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CADERNO DE DEBATES
2
CADERNO DE DEBATES
2
5 APRESENTAÇÃO
9 GT COMBATE AO RACISMO E
PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
15 GT DEMOGRAFIA E MIGRANTES
31 GT ESTADO, DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO POPULAR
E REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO
QUEM SOMOS?
É importante destacar, no entanto, não ser de hoje que homens e mulheres deba-
tem um projeto de país. Entendemos que este é um debate permanente na vida dos
povos e estratégico para os setores populares, o qual, diante do desmonte da nação,
tornou-se urgente e dispõe de condições mais favoráveis a partir das necessidades
concretas que atualmente se apresentam.
O QUE QUEREMOS?
Não estamos partindo do zero. Diversos setores têm refletido ao longo da história
sobre propostas, estratégias e questões que apontam os problemas estruturais do
6 APRESENTAÇÃO
Brasil e indicado caminhos para a sua superação. O programa que estamos cons-
truindo deve expressar estes acúmulos e reflexões, além de buscar estimular o acú-
mulo de força social em torno desses esforços.
Acreditamos que a melhoria das condições objetivas de vida do povo brasileiro de-
pende do modelo de desenvolvimento econômico, político, cultural e ambiental
implantado, pois ele indicará como serão distribuídas as riquezas e a renda gerada
por toda a sociedade. E que as bases para a construção desse projeto popular para o
Brasil estão alicerçadas na construção de um Estado. Por isso definimos os seguintes
temas como nossos paradigmas que guiarão nossas reflexões:
Vida boa para todos/as: entender que a vida vale a pena ser vivida em
todas as suas dimensões e que por isso devemos orientar as formas de
produção dos bens, a reprodução social e os bens públicos para garantir
a qualidade de vida de todos/as. Nessa perspectiva, é preciso pensar o
ser humano em sua integralidade.
Bens comuns: prezar pela garantia e soberania dos bens compartilhados
pelas comunidades: natureza, ar, água, cultura e os espaços públicos.
Igualdade e diversidade: devemos superar as condições de opressão,
buscando engendrar novas relações sociais entre as pessoas.
Democracia, Participação e autonomia: devemos refletir sobre qual
o sentido público do Estado, retirando-o da condição de simples garan-
tidor de direitos, para estabelecer como prioridade prestar serviços de
qualidade ao povo. Devemos refletir também sobre como será exercido
o poder pelo povo e sobre como será autonomia desse Estado.
Soberania Nacional e Desenvolvimento: apontar um caminho para
o desenvolvimento no qual a apropriação da riqueza seja justa e onde
os compromissos sociais submetam a lógica da economia de merca-
do. Além de formular um projeto nacional que possibilite ao nosso país
crescer com soberania.
Esses paradigmas são referências gerais para o trabalho do grupo, e também para as
discussões temáticas devendo ser considerados mesmo para elaborações mais espe-
cíficas. Em processo cíclico de construção, os Grupos de Trabalhos Temático devem
ao mesmo tempo em que partem deles para construir propostas, enriquecê-los com
novas formulações.
7
APRESENTAÇÃO
Atualmente possuímos 30 grupos de trabalho temáticos (GTs) que possuem a tarefa prio-
ritária de refletir sobre os temas estratégicos para a formulação de um projeto de país. Esses
grupos de trabalho são constituídos por intelectuais comprometidos com o desenvolvi-
mento do país; militantes dos movimentos populares que trazem o acumulo de propostas
de cada movimento; trabalhadores com experiência na política pública com conhecimento
em diversas áreas. Os GTs debatem e formulam propostas para que obtenhamos uma
elaboração programática que possa posteriormente ser discutida pela sociedade, buscando
com isso agregar força social e apontar para as bases de um projeto de país.
Além dos GTs, foram estabelecidos Eixos Temáticos. A discussão em eixos objetiva
potencializar a transversalidade dos temas discutidos nos grupos e garantir que os
documentos produzidos por eles tenham visibilidade e unidade programática.
8 APRESENTAÇÃO
Não devemos ter a pretensão de dar solução para tudo, muito menos em nome de
todos e todas, mas buscaremos agir em torno de um esforço coletivo e intelectual,
para formular um projeto que sirva como referência para as lutas sociais e para o
pensamento crítico brasileiro.
