas já do domínio do conhecimento há muito tempo. Claro
que ele adquiriu muito do conhecimento anterior senão não conseguiria obtê-lo
de todo; mas aquilo que ele sabe, soube-o através de fragmentos e ao acaso,
tal como a mulher.
Mas esta atracção da mente das mulheres ao presente, para o real, para o
facto actual, que enquanto na sua exclusividade é uma fonte de erros, é
também uma muito útil contrapartida do erro contrário. A principal aberração, e
também a mais característica, dessas mentes especulativas, consiste,
precisamente, na deficiência desta viva percepção e do permanente sentido do
facto objectivo. Pela falta destes aspectos atrás mencionados, eles muitas
vezes não só passam por cima da contradição, a qual expõe factos opostos às
suas teorias, mas também perdem o sentido do legítimo propósito de toda e
qualquer especulação e deixam que as suas capacidades especulativas se
afastem para regiões que não são habitadas por seres verdadeiros, animados
ou inanimados ou mesmo idealizados, mas com sombras personificadas
criadas pelas ilusões da metafísica ou simplesmente pelo mero emaranhado
das palavras, e pensam que essas sombras são os objectos próprios da mais
alta e da mais transcendente filosofia. Dificilmente outra coisa pode ser de um
tão alto valor para um homem teórico e especulativo que não se dá ao trabalho
em recolher materiais de conhecimento pela observação mas em transformá-
los, no puro pensamento, em inteligíveis verdades científicas e em leis de
conduta em vez de continuar com as suas especulações na companhia, e sob
a crítica, de uma verdadeira mulher superior. Não há nada comparável ao
manter-se os pensamentos dentro dos limites da realidade e da natureza.
Raras vezes uma mulher fica estouvada depois de uma abstracção. A maneira
habitual de ela lidar com as coisas individualmente em vez de ser em grupo e
(o qual está intimamente ligado) o seu vivo interesse no sentimento actual das
pessoas, o que, e primeiro que tudo, a faz ter em consideração a tudo o que
possa ter uma pretensão a ser aplicado na prática, de que maneira as pessoas
irão ser afectadas por isso – estas duas coisas fazem com que muito
raramente ponha fé em qualquer especulação que a faça perder de vista os
indivíduos e que lide com coisas como se essas coisas existissem para o
benefício de uma qualquer entidade imaginária, de uma mera criação da
mente, que não resolvem os sentimentos de seres reais. Os pensamentos das
mulheres são de tal forma que são úteis em dar realidade aos pensamentos
dos homens, tal como os pensamentos masculinos dão uma maior largura e
amplitude aos das mulheres. No fundo, sendo distinguidos pela abertura de
espírito, duvido se mesmo agora as mulheres, comparadas com os homens,
têm qualquer desvantagem.
Se as actuais características mentais das mulheres são, mesmo assim, válidas
no auxílio à especulação, são ainda mais importantes quando, após a
especulação ter feito o seu trabalho, transportam os resultados dessas
especulações para a prática. Pelas razões já dadas, as mulheres,
comparativamente aos homens, são pouco propícias a cair nos mesmos erros
deles, seja na colagem às suas regras num caso em cuja especialidade tirá-las
da classe às quais as regras se aplicam, seja numa adaptação especial a
essas mesmas regras. Consideremos agora uma outra admitida superioridade
das mulheres inteligentes, a maior rapidez de compreensão. Não será isto,
sobretudo, uma qualidade que capacite uma pessoa para a prática? No activo,
tudo depende, continuadamente, nas imediatas decisões a tomar. Na

43
especulação passa-se o contrário, nada depende das decisões que se toma.
Um mero pensador pode esperar, pode ter tempo para considerar, pode
recolher evidências adicionais; não é obrigado a completar a sua filosofia para
que a oportunidade não passasse. O poder de extrair a melhor conclusão
possível de dados insuficientes não é, de todo, inútil à filosofia; a construção de
uma consistente hipótese provisória de todos os factos conhecidos é muitas
vezes a base necessária para uma inquirição futura. Mas esta faculdade é
bastante mais funcional em filosofia do que quaisquer das principais
qualificações para essa inquirição: e, para as principais operações como para
as auxiliares, o filósofo permite-lhe ter o tempo que quiser. Não tem qualquer
necessidade da possibilidade de fazer as coisas que faz rapidamente; em vez
disso, o que ele precisa é de paciência para trabalhar com a lentidão
necessária até que as imperfeições se tornem perfeitas, e as conjecturas se
juntem num teorema. Para aqueles, ao contrário destes, cuja obrigação é com
o fugaz e o perecível – com factos isolados, não com tipos de factos – a
rapidez de pensamento é uma capacidade quase tão importante como o
próprio poder de pensamento em si. Aquele que não tiver as suas capacidades
sob o seu controlo imediato nas contingências da acção, pode não as ter de
todo sob esse controlo. Pode estar apto a criticar, mas não está apto a actuar.
É nisto que as mulheres, e os homens que se parecem com mulheres,
confessadamente se distinguem. O outro tipo de homem, independentemente
do quão proeminentemente possam ser as suas capacidades, só lentamente é
que têm um controlo sobre essas capacidades: rapidez de julgamento e
prontidão na acção judicial, mesmo nas coisas que lhe são mais familiares, são
o resultado gradual e último de um diligente esforço que cresceu com o hábito.
Talvez se diga que a grande susceptibilidade nervosa das mulheres é uma
desqualificação para a prática, em tudo excepto na vida doméstica,
apresentando-as como inconstantes, variáveis, veementemente sob a
influência do momento, incapazes de terem uma perseverança tenaz, desiguais
e incertas no poder de usarem as suas capacidades. Penso que estas frases
resumem a grande parte das objecções feitas às capacidades das mulheres
para os assuntos mais importantes. Mais que tudo isto é o extravasar de
energia, nervosa e desperdiçada e que terminaria quando essa energia fosse
direccionada para um fim último. É também muito do resultado de uma cultura
consciente ou inconsciente; como vimos pelo quase total desaparecimento de
ataques “histéricos” e débeis, desde que passaram de moda. Sobretudo,
quando as pessoas são trazidas, como muitas mulheres das classes mais altas
(embora menos no nosso país do que noutros) de um tipo de plantas de estufa,
escudadas de todas as vicissitudes do ar e da temperatura, e inexperientes em
qualquer ocupação ou exercício que lhe dê um estímulo e um desenvolvimento
do sistema circulatório e muscular, enquanto o seu sistema nervoso,
especialmente na secção emocional, é mantido num anormal jogo activo; não é
de admirar se aquelas que não morrem por aniquilação, crescem com
capacidades potenciais de se alienarem por pequenas coisas, ambas internas
e externas e sem genica para suportarem qualquer tarefa, física ou mental, que
requerem um esforço contínuo. Mas as mulheres que foram levadas a trabalhar
para sobreviver não mostram nenhuma destas mórbidas características, a não
ser que de facto sejam acorrentadas a um trabalho excessivamente sedentário
e confinadas a salas desconfortáveis. As mulheres que nos seus primeiros
anos de vida partilharam uma educação física saudável e a liberdade corporal

44
dos seus irmãos, e que obtenham suficiente ar puro e se exercitem ao ar puro,
raramente têm qualquer tipo de susceptibilidade nervosa excessiva, o que as
pode tornar aptas a uma ocupação activa. Há, de facto, uma certa proporção
de pessoas, em ambos os sexos, a quem um nível anormal de sensibilidade
nervosa é constitutiva e por isso marcam o carácter como se fosse a
característica principal da sua organização que se transforma numa grande
influência sobre todo o carácter do fenómeno vital. Esta constituição, como
toda a adaptação física, é hereditária e transmitida tanto para os filhos como
para as filhas; mas é possível, e provável, que o temperamento nervoso (como
é chamado) seja herdado por mais mulheres que homens. Assumiremos este
facto: e deixem-me então questionar se os homens com temperamento
nervoso são considerados incapazes para as funções e para as actividades
normalmente pretendidas por eles? As peculiaridades do temperamento são,
sem dúvida, dentro de certos limites, um obstáculo ao sucesso em alguns
empregos embora seja uma ajuda para outros. Mas quando a ocupação é
adequada, e por vezes mesmo quando é inadequada, os exemplos mais
brilhantes de sucesso são continuadamente dados por homens de uma alta
sensibilidade nervosa. Distinguem-se nas suas manifestações particulares
exactamente por isso, que ao serem susceptíveis a um mais elevado grau de
excitação do que aqueles de outra constituição física, que quando são agitados
diferem mais do caso de outras pessoas que se mostram no seu estado
normal: são postos em relevo, como se fosse, acima deles próprios, e fazem
coisas com uma tal facilidade da qual são de todo incapazes noutras alturas.
Mas esta petulante excitação não é um simples instante, excepto em fracas
constituições corporais, o qual passa imediatamente, não deixando nenhum
rasto permanente e sendo incompatível com uma procura persistente e firme
procura de um objectivo. É do carácter do temperamento nervoso ser capaz de
suster a excitação, aguentando-se por longos esforços ininterruptos. É o que se
designa por espírito. É o que faz com que o cavalo de corrida de raça corra,
sem abrandar na sua velocidade, até cair para o lado. Foi o que possibilitou a
tantas mulheres dedicadas manterem a constância mais sublime, não só nas
estacas, mas durante uma longa sucessão preliminar de torturas mentais e
corporais. É evidente que pessoas deste temperamento estão particularmente
aptas para aquilo a que chamamos o departamento exclusivo de liderança da
humanidade. Elas são a substância dos grandes oradores, dos grandes
pregadores, impressionantes difusores das influências morais. Pode-se supor
que as suas constituições são menos favoráveis para as qualidades requeridas
a um estadista no gabinete ministerial ou para um juiz. Seria assim, de facto, se
as consequências seguissem necessariamente disso porque as sendo as
pessoas emotivas, têm que estar sempre num estado emocional permanente.
Mas isto é tudo uma questão de treino. O sentimento forte é o instrumento e
um elemento de auto-controlo: mas requer um cultivo nessa direcção. Um juiz
que dê um justo veredicto num caso onde os sentimentos são, de uma maneira
muito forte, a parte interessada do lado oposto, deriva, da mesma força
sentimental, o exacto juízo da obrigação de fazer justiça, o que lhe permite
suplantar-se a si próprio. A capacidade de ter esse nobre entusiasmo, que faz
com que o ser humano saia da sua personagem quotidiana, responde, ela
mesmo, à sua própria reputação diária. Quando está neste estado excepcional,
as suas aspirações e forças tornam-se o modelo com o qual ele se compara, e
pelos quais ele calcula, os seus sentimentos e as suas acções em outras

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alturas: e o seu propósito habitual assume-se como um carácter moldado e
assimilado aos momentos de elevada exaltação, embora esses momentos
possam apenas ser, devido à natureza física do ser humano, transitórios. As
experiências de raças, assim como de indivíduos, não mostram que esses
temperamentos emotivos sejam, em média, menos capazes, tanto para a
especulação como para a prática, do que os menos emotivos. Os Franceses
assim como os Italianos são, por natureza, incontestavelmente mais
nervosamente emotivos do que as raças Teutónicas, e comparando, no
mínimo, aos Ingleses, têm uma vida diária maioritariamente mais emocional:
mas têm sido eles menos capazes em ciência, nos assuntos de interesse geral,
no prestígio judicial ou na guerra? É de uma inquestionável evidência que os
Gregos foram, dos povos antigos, como o são os seus descendentes e
sucessores ainda o são, uma das raças mais emotivas da humanidade. É
supérfluo perguntar em que é que de entre as realizações humanas eles não
se notabilizaram. Provavelmente os Romanos, sendo também um povo do sul,
também tiveram o mesmo temperamento original: mas o carácter implacável da
sua disciplina nacional, tal como os Espartanos, fizeram deles um exemplo do
modelo contrário do carácter típico; a maior força dos seus sentimentos
naturais como sendo a principal evidência da intensidade que o mesmo
temperamento original torna possível fornecer ao artificial. Se estes casos
exemplificam o que pessoas naturalmente emotivas podem fazer, os Celtas
podem proporcionar os melhores exemplos do que são quando deixados
sozinhos (se se pode dizer que aqueles podem ser deixados sozinhos quando
tiveram durante séculos sob a influência de um mau governo e sob a educação
directa da hierarquia católica ou sob uma crença sincera na religião Católica).
O carácter Irlandês pode ser, portanto, considerado como um caso
desfavorável: no entanto, sempre que as circunstâncias do indivíduo foram
favoráveis, quais as pessoas que mostraram a maior das capacidades para os
mais elevados e múltiplos prestígios individuais? Como os Franceses se
comparavam aos Ingleses, os Irlandeses aos Suíços, os Gregos e os Italianos
se comparavam com as raças germânicas, assim a comparação das mulheres
com os homens pode ser feita, em média, ao fazerem as mesmas coisas da
mesma maneira, apenas com algumas variações no tipo particular de
excelência. Mas que elas podem fazer essas coisas também na sua totalidade,
se a sua educação e cultivo dessa actividade fossem adaptadas ao que é
correcto em vez de agravarem as suas insuficiências no que respeita ao seu
temperamento, não tenho disso a menor dúvida. Supondo que isso, contudo,
seja verdade, que as mentes das mulheres são por natureza mais versáteis do
que as dos homens, menos capazes de persistirem longamente no mesmo
esforço continuado, mais capazes de dividirem as suas faculdades entre muitas
coisas do que ir por um único caminho, até ao mais alto ponto que se pode
chegar: isto pode ser verdade para as mulheres, tal como estão agora, (embora
com numerosas e grandes excepções), e pode-se ter isso em conta pelo facto
de elas terem ficado para trás nas altas esferas sociais, destinadas aos
homens, precisamente porque é naquelas situações que se exige uma grande
absorção mental num campo de ideias e de ocupações onde se requer essa
total atenção. No entanto, esta é uma diferença que apenas pode afectar um
tipo de excelência, não a própria excelência em si, ou o seu valor prático: e fica
por mostrar se este trabalho exclusivo de parte da mente, esta faculdade
absorção de todo o pensamento num único objectivo e a respectiva

