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Aula 04. Imaginário, Simbólico e Real.

Nesta aula gostaria de realizar uma brevíssima introdução do tema da tríade do Simbólico, Real
e Imaginário, a que Lacan chama de três instâncias da realidade humana, para depois extrairmos daí
algumas consequências para se pensar o texto literário. Seria preciso de saída afirmar que os
elementos da tríade são puramente relacionais e pressupõe uma articulação entre eles através do que
Lacan chama de nó borreomeano. Apesar dessa articulação necessária entre os três registros, que não
podem ser pensados isoladamente, estes registros também servem para identificar aspectos da
realidade humana que se encontram sobre a preponderância de um dos registros. Autorizado por
essa ideia, pretendo aproximar cada um dos registros a certos problemas apresentados pelas diversas
modalidades de narrar descortinadas pelo texto literário. Vou me valer de exemplos dos romances ou
contos que serão estudados nos seminários desta disciplina para facilitar nossa aproximação com
estes textos. Vamos aproximar o Imaginário de “Confissões de uma máscara” de Yukio Mishima
com algumas pinceladas em “Pai Raiol: o feiticeiro” de Joaquim Manuel de Macedo, o Simbólico do
conto de Oscar Wilde “O Fantasma de Canterville” e o Real de “Venir de l’ecriture” de Helène
Cixous.

Nosso guia para realizar a introdução ao tema da tríade é o livro de Terry Eagleton: “O problema
dos desconhecidos: um estudo da ética”. É claro que para aqueles que desejem um aprofundamento
no tema é necessário ir aos textos de Lacan, alguns dos quais eu indicarei ao final da nossa aula, mas
creio que este livro de Eagleton tem a vantagem de nos fornece, além de uma leitura rigorosa de
Lacan, um excelente panorama de como essas ideias relacionadas à tríade impactaram o campo das
ciências humanas e nos ajudam a exercitar o pensamento em outros campos como o estudo da ética
e da literatura. O livro de Eagleton é exemplar neste sentido. Embora não seja obrigatória para a
disciplina, alguém que embarque na leitura de todo o livro, certamente não se arrependerá.

Gostaria de iniciar o seguinte trecho do livro de Eagleton

As correspondências mágicas e as afinidades milagrosas são a matéria


prima do mito e se o ensaio de Lacan intitulado “O estágio do espelho”
investigou esse mito, ele próprio transformou-se rapidamente num mito.
Os limites entre a realidade Uma ambiguidade similar aplica-se à palavra
imaginário, que significa para Lacan, “pertinente à imagem”, e não
fantasioso ou irreal, mas que (tal como a teoria da ideologia com que
Louis Althusser ficaria famoso por derivar dele), mesmo assim, envolve a
ilusão e o engodo. (EAGLETON, P.15)

Eagleton nos conduz através de uma leitura bastante interessante do imaginário que nos
permitirá pensar a importância dessa instância para a constituição de sujeitos dentro de aparatos
ideológicos. Logo na sequência dessa citação Eagleton se questiona se esse espelho de que Lacan
fala é literal ou metafórico. E podemos dizer com Lacan que o imaginário é justamente a base sobre
a qual mais tarde irá se sustentar o jogo de diferenças entre o que é literal e metafórico. O jogo entre
literalidade e metáfora depende de um ego que seja a referência, pois do ponto de vista puramente
simbólico é impossível uma distinção entre sentido literal e sentido figurado. Para Lacan o
imaginário está profundamente implicado no simbólico, "a matriz simbólica”, nos diz Lacan, “se

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precipita numa forma primordial”3. Esta forma é uma imagem, outro nome dessa forma primordial
é o eu ideal. Lacan diz:

Mas o ponto importante é que essa forma situa a instância do eu,


desde antes de sua determinação social, numa linha de ficção, para
sempre irredutível para o indivíduo isolado - ou melhor que se unirá
assintoticamente ao devir do sujeito, qualquer que seja o sucesso das
suas sínteses dialética pelas quais ele tenha que resolver, na condição
de eu, sua discordância de sua própria realidade. (LACAN, Escritos, p.
98)

Reservemos, por enquanto, a ideia de uma “linha de ficção” e o devir de um sujeito construído
através de sínteses dialéticas. Essas sínteses que dizem respeito à imagem, à forma que eu pode
tomar e a linha de ficção que delineia esta forma e que será a matriz para identificações secundárias.
Essa imagem é uma espécie de mito de todos os outros mitos individuais do neurótico. Laplanche e
Pontalis dizem, como veremos adiante, que o Imaginário é aquilo que permite uma coalescência do
significante no significado. Ou seja, a significação a identificação de um sujeito com um significante
é uma operação imaginária.