Eixos Temáticos
Direitos
Cultura
Educação
Esporte
Cidades
Religião, Valores e Comportamento
Saúde Coletiva
Economia, Desenvolvimento e Distribuição de Renda
Agricultura Biodiversidade e Meio Ambiente
Demografia e Migrantes
Desenvolvimento Regional
Caatinga e Semiárido
Ciência, Tecnologia e Inovação
Economia
Energia e petróleo
Financeirização
Logística e Transporte
Mineração
Reforma tributária
Seguridade Social e Previdência
Trabalho, Emprego e Renda
Estado, Democracia e Soberania Popular
Democratização da Justiça e Direitos Humanos
Estado, Democracia, Participação Popular e Reforma Política
Federalismo e Administração Pública
Sistema de comunicação
Relações Internacionais, Integração Regional e Defesa
Segurança pública
Igualdade, Diversidade e Autonomia
Combate ao Racismo e Igualdade Racial
Juventude
LGBT
Mulheres
Povos Indígenas
GT DE
COMBATE AO RACISMO
E PROMOÇÃO DA
IGUALDADE RACIAL
GT DE
10 COMBATE AO RACISMO
E PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
O Brasil tem uma enorme importância no cenário mundial como segundo país do
mundo em população negra, atrás apenas da Nigéria, na África. Nas últimas déca-
das, o Brasil tornou-se uma das maiores economias do mundo, com forte cresci-
mento econômico, queda do analfabetismo, população predominantemente urbana
e diminuição das desigualdades. Proporcionalmente, o maior ou menor índice desse
progresso afeta positiva ou negativamente a população negra, numa longa, persis-
tente, cruel e brutal permanência da pobreza e da iniquidade racial e étnica, além
das desigualdades de gênero.
Entre essas assimetrias crônicas e de longa duração no Brasil, próprias de uma or-
dem social colonial e estruturada no escravismo, destacam-se a barbárie; a violência
e a letalidade do Estado; a omissão e indiferença das elites brancas do país; o exter-
mínio em massa da juventude negra; o baixíssimo padrão de habitabilidade da po-
pulação pobre; a falta de saneamento básico; e as profundas desigualdades no acesso
e tratamento à saúde, bem como aos conhecimentos valorizados na educação, que
excluem os aportes culturais, científicos, tecnológicos e civilizatórios da África, da
diáspora africana e de seus descendentes à humanidade e à sociedade brasileira.
MULHERES NEGRAS
JUVENTUDE NEGRA
Contudo, essa violência letal se distribuiu de forma desigual: as vítimas são, sobre-
tudo, jovens negros do sexo masculino, entre 15 e 24 anos, com baixa escolaridade.
O Índice de Homicídio na Adolescência (IHA) evidencia que a probabilidade de ser
vítima de homicídio é mais do dobro para os negros em comparação com os bran-
cos. Isso configura o que o Movimento Negro denomina de Genocídio do Povo
Negro, através do extermínio em massa da juventude negra.
DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE
ambiental, como o uso coletivo das riquezas naturais e com a justiça social. Os
verdadeiros responsáveis pela devastação das florestas, pela poluição dos rios, mares,
pela degradação dos biomas e insustentabilidade urbana em todo planeta são os
países imperialistas e colonialistas. Não somos responsáveis por tamanha espoliação
dos seres humanos e da natureza.
COMUNICAÇÃO
LEGADO LIBERTÁRIO
Não permitiremos que o racismo nos submeta a violência simbólica e física, que
destrua o nosso legado ancestral e espiritual africano. Esse legado é libertário, ecoló-
gico e sagrado. A nossa emancipação será a tomada da consciência negra, dos nossos
direitos enquanto sujeitos de nossa história. O Projeto Brasil Popular está irmanado
a este compromisso e a esse legado.
GT DE
DEMOGRAFIA
E MIGRANTES
16 GT DE
DEMOGRAFIA E MIGRANTES
1. TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA
50,0
45,0 TBN
40,0
35,0
30,0
TBM
25,0
Esterilização
20,0 feminina
Antibióticos
15,0 Pílula
10,0
5,0
0,0
1. Antônio Tadeu Ribeiro de Oliveira 1881 1890 1900 1910 1920 1930 1945 1955 1965 1975 1985 1995 2000 2010
e Luiz Antônio Pinto de Oliveira são Fonte. Recenseamento do Brasil 1872-1920. Rio de Janeiro: Directoria Geral de Estatística, 1872-1930 e
demógrafos do IBGE. IBGÉE/DPE/COPIS. Censos Demográficos 1940/2010 e Projeção da População do Brasil por sexo e idade: 2000-2060
GT DE 17
DEMOGRAFIA E MIGRANTES
No momento, e até o final dos anos 2030, o país vai passar pela etapa do “bônus de-
mográfico”. Ao contrário do que pregam os setores conservadores, inclusive para defen-
derem a urgência na reforma da previdência social, somente daqui a aproximadamente
40 anos chegaremos ao ponto no qual teremos o envelhecimento da população. Temos
tempo para aproveitar o que resta do bônus e pensar com calma nas medidas necessárias
ao enfrentamento dos desafios colocados pelo futuro envelhecimento da população.
O Brasil, desde dos anos 80, atravessa essa etapa da sua dinâmica populacional conhe-
cida como “bônus demográfico” ou “janela de oportunidade demográfica”. Num Es-
tado que pensa uma sociedade inclusiva, essa fase da transição demográfica, com uma
oferta grande de pessoas em idade de trabalhar, deveria impulsionar o desenvolvimento
econômico e social, além de gerar riqueza, investimentos e o aumento da renda dos in-
divíduos. Favoreceria também a melhoria na qualidade da educação básica, sobretudo
pelo fato da menor demanda por recursos para investimentos em infraestrutura física,
em função do menor número de crianças.