46
concentração num único trabalho, é uma condição normal e saudável das
faculdades humanas, mesmo para usos especulativos. Penso que o que se
ganha no desenvolvimento especial através desta concentração, é perdido na
capacidade da mente para os outros propósitos da vida; e mesmo no
pensamento abstracto tenho a opinião convicta que a mente faz mais por
regressar frequentemente a um problema difícil do que permanecer no mesmo
problema sem interrupção. Para a finalidade da vida prática, em todos os
aspectos, desde os mais elevados aos mais humildes, a capacidade de passar
rapidamente de um assunto para outro, sem deixar que a energia activa do
intelecto fique entre os dois, é um poder muito mais valorizado; e este poder
têm-no, sobretudo, as mulheres, em virtude na sua extrema mobilidade, da
qual são acusadas. Talvez tenham-na naturalmente, mas certamente que a
têm por treino e educação; pois quase todas as ocupações das mulheres
consistem na orientação de pequenos mas múltiplos detalhes, os quais exigem
que a mente não possa abandonar nem mesmo por um minuto, mas que tem
que passar para outras coisas, e se algo exigir um pensamento mais longo,
rouba tempo a momentos de descanso exactamente por pensar nessas coisas.
Realmente, a capacidade que as mulheres mostram ao pensarem em
circunstâncias e em alturas nos quais a maioria dos homens formalizariam uma
desculpava para si próprio para não o fazerem, tem sido notado várias vezes: e
a mente de uma mulher, apesar de estar ocupada apenas com coisas
pequenas, raramente se pode permitir um descanso, como tantas vezes está o
homem quando não está envolvido naquilo que ele escolher ser o seu negócio
de vida. A ocupação diária das mulheres são em coisas gerais e não pode
parar enquanto o mundo gira.
Mas (é dito) há uma evidência anatómica da superior capacidade mental do
homem comparado com a mulher: têm um cérebro mais largo. Eu respondo,
que em primeiro lugar que o facto em si é duvidoso: Não está estabelecido,
sem margens para dúvidas, que o cérebro da mulher é mais pequeno do que o
do homem. Se essa ideia é inferida apenas porque a estrutura corporal da
mulher tem uma menor dimensão que a do corpo masculino, este critério
poderá levar-nos a estranhas consequências. Um homem alto e de ossos
largos devem, perante este facto, mostrar que é extraordinariamente superior
em inteligência que um homem baixo, e um elefante e uma baleia devem
exceder em muito a humanidade. O tamanho do cérebro nos seres humanos,
dizem os anatomistas, varia muito menos que o tamanho do corpo, ou mesmo
da cabeça, e não podemos, de todo, inferir isso de um para o outro. É certo de
que algumas mulheres têm um cérebro tão largo como os homens. Do que eu
conheço, por um homem que tem pesado muitos cérebros humanos, que o
cérebro mais pesado que ele pesou, mais pesado que o de Curvier (o mais
pesado anteriormente registado), era de uma mulher. A seguir, devo dizer que
a relação precisa que existe entre o cérebro e o poder intelectual ainda não
está bem compreendida, mas é um assunto de grandes disputas. Que há uma
estreita relação, disso não temos dúvida. O cérebro é certamente o órgão
material do pensamento e do sentimento: e (abstraindo da grande irresoluta
controvérsia no que diz respeito à apropriação das diferentes partes do cérebro
às diferentes faculdades mentais) admito que seria uma anomalia, e uma
excepção a tudo o que nós conhecemos das leis gerais da vida e da natureza,
se o tamanho do órgão fosse totalmente diferente à função; se nenhum acesso
ao poder derivasse do tamanho do instrumento. Mas a excepção e a anomalia

47
seria total e maior se o órgão executasse a sua influência apenas pela sua
magnitude. Em todas as operações mais delicadas da natureza - das quais a
mais delicada é a criação animal e destas a mais delicada é o sistema nervoso
– as diferenças no afecto depende tanto nas diferenças de qualidade dos
agentes físicos como na sua quantidade: e se a qualidade de um instrumento
fosse testada pela sua simpatia e delicadeza do trabalho que pode fazer, os
pontos de referência da maior percentagem da qualidade de fineza no cérebro
e do sistema nervoso são da mulher em vez do homem. Pondo de parte a
abstracta diferença de qualidade, uma coisa difícil de verificar, a eficiência de
um órgão é conhecida por depender não apenas no seu tamanho mas também
da sua actividade: e disto temos uma medida aproximada da energia através
da qual o sangue circula, como sendo tanto a força estimulante como a força
reparadora que depende, principalmente, da circulação. Não seria
surpreendente – e é de facto uma hipótese que está bem de acordo com as
diferenças actualmente observadas entre as operações mentais dos dois sexos
– se os homens em média tenham em vantagem no tamanho do cérebro o que
as mulheres têm em actividade na circulação cerebral. Os resultados que
conjecturam, fundamentados na analogia, e o que nos levaria a esperar desta
diferença de organização, corresponderiam a alguns daqueles que vemos
todos os dias. Em primeiro lugar, das operações mentais dos homens
esperaríamos uma maior lentidão. Não seriam nem tão aptos a pensar como as
mulheres nem tão rápidos a sentir. Os corpos maiores demoram mais tempo a
entrar em acção na sua plenitude. Por outro lado, quando entrassem
completamente no jogo, os cérebros dos homens suportariam mais trabalho.
Seria mais persistente na primeira coisa que pensou; seria mais difícil alterar
de um modo de acção para o outro, mas, na única coisa que está a fazer, pode
continuar por mais tempo sem a perca de poder ou o sentimento de fadiga. E
não achamos que nas coisas em que os homens ultrapassam as mulheres são
aquelas coisas que requerem mais trabalho e uma maior insistência num único
pensamento, enquanto as mulheres fazem melhor aquelas coisas que devem
ser feitas mais rapidamente? O cérebro de uma mulher cansa-se mais
rapidamente, fica exausto mais rapidamente; mas dados os graus de
exaustação, devemos esperar que deva recuperar-se por si própria mais
rapidamente; repito, esta especulação é puramente hipotética; não pretende
mais do que sugerir uma linha de investigação. Repudiei anteriormente esta
noção de ainda não haver um conhecimento de que haja qualquer tipo
diferença natural na força média ou na direcção das capacidade mentais dos
dois sexos, e muito menos do que seja essa diferença. Nem é possível que
isso possa ser mostrado, enquanto as leis psicológicas da formação de
carácter tenham sido tão pouco estudadas, mesmo na sua generalidade, e
nunca aplicadas cientificamente a um nível particular; enquanto as causas
externas mais óbvias nas diferenças de carácter são habitualmente
menosprezadas – deixadas no anonimato pelo observador, e olhadas com
sobranceria como um tipo de conteúdo desdenhoso pelas escolas prevalentes
de história natural e de filosofia mental: as quais, seja na procura da fonte da
principal distinção que existe entre os seres humanos, uns com os outros, no
mundo material ou espiritual, concordando em percorrer aqueles que preferem
explicar estas diferenças pelas diferentes relações dos seres humanos com a
sociedade e a vida.

48
Quão ridículas e extensas são as noções formadas da natureza da mulher,
meras generalizações empíricas, estruturadas, sem filosofia e sem análise
alguma, desde os primeiros instantes em que essas noções se lhes
apresentam, que a ideia popular disso é diferente em diferentes países, de
acordo com as opiniões e as circunstâncias sociais que esse país deu para as
mulheres, vivendo ele em qualquer estado especial de desenvolvimento ou de
não-desenvolvimento. Um oriental pensa que as mulheres são por natureza
particularmente voluptuosas; veja os fundamentos dos seus violentos abusos
nos escritos Hindus. Um inglês normalmente pensa que elas são por natureza
frias. Os seus relatos sobre a inconstância das mulheres são, na sua maioria,
de origem francesa; dos famosos dísticos de Francisco I, para cima e para
baixo. Em Inglaterra há comentários comuns, quando as mulheres são mais
constantes que os homens. A inconstância tem sido avaliada durante mais
tempo, com sendo imprópria para uma mulher, em Inglaterra do que em
França; e as inglesas são, por sua vez, na sua natureza íntima, muito mais
submetidas à opinião. Deve ser realçado que os ingleses estão em
circunstâncias particularmente desfavoráveis para tentarem julgar o que é e o
que não é natural, não apenas nas mulheres, mas também nos homens, ou em
todos os seres humanos, se têm, no mínimo, apenas a experiência inglesa:
porque não há lugar algum onde a natureza humana mostre tão pouco do seu
alinhamento original. No bom e no mau sentido, os ingleses estão cada vez
mais distantes de um estado de natureza do que qualquer outro povo moderno.
Eles são, mais do que qualquer outra pessoa, um produto da civilização e da
disciplina. A Inglaterra é o país onde a disciplina social mais teve sucesso, não
tanto em conquistar mas em reprimir, com o que seja capaz de entrar em
conflito com ela. Os ingleses, mais do que qualquer outra pessoa, não apenas
agem mas sentem de acordo com a regra. Nos outros países, a opinião
formada, ou os requisitos da sociedade, podem ser o poder mais forte mas a
instigação da natureza individual estão sempre visíveis sob esse poder, e
muitas vezes resistem a esse poder: a regra pode ser mais forte que a
natureza, mas a natureza ainda está lá. Em Inglaterra, a regra tem de ser de
um muito elevado grau para se substituir à natureza. A grande parte da vida é
levada, não por seguir a inclinação debaixo do controlo da regra, mas por não0
ter nenhuma inclinação do que apenas seguir a regra. Sem dúvida que isto tem
o seu lado bom, embora também tenha um miseravelmente lado mau; mas isto
deve tornar um inglês peculiarmente mal qualificado para julgar as tendências
originais da natureza humana da sua própria experiência. Os dos quais os
observadores, em outros lugares, são responsáveis no assunto são de carácter
diferente. Um inglês é ignorante no que diz respeito à natureza humana, um
francês é preconceituoso. Um erro de um inglês é negativo, o de um francês é
positivo. Um inglês fantasia que as coisas não existem, porque nunca as vê;
um francês pensa que elas devem necessariamente existir sempre, porque ele
as vê. Um inglês não conhece a natureza, porque ele não tem qualquer
oportunidade de a ver; um francês geralmente conhece uma grande parte dela,
mas erra muitas vezes, porque ela só a viu sofisticada e distorcida. Pois o
estado transmitido pela sociedade disfarçada as tendências naturais da coisa
que é matéria de observação em duas diferentes maneiras: extinguindo a
natureza ou transformando-a. Num caso há um resíduo faminto que permanece
para ser estudado; no outro caso há imensa natureza mas poder ter-se

49
expandido em qualquer direcção excepto naquela de que deveria crescer
espontaneamente.
Disse que não se pode saber o quanto da existente diferença mental entre os
homens e as mulheres é natural e quanto é artificial; se existe mesmo qualquer
diferença mental; ou, supondo todas as causas artificiais devam ser retiradas,
que carácter natural serão revelados. Não estou a tentar o que pronunciei
como impossível: mas a dúvida não proíbe conjecturar e onde a certeza é
inatingível, pode ainda ser o meio de se chegar a algum grau de possibilidade.
Primeiro ponto, a origem das diferenças realmente observadas é aquela que
está mais acessível à especulação; e eu vou tentar abordá-la pelo único
caminho pelo qual pode ser atingido; traçando as consequências mentais das
influências externas. Não podemos isolar um ser humano das circunstâncias da
sua condição para ter um grau de certeza experimental do que é que ele seria
naturalmente; mas podemos considerar o que ele é, e o que as suas
circunstâncias foram e se estas foram capazes de produzir aquele.
Tomaremos em consideração, então, o único caso assinalável em que é
possível observar a aparente inferioridade das mulheres, em relação aos
homens, se exceptuarmos, apenas, a inferioridade física da força corporal.
Então, nenhuma produção filosófica, científica, artística, considerada de
primeira qualidade tem a autoria de uma mulher. Haverá alguma maneira de
suportar esta ideia sem supor que as mulheres são naturalmente incapazes de
as produzir?
Em primeiro lugar, podemos questionar-nos, com justiça, se alguma vez a
experiência nos proporciona os fundamentos suficientes para essa indução.
Certamente que não é há mais de três gerações que as mulheres, salvo muitas
raras excepções, começaram a tentar as suas capacidades na filosofia, na
ciência ou na arte. Foi apenas na actual geração que as suas tentativas têm
sido mais numerosas; e mesmo assim, ainda agora, têm sido muito raras em
todo o lado excepto em Inglaterra e em França. É uma questão relevante,
saber se se pode esperar que uma mente, possuindo os requisitos de poder
ser uma eminência de primeira qualidade em especulação ou em arte criativa,
no simples cálculo de hipóteses, apareça, inesperadamente, num momento
para o outro, entre mulheres cujos gostos e posição pessoal são aceites como
estando afastados, tendo em conta aquilo que se dedicaram, na procura destes
objectivos. Em todas as coisas para as quais ainda houve tempo – em tudo
menos nos níveis mais altos de excelência, especialmente na secção na qual
estiveram mais tempo envolvidas, a literatura (seja em prosa ou poesia) – as
mulheres fizeram o bastante, obtiveram mesmo tão grandes prémios como
muitos deles, como seria de esperar pelo imenso tempo que tiveram e pelo
número de competidores. Se recuarmos para o período clássico quando muito
poucas mulheres fizeram essa tentativa, mesmo assim algumas dessas poucas
fizeram um enorme sucesso. Os Gregos sempre tiveram em conta Safo como
uma das grandes poetisas; e podemos supor que Myrtis, que dizem ter sido a
tutora de Píndaro, e Corinna, que por cinco vezes levou dele o prémio de
poesia, devem ter tido, no mínimo, o mérito suficiente para serem admitidas na
comparação com esse grande nome. Aspasia não deixou qualquer escrito
filosófico; mas é um facto admitido que Sócrates recorreu-se a ela para se
instruir e confessou que obteve essa instrução.
Se considerarmos os trabalhos das mulheres nos tempos modernos, e
contrastámo-los com os dos homens, seja na secção literária ou artística, essa