Em 1953, Jacques Lacan realiza uma conferência que tem por título o Simbólico, o
Imaginário e o Real, nesta ocasião ele anuncia a tríade como os "três registros de realidade
humana”4. Um dos aspectos notáveis da tríade é a ideia de que a experiência com as imagens tem
grande determinação na formação da instância a que chamamos "eu" e que mais tarde, na vida do
ser falante, a experiência com a linguagem é resultado de um funcionamento indissociável entre Real,
Simbólico e Imaginário.

Poderíamos dizer que o Imaginário deriva da experiencia com as imagens, portanto, liga-se a
um conjunto de experiência que implicam certas conotações visuais e espaciais, experiências de
projeção e reflexão que constituem paulatinamente os rudimentos da percepção das fronteiras entre
o dentro e fora, entre o eu e não-eu, entre eu e outro.
Lacan elucida a importância de se circunscrever o papel do registro imaginário da experiência
em O estádio do espelho como formador da função do eu (1936). A tese principal defendida neste artigo é que
a identificação se dá primeiramente com uma imagem, ou seja, o estádio do espelho aponta para o
exame d"a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem"5. A imagem da
criança ao espelho seria uma metáfora desse efeito de antecipação da unidade corporal dada através
da imagem, quando do ponto de vista da maturação neurológica este corpo ainda se encontra
fragmentado.
O imaginário se refere a uma configuração primitiva peculiar no espaço psíquico no qual o
"eu" ainda não está suficientemente separado do mundo e por isso “não pode haver alteridade
genuína”6. É no campo do imaginário, portanto, que estabelecem-se as fixações, mesmo que

3 LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 97


4 LACAN, Jacques. Os nomes do pai. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p.12
5LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 97
6EAGLEATON, Terry. O problema dos desconhecidos: um estudo da ética. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2010. p. 17

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precárias, provisórias e ilusórias, imagens capazes de precipitar a criança em um estado júbilo e
plenitude ocasionadas pela percepção da unidade do “eu".
Essa mesma plenitude que faz coincidir - mesmo que ilusoriamente - a imagem no espelho
com o "eu", também engendra a ilusão de plenitude e equivalências harmônicas, sem diferenças,
entre significante e significado, entre imagem e palavra, entre sujeito e seu outro. Laplanche e
Pontalis apontam que no nível das significações o registro do imaginário “atesta uma certa
coalescência do significante com o significado.”7 Daí a razão do campo do imaginário estar
frequentemente vinculado ao engodo e a ilusão sem que se possa reduzí-lo a estes.
A definição de Simbólico, segundo Jameson, é ainda mais problemática, “pois muito do que
Lacan designa como Imaginário é designado através de expressões como símbolo e simbolismo”8.
Por conseqüência, é no registro do Imaginário que se estabelecem operações de fixação de um
símbolo com um referente imagético. Daí essa dimensão do simbolismo a que Lacan se refere ao
falar do Imaginário, quando o símbolo é utilizado no seu sentido etimológico, como metade
fragmentada de algo que em algum momento foi um todo, uma unidade. Inversamente, a ordem do
Simbólico é caracterizada pelos câmbios e deslizamentos dessas posições parcialmente fixas, nas
operações de trocas e substituições simbólicas. O que a ordem simbólica possibilita é justamente a
desvinculação do símbolo com uma imagem específica, abrindo um determinado significante à sua
dimensão polissêmica através da relação com outros significantes. Daí, a indissociável articulação
entre Simbólico e Imaginário presente no funcionamento da linguagem humana, que depende,
simultaneamente, de pontos de fixação parciais típicas do Imaginário, bem como dos processo de
substituições e trocas, de equivalências e diferenças possibilitadas pela ordem Simbólica.
Através da entrada na ordem simbólica há uma transformação substancial do sujeito. O
estado de plenitude imaginária é rompida através da introdução da interdição. E esta lança o sujeito
numa busca incessante e repetitiva de substitutos para o objeto de desejo interditado. A ruptura da
feliz equivalência entre imagem e palavra se introduz como falta. “Os próprios significantes são
intrinsecamente faltosos: visto que o significado é produto de uma diferença, são necessários pelos
menos dois significantes para produzir um. E como esses dois implicam inúmeros outros, todo
processo é tão intrincados impossível de totalizar quanto o próprio desejo”9.
A ordem simbólica será uma espécie de ficção em que o incessante fluxo de imagens que
ancoram o sentido de "eu" é reordenado a partir de um sistema de diferenças cujas regras permitem
tornam-se intercambiáveis. É importante destacar a diferença qualitativa entre as trocas imaginárias
e as trocas simbólicas. Enquanto as primeiras são baseadas numa plenitude ilusória de sentido e
trocas diretas que só pode tomar lugar às expensas da indeterminação das fronteiras entre eu e não-
eu, as segundas apoiam-se numa abstração, o que importa não são as qualidades específicas de um
objeto ou imagem, e sim sua localização ordenada dentro de um determinado sistema. "O
imaginário resiste a ser traduzido em termos racionais ou comparativos. Diferentemente do
simbólico, no qual a troca e a comensurabilidade são essenciais"10.