Homens Mulheres
Contudo, até o presente momento, o bônus não foi aproveitado. Os gargalos estru-
turais, entre outros, na educação, saúde, saneamento básico, mercado de trabalho e
infraestrutura produtiva, agravados pela implementação de um modelo de desenvolvi-
mento neoliberal, contribuíram para inibir ainda mais a obtenção das vantagens ofere-
cidas pela dinâmica populacional brasileira.
A questão demográfica não fez parte da pauta de ações de nenhum dos governos con-
temporâneos. Quando surgia, o tema sempre esteve associado à dimensão previden-
ciária, num debate enviesado, que buscava jogar para os trabalhadores o problema do
“deficit” até hoje não bem explicitado. Mas ainda resta uma brecha na “janela de opor-
tunidades” que deve e pode ser aproveitada. A proporção entre o número de dependen-
tes em relação ao de trabalhadores seguirá sua trajetória de queda até 2023. E apenas
em 2037 é que essa proporção será tornará inferior entre os jovens do que entre os ido-
sos (ou seja, o número de dependentes jovens em relação ao número de trabalhadores
será menor do que o número de dependentes idosos.
Seguindo o ritmo normal, sem que nenhuma política populacional seja implementada,
a população brasileira reduzirá de tamanho por volta dos meados da década de 2040
(Gráfico 3).
GT DE 19
DEMOGRAFIA E MIGRANTES
(Pop. milhões)
Anos
Fonte: IBGE, Brasil, projeção da população por sexo e grupos e idade, 2.000-2060
Homens Mulheres
Num país com o potencial, as riquezas e a dimensão do Brasil, parece necessário que polí-
ticas públicas sejam implementas para evitar que se confirme o quadro de redução popu-
lacional e o desequilíbrio da estrutura etária, com o aumento desproporcional de idosos.
cial é deficitária nos dias de hoje, o iminente aumento da população idosa agravaria o
problema, levando, no limite, ao esgotamento do orçamento público, que seria todo
consumido com o pagamento de benefícios.
No que diz respeito aos aspectos demográficos, essa forma de olhar a evolução popula-
cional põe em relevo a dimensão negativa do envelhecimento, ignorando por completo
o estágio da transição demográfica que proporciona o maior volume de pessoas em
idade ativa (PIA). Como explicar que, após a retomada do crescimento da economia,
que com altos e baixos seguiu até os anos 2010, exista um possível deficit entre arreca-
dação e despesa na parte da seguridade referente à previdência social? Olhando apenas
o aspecto demográfico, a explicação viria da baixa formalização dessa força de trabalho,
ou seja, no modelo de repartição tem que existir contribuição de quem está economica-
mente ativo para arcar com o pagamento daqueles já aposentados. Se essa contribuição
é baixa ou nenhuma não há reforma que dê jeito, seja qual for o tempo de contribuição
ou a idade mínima, o sistema vai quebrar! Enfim, se o desenvolvimento econômico não
estiver atrelado ao desenvolvimento social, parece não existir muita saída.
O que se omite nessa comparação são as condições que cada um chega aos 65 anos de
idade; em outras palavras, que a expectativa de vida saudável reservada a cada um desses
segmentos estará determinada pela inserção social/laboral ao longo da vida. Assim, aque-
les mais pobres, que enfrentaram trabalhos mais duros, tiveram menos acesso aos serviços
de saúde e ao saneamento básico mesmo tendo chegado aos 65 anos terão pela frente uma
quantidade de anos livres de problemas de saúde menor do que aqueles mais favorecidos.
De forma semelhante, o paralelo que buscam traçar com os países desenvolvidos para
justificar a idade mínima para a aposentadoria integral também é descabido. Estudos
GT DE 21
DEMOGRAFIA E MIGRANTES
apontam que os anos de vida saudável na União Europeia, em 2014, seria de 8,6 anos,
com a proporção de anos nessas condições variando de 19% a 81%. No Brasil, pesquisa
de Szwarcwald et al. (2016), usando dados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013, apon-
ta que o número de anos de vida saudável esperado é de 2,8.
Do ponto de vista das migrações internas, essa aliança entre capital e Estado
redirecionou ou, melhor dizendo, gerou novas rotas migratórias. E, ao precarizar e fle-
xibilizar as relações de trabalho, também colocou em xeque, muitas das vezes, alguma
GT DE 23
DEMOGRAFIA E MIGRANTES
Os anos 2000 começaram ainda com saldo negativo. Já do meio para o final da década,
o que se observou foi o retorno de brasileiros e a chegada de migrantes vindos da Eu-
ropa, dos EUA e da China. Em grande medida, devido à crise econômica que atingiu
principalmente os países capitalistas centrais, destino preferencial da emigração brasi-
leira. Contribuíram também para o aumento do saldo migratório a imigração vinda
dos países sul-americanos, facilitada pelo Acordo de Residência dos Países Membros
ou Associados ao Mercosul; a migração haitiana, favorecida pela concessão de vistos
humanitários; e, em menor medida, o acolhimento aos refugiados sírios, aos imigrantes
africanos do Senegal, República Democrática do Congo, Gana e Angola e dos asiáticos
com origem em Bangladesh.
