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Na educação antiga, as inquietações morais levaram ao desenvolvimento do uso da

razão pelos filósofos gregos. Era uma educação escassa, restrita à elite, que buscava tutores
para formar a personalidade de seus pupilos através do ensino das virtudes e da busca pela
verdade.

A partir da Revelação em Abraão, a noção de transcendência se integra ao conhecimento


coletivo dos povos.
A devoção a Deus tornou-se fator preponderante na dedicação à vida intelectual. Aos
poucos, formaram-se as universidades, onde os alunos buscavam os melhores mestres da
Europa para aprender sobre filosofia, teologia, direito e medicina. É formada a comunidade
internacional de acadêmicos.
Nessa época, ocorre a união entre a filosofia grega e a tradição religiosa, resultando na
concepção das artes liberais.

O ensino técnico ficava a cargo das guildas, onde ensinavam os trabalhadores a exercer a
sua profissão.

Foi esse ensino que chegou no Brasil no século XVI, logo depois do descobrimento, junto
com Padre Anchieta e Padre António Vieira, quando fundaram o Patteo do Collegio, a primeira
escola do Brasil.
Só após a reforma protestante que o sistema de ensino fortaleceu-se, foi rompendo com
a transmissão de ideias da Igreja Católica e também começou a ser usado pelos Estados
como meio de propagação de ideias. É nesse período que surge a educação compulsória,
onde leis obrigavam crianças a frequentar instituições de ensino criadas pelo governo, com pena
de aprisionamento caso fossem descumpridas.

A revolução científica transforma o significado das palavras educação e conhecimento. A


descoberta de padrões matemáticos e de métodos científicos entusiasma muitos pensadores a
desenvolver uma nova concepção de direitos humanos.

O Iluminismo francês acaba por proibir escolas religiosas e a tradição passa a ser
condenada como uma coisa ruim, vista como inimiga da vontade popular e do bem
comum.
No Brasil, o iluminismo teve sua expressão através do ditador português Marquês de
Pombal, que expulsou os jesuítas, fechando as escolas e mosteiros espalhadas pelo Brasil no
fim do século XVIII.

Orientado por José Bonifácio e Leopoldina Habsburgo sobre os perigos do iluminismo francês,
Dom Pedro declara a independência do Brasil.

A revolução industrial chama os trabalhadores para as fábricas modernas, fazendo surgir duas
novas grandes demandas: a mão de obra qualificada e um lugar para deixar as crianças durante
o expediente. A educação obrigatória torna-se massificada para atender um número cada
vez maior de pessoas e transformá-las em trabalhadores.
Educação transformava-se em Ensino. A busca pela verdade saía de cena e dava
espaço para beneficiar produção econômica. Observando essa mudança, educadores
desenvolveram a pedagogia nova, pautada pela filosofia pragmática, que defendia não ser capaz
de conhecer a verdade e, portanto, devia adequar a verdade aos seus objetivos.

O professor passou a ser visto como um incentivador, responsável por aplicar métodos
para desenvolver um cidadão apto para a vivência democrática e para o trabalho assalariado.

O pragmatismo foi importado para o Brasil por Anísio Teixeira e os adeptos da Escola Nova,
que disputavam com as correntes católicas e comunistas o controle da educação brasileira.

A partir dos conceitos propagados pela filosofia de Hegel, cada vez mais surgem novas
teorias sobre o papel do Estado e das relações sociais. No século XX, essas ideologias
revolucionárias irão disputar o mapa do planeta Terra, enxergando o sistema educacional como
mais uma ferramenta de combate político. Na Revolução Cultural Chinesa, a escola ganhou
protagonismo no combate ideológico.

A pedagogia crítica visava formar os alunos como agentes transformadores da sociedade. O


professor seria o libertador que removeria o “hospedeiro burguês” das crianças.
Essa visão se amplificou para o mundo inteiro através dos protestos na França, iniciados nos
eventos de Maio de 68.

Paulo Freire é o grande nome a disseminar o vínculo da revolução cultural com a


pedagogia no Brasil, estabelecendo esses fundamentos na sua maior obra: “Pedagogia do
oprimido”.

O que vemos hoje no Brasil é a fusão entre educação crítica/revolucionária e o ensino


pragmático para o trabalho. A primeira educa o homem como agente transformador da
sociedade e a outra, formando trabalhadores para o mercado.

Na busca por uma vida escolar onde docentes almejam uma consciência revolucionária e
alunos só querem conseguir um emprego, a educação brasileira foi condenada aos últimos
lugares do mundo.
Todo início de ano, milhares de jovens estão começando o seu primeiro dia de aula. Só em
2018, foram registradas quase 50 milhões de matrículas em mais de 180 mil escolas brasileiras.

Pense por um minuto: todos que estão atravessando a escola, com a sua vida toda pela frente,
um dia sairão de lá para serem atores do nosso mundo, criando, trabalhando, construindo,
liderando empresas e até governos. É na escola que os jovens conhecerão seus amigos,
compartilharão seu caráter, o mundo e a vida, através de histórias, descobertas e professores.

Entregamos para a escola grande parte da vida dos nossos filhos, para que quando não
estivermos mais aqui, eles estejam preparados para nos substituir e nos superar.

O problema é que, no país que tem uma das piores educações do mundo, o que podia ser
motivo de alegria e esperança viram desconfiança e tristeza.

Os alunos mais ricos do Brasil têm notas piores do que alunos pobres de países
desenvolvidos.

Esse documentário é dedicado a todos os pais e professores que não abandonaram a sua
vocação mesmo diante de todas as circunstâncias.
“Olha, educação brasileira é absolutamente um desastre na média. Na média, é um desastre.
Existem exceções, mas os números falam por si. Contra evidências, não tem argumentos. Não é
que está muito pior do que a Europa, América do Norte, Canadá, estamos piores do que Coreia,
Japão. A gente está empatado com o Peru na última posição da América do Sul. É isso que o
Brasil é."
Abraham Weintraub

“E nem aluno de escola de elite. Você pega classe social por classe social, o PISA deixa isso
claríssimo. Classe social por classe social, o aluno brasileiro sempre perde e perde de lavada.
Que raio de sistema educacional que a gente montou?”
Ilona Becskeházy

Não é possível entender os nossos índices negativos e o resultado das nossas pedagogias
sem o complexo sistema composto por instituições, leis e cargos que controlam a educação
brasileira.

É na Constituição Federal do Brasil que tudo começa. No capítulo dois, está


estabelecido o direito à educação; citado mais de 59 vezes durante a constituição.
Com altas taxas de analfabetismo e uma população jovem, o governo brasileiro decidiu
criar um complemento aos direitos impostos pela constituição, a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação, conhecida por LDB.

Toda educação brasileira é regulamentada direta ou indiretamente pelo Ministério da


Educação. Fundado em 1930 por Getúlio Vargas, o MEC passou a ter um orçamento anual de
mais de 100 bilhões de reais, coordenando objetivos educacionais e sendo o principal ponto de
referência da educação nacional.

“O MEC é um colosso. Dos 600 mil funcionários do governo federal, 300 mil estão no MEC. Os
controles, contratos, cada enxadada que você dá, você acha um cadáver aqui.”
Abraham Weintraub

A gestão da educação infantil, fundamental e média que acontecem nas escolas é feita
pelas secretarias e conselhos.
Estas secretarias e conselhos atuam em nível estadual e municipal. Nenhuma escola
existe sem esta autorização, e as que existem, não estão dispensadas de seguirem as suas
regras. Elas orientam e coordenam o sistema educacional através de pedagogias,
tecnologias, questões técnicas e financeiras.

Na segunda metade do século XX, o Brasil deu passos expressivos na universalização das
matrículas. Mais de 99% das pessoas em idade escolar estão matriculadas nas escolas.
Acontece que o problema da qualidade desse ensino nunca foi resolvido nem enfrentado.

Até 2019, o Brasil sequer topava participar do principal teste internacional para medir o
analfabetismo funcional: o PIRLS (Estudo sobre o progresso Internacional da Alfabetização).

“Com três meses de governo do PT, eu fui a um seminário em Brasília patrocinado pelo MEC que
se chamava ‘Avaliar para quê?’. Um monte de gente, a claque toda pronta lá, para corroborar
uma mesa que botava em questão, de maneira clara, todo o processo de avaliação brasileiro. Se
você falar: ‘olha, é para alfabetizar o menino aos seis anos lendo sessenta palavras por minuto,
tem muito pouco espaço. É um tipo exato que todo mundo sabe o que tem que fazer. O professor
tem que trabalhar mais. Ninguém pode faltar, porque cada minuto conta no aprendizado. Então
você reduz a margem de manobra para os grupos que se apoderaram da educação brutalmente,
só que o custo, o capital político que você tem que queimar, torrar, incinerar para fazer isso, é
brutal. Ninguém quer pagar esse custo. E é isso que explica o lado político de nós não termos
feito esse investimento antes. Nós estamos já em 2020 e metade dessa população que está na
escola desde os quatro anos chega aos oito, ainda não sabe ler uma coisa simples.”
Ilona Becskeházy
A performance educacional só é medida pelos testes internacionais quando o aluno já
completou 15 anos e faz o teste do PISA. Quando chega a hora da prova, o resultado é claro.

“Quando eles criaram o PISA, era uma maneira de medir qual era o futuro da força de trabalho.
Então, aos 15 anos, a maioria dos países da OCDE terminavam a educação obrigatória. Então,
vamos medir aqui, não sei, se pode fazer ensino médio ou não, mas eu sei qual é o nível de
preparo da mão de obra dos países da OCDE. Os alunos brasileiros, desde 2000, fazem o PISA
e eles não evoluíram. A nota é daquelas de eletrocardiograma de morto. A variação não é
estatisticamente significativa.”
Ilona Becskeházy

Quando discutimos o problema na sociedade, o argumento mais frequente é o da falta de


investimento. Não sem motivo. O aluno do ensino fundamental recebe o equivalente a US$3.800
dólares por ano, 44% da média dos países da OCDE. O mesmo acontece no ensino médio:
gastamos 41% da média dos países desenvolvidos.
Mas o problema não deveria ser falta de recurso: o percentual do PIB brasileiro que sai
dos cofres públicos para financiar a educação chega a ser de quase 6%, totalizando mais
de R$100 bilhões de reais. Esse número não está abaixo do padrão da OCDE, pelo
contrário, é 30% maior que a média.