50
inferioridade, podendo ser observável, pode ser, ela própria, resolvida
essencialmente numa coisa: mas é uma inferioridade material; deficiência de
originalidade. Não uma total deficiência; para cada produção mental de algum
valor substantivo, há uma originalidade própria – é uma concepção própria da
mente, não uma cópia de outra coisa. Pensamentos originais, no sentido de
serem próprios – derivados das próprias observações ou processos intelectuais
do pensador – são abundantes nos escritos das mulheres. Mas elas ainda não
produziram nenhuma daquelas grandes e luminosas ideias que formam uma
época no pensamento, nem nenhum daquelas novas concepções
fundamentais em arte, as quais abrem uma paisagem de novos efeitos nunca
antes pensados e que fundam uma nova escola. As suas composições são na
sua maioria fundamentalmente apoiados no fundo de pensamento existente e
as suas criações não desviam muito dos tipos existentes. É este o tipo de
inferioridade que os seus trabalhos manifestam: para um ponto de execução,
na aplicação detalhada do pensamento, e na perfeição do estilo, não há
qualquer inferioridade. Os nossos melhores novelistas na composição, e no
trabalho dos detalhes, têm sido, na sua maioria das vezes, mulheres; e não há
em toda a literatura moderna um veículo mais eloquente de pensamento que o
estilo da Madame de Staël nem, como uma espécie de pura excelência
artística, há nada superior à prosa da Madame Sand, cujo estilo actua sobre o
sistema nervoso como uma sinfonia de Haydin ou Mozart. Uma alta
originalidade de concepção é, como disse, o que é principalmente esperado. E
agora para examinar se há maneira na qual esta deficiência pode ser tida em
consideração.
Lembremo-nos, então, que no que diz respeito ao mero pensamento, que
durante todo o período de existência do mundo, e no progresso de aculturação,
no qual grandes e frutíferas novas verdades podem ser atingidas pela mera
força de génio, com um pequeno estudo prévio e acumulação de conhecimento
– durante todo esse tempo as mulheres não se preocupavam de todo com
nada de especulativo. Desde os dias de Hypatia aos da Reforma, a célebre
Helena é quase a única mulher a quem essa proeza pode ter sido possível; e
não sabemos quão grande era a capacidade de especulação nela que se
possa ter perdido para a Humanidade pelos infortúnios da sua vida. Nunca,
desde que um considerável número de mulheres que começou a cultivar sérios
pensamentos, foi possível colocar a originalidade facilmente. Quase todos os
pensamentos que se podem ter apenas pela força das faculdades originais, já
foram todos pensados há muito tempo; e a originalidade, considerada em
qualquer elevado sentido da palavra, é agora raramente atingida excepto por
mentes que se tenham submetido a uma elaborada disciplina, e estão
profundamente versadas nos resultados do pensamento anterior. Penso que foi
o Sr. Maurice que afirmou que, na presente era, os pensadores mais originais
são aqueles que conheceram mais aprofundadamente o que foi pensado pelos
seus predecessores: e de futuro isto irá ser o caso. Qualquer novidade tem que
ser acrescentada aos conhecimentos anteriores e quem quiser alcançar essa
novidade tem uma “escalada” longa a fazer “carregando” os outros
conhecimentos anteriormente adquiridos e tem que ser feita apenas por quem
queira aspirar a ter uma parte do estado presente do trabalho. Quantas
mulheres há que tenham passado por este processo? A Sr.ª Somerville, única
entre as mulheres, sabe de tanta matemática quanta é preciso para fazer
qualquer descoberta matemática considerável: será prova da inferioridade das

51
mulheres o facto de ela de não ter acontecido que ela ficasse entre as duas ou
três pessoas que durante a sua vida inteira em que os seus nomes ficassem
associados a algum forte avanço da ciência? Duas mulheres, desde que a
economia política se tornou uma ciência, souberam o suficiente dessa ciência
para escreverem proveitosamente sobre esse assunto: de quantos dos
inúmeros homens que escreveram sobre o mesmo assunto durante o mesmo
tempo, será preciso adiantar mais alguma coisa? Se nenhuma mulher, até
agora, foi uma grande historiadora, que mulher é que teve a necessária
erudição? Se nenhuma mulher é uma grande filologista, que mulher é que
estudou Sânscrito, Eslavo, o Gótico de Ulphila e o Pérsico de Zendavesta?
Mesmo nos assuntos práticos todos nós sabemos qual é o valor da
originalidade de génios inatos. Significa inventar constantemente nas suas
formas rudimentares algo que já foi inventado e melhorado por sucessivos
inventores. Quando as mulheres tiverem a preparação, a qual é agora exigida a
todos os homens, para ser eminentemente original, será tempo suficiente para
se julgar, pela experiência, da sua capacidade para a originalidade. Sem
dúvida que muitas vezes acontece que uma pessoa, que não estudou com
precisão e aprofundadamente os pensamentos de outros, sobre um assunto
tem, por uma natural sagacidade, um rápida intuição e pode sugerir, mas não
provar, intuição essa que, quando amadurecer, poderá ser uma importante
adição ao conhecimento: mas mesmo nessa altura, não se lhe pode fazer
qualquer justiça até outra pessoa, que possui os conhecimentos anteriores, se
aproprie da intuição, teste-a, dê-lhe uma forma científica ou prática, e encaixa-o
num lugar entre as verdades da filosofia ou ciência. É suposto que estes felizes
pensamentos não ocorram nas mulheres? Ocorrem às centenas a toda a
mulher inteligente. Mas na sua maioria perdem-se, pelo desejo de quererem
um marido ou um amigo que tenha o outro conhecimento o qual o habilita a
estimá-las apropriadamente e a trazê-las para a praça pública, perante o
mundo: e mesmo quando elas são trazidas cá para fora geralmente aparecem
como sendo as suas ideias, mas não a sua verdadeira autora. Quem é que
pode dizer quantos dos pensamentos mais originais postos cá para fora por
escritores, pertencem, por sugestão, a uma mulher, restando aos escritores
verificar e trabalhar essa ideia? Podendo fazer um juízo sobre o meu próprio
caso, foi, de facto, uma enorme proporção.
Se virarmos da pura especulação para a literatura no estrito sentido do termo e
para as belas artes, há uma razão óbvia porque é que a literatura das mulheres
é, na sua concepção geral e nas suas principais características, uma imitação
da dos homens. Porque é que a literatura Romana, como proclamam os
críticos até à saciedade, não é original mas uma imitação da Grega?
Simplesmente porque os Gregos vieram primeiro. Se as mulheres vivessem
num país diferente dos Homens, e nunca tivessem lido os seus escritos, teriam
tido uma literatura sua. Como está agora, não criaram uma que seja, porque já
encontraram uma literatura altamente avançada já criada. Se não tivesse
havido qualquer suspensão do conhecimento da antiguidade, ou se a
Renascença tivesse antes das catedrais góticas terem sido construídas, elas
nunca teriam sido construídas. Vemos que em França e em Itália, as imitações
da literatura antiga pararam o desenvolvimento original mesmo antes de este
ter começado. Todas as mulheres que escrevem são pupilas dos grandes
escritores. As primeiras pinturas de um pintor, mesmo que ele seja um Rafael,
são indistinguíveis, no estilo, das pinturas do seu mestre. Mesmo um Mozart

52
não exibe a sua poderosa criatividade nas suas peças iniciais. O que os anos
são para o dom individual, as gerações são para a massa. Se a literatura das
mulheres está destinada a ter um carácter colectivo diferente da dos homens,
dependendo das diferentes tendências naturais, é necessário muito mais
tempo do que já passou, antes que se consiga emancipar-se da influência dos
modelos aceites e guiar-se ela própria pelos seus próprios impulsos. Mas se,
como eu acredito, não haverá prova de haver qualquer tendência natural
comum às mulheres, e distinguindo o seu génio do dos homens, no entanto
toda e qualquer escritora entre as mulheres tem as suas tendências, o que
actualmente ainda se sujeita pela influência do precedente e do exemplo: e
serão precisas mais gerações, antes que a sua individualidade esteja
suficientemente desenvolvida para fazer frente a essa influência.
É nas belas artes, chamadas assim muito a propósito, que a evidência em
primâ facie dos inferiores poderes originais na mulher parecem, à primeira
vista, serem os mais fortes: desde que a opinião (se se pode dizer assim) não
as exclua destas, mas em vez disso possa encorajá-las, e à sua educação, em
vez de passar por cima deste departamento, é nas classes prósperas que são
maioritariamente compostas por ela. No entanto, nesta linha de esforço elas
ficaram ainda mais aquém do que em muitos outros esforços, da mais alta
eminência alcançado pelos homens. Esta lacuna, no entanto, não precisa outra
explicação do que o facto familiar, uma maior verdade universal nas belas artes
do que em qualquer outra coisa; a vasta superioridade de pessoas profissionais
sobre as amadoras. As mulheres nas classes educadas são ensinadas quase
universalmente, mais ou menos, num ramo ou outro das belas artes, mas não
que isso faça com que possam viver ou ter uma boa consequência social com
isso. As mulheres artistas são todas amadoras. As excepções são apenas do
tipo que confirmam a regra geral. Ensina-se música às mulheres, mas não com
o propósito de comporem, apenas para execução: e é de acordo com isso, é
apenas enquanto compositores que os homens são superiores às mulheres. A
única das belas artes que é seguida pelas mulheres, e até certo ponto, seguida
como profissão e uma ocupação de vida é a histriónica; e nisso elas são
confessadamente iguais, senão mesmo superiores, aos homens. Para tornar a
comparação justa, deve ser feita entre as produções das mulheres em qualquer
ramo das artes e aqueles em que os homens não seguem como profissão. Na
composição musical, por exemplo, certamente que as mulheres produziram
coisas tão boas como as que foram sempre produzidas por amadores. Há
agora algumas mulheres, muito poucas, que pintam profissionalmente, e estas
estão prestes a começar a mostrar o mesmo talento que se espera delas.
Mesmo os pintores (como o Sr. Ruskin) não fizeram qualquer pintura de
verdadeiro valor nestes últimos séculos e vai demorar algum tempo até o
fazerem. A razão porque os antigos pintores eram tão superiores aos
modernos é que uma enorme classe superior de homens aplicava-se à arte.
Nos sécs. XIV e XV, os pintores italianos eram os homens mais bem sucedidos
da sua era. Os maiores de entre eles eram homens de conhecimento e poder
enciclopédicos, tal como os grandes homens na Grécia. Mas no seu tempo as
belas artes eram, para os sentimentos e concepções dos homens, uma das
grandes coisas em que o ser humano se podia notabilizar; e, através disso, os
homens eram feitos, o que agora apenas lhes fazem as distinções políticas e
militares, os companheiros dos soberanos e dos de igual estirpe da mais alta
nobreza. Na presente época, homens que em nada parecem com esses de alto

53
calibre têm coisas mais importantes para fazer para a sua própria fama e para
uso do mundo moderno, do que pintar: e é apenas de vez em quando que um
Reynolds ou um Turner (sobre cuja relativa categoria entre homens eminentes
não pretendo dar uma opinião) se aplicam, eles próprios, a essa arte. A música
pertence a uma diferente ordem das coisas; não requer os mesmos poderes
gerais da mente, mas parece ser mais dependente de um dom natural: e pode
ser surpreendente pensar que não houve nenhuma mulher com um grande
talento como compositora. Mas mesmo este dom natural, para estar disponível
para grandes criações, requer estudo e uma grande devoção profissional à
investigação. Os únicos países que produziram compositores de primeira água,
mesmo os do sexo masculino, são a Alemanha e a Itália – países onde, no
ponto de uma especial e geral aculturação, as mulheres continuam bastante
atrás das mulheres em França e em Inglaterra, sendo geralmente (o que se
pode dizer sem ponta de exagero) muito pouco educadas, e tendo dificilmente
cultivado, ou de todo, quaisquer que sejam as altas capacidades da mente
humana. E nesses países, os homens que têm conhecimento dos princípios da
composição musical podem ser contados como sendo às centenas, e
provavelmente aos milhares, a mulher raramente existe nesse domínio: então
aqui consegue-se a vantagem, na doutrina das médias, de não poder esperar,
razoavelmente, ver-se mais do que uma mulher eminente para cinquenta
homens eminentes; e nos últimos três séculos não produziu cinquenta homens
eminentes; e os últimos três séculos não produziram cinquenta homens
eminentes nem na Alemanha ou na Itália.
Há outras razões, para além daquelas que agora demos, que ajudam a explicar
porque é que as mulheres permanecem atrás dos homens, mesmo nas
investigações que estão abertas a ambos. Uma das razões é que muito poucas
mulheres têm tempo para essas investigações. Isto parece um paradoxo; é um
facto social inquestionável. O tempo e os pensamentos de todas as mulheres
têm que satisfazer exigências primordiais em coisas práticas. Há, primeiro, a
supervisão da família e da despesa doméstica a qual ocupa, pelo menos, uma
mulher em cada família, geralmente aquela que está nos anos da maturidade e
que adquiriu experiência; a não ser que a família seja tão rica que admita
delegar essa tarefa a uma agência contratada, e submetendo a todos o
desperdício e a inseparável malversação desse modo de condução das coisas.
A supervisão dos trabalhos domésticos, mesmo quando não é noutros
aspectos, é extremamente onerosa para os pensamentos; requer uma
constante vigilância, um olho a que não escape nenhum detalhe, e que
apresente questões para serem consideradas e solucionadas, previstas e
imprevistas, em todas as horas do dia, das quais a pessoa responsável por
elas raramente se pode libertar. Se a mulher tem estatuto e circunstâncias os
quais permitem que se liberte, em certa medida, destes cuidados, ela ainda
tem que desenvolver por ela própria a direcção de toda a família nas suas
relações com outras – aquilo que é chamada de sociedade, e quanto menos é
chamada pelo trabalho anterior, sempre é maior o desenvolvimento da última:
os jantares, os concertos, as festas nocturnas, visitas matinais, escrever cartas
e tudo o que se segue. E tudo isto acaba, o dever absorvente que a sociedade
impõe exclusivamente às mulheres, de fazê-las encantadoras. Uma mulher
esperta de estatuto mais alto quase encontra um emprego suficiente dos seus
talentos no cultivo as graças nas maneiras e na arte da conversação. Para
olhar apenas para o lado de fora do assunto: o enorme e contínuo exercício de