Esse cenário perdurou até 2014, momento que a crise econômica se instala no Brasil. A
partir daí o que se tem observado é o aumento na saída de brasileiros, para os EUA e a
Europa, e de estrangeiros, combinada à menor atração de imigrantes.
São setores que, por ignorantes, querem surfar na onda xenófoba que assola a Europa.
Contudo, não se dão conta que, em realidade, não passam de racistas e preconceituo-
sos, dado que não manifestam nenhuma resistência aos imigrantes oriundos do Norte
Global, ainda maioria em nosso país.
22,2% dessas áreas, que estão localizadas mais no Centro-Norte. Essas áreas crescem
em função de taxas de natalidade ainda altas e muito por conta da migração, como visto
anteriormente.
Nas Regiões Imediatas, de acordo com o Censo Demográfico de 2010, a situação era
a seguinte:
Tipo 1 (jovem) – O tipo mais jovem aparecia em 46 das áreas investigadas, um pouco
menos de 10% das regiões, todas situadas no Norte e no Nordeste.
26 GT DE
DEMOGRAFIA E MIGRANTES
Tipo 2 (adulto jovem) – Essa faixa etária predomina em 236 das 483 Regiões Imediatas
de Articulação Urbana, distribuídas por todas as Grandes Regiões, com maior partici-
pação relativa no Nordeste e Centro-Oeste. A maior parcela desses espaços atravessa o
que poderia ser chamado de fase intermediária dessa etapa da transição, com o alarga-
mento da população em idade ativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deve ser ressaltado que, uma vez incentivada a migração, será gerado um efeito inercial
que alimentará novos fluxos, seja por estímulos das redes sociais estabelecidas, seja por
pedidos de reunificação familiar.
Neste ponto, nosso desafio será convencer a sociedade que não se está apresentando
mais uma política de colonização de eficácia duvidosa, como foram o “Exército da
Borracha” e a “Marcha para o Oeste”, de Getúlio Vargas, ou aquelas praticadas pelos
governos militares, que visavam ocupar o centro-norte do país. Em suma, pensar o
Brasil não pode estar descolado de um projeto mais amplo de nação, um projeto que
vise alcançar o desenvolvimento econômico e social inclusivo de todos os segmentos
da sociedade brasileira. E isso inclui desafios demográficos que devem ser enfrentados.
REFERÊNCIAS
GLOSSÁRIO
TIPO 1 (JOVEM)
Para as áreas com razão de dependência dos jovens igual ou maior a 50%.
Essa associação direta entre participação política ampliada e defesa dos interesses dos
mais pobres constituiu o núcleo duro da democracia já em sua origem. Podemos con-
siderar que o aprofundamento dessa relação (ampliação do poder político e defesa dos
interesses dos oprimidos) é exatamente o que caracteriza o processo de afirmação per-
manente da democracia. E podemos também afirmar que democracia não é algo aca-
bado. Democracia é processo: é a inclusão permanente de novos segmentos oprimidos
em novos processos de tomada de decisão, sempre acompanhada pelo enfrentamento e
a redução dos elementos de opressão aos quais esses segmentos estão submetidos.
No Brasil, esse processo se deu de forma sempre contraditória, marcada por avanços
e recuos. Ele esteve no centro das lutas sociais que culminaram no golpe de 1964, e
1. Sobre o tema, por todos: BATISTA, ganhou forte impulso a partir do final da década de 70, quando um amplo conjunto de
Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio
de Janeiro: dois tempos de uma história. movimentos sociais, na luta pelo fim da ditadura, transformou o tema da participação
Rio de Janeiro: Revan, 2003.
2 ROBERT, Philipe. El ciudadano, el política num dos elementos centrais que deram sentido às grandes lutas de massas da
delito y el Estado. Barcelona: Atelier,
2003, p. 30. década de 80. A democracia participativa e/ou democracia direta tornou-se um dos
GT DE
ESTADO, DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO POPULAR 33
E REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO
Por outro lado, os defensores do projeto neoliberal tiveram sempre muita consciência
de que a imposição de seu programa só poderia ser garantida através da redução dos ele-
mentos democráticos presentes nos sistemas políticos ocidentais. No Brasil, podemos
citar como exemplos desse cerceamento a Lei de Responsabilidade Fiscal e a autonomia
operacional do Banco Central, bem como a PEC do teto de gastos, aprovada pelo go-
verno golpista de Michel Temer.
Depois dos pequenos avanços observados nos governos federais petistas, o que estamos
presenciando, com Michel Temer na Presidência, é um retorno ao processo de fecha-
mento dos espaços de influência democrática sobre a distribuição da riqueza. É o que
se observa, por exemplo, com o congelamento de gastos públicos.
1. Lutar para reverter a PEC dos gastos, que retira dos governantes eleitos a capaci-
dade de tomar iniciativa política nos campos orçamentário e fiscal. (Ao congelar
3 BINDER, Alberto. Política de seguridad
os gastos, a PEC impediu que políticas voltadas para a resolução dos problemas do y control de la criminalidad. Buenos
povo possam ser implementadas, especialmente no que diz respeito aos gastos com Aires: Ad-Hoc, 2010, p. 12.