A pergunta que fica é: por que gastamos tanto na educação brasileira e tão pouco chega no
ensino de base? Da arrecadação aos alunos, o orçamento sofre fortes pedágios da administração
pública. Os péssimos índices da educação brasileira não parecem ter assustado o Brasil nos
últimos anos.

A prioridade do orçamento brasileiro é outra frente da educação: as universidades.

“A educação superior recebeu muito mais investimento per capita já desde a ditadura. Havia uma
percepção de que investir, educar a classe média para ter lideranças, para ter funcionários
públicos de qualidade, é que era importante. O Brasil nunca teve essa preocupação de educar
bases.
Ilona Becskeházy

O ensino superior no Brasil, regulado pela LDB, é oferecido tanto pela iniciativa privada
quanto pelo Estado. São 299 Instituições públicas e 2.238 privadas.

Ambas passam por uma grave crise. Infelizmente, somos um anão científico aos olhos do
resto do mundo.
O governo do PT priorizou investimento no ensino superior. O orçamento foi triplicado, saindo
de R$17 para R$51 bilhões.

O número de mestrados e doutorados aumentou em mais de 300%, mas os resultados desse


dinheiro e dessas pesquisas não vieram.

“Importante lembrar que tudo isso é decorrente de uma


decisão que nós tomamos. Eu não esqueço nunca de dizer
pros meus ministros: ‘Quando se tratar de educação, eu não
quero que vocês utilizem a palavra gasto, educação é
investimento.’ É por isso que nós triplicamos o orçamento
de R$33 bilhões para R$104 bilhões.”

Lula da Silva, em comunicado do Instituto Lula.

“Junto com o Lula, triplicamos os investimentos em


educação.”

Fernando Haddad, em campanha presidencial.

“Por isso, tem de gastar dinheiro com a educação.


Não há milagre.”

Dilma Rousseff, durante seu mandato presidencial.


“Então, o que aparece nas propagandas da esquerda, que domina a grande mídia, assessorias
de imprensa das universidades, é isso, que as universidades estão entre as que mais produzem
artigos no mundo. E isso é verdade. Só que eles vendem quantidade como se fosse qualidade. A
USP é oitava melhor universidade do mundo. Isso é uma mentira. A USP não é a oitava melhor, é
a oitava maior. Eu não tenho nada contra a USP. Eu estudei na USP, fiz parte do meu doutorado
na USP. Agora, a gente tem que falar a verdade. Se a gente quer curar uma doença, o doente
tem que ser informado da sua doença. É o que acontece na universidade brasileira, ela está
doente, muito doente."
Marcelo Hermes

"De fato, em quantidade, USP está em oitavo lugar, mas se a gente pega a posição no ranking de
2018, a Universidade de São Paulo está em 780. Então, se você pegar a lista das mil maiores
universidade e for passando lá no mouse, é uma experiência que causa dor. Você não encontra
nenhuma brasileira. Você chega na 710, você encontra a Universidade Federal de Santa
Catarina no ranking de 2018. (...)
Marcelo Hermes

(...) Em algumas áreas, a gente está caindo ano a ano em relação ao primeiro lugar do mundo. O
Brasil investe muito e, apesar disso, o impacto cai. Se for uma lista de setenta países, por
exemplo, a gente está em 58 em impacto. E muita gente me critica e fala: ‘Ah, mas você está
comparando com Singapura. Singapura é uma potência, todo mundo sabe. A Suíça ou a
Dinamarca’. E a América Latina? Em que lugar a gente está na América Latina? Em que posição
você acha que vai estar o Brasil de doze países? Antepenúltimo lugar. (...)
(...) A gente só está na frente de Cuba e da Venezuela. Venezuela por razões óbvias do desastre
do país, né. E Cuba tem sido sempre o último lugar da América Latina. Então, não é porque a
gente está comparando o Brasil com outros países desenvolvidos que nós estamos abaixo”.
Marcelo Hermes

“Todo ano, eu via o Anuário Científico da Enciclopédia Britânica e via os prêmios internacionais.
Nunca tinha um brasileiro. Tinha cara da Zâmbia, da Serra Leoa, da puta que o pariu, você está
entendendo, do Polo Norte, da Antártida. Pinguim da Antártida é premiado. Prêmio de física. Não
tinha um brasileiro, porra. É produção que não serve para nada, só para mostrar ‘mãe, ói eu’.
Cada trabalho universitário deveria se chamar ‘Mãe ói eu’. É isso.”
Olavo de Carvalho

“Agora, se a gente olhar para dentro da área de humanas, as subáreas das humanas, então, a
gente pode ver o ranking, por exemplo, sociologia. 43 de 46 países. É lá embaixo. Dentre os
países que publicaram pelo menos cem trabalhos em sociologia, Brasil tem 43 de 46. Em
linguística, o Brasil está em vigésimo de 22 países. (...)

(...) Em história, trigésimo sétimo de 42 países. Antropologia, 42 de 45 e aí o grande fracasso


mesmo que é educação, área de pedagogia, que é 53 de 54, ou seja, penúltimo lugar do mundo.
(...)
(...) A crítica que fizeram é a seguinte: ‘ah, é porque a nossa língua é o português, português é
uma língua que ninguém lê’. Então, tá. Então vou comparar o Brasil com Portugal. E aí eu
verifiquei que quase em todas as áreas, quase todas as áreas, está aqui, isso aqui é o rank
score. Em História, Portugal tirou 7. Rank Score que vai de 0 a 10. Nota sete. Brasil, 0,2.
Linguagem. Portugal tirou 4, Brasil, 0,5. Antropologia, sete, Portugal, Brasil, 0,8. Direito. Portugal
tirou 7,6. Brasil, 0,2. Educação, Brasil tirou 0. O último lugar do mundo. Isso dados de 2017. Quer
dizer, nós somos o mesmo povo, Brasil e Portugal.”
Marcelo Hermes

“Dificuldade de você traduzir um trabalho acadêmico brasileiro para inglês, é enorme. O que será
que essa pessoa quis dizer aqui? É a maneira do educador brasileiro escrever, que tem um
pouco, aí voltamos ao Paulo Freire, emular aquela pseudo-poesia quando você está escrevendo
um texto que supostamente é para ser técnico”.
Ilona Becskeházy

“Analisando o impacto da produção brasileira científica, verifiquei que países que


investiam a mesma quantidade de dinheiro em pesquisa e desenvolvimento em relação ao
PIB, tinham produção muito maior que a nossa. E, recentemente, eu atualizei esses dados,
fazendo uma análise de mais de sessenta países, chegou num grupo de países como, por
exemplo, a Irlanda, novamente, a Estônia, que investe em torno de 1.2/1.3% do PIB em pesquisa
e desenvolvimento e tem impacto muito maior que o Brasil. Agora, o que é problemático é
quando a gente vê países que investem muito menos, por exemplo, Chile investe 0,35% do PIB
em pesquisa e desenvolvimento e o impacto da pesquisa chilena é substancialmente maior que o
nosso."
Marcelo Hermes
“As nossas universidades federais estão entre as mais caras do mundo em dólares. Então,
evidentemente, não é questão de recurso”.
Abraham Weintraub

“Se a gente pegar o PIB do Brasil e extrair quanto é 1.3% do PIB, investido em ciência,
tecnologia, desenvolvimento, dá em torno de R$100 bilhões”.
Marcelo Hermes

Quando procuramos nas plataformas de pesquisa, fica fácil encontrar exemplos de trabalhos
ideologicamente enviesados, pouco lidos e pouco citados.

Muitos apresentam pautas que os brasileiros jamais imaginariam que foram financiadas
pelo dinheiro público.

Na Universidade Federal da Bahia, uma estudante apresentou uma tese questionando se


“sapatos têm sexo?”, referindo-se às metáforas de gênero nas lésbicas de baixa renda.

Na mesma universidade, outro estudante teve seu mestrado financiado para produzir uma
pesquisa autoetnográfica analisando a prática de sexo oral entre homens dentro do banheiro
de uma estação de trem. O valor da bolsa foi de R$20 mil reais, do dinheiro público.

Na Universidade Federal de Goiás, uma aluna utilizou a sua tese de mestrado para analisar os
discursos sobre gênero e sexualidade no programa Big Brother Brasil, da Rede Globo. Na
Universidade Federal de Juiz de Fora, um dos temas aprovados para mestrado foi “Por onde
andam os gogoboys de Juiz de Fora?”
“A produção científica brasileira, internacionalmente, não existe. Ela simplesmente não é
mencionada. Ninguém lê essa merda. E vai ler para quê, para perder o seu tempo? O prejuízo
que as universidades dão ao Brasil são muito maior do que a corrupção. Você pega todos os
roubos de dinheiro público, a universidade é pior”.
Olavo de Carvalho

A linguagem academicista e romantizada esconde o vazio e a promiscuidade do


financiamento estatal. Uma vasta quantidade de trabalhos acadêmicos vão desde categorias
pornográficas até a relativização da pedofilia.

Enquanto o sistema público privilegia produções acadêmicas que não contribuem com as
demandas sociais, áreas de vital importância ficam em segundo plano.