7LAPLANCHE, J. & PONTALIS, B. Vocabulário de psicanálise. Tradução Pedro Tamen. São Paulo:
Martins Fontes, 2008. p. 234.
8 JAMESON, Frederic. Imaginary and Symbolic in Lacan: Marxism, Psychoanalytic Criticism, and the Problem of
the Subject. Yale French Studies, No. 55/56, Literature and Psychoanalysis. The Question of Reading: Otherwise
(1977), tradução nossa, p. 352
9EAGLEATON, Terry. O problema dos desconhecidos: um estudo da ética. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2010. p. 139.
10EAGLEATON, Terry. O problema dos desconhecidos: um estudo da ética. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2010. p. 19.

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Um exemplo simples do psicanalista Bruce Fink pode ser esclarecedor neste sentido de
circunscrever a relação indissociável entre Imaginário e Simbólico :

(…) imagine um homem fascinado por olhos azuis, cuja mãe tinha olhos azuis: embora
dois pares de olhos nunca sejam absolutamente idênticos, e duas tonalidades de azul
também nunca sejam iguais, para ser mais preciso, a palavra “azul" permite que ele iguale
os olhos da mãe com os olhos azuis de uma parceira e, portanto, transfira sua fascinação
com a primeira para a segunda. A linguagem permite tais substituição de um objeto
amado por outro ou o deslocamento de catexia de um objeto para outro. (Fink, 1998, p.
46)
O exemplo de Fink é bastante didático justamente por articular a fixação fascinada
produzida pela experiência com a imagem dos olhos da mãe com o processo de uma tradução
(sempre incompleta e parcial) dessa imagem na ordem simbólica através do significante “azul”. Esta
tradução inseriu aquilo que era, inicialmente, pura imagem num contexto de trocas e substituições
simbólicas, possibilitando que o amor e outros afetos investidos na imago materna possam ser
redirecionados a outros objetos, constituindo, através dos redirecionamentos, novas fixações parciais
em outras imagens. Em outras palavras, enquanto o imaginário é dual - a imagem fascinante dos
olhos azuis da mãe - o simbólico estabelece um jogo de relações ternárias - os olhos azuis da mãe
podem ganhar equivalência e substituição com outros olhos. Outros objetos podem ser desejados e
causar fascínio a partir dessa equivalência simbólica inicial.
(Tomando então o questão da constituição do sujeito fundamentalmente como um
processo das dinâmicas entre os registros do imaginário e do simbólico, tencionaremos uma leitura
do trânsito da imagem de São Sebastião entre os registros do Imaginário e do Simbólico no
romance de Yukio Mishima.)

O obstáculo às máquinas de leitura, o estabelecimento de sentido necessita de um “eu” que sirva de referência para
decisão quanto às indeterminações e lacunas da linguagem. - A desenvolver

O transitivismo - Melanie Klein e os impactos do imaginário para uma teoria da leitura. - A desenvolver.

O Simbólico

Inadvertidamente já adentramos no tema do Simbólico. Pensemos de saída, em termos


comparativos e vejamos como Eagleton estabelece a comparação entre as trocas simbólicas e
imaginárias:

Há aqui uma distinção entre as trocas imaginárias e simbólicas. As mutualidades do


imaginário, como vimos, envolvem o obscurecimento das fronteiras entre o eu e o
outro, de tal modo que os corpos parecem fundir-se perfeitamente entre si, viver a
vida uns dos outros e se revestir da carne uns dos outros. Essa, portanto, é uma
troca tão literal de eus quanto se poderia imaginar. A troca simbólica, em contraste,
apoia-se na abstração: um item pode substituir outro, pois o que importa não é a

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natureza específica, e sim, sua localização ordenada dentro do sistema. Tal como
uma mercadoria, ele não existe por si, mas em seu intercâmbio com outros de seu
tipo. Em termos marxistas poderíamos dizer que a ordem simbólica é uma questão
de valor de troca, ao passo que o imaginário, no qual se comprazemos com as
qualidades tangíveis do outro puramente por elas mesmas, é um exemplo de valor de
uso. (EAGLETON, p. 133)