4 BINDER, Alberto. Política de seguridad
saúde e educação). …, cit., p. 45.
5 DIETER, Maurício Stegemann. Política
2. Enfrentar eventuais iniciativas voltadas para o aprofundamento da autonomia do criminal atuarial: a criminologia do fim
Banco Central. (Somente aquelas pessoas que receberam mandato do povo, através da história. Rio de Janeiro: Revan, 2013.
GT DE
34 ESTADO, DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO POPULAR
E REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO
do voto, devem ter o direito de tomar decisões sobre a moeda e a taxa de juros; a
vontade popular busca sempre o desenvolvimento e o emprego).
3. Barrar qualquer iniciativa destinada a esvaziar a autoridade da Presidência da Repú-
blica em favor do Congresso Nacional. (É fundamental garantir a decisão soberana
do voto popular, tal como está previsto no resultado do plebiscito de 1993, que
rejeitou o parlamentarismo).
4. Garantir a realização de eleições presidenciais em 2018 e impedir manobras que
restrinjam a participação de candidaturas do campo popular.
5. Lutar contra o desmonte dos mecanismos institucionais de participação popular.
6. Associar sempre as lutas colocadas pela conjuntura, por exemplo as reforma da pre-
vidência e trabalhista, com a luta pela necessária reforma democrática do sistema
político.
PREPARANDO A CENA
Para que aquelas transformações ocorressem, foi decisivo o esforço de melhoria da ca-
pacidade de gestão do Estado brasileiro, o que incluiu diversas iniciativas, desde o
fortalecimento das carreiras típicas do Estado, como a valorização e o aumento do con-
tingente de servidores públicos, as inovações normativas que aumentaram a transparên-
cia e o controle social _como a Lei de Acesso à Informação, o Marco Regulatório das
Organizações da Sociedade Civil, o Regime Diferenciado de Contratação para obras e
serviços –, passando por novos arranjos institucionais, como o consórcio público, bem
como ações de inclusão, como a busca ativa para qualificação do Cadastro Único das
Políticas Sociais, entre outras iniciativas inovadoras, especialmente na área da gestão da
saúde e da educação.
Para que o Brasil possa aprofundar esse projeto político, no qual o Estado possui papel
central para o desenvolvimento nacional e cada cidadão se sente parte ativa, é neces-
sário avançar nas transformações do arcabouço institucional, o que demanda novas
formas de se fazer e se pensar o Estado.
O Brasil está organizado como um Estado Federal, mas como uma Federação muito
peculiar no mundo, pois é a única que reconheceu os municípios (nível local) como
entes federativos na sua Constituição. A República Federativa do Brasil é, portanto,
formada pela união indissolúvel dos 26 estados, 5.568 municípios e o Distrito Federal.
GT DE
FEDERALISMO E 39
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Além disso, o Brasil adotou um modelo federativo cooperativo, onde muitas compe-
tências são comuns, ou seja, devem ser exercidas de forma conjunta pelas diferentes
esferas de governo.
Essa característica trouxe, por um lado, enormes avanços democráticos com a amplia-
ção de serviços e o aperfeiçoamento dos canais de controle e participação social, que
contribuíram para a nossa, ainda precária, democratização, uma vez que o município
está mais próximo do cidadão e é capaz de atender às especificidades de cada região.
Por outro lado, também trouxe mais complexidade às nossas relações federativas, pois a
concertação das políticas públicas nacionais precisa ser feita entre três diferentes níveis
de governo, todos autônomos entre si.
O Governo Lula inaugurou uma nova relação com estados e municípios. Uma relação
mais republicana, que não tomou os vínculos partidários como critérios de decisão
para a articulação federativa, e foi capaz de qualificar as relações intergovernamentais e
pactuar políticas públicas de forma institucional, considerando cada município como
parceiro estratégico do desenvolvimento do país.
Essa nova relação ganhou densidade ao longo de 13 anos (2003 - 2015) e produziu ga-
nhos efetivos, principalmente para os municípios, como a ampliação da base tributária
própria, com revisão da lei do Imposto sobre Serviços (ISS)1; a transferência aos muni-
cípios da arrecadação integral do Imposto Territorial Rural (ITR)2; o aumento de mais
2% da parcela do Fundo de Participação dos Municípios (FPM)3; o repasse direto do
Salário Educação e a criação do Simples Nacional, que unificou os tributos das médias
e pequenas empresas.
O diálogo com os municípios também contribuiu para aprovar diversas leis que favore-
ceram os investimentos públicos e privados nos territórios. Alguns exemplos: o parce-
lamento das dívidas previdenciárias, a Lei dos Consórcios Públicos, a Lei das Parcerias
Públicas Privadas (PPP), a Política Nacional de Saneamento, o Sistema e o Fundo
Nacional de Habitação de Interesse Social e, mais recentemente, a Política Nacional de
Resíduos Sólidos.
Por isso, qualquer proposta de Reforma Federativa deve levar em conta o enfrentamen-
to dessas desigualdades e o papel na União na redistribuição equitativa dos recursos no
território nacional, bem como, incentivar instrumentos de cooperação federativa e so-
lidariedade territorial, como os consórcios públicos e colegiados regionais ou setoriais.