“Uma coisa que me chama atenção é a quantidade de vagas destinadas para as ciências
sociais. Eu não estou nem falando da infinidade das ciências humanas, mas sim das ciências
sociais. Aqui na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, da onde eu sou egresso, são
setenta vagas para curso noturno e são quarenta e cinco vagas para o curso diurno. E aí tu vai
perguntar: ‘Pô Conrado, mas que bom que tem muitas vagas’. Eu fico muito feliz também. O
problema é que é discrepante em relação a outros cursos. Por exemplo, engenharias têm
vinte vagas, algumas delas. Engenharia de alimentos, engenharia de energia. A gente questiona
tanto a importância da energia hoje, tem 21 vagas. Engenharia Hídrica, o Brasil, o maior recurso
natural é água. 17 vagas. Odontologia, noturno, 21 vagas. Até curso de Fonoaudiologia, 21
vagas. Biotecnologia, 21 vagas. Biomedicina, vinte e poucos vagas. Ciências sociais, 160
vagas. Por que disso? Na minha visão, a parte mais triste disso é que entram 160 estudantes a
cada ano e se formam muito poucos. Na proporção da formatura das ciências sociais, tem
diversos cursos juntos ali - Relações Internacionais, História, Filosofia, Ciências Sociais - no ano
passado, se formaram sessenta. Não só das ciências sociais, de toda a gama das ciências
humanas. Só sessenta desse universo geral que a gente conta aí com quase 500 estudantes que
entram por ano. 10% conseguem chegar no final, dentro de uma seriação. (...)
(...) O que me choca, nesse ponto, também, é saber o porquê disso, porque é dinheiro
alocado. Quem são essas pessoas egressas que saem? O que é que elas fazem? Que ponto
que eles trazem pra nós enquanto nação? Afinal de contas, a universidade pública é
dinheiro público. Na minha visão, o que a gente tem ali é uma grande manutenção dos
partidários da esquerda. Porque eles estão estudando, nunca se formam, recebem bolsas,
investimento maciço neste setor, e estão formando professores que fazem a continuidade deste
pensamento.”
Fernando Conrado

“Se você olhar, hoje em dia, o que precisa para você entrar numa faculdade superior, uma
universidade, em função do resultado da prova do ENEM, se você não tiver, digamos, 600
pontos, você não consegue entrar numa universidade pública, mas você consegue entrar na
faculdade de pedagogia. Então, ela começou a recrutar um pessoal que chega com um
capital cultural muito limitado.”
Simon Schwartzman

“O maior problema é que nós tivemos professores mal-formados e estes professores não
estão capacitados para nós levar a um novo salto intelectual, um novo salto de qualidade
na formação de alunos”.
Flavio Morgenstern

“Normalmente, esses cursos têm um argumento, que é aquela nota final que tem para entrar,
muito baixo. Por exemplo, as ciências sociais, a densidade do curso noturno, é 1,60. Daí eu me
pergunto: ‘para aí, a cada três candidatos, dois vão entrar? Não são nem duas pessoas
concorrendo por uma vaga. Para mim, tem muitos cursos que me parece que a pessoa está
fazendo só para justificar para o pai que está estudando."
Fernando Conrado
O custo de cada universitário brasileiro é de quase 15 mil dólares por ano. Isso significa
que mesmo estando nos últimos lugares de todos os rankings que medem a qualidade da
graduação e da pesquisa científica, continuamos investindo no décimo sexto universitário
mais caro do mundo.

Gastamos mais do que países com resultados expressivamente melhores, como Itália,
Portugal, Espanha, Israel e muitos outros. A própria OCDE recomenda que o Brasil gaste
menos com ensino universitário.

A própria OCDE recomenda que o Brasil gaste menos com ensino universitário.

Em 2018, a instituição divulgou uma pesquisa intitulada ''Economic Survey Brazil''. Na página
30, o relatório alertava que o país gastava um percentual do PIB maior que a média da
OCDE e não obtinha resultados; que era importante parar de incrementar investimento nas
universidades e focar na educação de base, como creches, ensino fundamental e médio, que
estavam desatendidas.
O relatório também alertou que a educação universitária estatal tende a beneficiar
estudantes da classe média, que estudam em escolas privadas e tem a melhor performance no
vestibular.

A pergunta que fica é: por que sonegamos todas essas informações? O que foi que
aconteceu?

“Você tem essas duas vertentes de política educacional: a de acesso, que é para gastar, e a de
qualidade, que é para trabalhar. Mas percebeu-se que dar mais diploma tinha ali um benefício
político importante, né. Alta população jovem no país. Muitos eleitores, muita gente, as famílias
dessas pessoas, primeira geração. Então o apelo política de você mandar as pessoas para
universidade, é brutal. A gente viu no que deu. Quando você fala mais matrícula, você tem: gasto
com infraestrutura - inauguração de escola, aumento de matrícula, etc; gasto com contratação -
os professores gostam e os sindicatos mais ainda; gasto com material - editoras, etc..Então você
gasta mais e todo mundo fica feliz. Abrir escola é algo altamente populista. Você pode abrir
escola, dizer que está atendendo direito à educação e não ensinar nada. E essa é a história do
século XX no Brasil, do final do século XX. Depois da Segunda Guerra, quando a gente teve os
movimentos pedindo por mais educação, o que o governo brasileiro no seu conjunto, em todos os
seus arranjos, deu para o brasileiro foi matrícula. Você abre um monte de campus, dá emprego
vitalício com segurança para não sei quantos mil professores sem nenhuma cobrança de
qualidade. E tem, por outro lado, um apelo que chega a ser pecuniário, porque quanto mais
professor trabalhando em universidade federal, mais contribuição sindical você tem, mais
contribuição para o partido você tem. A opção, obviamente, de um governo que tem como uma
das principais bases políticas o sindicato docente, nunca vai optar pela política de qualidade, isso
é um dado”.
Ilona Becskeházy
Para universalizar o acesso à universidade, o governo criou o FIES: um programa que
fornecia financiamento de até 70% do valor de cursos superiores, desde que houvesse um fiador
para garantir o pagamento.

Durante o governo Lula, o plano foi ampliado e flexibilizado.

Em 2010, o FIES já cobria 100% do valor do curso e não pedia mais garantias.

O novo fiador seria um fundo do próprio governo, que emprestava o dinheiro e também era o
garantidor de crédito.

“Ou seja, o que nós fizemos? O governo passou a ser fiador.


O Banco do Brasil empresta os recursos e o governo passa a
ser o fiador e por isso que o FIES passa a ser um programa
de sucesso internacional, que eu acho que não tem nenhum
país do mundo com sistema de financiamento e com um
sistema de garantia que o Brasil oferece hoje aos
estudantes.”

Lula da Silva, em comunicado do Instituto Lula.


Entre 2010 e 2013, o número de inscritos no programa aumentou 448%, e o custo do
FIES saiu de R$ 1 bilhão para quase R$ 14 bilhões, mas o volume de matrículas na rede
privada só aumentou 13%. Por quê?

A pergunta deu origem ao escândalo conhecido como Farra do FIES, que constatou que
as próprias faculdades estavam estimulando alunos já matriculados a fazerem o
financiamento, parando de pagar a mensalidade e transferindo a dívida para o governo.

Para o aluno, era financeiramente vantajoso. Para a faculdade, eliminava o risco de


inadimplência. Para o governo, aumentava a sua popularidade. O sistema estava montado.
O PT também destinou mais de 3 bilhões de reais para o Prouni, onde não era necessário
devolver o dinheiro, e 13 bilhões para o "Ciência sem fronteiras", que financiava estudantes
viajando ao redor do mundo.

As grandes empresas educacionais cresceram exponencialmente durante o período. O Grupo


Kroton, que atingiu o cargo de maior empresa de ensino superior do mundo, saltou a sua receita
líquida de 734 milhões para 5 bilhões de reais.

Dos 3 milhões de estudantes que participaram do FIES, 2.8 milhões ainda estão em débito
com o governo federal. Os juros cobrados também foram subestimados, pois contavam com
10% de inadimplência, quando o calote foi de mais 50%, gerando um rombo de R$77 bilhões,
segundo relatório do próprio Ministério da Fazenda.
“A dívida, depois, que essas pessoas ficaram, né, a frustração de continuar sendo balconista
apesar de ter um diploma de Direito, etc. e tal, a gente está vendo agora também. O custo está
vindo agora e a resposta também está vindo agora. E o FIES, a partir de um certo momento,
virou uma máquina de transferência de dinheiro público para o privado. Quantos grupos
financeiros fizeram a festa no Brasil com essa criação, de um mercado que abriu de repente com
a maquininha garantindo o pagamento?”.
Ilona Becskeházy

Como essa conta é paga?

Os estados e municípios entregam 20% do que recebem em impostos para o fundo que
rege o dinheiro destinado à educação básica, chamado Fundeb (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação básica).
O governo federal adiciona 10% de todo valor arrecadado pelo fundo.
Esse dinheiro é redistribuído pelo país de acordo com o número de alunos de cada
região, mas, na hora de distribuir esse dinheiro, a tarefa fica com outro fundo, chamado FNDE
(Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Nesse dois órgãos, se concentram
grande parte do orçamento da educação brasileira.
“Há um estudo do TCU, Tribunal de Contas da União, que avalia o impacto dos riscos das
instituições federais no Brasil, avaliando como Baixo Risco, Médio Risco, Alto e Altíssimo risco. O
MEC e suas autarquias, instituições e órgãos associados, nenhuma delas está considerado como
de baixo risco, todas como de alto ou de altíssimo risco, especialmente o FNDE, que é uma
espécie de banco do MEC que distribui os recursos da União para estados e municípios. E a
partir do momento que esse recurso sai da União, ele se pulveriza e esse é um dos lucros da
corrupção no Brasil, é quando ele sai do FNDE e vai para as dezenas, centenas, milhares de
municípios brasileiros. Os indícios que a gente descobriu, se realmente aquelas investigações
fossem levadas ao fim, teriam potencial para fazer cair a república. Um caso que início na
Assembleia Legislativa de Pernambuco, uma CPI que foi iniciada lá, há relatórios vastíssimos
sobre essa questão, eles constataram que cerca de um terço dos diplomas expedidos por
universidades particulares no Brasil contém irregularidades, chegando ao ponto de ter até
falsidade documental mesmo. Há alguns relatos de pessoas que estudaram durante seis meses,
um ano e saíram formadas como pedagogas. Olha a gravidade disso. Estão formando outras
pessoas que também não terão a mesma aptidão para formar outras pessoas. Então a gente está
tratando aí de uma geração inteira de pessoas ineptas para exercer a profissão para a qual elas
se propõem. É um número muito grande. São mais de 500 mil diplomas expedidos nessa
condição. (...)
(...) Há um caso também muito emblemático e também de conhecimento público e notório que é
relativo ao PRONATEC. O sistema S recebia algumas vagas para fornecer esses cursos técnicos
e essas vagas não eram necessariamente providas, ou seja, havia um acerto no final de cada
ano. O sistema “S” falava ao MEC: ‘MEC, eu preciso de cem vagas’. O MEC fornecia cem vagas
e cada vaga dessa tem um valor. Só que no meio do acerto, digamos assim, o sistema “S’ fala:
‘Ó, nós precisamos de mais vinte, trinta vagas’ e também cobrando esses valores. Com as
apurações, identificamos que havia ali vagas duplicadas, que havia uma série de questões,
pessoas com CPF inexistente também, em tese, provendo essas vagas e cada uma delas, como
eu falei, gerando valores astronômicos. Final do ano de 2018, o sistema “S” exigiu do MEC
pagamento de R$60 milhões sobressalentes em relação ao valor que havia sido acordado. Então
é para ter ideia… O PRONATEC começou em 2011 mais ou menos, então de 2011 a 2018, se a
gente buscar todos esses valores, é uma quantia bem alta."
Daniel Emer