54
pensamento sobre o qual todas as mulheres que adicionem qualquer valor para
se prepararem bem (não afirmo dispendiosamente, mas com gosto, e com uma
percepção da conveniência natural ou artificial) devem conferir sobre os seus
vestidos, talvez também sobre os das suas filhas, deve, só por si, dar um
grande impulso na direcção de conseguir resultados respeitáveis nas artes. Ou
na ciência, ou na literatura e esgota muito do tempo e do poder mental que elas
devem libertar de uma ou de outra 1 . Se fosse possível que todo este número
de pouco interesse prático (que são aumentados por eles) deva deixá-las ou
muito ociosas ou muito enérgicas e com a mente aberta, para se dedicarem à
arte ou à especulação, elas devem ter um fornecimento de uma originalidade
maior que a vasta maioria dos homens. Mas isto não é tudo.
Independentemente dos trabalhos da vida regulares que recaem sobre as
mulheres, dela esperam que tenha o seu tempo e qualidades sempre ao dispor
de todos. Se um homem não tem uma profissão que o dispense dessas
exigências, ainda assim, se ele tiver um objectivo a seguir, não ofende ninguém
por empregar todo o seu tempo a isso; a ocupação é recebida como uma
desculpa para a não resposta dele a qualquer pedido causal que lhe possa ser
feito. São as ocupações das mulheres, especialmente aquelas que elas
escolheram, sempre tidas em conta como uma desculpa delas a qualquer
designação que a sociedade lhes faz? Dificilmente as suas necessárias e
reconhecidas obrigações são aceites como uma libertação. É preciso haver
uma doença na família, ou alguma coisa fora do comum, para que ela ganhe o
direito de ter o seu próprio negócio a precedência sobre o divertimento de
outras pessoas. Ela deve estar sempre de prevenção e à disposição de
alguém, geralmente de todos. Se ela tem estudos ou um objectivo, ela deve
agarrar qualquer pequeno intervalo que ocorra acidentalmente para trabalhar
nesse objectivo. Uma mulher consagrada, num trabalho que, um dia, eu espero
que venha a ser publicado observa de facto que, na verdade, que tudo o que
uma mulher faz, em épocas estranhas. Não é, por isso, uma maravilha se ela
consegue se prender com a mais alta eminência a coisas que requerem uma
permanente atenção e na concentração dessas coisas no inteiro interesse da
vida? Isso é filosofia, e isso é, acima de tudo, arte, na qual, para além da
devoção dos pensamentos e dos sentimentos, a mão deve estar sempre pronta
para manter um constante exercício para atingir uma maior capacidade.
Há ainda outra consideração a ser acrescentada a todas estas. Nas várias
ocupações artísticas e intelectuais, há um grau de suficiente mestria para se
viver dessas ocupações, há um grau mais alto no qual dependem as grandes
produções, as quais, imortalizam um nome. Para o êxito do anterior, há motivos
adequados no caso de todos aqueles que seguem uma carreira
profissionalmente: o outro raramente é atingido onde não há, ou onde não
houve em alguma altura da vida um ardente desejo de celebridade. Nada é

1
Parece ser a mesma atitude mental que possibilita os homens adquirirem a verdade ou a ideia justa do
que é certo, no adorno, tal como nos princípios da arte. Ainda tem o mesmo centro de perfeição, embora
seja o centro de um pequeno círculo.
- Para ilustrar isto pela moda do vestido, onde é permitido ter um bom ou mau gosto. As partes
constitutivas do vestido estão a mudar continuamente do óptimo para o pequeno, do curto para o
comprido; mas as formas gerais ainda continuam: é ainda o mesmo vestido comum que é fixado
comparativamente, embora num fundamente esguio; mas é nisto que a moda se deve manter. Aquele que
tem maior sucesso na invenção, ou que veste com melhor gosto terá, provavelmente, da mesma
sagacidade aplicada para grandes propósitos, descobriu uma igual capacidade, ou formou o mesmo gosto
correcto, no mais alto trabalho de arte.” (Sir Joshua Reynolds’ Discourses, Discourse VII.)

55
geralmente um estímulo suficiente para suportar uma longa e paciente
escravidão, a qual, que mesmo no caso dos maiores dons naturais, é
absolutamente necessário para um maior prestígio na qual nós já possuímos
tantos memoriais esplêndidos dos maiores génios. Agora, seja a causa natural
ou artificial, raramente as mulheres têm essa ganância para a fama. A sua
ambição está geralmente confinada com ambições estreitas. A influência que
elas procuram é sobre aqueles que as rodeiam de mais perto. O desejo delas é
de serem queridas, amadas, ou admiradas, por aqueles que elas vêem com os
seus olhos: e a sua competência no conhecimento, nas artes, e as
concretizações, para as quais são suficientes para isso, quase sempre contêm-
nas. Isto é um traço do carácter que não pode ser deixado fora no cálculo do
julgamento das mulheres, tais como elas são. Eu não acredito, de todo que
seja inerente às mulheres. É apenas o resultado natural das suas
circunstâncias. O amor pela fama nos homens é encorajado pela educação e
opinião: para “menosprezar os prazeres e viver laboriosos dias” para esses
motivos, é calculado a parte das “mentes nobres” mesmo que falassem como
sendo a “última fraqueza” e é estimulado pela acesso que a fama a todos os
objectos de ambição, incluindo os favores das mulheres; enquanto para as
próprias mulheres todos estes objectos estão fechados, e o desejo da própria
fama é considerado audacioso e pouco feminino. Para além disso, como é que
pode ser que os interesses de uma mulher não devam estar concentrado acima
das impressões feitas naqueles que chegam na sua vida diária, quando a
sociedade ordenou que todos os seus deveres devem para com eles, e forçou
que todos os seus confortos devem ser depender deles? O desejo natural de
consideração das nossas criaturas semelhantes é tão forte numa mulher como
num homem; mas a sociedade ordenou as coisas desta maneira que qualquer
consideração pública é, em todos os casos correntes, apenas atingível por ela
através da consideração do seu marido ou das suas relações masculinas,
enquanto as suas considerações privadas são confiscadas por fazer dela
própria individualidade saliente, ou aparecer em qualquer outra personagem do
que apenas um apêndice aos homens. Quem for o menos capaz de estimar a
influência da mente em toda a posição doméstica e social e todo o hábito da
vidam deve facilmente reconhecer, nessa influência, uma completa explanação
de, aproximadamente, de todas as aparentes diferenças entre mulheres e
homens, incluindo de todos aqueles que implicam qualquer inferioridade.
No que diz respeito a diferenças morais, consideradas como distintas das
intelectuais, normalmente a distinção habitualmente feita é na vantagem das
mulheres. São declaradas como sendo melhores que os homens; um elogio
vazio, o qual deve provocar um sorriso amargo a toda a mulher com espírito, já
que não outra situação na vida na qual é a ordem estabelecida, e considerada
como bastante natural e adequada, que os melhores devem obedecer ao
piores. Se este pedaço de conversa indolente serve para alguma coisa, é
apenas como admissão, pelos homens, da influência corruptora do poder; pois
isso é certamente a única verdade no qual o facto, se for de facto um facto,
possa provar ou ilustrar. Como é verdade que a servidão, excepto quando
realmente brutaliza, apesar de corromper ambos, e menor para os escravos do
que para os donos de escravos. É sensato para a natureza moral ser dominada
mesmo por poder arbitrário, do que ser permitido exercer um poder arbitrário
sem refreio. As mulheres, diz-se, caem muito raramente sob leis penais –
contribuem com um número muito mais pequeno de ofensas para o calendário

56
penal, que os homens. Duvido que a mesma coisa possa ser dita, sem a
mesma verdade, dos escravos negros. Aqueles que estão sob o controlo de
outros não podem cometer crimes muitas vezes, a não ser no comando e ao
serviço dos seus amos. Não conheço uma sinal maior de cegueira com o qual
o mundo, incluindo uma multidão de homens estudiosos, ignoram e passam
por cima de todas as influências de circunstâncias sociais, do que a sua
estúpida depreciação intelectual, dos estúpidos panegíricos da moral, da
natureza das mulheres.
A máxima complementar sobre a superior bondade moral das mulheres pode
ser permitida para comparar com o depreciativo no que diz respeito à sua
grande capacidade para o preconceito moral. As mulheres, dizem-nos, não são
capazes de resistir às suas parcialidades pessoais: os seus julgamentos em
assuntos graves são cobertos pelas suas simpatias e antipatias. Assumindo ser
assim, ainda se está para provar de que as mulheres são muitas vezes
enganadas pelos seus sentimentos pessoais do que os homens pelos seus
interesses pessoais. A principal diferença parece ser nesse caso, esses
homens são levados do curso de dever e do interesse público pelo seu
interesse neles próprios, as mulheres (não lhes permitindo ter interesses
privados por elas próprias) pela sua preocupação por outro Também deve-se
ter em consideração, que toda a educação que as mulheres recebem da
sociedade imprime nelas o sentimento de que os indivíduos que lhe estão
ligados são os únicos para quem elas têm deveres – os únicos cujos interesses
elas são chamadas a tratar; enquanto, no que diz respeito à educação, são
deixadas de fora mesmo nas ideias mais elementares as quais é pressuposto
em qualquer consideração inteligente para interesse mais largos ou objectos de
moralidade mais alta. A queixa contra elas resolve-se apenas nisto, que elas
preenchem apenas muito fielmente o único dever para que foram ensinadas, e
quase o único no qual é-lhes permitido praticar.
As concessões dos privilegiados aos mais desfavorecidos são raramente
provocadas por um qualquer motivo melhor do que o poder dos desfavorecidos
em afastá-los, que quaisquer argumentos contra a prerrogativa do sexo são
provavelmente pouco tidos em conta pela generalidade, desde que estejam
aptos de dizer por eles próprios que as mulheres não protestam. Este facto de
certeza que possibilita aos homens de manterem o injusto privilégio durante
mais tempo; mas não o torna menos injusto. Exactamente o mesmo se pode
dizer de uma mulher num harém no Oriente: elas não protestam por não lhes
ser permitido a liberdade da mulher Europeia. Pensam que as nossas mulheres
são insuportavelmente arrojadas e não femininas. Quão raramente é a
contestação dos homens à ordem geral da sociedade; e ainda mais raro seria a
contestação, se eles não soubessem de qualquer outra ordem existindo em
qualquer outra parte. As mulheres não contestam a sorte das outras mulheres;
ou talvez façam-no pois as elegias lamentosas disso é muito comum nas
escritas das mulheres, e ainda foram mais desde que das lamentações não se
possa suspeitar de terem um objecto prático.
As suas queixas são como as queixas que os homens fazem da insatisfação
geral da vida humana; eles não estão habilitados a insinuar a culpa, ou para
implorar por mudanças. Mas embora as mulheres não se manifestam do poder
dos maridos, cada uma manifesta-se do seu próprio marido ou dos maridos das
suas amigas. É o mesmo em todos os outros casos de servidão, pelo menos
no início do movimento emancipador. Os servos não protestaram, no início, do

57
poder dos seus amos, mas apenas da sua tirania. Os “Comuns” começaram
por reclamar alguns privilégios municipais; depois pediram uma isenção, para
eles próprios, de serem taxados sem o seu consentimento; mas eles deveriam,
na altura, ter pensado como sendo uma grande presunção para reclamar
qualquer parte na autoridade soberana do rei. O caso das mulheres não é o
único caso no qual a rebelião contra as regras estabelecidas é ainda visto com
os mesmos olhos como foi antes olhado quando um súbdito reclamava o direito
de rebelião contra o seu rei. Uma mulher que se junta a um qualquer
movimento o qual ao seu marido não aprova, faz dela própria um mártir,
mesmo sem ter a possibilidade de ser uma apostola, pois o marido pode,
legalmente parar à sua apostolização. Das mulheres não se pode esperar que
sejam devotas à emancipação das mulheres, enquanto os homens, em número
considerável, estão preparados para se juntarem a elas na responsabilidade.

Capítulo 4

Permanece uma questão, com a mesma importância que aquelas já discutidas,


e, sobre as quais serão postas, muito inoportunamente, por aqueles oponentes
cujas convicções abalam, de alguma maneira, o ponto central. Que bem
podemos esperar das mudanças propostas nos nossos costumes e
instituições? Será que a Humanidade estará melhor se as mulheres forem
livres? Se não, porque perturbar as suas mentes e tentar fazer uma revolução
social em nome de um direito abstracto?
Dificilmente se espera que esta questão seja posta no que diz respeito às
mudanças propostas na condição das mulheres no casamento. Os sofrimentos,
as imoralidades, todo o tipo de males, produzido, em inúmeros casos, pela
submissão das mulheres individuais aos homens individuais, são
demasiadamente terríveis para se deixar passar em branco. Pessoas
irracionais ou pouco francas, apenas contando aqueles casos que são os
extremos, o que conseguem publicidade, podem dizer que os males são
excepcionais; mas ninguém pode ser cego à sua existência, nem, em muitos
casos, à sua intensidade. E é perfeitamente óbvio que os abusos de poder não
podem ser verificados amiudadamente enquanto o poder se mantiver. É um
poder dado, ou oferecido, não a bons homens, ou a homens decentemente
respeitáveis, mas a todos os homens; ao mais brutal e ao pior criminoso. Não
existe verificação, a não ser por opinião, e esses homens são, geralmente,
dentro do alcance da não opinião mas de homens como eles. Se homens como
esses não tiranizassem brutalmente sobre o único ser humano a quem a lei
obriga a aturar tudo deles, a sociedade já teria atingido um estado paradisíaco.
Não haveria mais necessidade de leis para refrear as propensões viciosas dos
homens. Não só Astraea deve ter regressado à terra, mas a terra do pior
homem deve se ter tornado o seu templo. A lei da servidão no casamento é
uma monstruosa contradição a todos os princípios do mundo moderno, e a
todas as experiências através das quais esses princípios têm sido, muito lenta
e dolorosamente trabalhados. É todo o caso, agora que a escravatura do negro
foi abolida, em que um ser humano na plenitude de todas a suas capacidades
é entregue às gentis piedades de outro ser humano, em verdade, na esperança