O desenvolvimento de um raciocínio linear nos obrigaria a um um percurso que é meramente


didático no qual supomos um percurso que vai do Imaginário para uma posterior entrada no
Simbólico, mas o fato é que estamos desde sempre no imerso no Simbólico e no Real. Feita esta
ressalva podemos entender o Simbólico como a entrada em um jogo de equivalências, trocas e
deslizamento. Enquanto o Imaginário possibilita a fixação das tautologias, e a coalescência entre
significante e significado, o simbólico é lugar em que uma ausência do referente força o
deslizamento simbólico. Daí o fato de Eagleton evocar o exemplo da mercadoria para pensarmos
essa diferença.
Mesmo antes de Marx, as nascentes teorias da economia já esboçavam uma teoria do preço
justo das mercadorias nas obras de Adam Smith e Jeremy Bentham. Dentro dessas reflexões o
dinheiro é uma espécie de operador universal das trocas, mas o dinheiro não possui em si nenhum
valor de uso, ele é um símbolo da ausência daquilo que se troca. Ao invés de trocar minhas duas
galinhas em cinco saco de feijão, não preciso transportar duas galinhas e torná-las presentes na cena
da troca. Posso pagar os meus cinco sacos de feijão com papel, que simboliza as galinhas que vendi
(ou seja, troquei simbolicamente) para um outro. Portanto, do ponto de vista das relações simbólicas
o significado não é fixo assim como o preço de uma mercadoria não é fixa, mas se relaciona com o
valor de outras mercadorias. O preço do pão sobe em consequência da alta do preço do trigo,
analogamente, o significado não é fixo, mas alterado pelas relações que o significante estabelece com
outros significantes. No entanto, nem todos os elementos que concorrem para o estabelecimento do
preço podem ser previstos por este sistema da teoria do preço justo, a contingências imprevisíveis
oriundas das forças da natureza podem intervir. E talvez a grande contribuição de Marx seja ter
formulado o fetiche da mercadoria como elemento puramente psicológico da construção do preço e
do valor. Esse aspecto imponderável, essas contingências é o que vamos chamar de Real.

Como já é sabido, Lacan deriva sua teoria do Simbólico do antropólogo Claude Levi-Strauss e
mesmo a sua teoria do significante que é uma retomada de Saussure já filtrada pela leitura daquele.
Se o Imaginário é o registro da coalescência entre o significante e o significado - do encaixe
harmônico e perfeito entre os dois - , o Simbólico é o registro da não equivalência entre significante
ou significado. Ou melhor dizendo, no registro do Simbólico o significante excede o significado. É o
que podemos depreender desta passagem do ensaio de Levi-Strauss sobre a obra de Marcel Mauss:

Mais, partout ailleurs, et constamment encore chez nous-mêmes (et pour fort
longtemps sans doute), se maintient une situation fondamentale et qui relève de la
condition humaine, à savoir que l'homme dispose dès son origine d'une intégralité
de signifiant dont il est fort embarrassé pour faire l'allocation à un signifié, donné
comme tel sans être pour autant connu. Il y a toujours une inadéquation entre les
deux, résorbable pour l'entendement divin seul, et qui résulte dans l'existence
d'une surabondance de signifiant, par rapport aux signifiés sur lesquels elle peut se
poser. Dans son effort pour comprendre le monde, l'homme dispose donc
toujours d'un surplus de signification (qu'il répartit entre les choses selon des lois
de la pensée symbolique qu'il appartient aux ethnologues et aux linguistes
d'étudier). Cette distribution d'Une ration supplémentaire - si l'on peut s'exprimer
ainsi - est absolument nécessaire pour qu'au total, le signifiant disponible et le

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signifié repéré restent entre eux dans le rapport de complémentarité qui est la
condition même de l'exercice de la pensée symbolique.11

Neste trecho Levi-Strauss discorre sobre a noção de Mana em Mauss para situar o apelo ao
pensamento divino como tentativa de fazer frente justamente à inadequação entre significante e
significado. Traduzindo a citação livremente teríamos: "Mas, em toda parte alhures, e
constantemente entre nós mesmos ( e ainda por muito tempo por vir, sem dúvida) se mantem uma
situação fundamental e que se deduz da condição humana, a saber que o homem tem dado à sua
disposição, de saída, uma integralidade de significantes com os quais está embaraçado na sua inépcia
de alocá-los em significados, também dados mas nem por isso menos desconhecidos. Há sempre
uma inadequação entre os dois, absorvível apenas pelo entendimento divino, e que resulta de uma
superabundância do significante, em relação aos significados sobre os quais ele poderia se encaixar.
Em seus esforços para compreender o mundo o homem dispõe sempre de um excedentes (surplus)
de significação (que ele reparte entre as coisas segundo as leis do pensamento simbólico, o que cabe
aos etnólogos e aos linguistas estudar) Essa distribuição de uma ratio (razão, proporção) suplementar
- se pudermos a exprimi-la assim- é absolutamente necessária para que a totalidade de significantes
disponíveis e significados referenciados permaneçam entre eles em uma relação de
complementariedade que é a condição mesma do exercício do pensamento simbólico.”

Trocando em miúdos, para Levi-Strauss tanto como para Lacan, o significante excede o
significado. E a ausência de correspondência ou a inadequação não é resolvível, mas é estrutural. Por
outro lado, justamente porque há tal inadequação é que necessitamos criar uma razão suplementar
que mantenha significante e significado numa relação, mesmo que ilusória, de complementariedade
para que a partir dessa condição se possa exercer o pensamento simbólico. Sendo essa inadequação
algo não resolvível e uma condição não passageira, essa inadequação que é "o que será, que será, que
não tem nome nem nunca terá”, tal como cantado por Chico Buarque, será chamado por Lacan de
Real.