Nesse sentido, são inúmeras as propostas de repartição das receitas públicas, todas sob o
argumento da concentração dos recursos pela União. É inegável a concentração oriunda
do regime militar e da criação das chamadas contribuições nos anos 90, mas também
é importante ressaltar o papel dos investimentos federais estratégicos que impulsiona-
ram o crescimento do País e o eficiente combate à desigualdade. Sem uma estratégia
nacional e os correspondentes recursos para isso, o País não teria atingido os níveis de
inclusão social e geração de renda alcançados.
Por isso, faz-se necessária uma repactuação da Federação brasileira sob as seguintes
bases: aprofundamento dos ganhos acumulados nos Governos Lula e Dilma pelos esta-
dos e municípios; fortalecimento dos instrumentos de cooperação federativa e sistemas
nacionais das políticas setoriais, como o SUS; descentralização de recursos e compe-
tências, que possibilite mudanças graduais e mais profundas e o compromisso com a
redução das desigualdades regionais e sociais.
A partir dessas bases, o item central para o ajustamento do pacto federativo no Brasil
é a reforma tributária. É preciso destacar não apenas a necessidade de progressividade,
mas também a simplificação do sistema e a centralização do processo de arrecadação
e de sua fiscalização. Defende-se, portanto, a existência de três tributos: um sobre a
propriedade (imóveis, automóveis, embarcações, dinheiro etc); um sobre a renda (sa-
lários, honorários, dividendos, lucros etc); e outro sobre o valor agregado (comércio, e
circulação de mercadorias, indústria, serviços etc). Os tributos poderiam ser cobrados
pelos níveis maiores (algo a ser estudado e pactuado, com vistas à eficiência e à redução
de personalismos) e, do montante arrecadado, deveria-se ampliar o percentual de com-
partilhamento com os entes subnacionais.
Não se trata, portanto, de propor soluções a priori para a articulação federativa em cada
uma das políticas públicas existentes ou demandadas pela população, mas de suspender
pressupostos fixados no Estado por uma lógica neoliberal que orienta práticas e normas
estatais a atuações tímidas e concentradoras. Trata-se, assim, de reacender um debate
federativo capaz de levar as esperanças de um país mais justo, solidário e sustentável a
cada uma das localidades brasileiras – cada uma com sua distinta realidade social – e
elevar os sentidos de nação soberana e de autodeterminação popular como base das
ações coletivas do país, o que está cada vez mais ameaçado no mundo, e mais acentua-
damente no Brasil pós-golpe.
Como resultado desse processo, forjou-se um Estado orientado para o “não fazer”, bu-
rocratizado em seus procedimentos, cheio de controles que travam qualquer impulso
transformador, autoritário em seus métodos, eficientíssimo em preservar o status quo e
solapar direitos individuais e sociais, além de obliterar os objetivos constitucionais. A
GT DE
44 FEDERALISMO E
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A reforma do Estado levada a cabo por FHC e Bresser se deu sob o solo “fértil” do senso
comum absorvido pela opinião pública, ou opinião publicada fortemente privatizada,
numa simbiose estratégica entre os oligopólios midiáticos nacionais e internacionais
num quadrante histórico em que a imposição do neoliberalismo ao mundo era um
“comando central”. Assim, os valores e representações do neoliberalismo “coincidiram”
com os da sociedade. Os elementos da narrativa da história brasileira semeada no
imaginário coletivo tais como, por exemplo, a representação da corrupção endêmica na
vida pública como principal problema nacional deram sentido à delapidação do patri-
mônio público e das capacidades estatais.
É verdade que os governos Lula e Dilma ousaram enfrentar vários dos nós críticos
do Estado brasileiro – planejamento e orçamento participativo, cotas raciais, ProUni,
Fies, Bolsa Família, PAC, RDC, fortalecimento do SUS e do SUAS, políticas para
as mulheres, Pronatec -e inúmeros outros exemplos podem ser apontados. Contudo,
também é verdade que muitos dos gestores destes governos incorporaram princípios
neoliberais, sobrevalorizaram os receituários do mercado para a solução dos problemas
da administração pública, e reforçaram, muitas vezes, estruturas do Estado resistentes
à transformação social. Não disputamos como deveríamos os métodos de seleção e for-
mação de servidores públicos, não conseguimos alterar os fundamentos de uma política
econômica orientada para interesses rentistas e do mercado de capitais estrangeiro; não
aprofundamos a reforma agrária; não alteramos significativamente as normas de gestão
orçamentária e financeira; não disputamos as reformas políticas, tributária, do judiciá-
rio, dos meios de comunicação etc.