58
que aquela outra vontade use o poder apenas para o bem da pessoa sujeita a
isso. O casamento é o único cativeiro conhecido por toda a lei. Já não há
escravos legais, excepto a senhora de cada casa.
Se não é, portanto, nesta parte do assunto, que a questão a ser colocada, Cui
bono? Podem-nos dizer que o mal irá suplantar o bem, mas a realidade do bem
não admite disputa. A esse respeito, no entanto, para a questão mais ampla, a
supressão das incapacidades das mulheres – o seu reconhecimento como
sendo iguais ao homens em tudo o que pertence à cidadania – a abertura, a
elas, a todos os empregos honrados, e o treino e educação que as qualifique
para esses empregos – há muitas pessoas para quem não é suficiente que a
desigualdade não tenha uma justa e legítima defesa; necessitam de serem
informados que tipo de vantagens se obteria ao se abolir essa desigualdade.
A isso deixem-me primeiro responder: a vantagem de ter as mais universais e
dominantes de todas as relações humanas reguladas pela justiça do que pela
injustiça. As vastas quantias destes ganhos para a natureza humana
dificilmente são possíveis, por qualquer explanação ou ilustração, de serem
colocadas com uma maior clareza do que o são por uma declaração vazia, a
qualquer um que junte um significado moral às palavras. Todas as propensões
egoístas, a auto-adoração, a injusta auto-preferência, que existe entre os
humanos, tem a sua fonte e raiz, e derivam a sua alimentação da presente
constituição da relação entre homens e mulheres.
Pense no que significa para um rapaz crescer até à idade adulta, na crença de
que sem qualquer mérito ou sem qualquer esforço próprio, e pensar que ele
pode ser o mais frívolo e vazio ou o mais ignorante e calmo que existe na
humanidade, apenas pelo simples facto de ter nascido macho ele é por direito
superior a todos e de todos os membros da outra metade da humanidade:
incluindo, provavelmente, alguns cuja real superioridade sobre ele próprio teve
ocasião de sentir diariamente ou a toda a hora; mas mesmo que ele, em toda a
sua conduta, habitualmente siga a orientação da mulher, mesmo assim, se ele
for um pateta, claro que ele pensa que ela não é, nem pode ser, igual a ele em
capacidade e em julgamento; e se ele não é um pateta, ele ainda faz pior – ele
vê que ela é-lhe superior e acredita que, independentemente da sua
superioridade, ele tem o direito a comandar e ela é obrigada a obedecer. Qual
deve ser o efeito no seu carácter, desta lição? E homens das classes cultas
não estão, muitas vezes, conscientes de como isso profundamente se afunda
na maioria das mentes masculinas. Pois, entre pessoas correctas e educadas,
a desigualdade é mantida, o mais possível, afastada; acima de tudo afastada
das crianças. Por muita obediência que seja pedida aos rapazes às suas mães
assim como para com o pai: não lhes é permitido terem um domínio sobre as
suas irmãs, nem são acostumados a verem isto adiado para eles, bem pelo
contrário; as compensações dos sentimentos cavaleirescos tornados
proeminentes, enquanto a serventia que lhes é exigida é mantida na
retaguarda. Jovens bem-nascidos das classes mais altas, que entretanto
escapam muitas vezes às más influências da situação em que estão nos seus
primeiros anos de vida e que só as experienciam quando chegam à idade
adulta, caem sob o domínio dos factos como eles realmente são. Essas
pessoas tem pouca noção, quando um rapaz é de outra classe, quão cedo a
noção desta inerente superioridade sobre uma rapariga nasce na mente dele;
como cresce com o seu crescimento e se torna mais forte com a força dele;
como é inserido de estudante em estudante; quão cedo o jovem se sente, ele

59
próprio, superior à sua mãe, talvez devendo-lhe continência mas não respeito;
e como ele sente, acima de tudo, um sublime e sultânico sentido de
superioridade sobre a mulher a quem ele honra admitindo-a como companhia
na sua vida. É imaginado que tudo isto não perverta todo o tipo de existência
do homem, tanto como indivíduo como um ser social? É exactamente um
sentimento paralelo ao do rei hereditário que se acha excelente, sobre os
outros, por ter nascido rei ou ao do nobre por ter nascido nobre. A relação entre
marido e mulher é muito parecida com a relação entre o nobre e o vassalo,
exceptuando que a mulher é mantida sob uma obediência mais ilimitada do que
era o vassalo. No entanto, a personalidade do vassalo pode não ter sido
afectada, para o melhor e para o pior, pela sua subordinação, mas quem pode
evitar ver que o nobre foi afectado para pior? Seja por ele ter sido levado a
acreditar que os seus vassalos eram realmente superiores a ele, ou a sentir
que ele foi colocado a comandar pessoas tão boas quanto ele, sem qualquer
mérito ou esforço próprio, mas apenas por ter tido, como diz Fígaro, o trabalho
de ter nascido. A auto-adoração do Monarca, ou do superior feudal, é igualada
com a auto-adoração do homem. Os seres humanos não crescem desde a
infância na posse de distinções imerecidas, sem se colocarem em soberba
sobre elas. Aqueles cujos privilégios não foram adquiridos pelo seu mérito, e os
quais sentem serem desproporcionados a esses privilégios, inspira, com
adicional humildade, são sempre a minoria, e a melhor minoria. Os restantes só
são inspirados com orgulho, e a pior forma de orgulho, a qual valoriza-se sobre
vantagens acidentais, não do seu próprio trabalho. Acima de tudo, quando o
sentimento de se ter nascido acima de todo o outro sexo é combinado com a
autoridade pessoal sobre um único indivíduo entre eles; a situação, se uma
escola de continência conscienciosa e afectuosa para aqueles que cujos
pontos fortes de carácter são a consciência e a afecção, é, para homens de
outra qualidade, regularmente constitui uma Academia ou um Liceu para os
treinar em arrogância e altivez; vícios esses, que se refreados pela certeza da
resistência nas suas relações com outros homens, seus iguais, surgem contra
todos que estão em posição de serem obrigados a os tolerarem e muitas vezes
vingarem-se sobre a infeliz esposa pela restrição involuntária à qual estão
obrigados a submeterem-se em qualquer outro lugar.
O exemplo produzido, e a educação dada aos sentimentos, ao lançar os
fundamentos da existência doméstica sobre uma relação contraditória com os
primeiros princípios da justiça social, deve, da própria natureza do homem, ter
uma influência perversa de tal magnitude, que dificilmente é possível, com a
nossa experiência actual, elevar a nossa imaginação às concepções de uma
mudança de tal grandeza para o melhor como seria a sua remoção. Tudo o que
a educação e a civilização estão a fazer para encarar as influências na
personalidade feita pela lei da força, e substituí-los pelas da justiça, fica pela
superfície, desde que o castelo do seu inimigo não seja atacada. O princípio do
movimento moderno na moral e na política, é aquela conduta, e apenas aquela
conduta, digna de respeito: que não é o que os homens são, mas o que fazem,
constitui a sua reivindicação ao respeito; que, acima de tudo, o mérito, e não o
nascimento, é a única reivindicação correcta ao poder e autoridade. Se
nenhuma autoridade, sem a sua temporária natureza, fosse autorizada de um
ser humano sobre o outro, a sociedade não seria precisa para se construir
inclinações com uma mão a qual tem que moderar com a outra. A criança
realmente iria, pela primeira vez na existência humana na terra, ser treinada na

60
maneira que deveria ir, e quando fosse velho haveria então uma hipótese em
que não se afastaria disso. Mas desde que governe o direito do mais forte ao
poder sobre os fracos no coração da sociedade, a tentativa de pôr os direitos
dos fracos como princípio das acções será sempre uma luta tremenda; pois a
lei da justiça, a qual é a lei da Cristandade, nunca terá o poder dos sentimentos
mais íntimos dos homens; estarão a trabalhar contra a lei, mesmo quando se
inclinam a ela.
O segundo benefício a ser esperado ao dar às mulheres a livre utilização das
suas capacidades, deixando para elas a livre escolha nos seus empregos, e
abrindo a elas o mesmo campo de ocupação e os mesmos prémios e
encorajamentos que dão a outros seres humanos, seria um duplicar das
faculdades da massa mental disponível para o serviço da humanidade. Onde
agora está uma pessoa qualificada para beneficiar a humanidade e promover o
melhoramento geral, como um tutor público, ou um administrador de algumas
parcelas de assuntos públicos ou sociais, haveria a hipótese de haver duas.
Qualquer tipo de superioridade mental está, presentemente, em qualquer lado,
abaixo do exigido; há uma tal deficiência de pessoas competentes para
fazerem qualquer coisa com excelência que seja necessário uma considerável
quantia de capacidades para tal; que a perca para o mundo, por se recusarem
em fazer uso de metade da quantia total de talento que possuem, é
extremamente séria. É verdade que esta quantia de poder mental não está
totalmente perdida. Muita dela é empregada, e seria, em todo o caso,
empregada, na direcção doméstica e nas outras poucas ocupações abertas às
mulheres; e do indirecto benefício que restava é, em muitos casos individuais,
obtido através da influência pessoal de mulheres individuais sobre homens
individuais. Mas estes benefícios são parciais; a sua abrangência é
extremamente circunscrita; e se devem ser admitidos, por um lado, como
dedução da quantia de um recente poder social que deveria ser adquirido
dando liberdade a metade do total do intelecto humano, deve ser acrescentado,
por outro lado, o benefício do estímulo que deveria ser dado ao intelecto dos
homens pela competição; ou (para usar uma expressão mais verdadeira) pela
necessidade que seria imposta sobre eles da merecida precedência antes que
eles possam esperar obtê-la.
Esta grande entrada aos poderes intelectuais das espécies, e a quantidade de
intelecto disponível para a boa orientação dos seus assuntos, seria obtida,
parcialmente, através da melhor e mais completa educação intelectual das
mulheres, a qual seria então melhorada, a par e passo, com a dos homens. As
mulheres em geral seriam trazidas para a igual capacidade para entender de
negócios, de assuntos públicos, e as grandes matérias especulativas, com
homens da mesma classe social; e a minoria seleccionada daqueles assim
como do outro sexo, não seriam apenas capacitados a compreender o que é
feito ou pensado por outros, mas a pensar ou a fazer algo considerável por eles
mesmos, encontraram-se com as mesmas facilidades para melhorar as suas
capacidades num sexo como no outro. Desta maneira, o alargamento da esfera
da acção para as mulheres seria feito para sempre, ao crescer a sua educação
ao nível da dos homens e fazendo a um participar em todos os melhoramentos
feitos no outro. Mas independentemente disto, a simples quebrar da barreira
seria, por si só, obter uma virtude educacional do mais alto valor. O simples
livrar-se da ideia de que todos os assuntos mais alargado do pensamento e da
acção, de todas as coisas não só do interesse privado ou geral são coisas de

61
homens, para as quais as mulheres devem ser acauteladas - positivamente
interditas da maioria dessas coisas, friamente toleradas no pouco que lhes é
permitido – a mera consciencialização que a mulher deve ter de ser um ser
humano tal como os outros, com direito a seguir os seus objectivos, incitada ou
convidada pela mesma persuasão que toda a gente para se interessar em
qualquer que seja interessante para o ser humano, com direito a usar a parte
da influência em todas as preocupações humanas que pertençam a uma
opinião individual, independentemente de ela ter tentado uma real participação
nelas ou não – só isto teria como efeito uma imensa expansão das faculdades
das mulheres, assim como um crescimento no âmbito dos seus sentimentos
morais.
Para além do acrescento no total de talento individual disponível para a
conduta de assuntos humanos, os quais certamente não estão, no presente,
tão abundantemente prontos a esse respeito que possam ter a possibilidade de
dispensar metade do que a natureza providenciou; a opinião das mulheres
possuiria então um maior benefício, do que uma maior influência sobre a
grande massa das crenças e dos sentimentos humanos. Digo um maior
benefício do que uma maior influência; pois a influência das mulheres sobre o
tom geral das opiniões foi sempre, pelo menos desde os primeiros tempos que
são conhecidos, muito considerável. A influência das mães na jovem
personalidade dos seus filhos, e o desejo de jovens para se recomendarem às
jovens mulheres, foi desde tempo memorizados importantes agências na
formação de personalidades e determinou alguns dos principais passos no
progresso da civilização. Mesmo na era homérica, através da
há um reconhecimento e um motivo poderoso na acção do grande
Heitor. A influência moral das mulheres teve dois modos de operações.
Primeiro, foi uma influência suave. Aquelas que eram mais susceptíveis às
vítimas de violência, tiveram naturalmente tenderam tanto quanto puderam
para limitar a sua esfera e mitigaram em excesso. Aquelas que não eram
ensinadas a lutar, tiveram naturalmente uma inclinação a favor de outro modo
de marcarem as diferenças em vez de lutarem. No geral, aqueles que foram os
grandes sofredores da indulgência das paixões egoístas, foram os maiores
apoiantes de qualquer lei moral que oferecesse meios de esfriar as paixões. As
mulheres foram poderosamente instrumentais em induzir os conquistadores
nórdicos a adoptar a crença cristã, uma crença muito mais favorável às
mulheres que qualquer outra que a precedeu. A conversão dos Anglo-
Saxónicos e dos Francos pode ser dito que começou com as mulheres de
Ethelbert e de Clóvis. O outro modo no qual os efeitos da opinião das mulheres
foram visíveis, é dando um estímulo poderoso àquelas qualidades nos homens
as quais, não sendo treinadas por eles, era necessário que eles as
encontrassem nos seus protectores. A coragem e, geralmente, a virtude militar,
foram sempre devedores do desejo pelo qual os homens se sentiram
admirados pelas mulheres; e o estímulo chega para além desta classe de
eminentes qualidades desde que, por um efeito muito natural da sua posição,
o melhor passaporte para a admiração e o favor das mulheres foi sempre tido
em alta consideração pelos homens. Da combinação dos dois tipos de
influência moral assim exercido pelas mulheres, nasceu o espírito de cavaleiro:
dos quais o peculiar é, ter o objectivo de combinar os padrões mais altos das
qualidades guerreiras com o cultivo de uma classe totalmente diferente de
virtudes – os de gentileza, generosidade e auto-abnegação, para com as