O Real

Assim como o sentido genealógico de “símbolo" como duas metades separadas de um mesmo
objeto que se encaixam perfeitamente não se refere ao Simbólico e sim ao Imaginário. Devemos
atentar para outras aproximações deceptivas, como por exemplo o equívoco de aproximar o Real de
Lacan da realidade. Vejamos como Eagleton formula a distinção entre o Real e a realidade:

Não só o Real não é sinônimo de realidade corriqueira como é também quase seu
oposto. É verdade que nos primeiros escritos de Lacan, às vezes se podia entender o

11 LEVI-STRAUSS. Introduction a l’ouvre de Marcel Mauss p. 31

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temo no sentido de uma recalcitrância do mundo material, ou das pulsões
irrepresentáveis do corpo, ou de um gozo situado além da ordem fálica, ou do resto
não verbal do desejo que escapa à ordem simbólica. Em seu trabalho posterior, o
conceito é igualmente versátil : pode aludir à suposta impossibilidade da relação
sexual, ou à fidelidade incondicional à lei do próprio ser, por mais imperscrutável
para razão que seja essa lei, a qual é a base de toda ética verdadeira. Neste último
caso , estamos falando do que Lacan chamou de ética da pulsão, e não do desejo,
emergindo num lugar menos mistificado do outro lado. Alternativamente, o Real é
aquilo que Milan Kundera, em seu romance A imortalidade, chama de “tema" singular
da identidade do indivíduo - a irredutível morbidez do desejo que é peculiar a cada
sujeito humano. Se Eros e Tânatos são universais, ainda assim eles deixam marcas
singulares em cada indivíduo.12

Novamente, é preciso insistir no caráter relacional e articulado dos três registros, Real, Imaginário e
Simbólico. Vejamos agora como Eagleton explana essa articulação. A fantasia, enquanto produto do
Imaginário é aquilo através do qual tentamos fazer frente - numa tentativa sempre fadada a um certo
malogro - ao caráter lacunar do Real. E a fantasia, simultaneamente, demanda articulações simbólicas para
que possa emergir algo como a realidade. Portanto, do ponto de vista da psicanálise, a fantasia não é o
contrário ou aquilo que se opõe à realidade, mas é, em em alguma medida, a matéria prima dessa ficção (que
mobiliza a ordem do Simbólico) a que chamamos realidade .

A fantasia é aquilo que tampona o vazio me nosso ser, para que o conjunto de
ficções surradas que conhecemos como realidade possa emergir. Para Lacan, é no
sonho, e não nesse lugar especioso chamado realidade, que nos aproximamos do
Real do nosso desejo. O Real é aquilo que perturba essas invenções agradáveis,
distorcendo o sujeito e desalinhando a ordem simbólica. É o ponto de falha e
impasse do sujeito, seu modo de não coincidir consigo mesmo, a ferida primordial
que sofremos com nossa expulsão do Éden pré-edipiano. É o corte profundo em
nosso ser, no ponto em que fomos arrancados do corpo materno e do qual o desejo
flui de maneira inestancável.

Além de todos esses usos da tríade composta pelo Real, Simbólico e Imaginário seria
importante apontar como esse conceito organiza um certo horizonte da leitura de Freud, proposta
por Lacan sob a nomeação mais específica de um “retorno” a Freud. Freud nos teria dado a
conhecer o Simbólico na Traumdeutung (Interpretação dos Sonhos) através dos incontáveis exercícios
interpretativos apoiados nas noções de condensação e deslocamento - que Lacan leu como as figuras
de linguagem da metáfora e metonímia, respectivamente - em que Freud nos mostra que os sonhos
não são absurdos mas expressam uma semântica idiossincrática e uma gramática e uma sintaxe
daquilo que Freud chamou de princípio de prazer. Ou seja, o sonho é pensado a partir de um
sistema simbólico ou semiótico que possui suas leis próprias. No entanto, há no sonho, reconhece
Freud, um ponto de opacidade, um certo emaranhado que não se deixa acomodar pelas leis
simbólicas extraídas do trabalho de interpretação dos sonhos. Esta celebrada passagem cruza as
páginas 556 e 557 das Edição Standard das Obras Completas Brasileiras editadas pela Imago:

Mesmo no sonho mais minuciosamente interpretado, é frequente haver um trecho


que tem de ser deixado na obscuridade; é que, durante o trabalho de interpretação,
apercebemo-nos de que há nesse ponto um emaranhado de pensamentos oníricos

12EAGLEATON, Terry. O problema dos desconhecidos: um estudo da ética. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2010. p. 208.