“Cada enxadada que você dá, você acha um cadáver aqui. Tem muita coisa errada que foi feita.
Toda vez que a gente pega uma, a gente encaminha para o Ministério Público e para Polícia
Federal. Documenta e mostra. Tem trabalho para o próximos quarenta anos aqui. A quantidade
de coisa errada que a gente vê aqui é colossal”.
Abraham Weintraub
O dinheiro de pesquisa universitária passa por dois órgãos públicos: a CAPES e o CNPQ.

O CNPQ é ligado ao Ministério da Ciência e da Tecnologia e financia pesquisas


tecnológicas relacionadas à inovação.

A CAPES é ligada ao MEC e fica responsável por todos os outros mestrados e doutorados.
Ela autoriza o fornecimento de cursos de pós-graduação por parte das instituições, avalia a nota
desses cursos, estabelece o valor destinado a mestrados e doutorados e descredencia
aqueles que não atendem os seus critérios. O órgão distribui as bolsas de pesquisa às
instituições de ensino superior de acordo com as notas atribuídas pela própria CAPES.

As universidades repassam as bolsas aos alunos por meio do processo seletivo. O aluno tem
que ser aprovado no programa e algum professor precisa aceitar ser o seu orientador.

O percentual de mestres e doutores que compõe o corpo docente do ensino superior


brasileiro ultrapassa os 80%.

“Então a pós-graduação brasileira, que ninguém está preocupado porque acha ‘ah, isso é coisa
de gente rica, pós-graduação, gente que está com o tempo sobrando’, mas não é não. A pós-
graduação brasileira está relacionada a pelo menos 50% da economia brasileira passou direta ou
indiretamente pela pós-graduação, porque o agrônomo passou pela pós-graduação, não ele, mas
o professor dele fez pós-graduação. O engenheiro teve um professor que fez pós-graduação.
Todo mundo que teve algum contato com a universidade está ligado direta ou indiretamente à
pós-graduação. E quem controla a pós-graduação? A CAPES, que se eu sair na rua perguntando
para as pessoas ‘quem é CAPES? Quem é CAPES?’, de cem pessoas, eu duvido que cinco
saibam o que é CAPES.”
Marcelo Hermes
“Esses professores chamam os bolsistas que tem uma visão ideológica iguais as deles. Então
quando eles passam por um processo constante, acadêmico, de passar novas etapas, uma pós-
graduação - mestrado e doutorado -, só vai retroalimentando essa mesma cadeia de informação.
Pessoas que têm essa mesma narrativa, essa mesma visão de mundo. E aí eles se tornam
professores daqueles mesmos alunos que estão chegando lá embaixo”.
Fernando Conrado
“Tudo aquilo que um político quer que você pense, você pense, você vai acabar pensando. Tudo
aquilo que um político enxerga como algo que a massa precise seguir, obedecer, a massa vai
seguir e obedecer, porque ela troca a sua autoridade, a sua autoridade ultrapassada, reacionária,
como, por exemplo, a sua família, a sua religião, assim por diante, e entrega de mão beijada a
um professor. Não vai nem conseguir ser um arquiteto ou qualquer tipo do tipo, não vai conseguir
nem ter uma profissão que eram consideradas profissões liberais, que você aprendia em oficinas,
porque vai ter uma documentação nacionalizada, uma burocracia centralizada regulando esta
profissão. Então tudo se torna político. Toda a sua ideia de verdade se torna política. Toda
produção intelectual é regida por burocratas e políticos.”
Flavio Morgenstern
“Porque o sujeito sendo aprovado no mestrado e doutorado, ele entra no corpo docente. É a
porta de ingresso para a geração seguinte, então quem domina a aprovação de mestres e
doutores hoje, domina o corpo docente dos próximos trinta anos e, portanto, o estado cultural
inteiro do país. Então, eu desafio me mostrar teses universitárias anticomunistas aprovadas em
qualquer universidade brasileira nos últimos cinquenta ou sessenta anos. E digo
categoricamente: não existe. Então isso foi totalmente excluído. O anticomunismo é proibido.
Portanto, você é anticomunista, você já está excluído dos bem-pensantes, que representam a
alta cultura, o pensamento normal, equilibrado. E o que está fora? Aí é ideológico.”
Olavo de Carvalho

“O que a gente fala hoje como uma grande autoridade intelectual, é a produção do diploma, é a
era dos diplomados, dos universitários. Quem dizer, você pode ter a melhor ideia do mundo, se o
seu professor discorda da sua ideia, a sua ideia não existe, ela não merece ser sequer citada.
Tudo que existe, de fato, é o que a universidade diz que existe. Todo resto está excluído.”
Flavio Morgenstern

“Veja, é a famosa cena do Policarpo Quaresma, que tem duas velhinhas passando na rua, elas
param na frente da casa do Major Quaresma e, pela janela, veem um montão de livro e elas
perguntam assim ‘mas para que tanto livro se ele não é nem bacharel?’. Isso é o resumo do
Brasil. O conhecimento não interessa, mas o título interessa, a honraria interessa, as
homenagens interessam, a verba pública interessa.”
Olavo de Carvalho
“Você tem ali uma dominância de certos tipos de textos que acabam acarretando um certo tipo de
visão de mundo, muito restrito. E a gente ainda tem a contribuição espetacular do Paulo Freire
que diz claramente que a sala de aula é um lugar para você exercer os seus pleitos políticos, né,
que a sala de aula é para libertar as pessoas. Sim, mas é libertar através do conhecimento, essa,
pelo menos, é a minha visão. O conhecimento liberta e não a panfletagem. Então tudo isso forma
um caldo que é escondido, digamos assim, por uma ideologia ou escondido por uma narrativa,
mas que tem algo acidental que é você ganhar um diploma sem trabalhar muito e algo intencional
que é ‘bom, vamos utilizar esse monte de gente aqui para fazer avançar uma certa visão de
mundo.”
Ilona Becskeházy
“Quando houve aquele surto de invasões de escolas no Brasil, centenas de escolas foram
ocupadas por adolescentes que subitamente resolveram entrar para dentro do colégio, passar o
ferrolho na porta e ‘isso aqui é propriedade nossa, a escola é nossa’. Quando algum fotógrafo
conseguia bater uma foto lá de dentro, normalmente, tinha alguém mais idoso, sentado,
conversando com os alunos. Sempre tinha um professor lá dentro fazendo a cabeça, organizando
a sua militância. O que é que é isso?”
Percival Puggina
“Foi o que aconteceu comigo. Eu tinha inclinação para questões políticas ali no início do Ensino
Médio, há quinze anos, e rapidamente professores e militantes me cooptaram e eu sem uma
base intelectual prévia para resistir àquilo, fui. Fui. Eu fui pelo caminho errado.”
Matheus Colombo
“O infográfico que saiu publicado na revista ‘Veja’, eles fizeram uma reportagem especial sobre o
tema da doutrinação e publicaram esse infográfico com os resultados de uma pesquisa feita pelo
Instituto Sensus. Perguntaram aos professores da educação básica, se, na opinião deles, o seu
discurso em sala de aula era um discurso politicamente engajado. E 78% dos professores que
responderam a essa pergunta disseram que sim, que o seu discurso em sala de aula é um
discurso politicamente engajado. Aí perguntaram aos estudantes. Apresentaram algumas figuras
históricas aos estudantes e perguntam a eles em que contexto, positivo, negativo ou neutro,
aqueles personagens eram apresentados em sala de aula. Os personagens, o primeiro que
chamava atenção, na época, 2007, era Che Guevara. E os alunos, 84% dos alunos, se eu não
me engano, disse que Che Guevara aparecia em um contextos favoráveis, com uma visão
favorável e a gente sabe que isso é real. Quem passou pela escola, sabe muito bem que o garoto
propaganda do comunismo era objeto de uma apresentação extremamente favorável. Não são
todos professores, mas uma boa parte deles se comporta dessa maneira.
Miguel Nagib

As secretarias de educação tem a responsabilidade de coordenar e avaliar o conteúdo dos


livros que são oferecidos pelo governo para todas as escolas públicas do Brasil, o
Programa Nacional do Livro Didático, conhecido como PNLD.