62
classes geralmente não militares e indefesas, e uma especial submissão e
adoração direccionadas para as mulheres; que eram distintas das outras
classes indefesas pelas altas recompensas que tinham em seu poder e que
presenteavam voluntariamente àqueles que se esforçavam para merecerem o
seu favor, em vez de extorquirem a sua sujeição. Apesar da prática da
cavalaria ter tristemente caído do seu modelo teórico continuou um dos
monumentos mais preciosos da história moral da nossa raça; como um instante
assinalável de uma tentativa convencionada e organizada pela sociedade mais
desorganizada e mais distraída, para criar, e pôr em prática, um ideal moral
muito mais avançado do que as suas condições instituições sociais; tanto que
foi completamente frustrada no seu objectivo principal, embora não totalmente
ineficaz e a qual deixou uma muito sensível, e na sua maior parte uma alta
impressão valorativa nas ideias e nos sentimentos dos tempos subsequentes.
O ideal cavaleiresco é o sumo ápice da influência dos sentimentos das
mulheres no cultivo moral da humanidade: e se as mulheres estão para ficar na
sua situação subordinada, é de lamentar, imensamente, que o modelo
cavaleiresco foi ultrapassado, pois é o único capaz de mitigar as influências
desmoralizadoras dessa posição. Mas as mudanças no estado geral das
espécies resultam inevitavelmente na substituição de um ideal totalmente
diferente de moralidade do ideal cavaleiresco. A cavalaria foi a tentativa de
incutir os elementos morais num tipo de sociedade na qual tudo dependia para
o bem ou para o mal no esforço individual, sob a suave influência da
delicadeza e generosidade individual. Nas sociedades modernas tudo, mesmo
nos assuntos do departamento militar, é decidido, não pelo esforço individual,
mas por uma combinação de operações numéricas; enquanto a principal
ocupação da sociedade mudou da luta para o negócio, da vida militar para a
vida industrial. As exigências da nova vida não são mais exclusivas das
virtudes da generosidade do que a vida antiga, mas não depende mais
inteiramente delas. Os principais fundamentos da vida moral dos tempos
modernos devem ser a justiça e a prudência; o respeito de cada um pelos
direitos de todo o outro e a capacidade de cada um tomar conta de si próprio. A
cavalaria deixou sem qualquer tipo de verificação todas as formas de erro que
continuam impunes por toda a sociedade; só encorajou uns poucos a fazerem
o certo em vez do errado, pela direcção que deu aos instrumentos de louvor e
admiração. Mas a real dependência da moralidade deve estar sempre sob as
sanções penais – o seu poder para se desencorajar do mal. A segurança da
sociedade não se pode fixar em apenas prestar homenagens ao certo, um
motivo tão comparávelmente fraco a tudo excepto para uma minoria, e a qual
em muitos não é praticada de todo. A sociedade moderna é capaz de reprimir o
mal através de todos os departamentos da vida, por uma aplicação capaz da
força superior que foi dada pela civilização, e assim possibilitar a existência dos
membros mais fracos da sociedade (que já não são indefesos mas protegidos
pela lei) tolerados por eles, sem confiar nos sentimentos cavaleirescos
daqueles que estão numa posição para tiranizar. As belezas e as graças da
personalidade cavaleiresca ainda são o que são, mas os direitos dos fracos e o
conforto geral da vida humana, ficam agora num suporte mais certo e estável;
ou, em vez disso, eles o fazem em todas as relações da vida excepto na
conjugal.

63
Actualmente a influência moral das mulheres não é menos real, mas não é de
tal maneira que marque e defina uma personalidade: mais exactamente
consolidou-se na influência geral da opinião pública. Seja pelo contágio da
simpatia e através do desejo do homem de brilhar aos olhos das mulheres, os
seus sentimentos tem um enorme efeito em manter vivo os que resta do ideal
cavaleiresco – ao auxiliar os sentimentos e continuando as tradições do espírito
e de generosidade. Nestes pontos o carácter, o padrão deles é mais alto do
que o dos homens; na qualidade da justiça, de alguma maneira mais baixo. No
que diz respeito às relações da vida privada, pode-se dizer que, na
generalidade, que a influência deles, no seu todo, encorajando as mais suaves
virtudes, desencorajando as mais severas: apesar da declaração deva ser
tomada com todas as modificações que dependem do carácter. No principal
dos maiores tribunais para a qual a virtude é matéria nas preocupações
quotidianas – o conflito entre interesse e princípio – a tendência da influência
das mulheres é a do carácter muito misturado. Quando acontece que o
princípio envolvido é um daqueles raros no qual o curso da sua religião ou
educação moral teve uma forte impressão nelas próprias, são potenciais
auxiliares à virtude: e os seus maridos e filhos estão prontos, por eles próprios,
a actos de abnegação os quais nunca seriam capazes de fazer sem esse
estímulo. Mas com a presente educação e posição das mulheres, os princípios
morais, os princípios morais que foram gravados nelas abrangendo,
comparativamente, uma pequena parte do campo da virtude e são, além disso,
principalmente negativos; proibindo actos particulares, mas tendo pouca
participação com a geral direcção dos pensamentos e dos propósitos. Temo
que deva ser dito que o desinteresse na conduta geral da vida – a entrega das
energias a propósitos que não trazem quaisquer vantagens individuais a nível
familiar – é muito raramente encorajada ou suportada pela influência das
mulheres. Elas têm pouca culpa quando são desencorajadas sobre matérias
para as quais não tenham aprendido a tirar vantagens, e as quais afastam os
seus homens delas, e dos interesses da família. Mas a consequência disto é
que a influência das mulheres está em tudo, muitas vezes, excepto para a
virtude pública.
As mulheres têm, no entanto, alguma parte da influência ao darem o tom às
moralidades públicas desde a altura em que a sua esfera de acção foi um
pouco alargada, e desde um número considerável delas praticamente se
ocuparam nas promoções dos objectos que estão para lá da sua própria família
e dos assuntos domésticos. A influência das mulheres é tida em grande conta
em dois dos acontecimentos marcantes da moderna vida Europeia – a sua
aversão à guerra e a sua propensão para a filantropia. Ambas duas excelentes
características; mas infelizmente, se a influência das mulheres tem valor no
encorajamento que geralmente dá a estes sentimentos, nas aplicações
particulares as direcções que lhes dá é, muitas vezes, no mínimo, tão maliciosa
quanto útil. Mais particularmente, no departamento filantrópico, os dois
principais campos de acção cultivados pelas mulheres são o proselitismo
religioso e a caridade. O proselitismo religioso em casa não é senão outra
palavra para a irritação das animosidades religiosas: no exterior, normalmente
é ir ao acaso para um objecto, sem conhecer ou prestar atenção aos estragos
fatais – fatais para o objecto religioso assim como para todos os objectos
desejáveis – os quais possam ser produzidos pelos meios empregados. No que
toca á caridade, é um assunto ao qual o efeito imediato nas pessoas

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directamente envolvidas e a última consequência para o bem comum, estão
aptos para estarem em guerra total um com o outro: enquanto a educação
dada às mulheres – uma educação dos sentimentos em vez do entendimento –
e o hábito inculcado por toda a vida delas de olhar para os efeitos imediatos
nas pessoas e não para os efeitos remotos em classes de pessoas – torna-as
incapazes de ver como também sem vontade de admitir a tendência do maior
mal de qualquer forma de caridade ou de filantropia o qual é o auto elogio para
com os seus sentimentos solidários. O grande e contínuo aumento de massa
de benevolência obscura e tacanha, a qual tira o cuidado sobre a vida das
pessoas das suas próprias mãos libertando-as das desagradáveis
consequências dos seus próprios actos, enfraquecendo os próprios
fundamentos do auto-respeito, da auto-ajuda e do auto-controlo os quais são
as condições essenciais tanto para a prosperidade individual e da virtude social
– o desperdício de capacidades e de sentimentos benevolentes ao fazer mal
em vez do bem, é imensamente intensificada pelas contribuições das mulheres
e estimulada pela sua influência. Não que isso seja um erro usualmente feito
por mulheres, onde elas têm, na realidade, a direcção prática dos esquemas de
beneficência. Por vezes acontece que as mulheres que administram caridades
públicas – com esse conhecimento do facto presente, e especialmente das
mentes e dos sentimentos daqueles com quem elas estão no contacto
imediato, as quais as mulheres geralmente excedem os homens –
reconhecem, da maneira mais clara, a influência desmoralizante das esmolas
dadas ou a ajuda concedida, e pode dar sobre o assunto a muitos homens da
política economista. Mas as mulheres que apenas dão o seu dinheiro, e não
são postas perante o efeito produzido, como se pode esperar que elas o
prevejam? Uma mulher que nasça perante o actual destino das mulheres, e
contente com isso, como é que ela pode apreciar o valor da sua autonomia?
Ela não é autónoma; não lhe é ensinada a ser autónoma; o seu destino é
receber tudo dos outros, e porque é que o que é suficientemente bom para ela
seja mau para os pobres? As suas noções familiares de bem são dons
recebidos de algo superior. Ela esquece-se que não é livre, e que os pobres
são; isto se eles precisarem é lhes dado sem esforço, eles não são instigados a
merecê-lo: que ninguém pode ser cuidado por ninguém, mas deve haver um
algum motivo que persuada as pessoas a tomarem contas delas mesmas; e
que, para serem ajudadas a ajudarem-se, se estão fisicamente capazes disso,
esta é a única caridade que prova que é a verdadeira caridade.
Estas considerações mostraram quão proveitosamente a parte da qual as
mulheres tiram na formação da opinião geral seria modificada para melhor por
essa educação mais alargada e a familiaridade prática com as coisas sobre as
quais a sua opinião influencia, que necessariamente iria surgir da sua
emancipação social e política. Mas o melhoramento que resultaria através da
influência exercitada por elas, cada uma na sua família, seria ainda mais
admirável.
Diz-se muitas vezes que nas classes mais expostas à tentação, uma esposa e
os filhos tendem a manter o marido honesto e respeitável, tanto pela influência
directa da esposa e pela preocupação que ele sente pelo seu bem-estar futuro.
Até pode ser assim, e sem dúvida que muitas vezes é assim, com aqueles que
são mais fracos que perversos; e esta benéfica influência seria preservada e
fortalecida sob leis equitativas; não depende da servidão da mulher mas, pelo
contrário, diminuído pelo desrespeito que a classe inferior de homens sempre

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sente, no seu coração, para com aqueles estão sujeitos ao poder delas. Mas
quando ascendemos mais alto na escala, ficamos num cenário completamente
diferente de forças em movimento. A influência da esposa tende, até onde
pode ir, a prevenir o marido de cair sob o modelo padrão aprovado pelo país.
Tende quase de uma maneira tão forte a travá-lo a ultrapassar isso. A esposa é
a auxiliar da opinião pública comum. Um homem que é casado com uma
mulher inferior a ele em inteligência acha-a um perpétuo fardo ou, o que é pior
do que ser um fardo, uma obstrução sobre qualquer aspiração que ele queira
ter na opinião pública. Dificilmente é possível para alguém que esteja nestes
limites, atender a uma virtude elevada. Se ele difere a sua opinião da grande
massa – se ele vê a verdades que ainda não foram percebidas, ou se, sente no
seu coração verdades que eles reconhecem só de nome, ele gostaria de actuar
sobre essas verdades mais conscientemente do que a generalidade da
humanidade – para todos este pensamentos e desejos, o casamento é o mais
pesado dos inconvenientes, a não ser que ele seja tão afortunado ao ter uma
esposa tão acima do nível comum como ele está. Pois, em primeiro lugar, há
sempre algum sacrifício do interesse pessoal pretendido; seja de consequência
social, seja de meios pecuniários; talvez mesmo corra o risco nos meios de
subsistência. Estes sacrifícios e riscos ele pode estar disposto a sofrê-los; mas
ele irá parar antes que os imponha à sua família. E a sua família neste caso
significa a sua esposa e as suas filhas; pois ele espera sempre que os seus
filhos irão sentir o que ele próprio sente, e aquilo que ele pode dispensar, ele
também irão dispensar, voluntariamente, na mesma causa. Mas as suas filhas
– o casamento delas pode depender disso: e a sua esposa, que é incapaz de
entrar nisso ou entender os objectivos pelos quais estes sacrifícios são feitos –
pessoa essa que, se ela pensasse que valeriam alguns desses sacrifícios,
pensaria assim na confiança, e apenas para o seu bem – pessoa essa que não
pode participar em nenhum tipo de entusiasmo ou de auto-aprovação que ele
próprio possa sentir, enquanto as coisas que ele está disposto a sacrificar são
todas para ela; não hesitaria mais tempo o homem mais altruísta antes de
trazer para ela esta consequência? Não fossem os confortos da vida, mas
apenas a consideração social, o que está em jogo, o fardo sobre a sua
consciência e os seus sentimentos é ainda muito pesado. Quem quer que
tenha uma esposa e filhos tem sido refém da Mrs. Grundy. A aprovação desse
potentado pode ser um assunto indiferente para ele, mas é de grande
importância para a sua mulher. O próprio homem pode estar acima da opinião,
ou pode achar ser uma compensação suficiente na opinião daqueles que
pensam da mesma maneira que ele. Mas para a mulher ligada a ele, ele não
pode oferecer qualquer compensação. A tendência mais invariável da mulher
para colocar a sua influência na mesma escala das considerações sociais, é,
por vezes, uma aproximação feita para as mulheres e representa um traço
peculiar de debilidade e de infantilidade de carácter nelas: certamente com
grande injustiça. A sociedade torna toda a vida de uma mulher, nas classes
mais altas, um contínuo auto-sacrifício; exige delas uma ininterrupta restrição
de todas as suas naturais inclinações, e o único retorno que lhes advém, e que
merece o nome de martírio, é consideração. A sua consideração está
inseparavelmente ligada com a do seu marido, e depois de pagar o preço
completo por isso, ela acha que é ela que perde, sem qualquer razão da qual
ela sente o peso. Ela sacrificou toda a sua vida por isso, e o seu marido não se
sacrificará a um capricho, a uma fantasia, a uma excentricidade; algo que não