Dentre outros aspectos, o golpe irrompido em 2016 revela a fragilidade das gestões à es-
querda na disputa interna das burocracias e até de parcela da população. Aumentamos
salários e benefícios, realizamos concursos públicos, valorizamos os servidores em geral,
mas não fomos capazes de politizá-los, de vaciná-los contra o poder midiático. Por
outro lado, grande parte da população brasileira, que tanto se beneficiou das gestões
capitaneadas pelo PT à frente do governo federal, ficou apática para defender a presi-
denta Dilma diante do golpe – deixou-se abater ou contaminar por um barulho da elite
que havia perdido as eleições. A crise econômica, juntamente com a manipulação de
informações promovida, sobretudo, pelos grandes meios de comunicação, mas também
por agentes da oposição nas redes sociais, foi capaz de desmobilizar a massa popular que
elegeu Lula e Dilma quatro vezes consecutivas para governar o país.
Num Estado capitaneado pela esquerda por 13 anos havia - e há - atores poderosos:
servidores concursados e ocupantes de cargos altos no executivo, nos órgãos de con-
trole, no judiciário e no parlamento, que utilizaram regras da gestão orçamentária e
financeira, leis, normas e ritos de processos administrativos, legislativos e judiciários,
tudo para fazer política antipopular. As circunstâncias parecem reforçar a urgência de
uma maior reflexão da esquerda brasileira sobre o Estado e suas entranhas, seus ritos e
procedimentos internos, sua constituição e orientação ideológica, suas possibilidades e
limites.
Em segundo, é preciso dar atenção remoção das travas à ação estatal colocadas pelas
elites, sobretudo sob a ideologia neoliberal, e estabelecer condições para a implantação
de arranjos que viabilizem a execução e aprimoramento das políticas voltadas à garantia
de direitos, à promoção da inclusão social e à redução de desigualdades. De fato, apesar
das melhorias alcançadas nos últimos anos, a Administração Pública no país ainda é
marcada pelo emaranhado de mecanismos que emperram a ação do Estado e afastam-
-no da influência popular.
As diversas gestões consideradas bem-sucedidas dos partidos de esquerda, nos três ní-
veis da federação, são um indicativo de que há quadros de esquerda com graus elevados
de capacidade de governo, apesar das críticas quanto a atitudes autoritárias, colonizadas
ou elitizadas que podem demonstrar certo déficit de introjeção dos princípios da auto-
determinação popular. Entretanto, é imprescindível considerar que muito foi feito, e
que há muito por fazer nos espaços onde a esquerda brasileira já governa, e que há uma
necessidade crescente de quadros qualificados nas comunidades, na execução de servi-
ços públicos, nos cargos de gestão, nas assessorias legislativas e judiciárias e nos cargos
políticos, de fiscalização e magistratura, que sejam capazes de compreender, engajar-se,
e garantir a implementação do nosso projeto político de emancipação popular.
GT DE
FEDERALISMO E 47
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A orientação pelo lucro – ou para uma única dimensão da vida coletiva –– no âmbito
do Estado é incompatível com uma ética verdadeiramente cidadã. Por isso, é impor-
tante que as esquerdas que realmente pleiteiam ocupar posições de liderança para cons-
truções coletivas, a partir do Estado e da sociedade civil, para promover o combate às
desigualdades e construir um Brasil justo e solidário, plural e cidadão, não caiam no
canto da sereia de “mercadores de soluções de mercado” para problemas que, em geral,
envolvem questões sociais muito mais complexas. É preciso ter claro que o uso de técni-
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48 FEDERALISMO E
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
[...] nós vivemos num país que às vezes repercute aquilo que já foi no passado, o chamado pen-
samento único dos teóricos de uma globalização excludente. É o que eu chamo de fetichização
da Gestão. Tem alguns que já defenderam antes o divórcio da economia da política, que hoje
defendem o divórcio da gestão da política, como se a gestão fosse auto-justificável, como se a
vida, como se o espaço público fosse uma sala de cirurgia, perfeitamente isenta de qualquer
germe, anódina. A vida pública é a vida do conflito, é a vida da disputa.
A ferramenta de gestão é indispensável. Ela é fundamental, mas atrás da ferramenta tem que ha-
ver a política, porque a política é o ato de escolher. Se a política é ruim, não há Fundação Getúlio
Vargas, não há MIT, não há prêmio Nobel de economia que seja capaz de produzir uma teoria de
gestão que transforme uma política ruim em política boa, que transforme uma visão de mundo
excludente numa visão compartilhada, que abra mão da concentração de renda em benefício da
distribuição dos benefícios para todos os habitantes de um espaço político de uma Nação.
Nas últimas eleições presidenciais, mas também em grande parte das eleições estaduais
e municipais, houve um embate claro entre dois projetos políticos diferentes. Enquanto
nós defendemos que os desafios do país passam pela ampliação das conquistas sociais
5. Trecho do discurso do ex-governador
Marcelo Déda realizado no lançamento
que viabilizam o crescimento com redução de desigualdades, os principais adversários
de novas ações do Brasil Sem Miséria, afirmavam que o principal problema do Brasil era a ineficiência da gestão pública. A
no dia 19 de fevereiro de 2013, no
Palácio do Planalto. forma rasa com a qual posicionaram o debate sobre a gestão cumpriu o objetivo de
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FEDERALISMO E 49
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Diante disso, é importante saber conduzir o debate sobre a gestão pública, revelando os
problemas que enfrentamos e a necessidade de respaldo popular para que avancemos,
desmistificando o fetiche em torno do assunto, valorizando as soluções construídas
coletivamente e de forma plural e propondo novos horizontes (de sonho e esperança)
inspirados nas administrações da esquerda brasileira, latino-americana e mundial dos
últimos anos, mas ressaltando, ainda, a necessidade de respaldo popular e construção
coletiva de programas, projetos, métodos e práticas de governo, e de preparar as comu-
nidades e os servidores públicos para os desafios dos mandatos e jurisdições.