“Então o que acontece? Nessas últimas décadas, o maior comprador de livros do mercado
editorial, quem foi? Foi o governo. Quer dizer, o governo então, com as compras fenomenais que
ele faz todos os anos para distribuir os livros paradidáticos nas escolas, quer dizer, isso se tornou
a principal fonte de renda para muitas editoras. Agora, tudo tem um preço. Quer dizer, para o livro
ser escolhido pelo governo, as editoras sugerem, de maneira muito persuasiva, aos escritores
que eles escrevam dentro daquela pauta que é estabelecida pelo MEC. Claro que o MEC oferece
uma pauta. Ele diz assim: ‘um livro para ser comprado precisa seguir este, este, este, este critério
e são critérios ideológicos”.
Rodrigo Gurgel
“Nem sempre os professores têm aquele cuidado de fazer uma seleção lendo realmente a obra,
né. Na verdade, para onde ele vai? Ele vai lá para metodologia. ‘Então vamos selecionar uma
coleção que traga sobre construtivismo’. E aí o professor vai lá na metodologia, dá uma olhadinha
e tal, mas ele não lê o livro, ele não vê a obra toda. E aí ele seleciona e ele vem impregnado de
ideologias. Não só ideologias de gênero, ideologia política, tem demais. A escola adotou aquele
livro paradidático, as crianças tão lendo e, de repente, uma mãe se dá conta de que na obra
existe a descrição de um estupro. É a história de um garoto, onde o nome do texto é “O
Cobrador”. É um garoto de baixa renda e que se sente agredido pela classe média e alta, então
ele sai para cobrar a dívida social contra a vida dele. Ele sai e entra num condomínio e consegue
subir até um determinado andar e a moça diarista, abre a porta, ele então, não faz nada com a
diarista, porque se trata de alguém que é da classe dele, e ele diz que vai cobrar isso da dona da
casa. Então ele estupra a dona da casa e o livro traz toda a descrição, inclusive dele ejaculando
na cara dela. Isso é terrível. Você imagine o que é um pai abrir um livro infanto-juvenil, para
crianças de 12 anos, de 10 anos, com essa descrição. E isso, eu estou dizendo, aconteceu de
verdade, foi adotado pela escola e os pais descobriram e fizeram tirar da lista de livros das
crianças. Então o programa do livro didático vem mesmo, nesses últimos anos, se transformou
numa armadilha, numa grande armadilha.”
Sandra Ramos
“A gente vai gradualmente trocar todos os livros pelos mais graves e dentro do que os contratos…
Os contratos para os livros didáticos foram feitos para vários anos. Eles já vêm lá na capa 2018,
2019, 2020, 2021”.
Abraham Weintraub

“Essa foi uma herança do PT. Os livros didáticos já estão na escola. Tem uma atividade que é
cobrada em quase todos os livros de ciências do Programa Nacional do Livro Didático quando
sugere que a criança deite numa folha de papel, madeira, por exemplo, faça o contorno do seu
corpo. Quem tem que fazer o contorno é uma criança do sexo oposto, que é para poder fazer o
contorno do corpo, inclusive, para perder o tabu, aquele constrangimento de tocar no corpo do
outro, para ter mais intimidade com o corpo do outro. Nessa atividade, depois que a criança faz
esse desenho, é estimulada, pelo professor, na atividade, a colorir e fazer colagens nas partes
íntimas. E a criança tem que escrever os apelidos das partes íntimas. Em outras palavras,
alfabetizar a criança do nome das partes íntimas. Então a criança começa a se sexualizar. São
várias as obras que são indicadas no encarte do professor dos livros do Programa Nacional do
Livro Didático, onde, por exemplo, existem livros que surgem que a criança pegue um espelhinho,
olhe suas partes íntimas e descubra quais as partes que lhe dão mais prazer. Então é uma coisa
assim, que a gente, é explícito, não há o que esconder”.
Sandra Ramos
“A minha grande desconfiança com relação a professores que se põe a falar de sexualidade com
as crianças é, afinal de contas, por que eles gostam de fazer isso? É claro que você deve ensinar
que as pessoas são iguais perante a lei, é claro que você deve ensinar aparelhos reprodutivos, é
claro que você tem que ensinar riscos de doença. Agora, toda essa discussão enorme sobre
identidade sexuais, eu sempre me pergunto: afinal de contas, por que alguém resolve ficar
falando disso com criança?”
Luiz Felipe Pondé

“Encontraremos dinâmicas como, por exemplo, a chamada massinha, que é aplicada para
crianças e que tem como grande objetivo uma dinâmica escolar em que os alunos, com massas
de modelar, irão formar os órgãos reprodutores de homens e mulheres. Este grupo e,
precisamente, esse trabalho, Sexo se aprende na escola, é dedicado a Paulo Freire e foi
orientado por Paulo Freire.”
Thomas Giulliano
Infelizmente, histórias como essas não são exceção nos livros didáticos brasileiros.
Um dos casos mais emblemáticos é o da coleção “Nova História Crítica”, escrita por Mário
Schmidt. Distribuída aos alunos das escolas públicas e aderida por muitas escolas privadas
durante quase uma década.
Da quinta à oitava série, a obra, com explícita propaganda ideológica, foi utilizada como
principal livro didático.
Logo na página 14 da quinta série, o livro compara senhores de escravos com a atuação da
polícia.

A provocação retorna várias vezes ao longo do livro, afirmando que os manifestantes de


esquerda são reprimidos e que os policiais aplicam a regra do “olho por olho e dente por dente”.

O caso não é isolado. Textos elogiando o MST, conteúdos enaltecendo Mao Tsé-Tung, tabelas
em defesa do socialismo e constante propaganda revolucionária duram até as últimas páginas do
livro da oitava série.
Ao final de cada capítulo, é apresentado o quadro “reflexões críticas”, propondo que os
professores façam debates sobre esses temas na sala de aula.

“Você não tem nem a história tradicional espelhada, você só tem a visão crítica, ela já vem
deturpada e sempre vista sobre um viés revolucionário e de esquerda”.
Caroline de Toni

Em 2008, a coleção foi reprovada pelo MEC e retirada de circulação, não apenas por conta
de seu conteúdo, mas também por uma nova lei que passou a obrigar os autores de livros
didáticos a terem curso superior completo, e Mário não conseguiu provar que era formado
em história.
Schmidt nunca deu entrevistas e poucas são as informações encontradas sobre ele na
internet. Não há nem mesmo fotos ou redes sociais. Até 2016, uma das poucas informações
possíveis de encontrar ao pesquisar seu nome, era uma filiação ao PT, disponível no site
“FiliaWeb”.

“Eu tenho 35 anos de sala de aula. Passei da educação infantil até a pós-graduação - em todos
os níveis. E a gente perceber a infância sendo ameaçada da forma como ela tem sido nas últimas
décadas, principalmente durante esses governos do Partido dos Trabalhadores, deixa com que
qualquer professor que realmente deseje que a educação tenha qualidade fique estarrecido.”
Sandra Ramos

“Mães que chegaram para mim com os olhos marejados, dizendo ‘perdi minha filha’. E eu: ‘Como
assim?’ Né, ‘Eu perdi minha filha para o partido, para estes movimentos que estão acontecendo
aí. Movimentos ligados a partidos políticos que estão transformados em grêmios estudantis e
coisas assim’.”
Rafael Nogueira

“No âmbito universitário, existe uma perseguição ideológica feroz. Ao contrário de ser este
ambiente plural, democrático que a esquerda diz, apregoa, isso não é verdade.”
Alexandre Leuzinger

“E como a universidade, nos últimos anos, vem se afastando dos anseios da sociedade, muitos
professores relatam casos de perseguições ideológicas.”
Aline Loretto
“Quem ousa ser conservador, ou, pelo menos, não de esquerda, está fadado a ser massacrado
no ambiente universitário. É um assassinato de reputações, uma guerra declarada contra aqueles
professores que ousam pensar de forma diferente.”
Alexandre Leuzinger

“Esse assédio passa por algumas estruturas. Ele começa, primeiro, através do silêncio, através
de um ‘bom dia’ que você não recebe, mas depois, esse assédio se dá de formas mais ativas.”
Aline Loretto

“Eles fazem assédio moral, ameaçam, alijam do processo universitário. Por exemplo, se um
professor quer uma bolsa ou quer uma verba para pesquisa, eles boicotam, eles não deixam que
este pesquisador consiga tal verba.”
Alexandre Leuzinger

“Ele é cortado, a verba é cortada, as horas-aula são cortadas para aquele professor... Aí tem
gente que perdeu praticamente 80% do seu salário, porque passou a dar menos horas-aula.”
Dênia Magalhães

“Jogam os alunos contra os professores, fazem representações administrativas ou jurídicas


contra estes professores, perseguições jurídicas, perseguições no âmbito administrativo, até
mesmo coação física, em alguns casos, coação física mesmo.”
Alexandre Leuzinger

“Não deixar o professor sair da aula, dizer que ele só sai dali num corredor polonês, ou que ele ia
apanhar quando saísse, fazendo exigências, né? Com a conivência da reitoria em alguns casos.”
Dênia Magalhães
Em 2010, 37 reitores de universidades federais lançaram um manifesto chamado
“Educação – O Brasil no rumo certo”.

Todos eles assinalavam que o período do Governo Lula ficaria registrado na história como
aquele em que mais se investiu em educação pública e complementavam que o Brasil
'encontrou o rumo nos últimos anos, graças aos programas implementados pelo Governo Lula
com a participação decisiva e direta de seus ministros', destacando o nome do Ministro Fernando
Haddad.