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que não se deixa desenredar e que, além disso, nada acrescenta a nosso
conhecimento do conteúdo do sonho. Esse é o umbigo do sonho, o ponto onde
ele mergulha no desconhecido. Os pensamentos oníricos a que somos levados
pela interpretação não podem, pela natureza das coisas, ter um fim definido; estão
fadados a ramificar-se em todas as direções dentro da intrincada rede de nosso
mundo do pensamento. É de algum ponto em que essa trama é particularmente
fechada que brota o desejo do sonho, tal como um cogumelo de seu micélio. 13

É interessante notar que Freud faz valer aí a ideia de que há o conteúdos interpretáveis e há
um ponto em que sonho mergulha no desconhecido. O umbigo sonho é conhecido por contraste.
É um certo esgotamento do Simbólico que permite um vislumbre, sempre indireto, do Real. O Real
seria uma espécie de fulgor que nos cegaria caso o encontrássemos sem mediação. Conseguimos
falar dele e tangenciá-lo como pequenos feixes de luz que vazam através das brechas esgarçadas do
anteparo formado por um Sistema Simbólico.

O Imaginário, O Simbólico e o Real e as formas de narrar

Na segunda parte desta aula gostaria de propor uma aproximação de cada um dos registros que
compõe a tríade com formas de narrar. É necessário insistir que os registros são articulados a partir
do nó borromeano e qualquer tentativa de pensá-los separadamente tem efeitos meramente
didáticos, mas em todo caso creio que seja interessante apostar na ideia de que a preponderância de
cada um dos registros resulta em formas distintas de narrar, que também pressupõe formas distintas
de relação com a alteridade constituída no texto de um leitor implícito ou uma instância de
endereçamento. Ou seja, poderíamos formular como pergunta “a quem esta forma de narrar se
dirige? ” Qual a forma do Outro implícita na narrativa e no texto literário? Na seq üência, gostaria
de selecionar alguns trechos dos textos literários mencionados no início da aula para possibilitar um
exercício mais livre de nossa leitura. Exercício que eu não concretizarei em texto neste momento,
deixando algum suspense, apostando que intervenham as contingências do momento da "Live" na
leitura que realizaremos desses fragmentos.

Segue um fragmentos de "Confissões de uma máscara" de Yukio Mishima para vislumbrarmos um


modo de narração sob a preponderância do Imaginário:

13 FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos -parte II - vol. V ESB. p. 556-7

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Fragmento de Vestígios do dia de Kazuo Ishiguro , a preponderância da ordem Simbólica:

“O Sr. e a Sra. Wakefield são um casal americano estabelecido na Inglaterra — em algum lugar de
Kent, pelo que entendi — há uns vinte anos. Tendo vários conhecidos em comum com o Sr.
Farraday na sociedade de Boston, um dia fizeram uma visita breve a Darlington Hall, ficando para o
almoço e partindo antes do chá. Estou falando agora de poucas semanas depois da chegada do
próprio Sr. Farraday, uma época em que seu entusiasmo com a compra estava no auge;
consequentemente, grande parte da visita dos Wakefields foi tomada por uma expedição, que
poderia parecer desnecessariamente extensa, pela propriedade, inclusive em áreas fora de uso.
O Sr. e a Sra. Wakefield, no entanto, pareciam tão entusiasmados quanto o Sr. Farraday, e eu,
cuidando de meu serviço, com frequência ouvia exclamações de admiração vindas da parte da casa
onde eles se encontrassem. O Sr. Farraday tinha iniciado a visita pelo topo, e ao chegar ao andar
térreo para mostrar aos visitantes a magnificência dos aposentos ali situados, ele parecia muito
entusiasmado, assinalando detalhes nas cornijas e nas molduras das janelas, e descrevendo com certa
pomposidade “o que os lordes ingleses costumavam fazer” em cada aposento. Embora eu
naturalmente não tenha feito uma tentativa deliberada de escutar, não pude deixar de entender o
sentido do que se dizia, e surpreendi-me com a extensão do conhecimento de meu patrão, o qual,
apesar de um ou outro comentário infeliz, traía um profundo entusiasmo pelos costumes ingleses.
Mais ainda: percebia-se que os Wakefields — em particular a Sra. Wakefield — não eram eles
próprios de modo algum ignorantes das tradições de nosso país, e deduzia-se, pelos diversos
comentários por parte deles, que eram também proprietários de uma casa inglesa de alguma
suntuosidade.
Foi em certo ponto dessa excursão — eu estava atravessando o saguão, sob a impressão de que o
grupo saíra para explorar o jardim — que me dei conta de que a Sra. Wakefield ficara para trás e
estava examinando de perto o arco de pedra que emoldura a porta para a sala de jantar. Quando
passei, murmurando um discreto «com licença, madame, ela voltou-se e perguntou:
— Ah, Stevens, talvez você seja a pessoa indicada para me dizer. Este arco parece ser do século
dezessete, mas não terá sido construído recentemente? Talvez durante a época de lorde Darlington?
— É possível, madame.
— É muito bonito. Mas é com certeza uma espécie de falsa antiguidade feita há poucos anos, certo?
— Não tenho certeza, madame, mas é bem possível.
Então, baixando a voz, a Sra. Wakefield perguntou:
— Diga-me, Stevens, como era esse Lord Darlington? Você com certeza trabalhou para ele.
— Não, madame.
— Ah, pensei que tivesse trabalhado. Não sei por que tive essa impressão.
A Sra. Wakefield virou-se novamente para o arco e, colocando a mão sobre ele, disse:
— Quer dizer que não temos certeza. Mesmo assim, a mim parece ser falso. Muito bem-feito, mas
falso.
É possível que eu tivesse esquecido logo esse diálogo; no entanto, depois da partida dos Wakefields,
fui levar o chá da tarde do Sr. Farraday na sala de estar e percebi que ele estava preocupado. Depois
de um silêncio inicial ele disse:
— Sabe, Stevens, a Sra. Wakefield não ficou tão impressionada com esta casa quanto acho que
deveria ter ficado.
— Realmente, senhor?
— Na verdade, ela parecia achar que eu estava exagerando o pedigree do lugar. Que eu estava
inventando a antiguidade de tudo.
— Foi mesmo, senhor?