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é reconhecido ou admitido pelo mundo, e sobre o qual o mundo concordará
com ela ao pensar tolices, se não pensar em coisas piores! O dilema é mais
difícil sobre essa classe de homens, que, sem possuírem talentos que os
qualifiquem a fazer boa figura entre aqueles com quem eles concordaram na
opinião, mantêm a sua opinião convictamente, e sentem-se obrigados pela
honra e pela consciência para a servir, através da declaração da sua crença, e
dando o seu tempo, trabalho e meios a tudo o que a responsabilidade no seu
interesse. O pior caso de todos é quando esses homens estão, por acaso,
numa posição e com um estatuto tal que não dão nada de si mesmos, nem são
excluídos, do que é considerado como a melhor sociedade; quando são
admitidos aí depende, principalmente, do que é pensado deles pessoalmente –
e embora seja normal a sua educação e hábitos, são identificados com
opiniões e condutas públicas inaceitáveis para aqueles que dão o tom à
sociedade operariam como uma exclusão efectiva. Por muito que uma mulher
se elogie (nove em cada dez vezes muito erradamente) não é previsível, a si e
ao seu marido, que se mudem para a sociedade mais alta do seu bairro –
sociedade na qual outros bem conhecidos para ela, e na mesma classe de
vida, livremente se misturam – excepto se o seu marido, infelizmente, for um
Dissidente, ou tem a reputação de se misturar em baixas políticas radicais. Isto
é, pensa ela, o que atrasa o George de receber uma comissão ou um lugar, a
Caroline de fazer um jogo vantajoso, e impede-a e ao seu marido de obter
convites, talvez honras, as quais, do que ela veja, eles têm tanto direito como
algumas pessoas. Com tal influência em todas as casas, seja exercendo-a
activamente ou operando-as todas de maneira mais forte por não fazer valer, é
uma admiração que as pessoas em geral são mantidas nessa mediocridade de
respeitabilidade a qual está a tornar-se uma marca característica dos tempos
modernos?
Há ainda outro aspecto muito injurioso no qual o efeito, não directamente da
incapacidade da mulher, mas da linha de fronteira da diferença, cujas
incapacidades criam entre a educação e o carácter de uma mulher e de um
homem, requer que sejam consideradas. Nada pode ser mais desfavorável a
essa união de pensamentos e de inclinações que é o ideal de uma vida de
casado. Mostrar a sociedade entre pessoas radicalmente dissimilares entre
elas, é um sonho inútil. As diferenças podem atrair, mas são as semelhanças
que as mantêm; e na proporção à semelhança está a conveniência dos
indivíduos para dar a cada um uma vida feliz. Enquanto as mulheres são tão
diferentes dos homens, não é maravilhoso que homens egoístas tenham a
necessidade de um poder arbitrário nas suas próprias mãos, para prender in
limine a longa vida de conflitos das inclinações, decidindo todas as questões do
lado da sua preferência. Quando as pessoas são muito diferentes, não têm
qualquer real interesse idêntico. Muitas vezes há conscientes diferenças de
opinião entre pessoas casadas, nos pontos mais altos do respeito. Haverá
alguma realidade na união matrimonial onde isto aconteça? No entanto, não é
invulgar em qualquer lado, quando a mulher tem qualquer seriedade de
carácter; e de facto é o caso geral em países católicos, quando ela é apoiada
na sua dissidência pela outra única autoridade para a qual ela é ensinada a
curvar-se, o padre. Com o usual descaramento de poder que não está
acostumado a ser disputado, a influência dos padres sobre as mulheres é
atacada por escritores protestantes e liberais, menos por ser mau em si

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mesmo, do que por causa é uma autoridade rival à do seu marido e dá lugar a
uma revolta contra a sua infalibilidade.
Em Inglaterra, ocasionalmente, diferenças similares existem quando uma
esposa evangélica alia-se com um marido de qualidades diferentes; mas no
geral, ao menos, esta fonte de discórdia e abandonada, reduzindo as mentes
das mulheres a uma tal nulidade, que elas não têm qualquer opinião mas
apenas aquelas da Mrs. Grundy ou aquelas que os maridos dizem para elas
terem. Quando não há diferença de opinião, as meras diferenças de gosto
podem ser suficientes para diminuir muito o valor da vida feliz conjugal. E
embora possa estimular as propensões amadoras dos homens, não conduz à
felicidade conjugal, para exagerar por diferenças de educação qualquer que
sejam as diferenças naturais dos sexos. Se no casal conjugal as pessoas são
bem-educadas e de boas maneiras, toleram os gostos de ambos; mas será
uma mútua tolerância o que as pessoas procuram quando entram num
casamento? Estas diferenças de inclinação irão fazer com que as seus desejos
serem diferentes, se não forem travados pela afecção ou pelo respeito, como
em quase todas as questões domésticas nas quais surgem. Que diferença
deverá haver na sociedade na qual duas pessoas quereriam frequentá-la ou
serem frequentadas! Cada um desejará associar-se com aqueles que partilham
os seus gostos: as pessoas agradáveis a um, serão indiferentes ou
positivamente desagradáveis ao outro; no entanto não haverá ninguém que
não seja comum aos dois, pois, pessoas casadas agora não vivem em partes
diferentes da casa e têm uma lista de visitas totalmente diferentes, como no
reinado de Luís XIV. Não podem evitar terem desejos diferentes como no trazer
crianças ao mundo: cada um desejará de ver reproduzida neles os seus
próprios gostos e sentimentos: e ainda há ou um compromisso, e apenas meia
satisfação de um deles, ou a esposa tem que calcular – muitas vezes com um
sofrimento amargo; e, com ou sem intenção, a sua oculta influência continua a
contrariar os propósitos do marido. Seria, claro, ser extremamente idiota supor
que estas diferenças de sentimento e de inclinação apenas existem porque as
mulheres são educadas de maneira diferente dos homens, e que não haveria
quaisquer diferenças de gosto em nenhuma circunstância. Mas não há nada
para além da marca ao dizer que a distinção na educação agrava imensamente
essas diferenças, e torna-as completamente inevitáveis. Enquanto as mulheres
são trazidas como são, um homem e uma mulher raramente acham um no
outro uma outra concordância de gosto e de desejos como na vida quotidiana.
Geralmente terão de desistir como inútil, e renunciar à tentativa de ter, na
associação íntima da sua vida diária, esse idem velle, idem nolle, o qual é o
vínculo de qualquer sociedade que se ache como tal: ou se o homem tem
sucesso em obter esse vínculo ele o faz ao escolher uma mulher que é uma
nulidade tão completa que ela não tem qualquer velle ou nolle e está pronta a
concordar com qualquer coisa que lhe seja dito. Mesmo este cálculo está
destinado a falhar; monotonia e um espírito vão não são garantia de submissão
o qual é tão confidencialmente esperado por eles. Mas se eles estavam, será
este ideal de um casamento? Neste caso, o que é que o homem obtém com
isso senão uma serva superior, uma enfermeira, ou uma amante? Pelo
contrário, quando uma dessas duas pessoas, em vez de ser um nada, é
alguma coisa; quanto estão ligados um ao outro, e não estão muito em
desacordo no começo; a constante comparticipação nas mesmas coisas,
ajudada pela sua simpatia extrai as capacidades latentes de cada um por

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estarem interessados nas coisas que foram, ao início, interessantes para o
outro; e transforma uma transformação gradual nos gostos e nos caracteres de
cada um, em parte pela modificação insensível de cada um, mas mais por um
enriquecimento real das duas naturezas, cada um adquirindo os gostos e o
carácter do outro, que se soma aos seus. Isto acontece muitas vezes entre dois
amigos do mesmo sexo, que estão mais associados na sua vida diária: e seria
comum, e senão o mais comum, no caso do casamento, se a total diferença
surgida dos dois sexos não tornasse a seguir uma impossibilidade para formar
uma união bem cimentada. Estando isto remediado, quaisquer que sejam as
diferenças que ainda possam permanecer nos gostos individuais, no mínimo
teriam, como uma regra geral, uma completa unidade e unanimidade assim
como grandes objectivos de vida. Quando ambas as pessoas gostam dos
mesmos grandes objectivos, e são uma ajuda e um encorajamento para cada
um no que quer que seja que diga respeito a esses objectos, os assuntos
menores nos quais os seus gostos possam diferir não são assim tão
importantes para eles; e há uma fundação para uma sólida amizade, com
carácter duradoiro, mais parecido do que qualquer coisa que, através da vida
toda, dê mais prazer a cada um que dar prazer ao outro do que recebê-lo.
Considerei, até agora, os efeitos nos prazeres e os benefícios de uma união
matrimonial a qual depende na mera desigualdade entre a esposa e o marido:
mas a má tendência é prodigiosamente agravada quando a diferença é a
inferioridade. Meras desigualdades, quando apenas se referem a diferenças
nas boas qualidades, podem ser mais um benefício para o melhoramento
mútuo do que um impedimento do conforto. Quando um rivaliza, e deseja e faz
por adquirir, as qualidades do outro, a diferença não produz diversidade de
interesse, mas aumenta a identidade desse interesse, e faz de cada um mais
vulnerável perante o outro. Mas quando um é o mais inferior dos dois em
capacidades mentais e em cultura, e não está activamente tentado pela ajuda
do outro para chegar ao seu nível, toda a influência da ligação que se
desenvolve sobre o superior do casal deteriora-se; e ainda mais num
tolerantemente feliz casamento do que num infeliz; não é com impunidade que
o que é superior intelectualmente se fecha com um inferior, e elege esse
inferior como sendo seu, e único completamente íntimo, associado. Qualquer
sociedade que não esteja a melhorar só está a deteriorar-se; e quanto mais se
deteriora, mais fechada e familiar se torna. Mesmo um homem
verdadeiramente superior quase sempre começa a deteriorar-se quando é,
habitualmente, rei da sua companhia: e na sua companhia mais frequente, o
marido que tenha uma esposa inferior a ele geralmente deteriora-se. Enquanto
a sua auto-satisfação é incessantemente ministrado por um lado, e por outro
lado a sua insensibilidade absorve os modos de sentir, e de olhar para as
coisas, que pertencem a uma mente mais vulgar e mais limitada que a sua.
Este mal difere de muitos aqueles que tiveram até agora habitado, por ser um
mal que está a crescer. A associação de homens com mulheres da vida diária
está mais próxima e mais completa do que foi até agora. A vida dos homens
está mais doméstica. Anteriormente, os seus prazeres e ocupações escolhidas
eram entre os homens, e na companhia dos homens: as suas esposas apenas
tinham um fragmento das suas vidas. Actualmente, o progresso da civilização,
e a mudança de opinião contra as duras diversões e excessos de convivência
que anteriormente ocupavam a maioria dos homens nas suas horas de
relaxamento – juntamente com (deve ser dito) o melhoramento da tendência do

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sentimento moderno para com a reciprocidade de deveres que o marido é
obrigado a ter para com a sua esposa – aproximou o homem mais
frequentemente para a casa e os seus ocupantes, para os seus prazeres
pessoais e sociais: enquanto o tipo e o grau de melhoramento que foi feito na
educação das mulheres, fez delas, de alguma maneira capazes de serem as
suas companheiras em ideias e gostos mentais, enquanto as deixavam, na
maioria das vezes, ainda desesperadamente inferiores a ele. O seu desejo de
comunhão mental é, assim, no geral, satisfeita por uma comunhão da qual ele
não aprende nada. Uma companhia estagnada e desinteressante é substituída
pela (o que ele pode ter sido, de quando em vez, obrigado a procurar)
sociedade dos seus iguais no comando e seus companheiros nas suas buscas
mais elevadas. Vemos, por consequência, que os jovens grandes promessas
geralmente param de melhorar assim que se casam, e, não melhorando,
inevitavelmente degeneram. Se a mulher não dá o empurrão para afrente ao
seu marido, ela sempre o irá travar. Ele deixa de se preocupar por o que ela
não se interessa; ele já não deseja, e acaba por não gostar e se esquivar, às
afinidades sociais das suas aspirações antigas, e o qual quererá agora
esconder a desistência dessas aspirações; as suas grandes faculdades tanto
mentais como de vontade deixam de ser chamadas à acção. E estas
mudanças, coincidindo com os seus novos e egoísticos interesses que são
criados pela família, após alguns anos deixa de haver qualquer diferença entre
ele e aqueles que nunca tiveram qualquer desejo por nada a não ser a
futilidades comuns e os objectos pecuniários comuns.
Que tipo de casamento poderá ser no caso de duas pessoas de faculdades
bem desenvolvidas, idênticas em opiniões e em propósitos, entre as quais
existe o melhor tipo de igualdade, semelhança de poderes e de capacidades
com uma superioridade recíproca entre eles – para que assim cada um possa
gozar do luxo de olhar de cima para o outro, e ter, alternadamente, o prazer de
liderar e de ser liderado no caminho para o desenvolvimento – não tentarei
descrever. Para aqueles que o conseguem conceber, tal não é preciso; para
aqueles que não conseguem, parecerá ser um sonho de um entusiasta. Mas
mantenho, com a mais profunda convicção, que isto, e apenas isto, é o ideal de
um casamento; e que todas as opiniões, tradições e instituições que favoreçam
qualquer outra noção do casamento, ou viram as concepções e as aspirações
ligadas ao casamento para qualquer outra direcção por qualquer pretensão
colorida, são relíquias de um primitivo barbarismo. A regeneração moral da
humanidade começará na verdade, quando a mais fundamental das relações
sociais é colocada sob a regra da justiça equitativa, e quando os seres
humanos aprenderem a cultivar as suas fortes simpatias com uma igualdade
nos direitos e na cultura.
Até agora, os benefícios que, aparentemente, o mundo teria ao acabar com a
desqualificação por intermédio do sexo na obtenção de privilégios e um
distintivo de sujeição, são sociais em vez de individuais; consistindo num
crescimento da fonte geral de pensamento e de poder activo, e no
melhoramento das condições gerais na associação dos homens com as
mulheres. Mas seria uma grave atenuação do caso omitir o mais directo
benefício de todos, o inefável ganho na felicidade privada da metade da
espécie agora libertada; a diferença para elas entre uma vida de sujeição à
vontade dos outros, e uma vida de liberdade racional. Após as primeiras
necessidades como sejam a comida e vestuário, a liberdade é o primeiro, e o