Em 2018, durante as eleições presidenciais, 20 reitores e ex-reitores de universidades


federais voltaram a publicar um manifesto apoiando o candidato Fernando Haddad para a
presidência, citando programas como o FIES e o suposto avanço da ciência brasileira.
Os rankings utilizados no manifesto para divulgar o aumento de resultado levava em conta a
quantidade de pesquisas publicadas pelas universidades, mas ignorava sua qualidade e seu
impacto.
“Esse assédio passa por algumas estruturas. Ele começa, primeiro, através do silêncio, através
de um ‘bom dia’ que você não recebe, mas depois, esse assédio se dá de formas mais ativas.”
Aline Loretto
“É importante nós nos lembrarmos de que a primeira vítima da doutrinação é o professor. Ele é
que vai passar este legado para os seus alunos. E este professor, muitas vezes,
conscientemente ou não, está trabalhando para um determinado partido político, para uma
determinada corrente política.”
Miguel Nagib

“O conceito que o PT tem de educação está alinhado com Paulo Freire. Não era à toa que ele
estava filiado ao partido. Não era à toa que ele foi secretário de educação em São Paulo.
Realmente, o partido pensa assim. Isso que acontece nas universidades federais, essas cenas
terríveis que vemos, no estado em que estão as universidades federais, o que acontece, o que
eles mostram, o que fazem, o que são os centros acadêmicos, a intolerância em relação a toda
forma de divergência em sala de aula, não é outra coisa senão o reflexo daquilo que acontece na
sala dos professores. E aí vêm os relatos que se recolhem cada vez que se aborda esse assunto,
corroborando uma realidade que é triste. É, realmente é a pátria educadora, deste tipo de
educação, com este tipo de resultado, para produzir esse país que vemos.”
Percival Puggina
“Por que isso acaba culminando em maus índices de alfabetização, de conhecimentos de
ciências e de matemática? Porque a prioridade é a crítica. A prioridade é a luta política.”
Rafael Nogueira
“Este é um problema, é grave para algumas áreas, mas tem outras áreas que não é. Então a
gente tem o problema da doutrinação por um lado e, por outro, o problema da má formação.
Então tem cursos, por exemplo, engenharia, em que a gente tem oproblema da má-formação.
Alunos que entram no curso de engenharia, no primeiro ano, não sabem regra de três. Não
conseguem fazer uma integral ao se formar. Como é que esta pessoa vai ser engenheira? Este é
um problema da má formação.”
Marcelo Hermes
“A burrice brasileira é uma coisa que nunca aconteceu no mundo. Você pega um país que,
durante 50 anos, não produz uma obra de literatura notável. Nenhuma! Isso nunca aconteceu.
Não aconteceu na Zâmbia, não aconteceu na Serra Leoa, não aconteceu na Alemanha nazista,
não aconteceu na União Soviética, não aconteceu em lugar nenhum, só no Brasil. E este é o
problema do Brasil. O problema do Brasil não é comunismo, esquerdismo. É esta degradação
intelectual, espiritual, humana, horrível.”
Olavo de Carvalho

Em 2014, o Brasil parecia ter uma oportunidade de melhorar nossos índices educacionais, ao
menos, assim anunciava.

“ E, a partir deste ano de 2020, os alunos dos 26 estados e do Distrito Federal vão estudar pela
Base Nacional Comum Curricular.”
“É um documento que é referência obrigatória para elaboração dos currículos escolares.”

“Essa base curricular quer pensar a formação do estudante de maneira ampla, como aluno,

cidadão e também futuro trabalhador.”


“De acordo com o documento, o Conselho Nacional de Educação vai guiar de uma maneira

bem específica temas como orientação sexual e identidade de gênero.”


“O documento serve de referência para todas as escolas do país, públicas e particulares.”

“É a primeira vez que o Brasil tem uma base comum curricular. A base também terá impacto na

formação de professores, na compra de livros didáticos e na elaboração de exames em larga


escala.”
“Isso tudo é a base para construção de um currículo mais afinado de norte a sul do Brasil."

Aglomerado de reportagens
A Base Nacional Comum Curricular, conhecida como BNCC, foi o documento em que muitos
depositaram essa esperança. Era a primeira vez que o Brasil teria um currículo obrigatório
para todas as escolas.

Essa prática não é novidade no mundo. Muitos dos países desenvolvidos a adotam como forma
do governo padronizar e controlar a educação básica.

Em países como Inglaterra, Finlândia, Portugal e Coreia do Sul, o currículo nacional


obrigatório estabelece o mínimo que cada escola deve lecionar, permitindo a
personalização da maior parte do currículo. Grande parte desses currículos entendem que o
básico é a alfabetização, as ciências exatas e os objetivos de aprendizagem.

Em alguns outros países, como nos Estados Unidos, a ideia de um currículo unificado gerou
intensos debates. A tradição americana de forte liberdade federativa fez com que alguns estados
não aderissem ao currículo.
O currículo obrigatório parece ser uma balança em que os governos escolhem um dos lados:
mais liberdade das escolas e menor controle da qualidade, ou menos liberdade das escolas e
maior controle da qualidade.

No Brasil, não foi necessário fazer essa escolha. Abrimos mão da liberdade sem
perseguirmos a qualidade. O documento aprovado não seguiu as boas práticas de
currículo comum dos países desenvolvidos.

“Tem duas coisas: uma é uma ignorância mesmo. Fazer um currículo bem feito é uma das coisas
mais difíceis que tem, porque você tem que conhecer muito bem a disciplina e organizar a
estrutura como você descreve o desenrolar daquela disciplina para um professor, para ajudá-lo
no planejamento, de uma maneira muito detalhada. Quando você olha um documento de um país
desenvolvido, e este exemplo eu volto ao exemplo de ler com fluência, de 60 palavras por minuto
no primeiro ano, você olha em volta e fala ‘olha, acabou.’ Então fulano, fulano e fulano que está
há 40 edições vendendo livro que nunca vai chegar nesse padrão, vai deixar de vender. Então
você tem todo mundo que estava trabalhando lá na base olhando: ‘Bom, o custo para você
implementar uma base realmente de qualidade significa que os meus amigos todos que estão
aqui me ajudando a escrever essa base vão perder espaço. Aí não vale a pena. Então junta a
fome com a vontade de comer. Dá um trabalho desgraçado para você fazer a base e vai ter um
grupinho extremamente poderoso que vai sair prejudicado. Qual é a chance de isso acontecer?
Nenhuma. E foi o que aconteceu.”
Ilona Becskeházy
Ao contrário de currículos que estabelecem metas e conteúdos básicos para o essencial, a
BNCC usou 600 páginas para descrever todas as disciplinas, em todos os anos. O documento
descreve, várias vezes, o tipo de aluno que gostaria de formar, transformando o documento em
um gabarito de visão de mundo e reduzindo significativamente a margem de liberdade da escola.

“Você veja, o grande educador John Taylor Gatto descobriu o óbvio. Você só ensina para o
sujeito o que ele quer aprender. Se ele não quer aprender, ele não vai aprender. Então, você tem
que pegar as pessoas e dar a elas a oportunidade da educação, e não a obrigatoriedade da
educação. O que eles chamam de democratização da educação, é uma imposição tirânica. Você
está amarrando as mãos do cara e dizendo que é um direito dele.”
Olavo de Carvalho

“É aquela ideia do governo centralizador, onde você vai planejar todos os passos do cidadão. Por
que é que não se atém a coisas que são mínimas, mas essenciais? Por que é que tem de haver
uma ementa colocada para cada uma daquelas coisas que serão ensinadas? E o que é que
resguarda uma instituição particular ou instituição que tem um viés cristão de ensino de que,
nessas coisas que são demandadas que você ensine, existam coisas que são contra os
princípios que você abraça? Então, é o Estado avançando os limites.”
Francisco Solano Portela
Em um dos sites da BNCC, podemos explorar a matriz do currículo que será implementado em
todas as escolas do país. Dentro de cada etapa de ensino, temos a disciplina e a série. Em cada
disciplina, há os temas, os objetivos de conhecimento, as habilidades que serão trabalhadas e,
por fim, o que o aluno deve aprender.

No primeiro ano do ensino médio, na disciplina de “Ética e Cultura”, encontramos a ideologia de


gênero e sua agenda. Dentro da área “Na prática”, a escola deve fazer os alunos terem “contato
com indivíduos que escapam à lógica cisgênero”. Ainda nessa disciplina, o aluno entrará em
“contato com novas formas de parentalidade contemporânea”.

Outra questão trabalhada na disciplina de “Ética e Cultura” do 1º ano do ensino médio é o


conhecimento e funcionamento do tráfico de drogas.
Na disciplina de “Geografia”, temos a xenofobia, o racismo e o fascismo agrupados no mesmo
objeto de conhecimento. Assim como nos livros pedagógicos de Mário Schmidt, a atuação da
polícia militar e genocídio negro aparecem lado a lado.

Em “Sociologia”, encontramos descritos como principais movimentos sociais do Brasil a


organização “Movimento Sem Terra - MST” e a “Movimento dos Trabalhadores sem Teto -
MTST”.

Dentro do mesmo assunto, observamos algo inusitado: dois tópicos falando sobre o papel dos
movimentos sociais no processo de impeachment de Fernando Collor e Dilma Rousseff. O que
está diferente entre os dois? A palavra impeachment, para o caso de Dilma, está entre aspas. O
que os autores do currículo querem dizer com isso?
Encontramos no documento conteúdos como “os padrões de beleza e corpos gordos”, “padrões
de gênero” e “heteronormatividade nas sociedades burguesas”.

Afinal, qual o objetivo desse currículo comum que será obrigatório para todas as
escolas?