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— Ficava falando que tudo era ”falso” isto e ”falso” aquilo. Pensou até que você era ”falso“,
Stevens.
— Realmente, senhor?
— Realmente, Stevens. Eu disse que você era de verdade. Um velho mordomo inglês de verdade.
Que está nesta casa há mais de trinta anos, servindo um nobre inglês de verdade. Mas a Sra.
Wakefield me desmentiu. Aliás, com muita segurança.
— Foi mesmo, senhor?
— A Sra. Wakefield, Stevens, estava convencida de que você não trabalhava aqui até eu contratá-lo.
Na verdade, ela parecia achar que tinha ouvido isto de você. Fiz papel de tolo, como você pode
imaginar.
— É profundamente lamentável, senhor.
— Quer dizer, Stevens, esta é uma genuína mansão inglesa, não é? Foi o que eu paguei. E você é um
genuíno mordomo inglês antigo, e não um garçom fingindo ser um mordomo. “tória é esta de ter
dado ”uma imagem ligeiramente enganosa”?
— Lamento muito, senhor. Não tinha ideia de que poderia causar-lhe esse constrangimento.
— Mas, droga, Stevens, por que inventou esta história?
Estudei a situação por um momento, depois disse:
— Lamento muito, senhor. Mas tem a ver com os costumes deste país.
— De que é que está falando, homem?
— Quero dizer que na Inglaterra não é costume um empregado discutir seus antigos patrões.
— Certo, Stevens, então você não deseja divulgar confidências passadas. Mas isso se estende a
chegar a negar ter trabalhado para outra pessoa além de mim?
— Realmente parece um pouco exagerado quando o senhor coloca as coisas assim. Mas com
frequência considera-se desejável que um empregado dê esta impressão. Se posso me expressar
assim, senhor, é um pouco similar ao costume em relação a casamentos. Se uma dama divorciada
estiver presente em companhia do segundo marido, com frequência considera-se desejável que não
se mencione o primeiro casamento. Há um costume semelhante em relação a nossa profissão,
senhor.
— Bem, eu gostaria de ter tomado conhecimento deste seu costume antes, Stevens — retrucou meu
patrão, recostando-se na poltrona. — Fiquei mesmo foi com cara de trouxa,”

Excerpt From: Kazuo Ishiguro. “Os vestígios do dia.” Apple Books.

Fragmento de “Venir de l’ecriture" de Helène Cixous: o Real como narratário.

Un désir cherchait sa demeure. J'ètais ce désir J'étais la question.


Etrangeté du destin de la question: chercher, poursuivre les réponses
qui la calment, qui l'annulent. Ce qui l'anime, la lève, lui donne envie
de se poser, c’est l'impression que l'autre est là, si proche, existe, si
loin, qu'il y a, quelque part, au monde, une fois passée la porte, la face
qui promet, la réponse pour laquelle on continue à se mouvoi, à cause
de laquelle on ne peut se reposer, pour l'amour de laquelle on se retient
de renoncer, de se laisser aller; à mourir. (CIXOUS, 1977, p.9-10)

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Tradução nossa:

Um desejo procura sua morada. Eu era esse desejo. Eu era a questão. Estrangeridade do destino
da questão: procurar, perseguir as respostas que a acalmam e a anulam. É o que a anima, a eleva,
lhe dá ganas de se colocar, é a impressão que o outro está ali, tão próximo, existe, tão distante,
que há, em alguma parte do mundo, uma vez passada a porta, a face que promete, a resposta pela
qual continuamos a nos mover, por causa da qual não se pode repousar, pelo amor daquela que
nos impedimos de renunciar, de se deixar levar, à morrer.