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mais forte, desejo da natureza humana. Enquanto a humanidade permanecer
sem leis, o seu desejo é para uma liberdade incondicionada. Quando
aprenderam a compreenderem o significado de dever e do valor da razão,
inclinar-se-ão cada vez mais a serem guiados e a serem impedidos por aqueles
no exercício da sua liberdade; mas mesmo assim não desejam menos a
liberdade; se disponibilizam a aceitar a vontade de outras pessoas como
representantes e intérpretes desses princípios orientadores. Pelo contrário, nas
comunidades nas quais a razão foi mais cultivada, e nas quais a ideia de dever
social tem sido mais poderosa, estão aquelas em que são aceites a liberdade
de acção do indivíduo – a liberdade de cada um de conduzir a sua conduta
pelos seus próprios sentimentos de dever, e por tais restrições legais e sociais
que a sua consciência pode subscrever.
Aqueles que correctamente apreciam o valor da independência pessoal como
elemento de felicidade devem considerar o valor que ele próprio põe sobre isso
como sendo um ingrediente próprio. Não há assunto sobre o qual não haja uma
habitual enorme diferença de julgamento entre um homem que julga por si
próprio, e o mesmo homem julgando por outras pessoas. Quando ele ouve os
outros a queixarem-se que não lhes é permitido liberdade de acção – que a sua
própria vontade não influenciou suficientemente na regulação dos seus
assuntos – a sua inclinação é perguntar, quais são as suas ofensas? que
estrago positivo eles mantêm? em que sentido consideram eles serem os seus
assuntos mal geridos? e se eles falham em perceber, em responder a estas
questões, o que parece a ele ser suficientemente claro, desliga e olha para as
queixas deles como lamentações caprichosas de pessoas que nunca se sentira
racionalmente satisfeitas. Mas tem um padrão de julgamento completamente
diferente quando decide por ele próprio. Então, a administração mais perfeita
dos seus interesses por um tutor, na vez dele, não o satisfazem; a sua
exclusão pessoal da autoridade governante parece-lhe, em si, a maior das
ofensas de todas, apresentando-as supérfluas mesmo para entrar na questão
da má gestão. O mesmo acontece com as nações. Que cidadão de um país
livre ouvirá qualquer oferta de uma boa e competente administração, em troca
pela sua liberdade? Mesmo que esse cidadão acreditasse que uma boa e
competente administração possa existir entre pessoas guiadas por uma
vontade que não a sua, não seria a consciência de fazer pela sua própria vida
sob as suas próprias responsabilidades morais uma compensação para os
seus sentimentos por uma maior rudeza e imperfeição nos detalhes dos
assuntos públicos? Deixemo-lo seguro de que quaisquer sentimentos que ele
tenha sobre este ponto, as mulheres o sentiram num grau semelhante.
O que quer que se tenha sido dito ou escrito, desde o tempo de Heródoto até
ao presente, da nobre influência de um governo livre - o nervo e a mola que é
dado a todas as faculdades, os maiores e mais alargados objectos que estão
presentes ao intelecto e aos sentimentos, o mais altruísta espírito público,
visões mais calmas e alargadas do dever, que é engendrado, e a plataforma
geralmente mais elevada que eleva o indivíduo a um ser moral, espiritual e
social – é em todas as partículas tão verdade para as mulheres como para os
homens. Não serão estas coisas partes importantes da felicidade individual?
Lembre-se qualquer homem o que ele próprio sentiu quando saiu da
adolescência – da tutela e do controle mesmo dos amados e afeiçoados pais –
e entrou nas responsabilidades dos homens. Não terá sido como tirar um peso
pesado ou libertá-lo de vínculos obstrutivos e por vezes penosos? Não se

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sentiu ele mais duplamente vivo, mais duplamente como um ser humano, do
que antes? E será que ele imagina que as mulheres não tenham nenhum
destes sentimentos? Mas é um facto dramático, que as satisfações e as
mortificações de orgulho pessoal, apesar de tudo para a maioria dos homens
quando é o seu próprio caso, têm menos permissão para elas no caso de
qualquer outra pessoa, e são menos ouvidas como um fundamento ou uma
justificação da conduta, do que quaisquer sentimentos naturais humanos;
talvez porque os homens elogiam-se no seu próprio caso com os nomes de
outras tantas qualidades, que raramente estão conscientes quão grande é a
influência exercida nas suas próprias vidas destes sentimentos. Não menos
largo e poderoso é a sua parte, podemos asseguramo-nos, nas vidas e nos
sentimentos das mulheres. As mulheres são ensinadas a suprimi-los nas suas
naturais e saudáveis direcções, mas o princípio interno permanece, numa
diferente forma externa. Uma mente activa e energética, se negada a
liberdade, procurará poder: recusado o próprio comando, assegurará a sua
personalidade na tentativa de controlar outros. Não permitir qualquer existência
por si mas sob a dependência de outro, e de facto dar um prémio muito alto na
subserviência dos outros nos seus propósitos. Onde não se tem esperança de
liberdade, mas sim de poder, o poder torna-se o grande objecto do desejo
humano; aqueles para quem os outros não deixaram a gestão intacta dos seus
próprios assuntos, compensaram-se, se puderem, ao se ingerirem, para seu
próprio proveito, nos assuntos dos outros.
Daí também a paixão das mulheres pela beleza pessoal, de se vestir e de se
mostrar; e todos os males que surgem daí, de um modos de luxo pérfido e de
imoralidade social. O amor pelo poder e o amor pela liberdade estão em
eterno antagonismo. Onde há menos liberdade, a paixão pelo poder é o mais
ardente e sem escrúpulos. O desejo de poder sobre outros só pode deixar de
ser uma agência depravada entre a humanidade, quando cada uma das
individualidades for capaz de passar sem ele: o que só pode existir onde existe
o respeito pela liberdade nas preocupações pessoais de cada um for um
princípio estabelecido.
Mas não é apenas através do sentimento de dignidade pessoal, que a livre
direcção e disposição das suas próprias faculdades é uma fonte de felicidade
individual, e ser acorrentado e restringido a isso, é uma espécie de infelicidade,
para seres humanos, e muito menos para as mulheres. Não há nada, depois da
doença, indigência e culpa, tão fatal para o agradável aproveitamento da vida
do que ter uma passagem que valha a pena para as faculdades activas. As
mulheres que têm o cuidado de uma família, e enquanto têm o cuidado de uma
família, têm esta saída, o que geralmente as satisfaz: mas o que dizer do
número cada vez maior de mulheres que não tiveram qualquer oportunidade
de exercer a sua vocação para a qual elas são enganadas ao dizer-lhes que é
a vocação correcta para elas? O que dizer das mulheres cujos filhos morreram
ou estão distantes, ou cresceram, casaram, e formaram as suas próprias
casas? Há exemplos abundantes de homens que, depois de uma vida
preenchida de negócio, retiram-se com uma capacidade para o deleite, como,
de resto, esperam, mas para quem, como são incapazes de adquirir novos
interesses e agitações que substituam os velhos, a mudança para uma vida de
inactividade traz-lhes tédio, melancolia e morte prematura. No entanto ninguém
pensa no caso paralelo de tantas valorosas e dedicadas mulheres, que, tendo
pago o que lhes foi dito como sendo a sua dívida par com a sociedade – tendo

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trazido uma família irrepreensivelmente para a masculinidade e para a
feminilidade – tendo mantido uma casa o tempo suficiente em que tiveram uma
casa para manter – são desertadas pela única ocupação para a qual elas
próprias foram preparadas; e continuam com uma contínua actividade mas sem
poder empregar essa actividade, a não ser que, talvez, uma filha ou cunhada
esteja disposta a abdicar a seu favor o alívio das mesmas funções na sua vida
doméstica mais jovem. Seguramente um duro destino para aquelas idosas que
foram, merecedoramente, aliviadas, desde que lhes tenha sido dada a
possibilidade de aliviar, do que o mundo considera como sendo o seu único
dever social. Desse tipo de mulheres, e daquelas para quem este dever não foi
de todo dedicado – muitas das quais definharam através da vida com a
consciência de vocações contrariadas, e actividades que não são permitidas
expandirem-se – os únicos meios, falando no geral, são a religião e a caridade.
Mas a sua religião, apesar de ser uma religião de sentimento, e de observância
cerimonial, não pode ser uma religião de acção, a não ser em forma de
caridade. Para a caridade muitas delas são, por natureza, admiravelmente
ajustadas; mas para a praticarem utilmente, ou mesmo sem cometerem
qualquer engano, requer-se educação, uma preparação variada, o
conhecimento e o poder de pensar de um administrador preparado. Há poucas
funções de administração governamental para as quais uma pessoa não esteja
preparado, para quem está preparado para outorgar utilmente a caridade.
Neste como em outros casos (pré-eminentemente no caso da educação das
crianças), os deveres permitidos às mulheres não podem ser levados a cabo
adequadamente, sem elas serem treinadas nos deveres, os quais, para grande
perda da sociedade, não lhes são autorizados. E aqui deixem-me focar a
maneira única na qual a questão das incapacidades das mulheres é
frequentemente posto em relevo, por aqueles que acham que é mais fácil
desenhar uma imagem grotesca do que eles não gostam, do que responder por
argumentos. Quando é sugerido que as capacidades executivas e os
conselhos prudentes das mulheres podem, por vezes, serem considerados
válidos nos assuntos de estado, estes trocistas apegam-se ao ridículo de
verem sentadas no Parlamento ou no gabinete raparigas adolescentes ou
jovens esposas de dois, de três ou de vinte, transportadas pessoalmente, tal
como são, da sala de visitas para a Casa dos Comuns. Eles esquecem-se que
os homens não são, normalmente, seleccionados nestas idades tão jovens
para um lugar no Parlamento, ou para funções políticas de responsabilidade. O
senso comum lhes dirá que se tal confiança fossem confiadas às mulheres,
seria de tal forma como não tendo qualquer vocação especial para a vida de
casado, ou preferindo outro emprego das suas faculdades (tal como muitas
mulheres que mesmo agora preferem casar com algumas das poucas
honrosas ocupações que estão ao seu alcance), passaram os melhores anos
da sua juventude a tentar qualificarem-se para as ocupações para as quais
desejam abraçar; ou talvez mais frequentemente, as viúvas ou as esposas nos
quarenta e cinquenta anos, para quem o conhecimento da vida e a capacidade
de governo que adquiriram nas suas famílias podem, através da ajuda de
estudos apropriados, estar mais disponíveis numa menor escala mais pequena.
Não nenhum país na Europa no qual o homem mais habilitado não
experimentou com assiduidade, e apreciou com gosto, o valor dos conselhos e
a ajuda de mulheres inteligentes e experimentadas, para o objectivo a atingir
tanto nos assuntos privados como públicos; e há assuntos importantes na

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administração pública para os quais poucos homens são tão competentes
como essas mulheres; entre outros, o controlo detalhado do gasto. Mas o que
estamos agora a discutir não é a necessidade para a qual a sociedade tem do
serviço das mulheres nos negócios públicos, mas a vida lenta e sem esperança
para a qual tão frequentemente as condena, ao proibi-las de exercerem as
suas capacidades práticas que muitas delas conscientemente têm, num
qualquer campo mais alargado do que aquele que muitas vezes queríamos que
elas nunca tivessem, e que para outras já não está aberto. Se alguma é de
importância vital para a felicidade dos seres humanos, é que eles devem
satisfazer as suas actividades habituais. Este requisito de uma vida agradável é
muito imperfeitamente garantido, ou completamente negado, para uma grande
parte da humanidade; e pela sua ausência muitas vidas são um falhanço, que é
providenciado, em aparência, com todos os requisitos do sucesso. Mas se as
circunstâncias para as quais a sociedade não está ainda devidamente
preparada para a ultrapassar, transmitir tais falhanços, muitas vezes inevitáveis
no presente, a sociedade não necessita de se impor a eles. A imprudência dos
pais, a inexperiência própria da juventude, ou a ausência de oportunidades
externas para uma vocação de simpatia, e fazer-se notar pela antipatia,
condena numerosos homens a passar a suas vidas a fazerem coisas de
maneira relutante e má, quando há outras coisas para as quais eles podiam ter
feito bem e alegremente. Mas nas mulheres esta sentença é imposta pela lei
actual, e por tradições equivalentes à lei. O que, em sociedades ignorantes, a
cor, a raça, a religião, ou no caso de países conquistados, a nacionalidade, são
para alguns homens, é o sexo para todas as mulheres; uma exclusão
peremptória de quase todas as ocupações honrosas, mas seja porque não
pode ser preenchido por outros, seja porque esses outros não pensam com
justiça da sua aceitação. Os sofrimentos que surgem de causas desta
natureza, normalmente conseguem ter tão pouca simpatia, que poucas
pessoas têm consciência da enorme tristeza que agora mesmo são produzidas
por um sentimento de uma vida desperdiçada. O caso será ainda mais
frequente, quanto mais o aumento de cultura cria uma cada vez maior
desproporção entre as ideias e as faculdades das mulheres, e a ambição que a
sociedade lhes permite à sua actividade.
Quando consideramos o mal positivo que foi causado à metade desqualificada
da raça humana pelas suas desqualificações – primeiro na perda dos mais
inspiradores e mais elevados tipos de deleite pessoal, e depois no cansaço, no
desapontamento e na profunda insatisfação para com a vida, os quais são
muitas vezes o substituto dessa desqualificação; sentimos que de entre todas
as lições que os homens requerem para continuarem na luta contra as
inevitáveis imperfeições do seu destino na terra, não há lição que lhe seja mais
necessária do que a de não acrescentar aos males que são infringidos pela
natureza pelas suas ciumentas e prejudiciais restrições para com os outros os
outros. Os seus inúteis medos apenas substituem outros males piores por
aqueles que são ociosamente apreendidos: enquanto qualquer restrição na
liberdade de conduta de qualquer outro ser humano, (doutra maneira do que
fazê-los responsáveis por qualquer mal realmente causado por isso) seca pro
tanto a principal fonte de felicidade humana, e deixa a espécie menos rica, a
um degrau insignificante, em tudo o que dá valor à vida ao ser humano
individual.

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