“Então, isso é a centralização de uma visão de federação nossa que é totalmente desfigurada.
Resultado: nós temos Base Nacional Curricular Comum (BNCC), Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)... tudo no Brasil é único, é unificado,
é centralizado, é federal. São leis próprias daquele setor, mas com efeito e impacto nacional. Eu
não sei se em Cuba tem um negócio assim.”
Percival Puggina

“O Estado educando o meu filho, eu não quero mais isso. Não quero doutrinas de Estado ou
orientações de Estado, não quero. Quero ele livre, quero ele um pensador livre. E o Estado falha
tremendamente nessa entrega. Não é do interesse do Estado um pensador livre.”
Luiz Philippe de Orleans e Bragança

“Meu maior medo como pai não é que a minha filha aprenda que Che Guevara foi bom. Se ela
aprender isso, ela vai chegar em casa, vai conversar comigo e eu vou dizer que é mentira, vou
mostrar para ela que é mentira. Eu não estou preocupado com isso. Agora, estou preocupado
que ela não tenha uma consciência individual, que ela não tenha um eu desenvolvido a ponto de
ouvir aquilo e duvidar, e vir falar comigo. Ou ir atrás por si só, ir atrás por ela mesma.”
Matheus Colombo

“O papel da escola é ensinar a ler, a escrever; você ensina a escrever, ensina a fazer contas,
ensina química, ensina física. Quando você vê uma criança de 2, 3, 4 anos fazendo algazarra na
rua, se atirando no chão, você fala: ‘que criança mal-educada’. Quem educa é a família.”
Abraham Weintraub
Nos conteúdos que temos em comum com currículo de países desenvolvidos, também não
seguimos as boas práticas. Usamos metas pouco claras, não temos objetivos quantificáveis e os
prazos são mal definidos para as metas educacionais. Tudo isso afastou o currículo brasileiro de
casos bem sucedidos como Finlândia, Coreia do Sul, Inglaterra e Portugal, países que usam com
sucesso o currículo comum para progredir nos índices internacionais, descrevendo suas metas e
seguindo um modelo que abandonamos.

“E aí você lê os documentos em Portugal e encontra lá os indicadores de fluência para cada ano.


As crianças têm de ler uma quantidade específica de palavras, palavras isoladas por minuto,
pseudopalavras e textos.”
Carlos Nadalim

A má formação criou um problema cíclico: os novos pedagogos não estão aptos para educarem
os novos alunos. E os novos alunos não estão sendo habilitados para serem bons pedagogos.
Nossos alunos não conseguem ler, compreender e muito menos interpretar um texto de 10
linhas.

“Na educação, tudo começa pelo ensino da leitura e da escrita. Então, como podemos discutir
seriamente o que as crianças estão aprendendo se, no Brasil, cerca de 55% dos alunos do
terceiro ano do ensino fundamental não têm conhecimento suficiente em leitura? Ou seja, nós
estamos diante de um quadro em que os alunos não aprendem a ler. Então veja: primeiro, você
precisa, na educação, consolidar a aprendizagem da leitura. Primeiro, a criança aprende a ler
para, depois, ler para aprender.”
Carlos Nadalim
A má formação criou um problema cíclico: os novos pedagogos não estão aptos para educarem
os novos alunos. E os novos alunos não estão sendo habilitados para serem bons pedagogos.
Nossos alunos não conseguem ler, compreender e muito menos interpretar um texto de 10
linhas.

Grande parte dos métodos de alfabetização usados no Brasil têm origem na filosofia
construtivista, com influência da alfabetização ativista defendida por Paulo Freire.

Métodos como palavração, sentenciação, método global e letramento defendem que a


alfabetização deve priorizar o sentido e o contexto das frases e textos inteiros. Esses métodos
lecionam diretamente através dos significados, interpretações e críticas, com a proposta de
facilitar o aprendizado.
Já os métodos mais tradicionais, como fônico e silábico, consideram que antes de capturar
significados e contextos, o aluno deve aprender as menores unidades linguísticas: os grafemas,
os fonemas e as sílabas.

“Qual é o consenso científico sobre o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita? É que nos
sistemas de escrita alfabéticos, naqueles países cujo o sistema de escrita é alfabético, a melhor
forma de ensinar crianças, jovens e adultos a ler, é por meio da explicitação das relação entre
grafemas e fonemas, entre letras e sons, porque isso é uma exigência do próprio sistema
alfabético de escrita. O alvo do sistema alfabético são os fonemas”.
Carlos Nadalim

“O nosso português é uma língua fonética, ela se pronuncia como se escreve, praticamente, com
poucas exceções. Enquanto que países que têm uma linguagem atroz como a Finlândia, que as
palavras parecem sopas de letrinhas de consoantes, onde houve uma carência de vogais lá, e
eles utilizam o método fônico com extremo sucesso. Esses países que têm se destacado no
teste, eles começam a alfabetização bem cedo, exatamente porque se utilizam de uma
metodologia diferente daquela que é aplicada aqui no Brasil. Então esta é uma área que precisa
realmente ser revisitada para que a gente possa progredir na esfera educacional.”.
Francisco Solano Portela

Para resolver esse confronto, o governo americano organizou um grupo de notório saber para
investigar as melhores práticas de alfabetização. O estudo demonstrou que há adoção do
método fônico é altamente eficaz, com ampla vantagem para o aprendizado das crianças. A
pesquisa foi utilizada de base para o programa de alfabetização dos Estados Unidos e inspirou
outros currículos comuns ao redor do mundo.

Se, de um lado, estudos validam o método fônico, do outro, não podemos dizer a mesma coisa.
Métodos como o global ou semi-global, que buscam associar palavras e frases inteiras
com significados e contextos, são alvos de duras críticas. Esses métodos ganharam força
com a ideia de educação progressista dos anos 70, quando defendiam que a escola oprimia
crianças e precisávamos de um aprendizado desrepressor. Com o tempo, a ineficácia do
método tornou-se comprovada e, até mesmo, desastrosa.
O neurocientista francês Stanislas Dahaene, autor do livro “Os neurônios da leitura”,
demonstrou que esse tipo de alfabetização ativava áreas do cérebro que não eram as
responsáveis pela leitura.

Não se tratava de alfabetização, mas de uma ilusão de que as crianças sabiam ler por
associarem palavras com imagens.

A demonstração definitiva veio com a mensuração dos resultados. No final da vida escolar,
crianças que aplicavam as práticas de aprender através do sentido das palavras obtinham
péssimos resultados quando comparadas com alunos alfabetizados por métodos tradicionais.
Mas a essência desses métodos e a filosofia construtivista ainda persistem com outro nome:
letramento.

O letramento é um componente da alfabetização nascido na Califórnia, de um movimento


intitulado “Whole Language”. A proposta era adicionar nos métodos de alfabetização uma ideia
muito parecida: aprender a ler do todo para a parte, com base em textos e não com consciência
fonética, dando valor à função social da linguagem e à realidade do aluno.

Esse movimento virou lei pelo Estado da Califórnia, que aplicou a metodologia em todas as
escolas, levando a um desastre educacional: o Estado que estava nos primeiros lugares dos
Estados Unidos em leitura, em pouco tempo, passou para os últimos lugares.

O mesmo aconteceu em Israel, fazendo as universidades fecharem os centros de letramento.


Se na Califórnia e em Israel, o fracasso foi prontamente identificado e corrigido, no Brasil,
décadas de estragos educacionais causados pelo construtivismo parecem não ter sido o
bastante para afastá-lo do nosso sistema educacional.

Quando o Brasil começou a desenhar a Base Nacional Comum Curricular, dispensou não só
grande parte dos estudos vigentes e seus cases, também dispensou o quórum de notório saber.

A BNCC foi discutida entre pressões políticas, sindicatos, fundações e populismo.


O resultado foi deixarmos o componente fônico em segundo plano, e a prioridade ficou
para o letramento, termo que aparece 51 vezes na BNCC e foi importado, dos experimentos
ideológicos fracassados, por Magda Soares, que admite defendê-lo em conjunto com a
visão de Paulo Freire.

O motivo da vantagem dos métodos tradicionais é simples: imagine que você é um


programador e você precisa programar um site. Se você tiver uma imagem clara na sua cabeça
sobre como deve ser este site, basta escrever na linguagem da programação e você irá chegar
no site imaginado. Para que o site saia exatamente como pensou, você precisa dominar os
componentes da linguagem, para manuseá-los e conseguir chegar no resultado imaginado. A
mesma coisa acontece com a música, que também é uma linguagem. Se você quer expressar
uma melodia e compô-la do zero, como fazer? Você precisa conhecer as notas musicais para
colocá-las na ordem e no tempo correto e chegar no resultado desejado. As menores unidades
de cada linguagem são a matéria-prima para construir a sua mensagem.

Mas como fazer o site ou a música que você imaginou sem dominar a programação ou as
notas musicais? Você precisa copiar as estruturas de outras músicas e de outros sites que já
estão prontos e, provavelmente, chegará em um resultado diferente da sua ideia, pois terá que
adaptá-las às estruturas pré-prontas que você está copiando.

A mesma coisa acontece com a alfabetização. Sem dominar os grafemas, os fonemas e as


sílabas que compõe a linguagem, você não domina o idioma e não está livre para se
expressar do zero. A sua capacidade ficaria comprometida. Em vez de usar os recursos
disponíveis no seu idioma para costurar a melhor forma de expressar suas ideias, você
precisa adequá-las a um conjunto limitado de significados e expressões que você
aprendeu anteriormente.

Esse é o motivo da briga dos métodos tradicionais de alfabetização contra os métodos


que ganham espaço no Brasil a partir de Paulo Freire.

É aqui que entra a importância de ler os clássicos da literatura. Hoje em dia, apenas propor
essa leitura pode gerar incômodo. A educação brasileira acostumou-se com a ideia de que essa
é uma prática elitista e desnecessária.
As principais correntes pedagógicas praticadas no Brasil defendem que o aluno deve se
alfabetizar a partir de textos informativos, que contextualizam-no na sua condição de mundo.
Quando olhamos nos testes internacionais, o resultado é diferente. No mesmo exame do PISA
em que ficamos nos últimos lugares em leitura, o relatório demonstra que alunos que leem obras
ficcionais têm um resultado 12x superior do que os alunos que trabalham com textos
informativos. Alunos que leem obras ficcionais várias vezes por semana também têm um
desempenho 3x maior do que aqueles que leem com menos frequência.
Os testes deixam claro: textos ficcionais são mais importantes no aprendizado que textos
informativos.