Je l ́ ai lu: le visage signifiait. Et chaque signe indiquait un noveau chemin. A


suivre, pour s ́ approcher du sens. Le Visage me soufflait quelque chose, me
parlait, m'appelait à parler, à déchiffrer tous les noms qui l'entouraient,
l'évoquaient, l'effleuraient le faisaient apparaitre. Il rendait les choses visibles'
et lisibles; comme s'il était entendu que meme si la lumière s'éloignait, les
choses qu'elle avait éclairées ne disparaitraient pas, ce qu’elle avait touché
resterait, ne cesserait pas d'etre ici, de briller, de se donner encore à prendre
par le nom. (CIXOUS, 1977. P.10)

Tradução nossa:

Eu a li: o semblante significava. E cada signo indicava um novo caminho a seguir para se
abordar o sentido. O semblante me soprava alguma coisa, me falava, me chamava para falar, para
decifrar todos os nomes que a cercavam, a invocavam, a tangenciam fazendo-a aparecer. Ele
torna as coisas visíveis e legíveis, como se ele tivesse entendido que mesmo que a luz se tenha
distanciado, as coisas que ela clareou não desaparecem, o que ela tocou permanecerá, não
cessará de estar aqui, de brilhar, de se deixar tomar pelo nome.

Ce visage n'est pas une metaphore. Face, espace, structure. Lieu de tous les
Visages qui me donnént naissances, détienneit mes vies. Je l'ai vu, je l'ai lu, je l
́ ai contemplé à me perdre. Combien de faces pour le visage? Plus d’une.
Trois ,quatre, mais toujours l'unique, et l'unique toujours plus d'une.(CIXOUS,
1977.p.10) .

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Et Femme? Femme c ́ est pour moi celle qui ne tue personne en elle, celle qui
(se) donne ses propres vies: femme est toutjours d'une certaine manière «mère»
pour elle-meme et pourl'autre. (CIXOUS, 1977, p. 61)

Tradução nossa:

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E mulher? Mulher é para mim aquela que não mata ninguém nela, é aquela que se dá suas
próprias vidas: mulher é sempre de uma certa maneira "mãe" para ela mesma e para o outro.

(…)Folles celles qui sont obligee de re-faire acte de naissance tous les jours. Je
pense: rien ne m'est donné: Je ne suis pas née une fois pour toutes. Ecrire, revê,
s ́accoucher ètre moi-meme ma fille de chaque jour. Affirmation d’une force
intérieure capable de regarder la vie sans mourir de peur, et surtout de se
regarder soi-meme comme se tu etait a la fois l ́autre - indispensable a l ́amour -
et rien de plus et de moins de moi. (CIXOUS,1977 p. 15)

Tradução nossa (de cada dia nos dai hoje):

Loucas são aquelas que são obrigadas a refazer seu ato de nascimento todos os dias. Eu penso:
nada me está dado. Eu não sou nascida de uma vez por todas. Escrever, sonhar, dormir, ser minha
própria filha a cada dia. Afirmação de uma força interior capaz de olhar a vida sem morrer de
medo, e, sobretudo, olhar a si mesmo como se fosse, ao mesmo tempo, outro - indispensável ao
amor – e nada mais e nada menos de mim.

Mais enfin qui etes vous? Si vous n'ètes jamais la meme, comment voulez vous
qu'on vous reconnaisse? D'ailleurs quel est votre nom principal? Le public
veut savoir ce qu'il achète. L'inconnu ne se vend pas. Nos clients demandent du
simple. Vous etes toujours pleine de doubles, on ne peut pas compter sur vous,
il y a de l'autre dans votre meme. Faites-nous du Cixous homogène. Prière de
vous réitérer, Pas d'imprévu. L'altération, très peu pour nous. Halte! Repos,
Répétition!

Le futur, persone n ́ en veut. Donnez nous du passé classé, viellissez. Il y a


quand meme cinq mille ans que nous vivon avec vous. La femme, on sait ce que
c ́ est. Moi, j ́ ai une, depuis trente ans. (CIXOUS, 1977, p 43-44,) .

Tradução nossa (perdoai as nossas dívidas tradutórias) :

Mas enfim, quem é você? Se voce não é jamais a mesma, como vc quer que a reconheçamos?
Ademais, qual seu nome principal? O público quer saber o que compra. O desconhecido não
vende. Nossos clientes demandam o simples. Você está sempre cheia de duplos, não se pode
calculá-la, existem outros no seu mesmo. Faça-nos uma Cixous homogênea. Faça o favor de se
repetir. Sem imprevisto. Alteração, o mínimo para nós. Alto lá! Repouso, Repetição!

O futuro, ninguém o quer. Dê-nos o passado clássico, envelhecido. Há cerca de cinco mil anos
que vivemos com vocês. A mulher, nós sabemos o que é. Eu tive uma por trinta anos.

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