“A gente ouve muito essa expressão: ‘temos que combater o eurocentrismo’. O que quer dizer
isso em termos práticos? É tirar do cânone, os clássicos gregos, os clássicos da idade média.
‘Temos que democratizar o currículo’. O que que é democratizar o currículo? É facilitar o
currículo, é baixar o nível do currículo”.
Ana Caroline Campagnolo

“Uma coisa que eu ouvi muitas vezes ser repetido: ‘aquela educação antiga e tradicional é
enganadora, ela é má, ela é rígida e ela é elitista e dominante, é das classes dominantes para
submeter às classes dominadas’.”.
Rafael Nogueira

“E aí você vai a Portugal e encontra obras clássicas no primeiro ano, do primeiro ciclo. No
segundo ano, no terceiro ano, e assim por diante. Então uma criança, em Portugal, em uma
escola pública, lê Ulisses, lê as fábulas de Esopo, lê ‘Ou isto ou aquilo’ de Cecília Meireles no
segundo ano. Eles dizem que as crianças devem ler textos clássicos porque os textos ficcionais,
as narrativas ficcionais, exigem muito mais da memória de trabalho do leitor. Porque, ao ler um
texto, uma narrativa ficcional, você precisa memorizar uma série de elementos para acompanhar
aquela narração. As características da personagem mudam de uma página para outra, de um
capítulo para outro, o cenário, enfim, há mudanças contínuas e uma série de elementos que
precisam ser armazenados para que você acompanhe a história. E estes leitores vão ser bons
compreendedores de textos, muito mais que aqueles leitores especializados.”.
Carlos Nadalim
“Você não pode educar uma pessoa com base em textos científicos, não é possível isso, porque
texto científico, por definição, tem correspondência biunívoca entre signo, significado e referência.
Você tem um vocabulário estabilizado, os significados uniformes e permanentes. Ora, a
linguagem corrente não é assim. Você tem as sutilezas, você tem a mudança de significado
conforme o contexto e é ali, neste tipo de leitura que você tem que treinar. Se você aprendeu a
ler lendo livros científicos, você vai ser analfabeto funcional para sempre. A ciência, claro, é difícil
de aprender, mas a linguagem científica é mais simples que a linguagem corrente, entende?
Porque é sempre uma correspondência biunívoca, é a linguagem uniforme: unisensa - tudo um
sentido só. Um sentido estabilizado, igual para todos. Você não pode aprender a ler com uma
coisa dessas. Agora, se você vai ler Shakespeare ou Balzac, a coisa não é assim. Em cada linha,
o sentido das palavras muda, adquire outra ressonância, você tem outros contextos e é este
treinamento das variedade de situações e variedade de intenções subjetivas, isso que é aprender
a ler.”.
Olavo de Carvalho

Lembra que falamos lá atrás de imaginar um site ou uma música? Ali tem outro motivo de ler os
clássicos: são as grandes referências da linguagem e a imaginação. A imaginação é como
se fosse um projetor de filme dentro da sua cabeça. Quando você escuta uma história, lê um livro
ou pensa em algo, ela projeta esses códigos tentando construir uma imagem nítida para quem
pensa. Quanto mais nítida for a imagem, mais aprimorada a competência de imaginar.

Livros que apresentam o uso do idioma de forma sofisticada não só fazem uma musculação
cerebral desse projetor, como estimulam a memória, as diferentes aplicações de expressões e
palavras, apresentam as nuances do idioma, sofisticam a interpretação e ensinam o aluno a
utilizá-lo da melhor forma. Os grandes clássicos são os grandes cases de cada idioma. É lá
que a linguagem encontrou a menor distância entre a escrita e a experiência. Eles elevam a
nossa imaginação, tornando-nos capazes de aprimorar nossos sonhos, nossas virtudes e nossas
competências.

“Quanto mais eu sei, mais eu sou. Adoro dizer isso, mas é uma variação do Wittgenstein, que já
dizia que ‘os limites da minha linguagem são os limites da minha existência, são os limites do
meu mundo’. E o que que é essa linguagem? É a capacidade de aprendizado. É o que eu sei e o
que eu faço com o que eu sei. Essa é a beleza do conhecimento. Isso nos faz especiais. Isso nos
faz ir adiante. Isso nos faz perseguir a resolução dos problemas. Inteligência, para a medicina, é
capacidade de resolver problemas. E aí eu tenho que chegar diante dos problemas e dizer: ‘quem
vai resolver isso? Sou eu’. Chamar a autorresponsabilidade para mim, que tá tão danificada nos
dias de hoje. Todo mundo quer terceirizar a responsabilidade. Todo mundo passa a
responsabilidade para o seu inconsciente, para o seu comportamento, para os seus genes, para
as suas sinapses cerebrais - ‘agora tenho que tomar um remedinho, que a culpa é das minhas
sinapses, não é minha’. A culpa é tua.”.
Fernando Conrado
Se tudo isso pode ser considerado um ponto importante desde o início do aprendizado, mais na
frente, o problema se agrava, deixa de ser apenas individual e começa a ser social. O
analfabetismo funcional impacta grande parte dos brasileiros.

Mas o que é analfabetismo funcional? Um termo muito utilizado e pouco explicado.

O idioma é composto por uma trindade: o signo, que é a palavra que remete à uma ideia.
Por exemplo: um lápis; o significado, que é a definição dessa palavra; e o referente, que é a
coisa existente, o que ela se refere no mundo, o lápis concreto. O analfabeto funcional tem
profunda deficiência em correlacionar esses componentes.

Ele tem três principais dificuldades.


Primeira: Ele pode conhecer a palavra e até mesmo a sua definição, mas se ver o
fenômeno real na sua frente, sente dificuldade de correlacioná-los.
Por exemplo: uma pessoa que conheça a palavra inveja, mas quando alvo de inveja ou
invejando alguém, não é capaz de correlacionar as coisas. Ou talvez aplique mal as palavras,
chamando de inveja fenômenos diferentes, que não correspondem com o seu significado, como
medo, raiva e admiração. Esse sintoma impede a boa compreensão de textos e até mesmo a
interpretação do que as outras pessoas dizem, fazendo tomar conclusões erradas sobre a
mensagem que está recebendo.
Segunda: o analfabeto funcional também pode ser incapaz de fazer o contrário, converter
os referentes, as experiências reais do mundo, em signos e significantes, não
conseguindo se expressar através da fala e da escrita. Esse sintoma é responsável por
intensa turbulência na vida pessoal e profissional, confinando as experiências, ideias e
percepções da vítima dentro dela mesma. Na incapacidade de se comunicar adequadamente,
o analfabeto funcional fica preso dentro de si.

Terceira e o problema mais grave: em função dessas duas deficiências, o indivíduo não
consegue navegar pela linguagem nem utilizá-la para compor sua forma de se expressar.
Resta copiar o uso de signos e significantes que ele assiste os outros utilizarem, mesmo
que desconheça o referente, o fenômeno real que eles descrevem.

Ao longo do tempo, o analfabeto funcional desenvolve uma histeria. Na incapacidade de ir do


mundo real aos símbolos e dos símbolos ao mundo real, ele passa a descartar a necessidade do
referente, da própria realidade.

A partir desse momento está apto a acreditar no que diz e no que escuta, mesmo que não diga
respeito a nada concreto.

A substituição da realidade por signos vazios faz com que eles sejam preenchidos como
crenças, fundindo-se à sua própria personalidade. E quando algo confronta qualquer coisa
que ele diz ou pensa, sente que a sua estrutura de crenças está sendo atacada.
“Analfabetismo funcional é o sujeito não entender o que ele está lendo. Quer dizer, ele, claro que
sabe ler, em princípio, mas não tem a compreensão de texto equivalente ao nível da profissão
que ele exerce. O sujeito chega a general e tem a capacidade de leitura de um recruta."
Olavo de Carvalho

Uma sociedade de analfabetos funcionais constitui um grande risco.

As pessoas copiam a opinião das outras sem tentar verificá-las na realidade. Emitem opiniões
sobre muitos assuntos. Passam a acreditar em praticamente tudo que dizem. Passam a sentir o
que dizem. E passam a querer agir de acordo com os seus sentimentos, criando sonhos,
projeções, ambições e militando de acordo com a carga emocional e a aprovação social de seus
discursos.

“Uma vez que as pessoas estão cada vez menos aptas a dizer alguma coisa sobre a realidade,
elas estão mais indefesas para aderir ao primeiro movimento político que exige delas alguma
ação que faça sentido, alguma ação que tenha um conteúdo emotivo, que dê algum sentido para
a vida.”.
Fausto Zamboni

Podemos pegar palavras presentes no debate público para dar exemplos. “instituições”,
“democracia”, “fascismo”. Muitas pessoas as usam sem saber o que são, à que essas palavras
de fato se referem, como se organizam no mundo concreto, qual o histórico e os agentes que as
envolvem e o que as diferenciam de fenômenos semelhantes ou, até mesmo, completamente
diferentes. Muitas dessas pessoas nem sequer tem familiaridade com essas ideias, mas as
articulam por mera imitação. Interpretam os discursos de acordo com a carga emocional que
as palavras carregam, e persistem em menosprezar ao que elas estão amarradas.

O principal recurso de aprendizado que resta para esses indivíduos é o de perceber nos
seus pares qual o discurso mais aprovado e qual o mais rejeitado. E assim ir, por tentativa e
erro, calibrando os seus signos sem qualquer referente, vivendo meramente por imitação e
condenando a própria inteligência ao exílio. Se é pela aprovação social que ele expressa suas
ideias, quanto mais participar do senso comum de determinado grupo, mais vai ser
aprovado por uma maioria e mais vai buscar repeti-las. Quando chega esse momento, a
realidade foi posta em segundo plano. E a culpa foi da má educação.

Qual a surpresa de não a valorizarmos? Como uma sociedade que não se preocupa em buscar
a verdade, pode levá-la a sério? Se aceitamos que as coisas são vazias e não se referem a
nada, por que perderíamos tempo investigando grandes ideias? Elas não são mais um
poderoso aparato para enfrentarmos a vida. Em uma sociedade de analfabetos funcionais,
foram reduzidas a um discurso vazio em que jamais poderíamos acreditar.

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