GT DE
SEGURIDADE
E PREVIDÊNCIA SOCIAL
GT DE
52 SEGURIDADE E
PREVIDÊNCIA SOCIAL
A partir do final dos anos de 1970, a ideologia neoliberal ganha expressão no cenário inter-
nacional. Esse movimento criou condições favoráveis para a ruptura dos compromissos se-
lados nos “anos dourados” de capitalismo regulado. Essa ascensão inicia-se nos anos 1960,
quando as teses de Hayek e Milton Friedman e de tantos outros começaram a ganhar
espaço nas universidades norte-americanas. O decisivo da passagem da teoria para a prática
ocorreu com a chegada ao poder das forças liberal-conservadoras, a partir da vitória elei-
toral de Thatcher (Reino Unido, 1979), Reagan (EUA, 1980) e Kohl (Alemanha, 1982).
versus universalização; assistência versus direitos; seguro social versus seguridade social;
mercantilização versus serviços públicos; contratos flexíveis versus direitos trabalhistas
e sindicais. Neste cenário, procurou-se impor a focalização “nos mais pobres” como a
única política social possível. Poucos percebem a funcionalidade desses programas para
o ajuste macroeconômico, pois são relativamente mais baratos (0,5% do PIB) que po-
líticas universais (Previdência Social, por exemplo, 8% do PIB).
A tática ideológica enaltece as supostas virtudes desses programas, que visavam pavi-
mentar o caminho para as reformas que desconstruíssem as políticas universais. Além
do ajuste fiscal, a estratégia abre as portas para a privatização dos serviços. Ao Estado
cabe somente cuidar dos “pobres” (aqueles que recebem até dois dólares por dia). Os
que estão “acima” dessa arbitrária “linha de pobreza” (a “nova” classe média?), precisam
buscar no mercado privado os serviços sociais que necessitam.
O poder público não organizou a Seguridade Social, como rezam os artigos 165,
194, 195 da Constituição (e o artigo 59 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias).
O Executivo jamais apresentou e executou o Orçamento da Seguridade Social
(art. 195) rigorosamente como reza a Carta Magna.
O Executivo jamais instituiu o Conselho Nacional da Seguridade Social, mecanis-
mo de controle social previsto no art. 194.
Desde 1989, o Ministério da Previdência não considera a previdência como parte
Seguridade Social. Interpreta que as contribuições dos empregadores e trabalha-
dores urbanos devem ser suficientes para custear os benefícios previdenciários ur-
banos e rurais. Nenhum centavo da Contribuição Sobre o Lucro Liquido (CSLL)
e da Constribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), cria-
das em 1988 para financiar a Seguridade Social (artigo 195 da CF) sãp contabili-
zados como receita da Previdência Social.
Este processo de destruição do Estado Social pela asfixia financeira está sendo ence-
nado, em seis atos principais:
Será preciso também enfrentar a questão do suposto “deficit” pela alteração da for-
ma de contabilização das contas do RGPS considerando, nos termos dos artigos
194 e 195 da Constituição, os recursos da Cofins, da CSLL e parte do PIS/Pasep
como contribuição do governo para o financiamento da Previdência.
Será preciso, além disto, extinguir a Desvinculação das Receitas da União (DRU),
criada em 1994 e renovada continuamente e acabar com as renúncias tributárias
que incidem sobre o Orçamento da Seguridade Social. Esses mecanismos subtraem
anualmente da Seguridade Social aproximadamente R$60 bilhões e R$160 bilhões,
respectivamente.
Nos anos de 1970, o próprio regime militar (1964/85) empreendeu medidas no sen-
tido de adequar a estrutura produtiva à realidade da 3ª Revolução Industrial (II Plano
Nacional de Desenvolvimento, 1975/79). A última iniciativa consistente neste sentido
ocorreu em 1982 com o documento “Esperança e Mudança”, elaborado pelo MDB.
GT DE
62 SEGURIDADE E
PREVIDÊNCIA SOCIAL
Nunca é demais repetir que cada ponto percentual de aumento da taxa de juros básicos
da economia é uma meta a menos do Plano Nacional de Educação que deixará de ser
cumprida; que não se fará reforma agrária no Brasil sem que as mazelas do sistema polí-
tico e da mercantilização do voto sejam enfrentados – como evidenciadas na eleição da
bancada do agronegócio com mais de duas centenas de representantes; que, em apenas
um dia, os direitos trabalhistas e sindicais conquistados no Século XX foram destruídos
sem que houvesse mobilização, à altura da gravidade da situação, por parte dos diversos
5. Maria da Conceição Tavares.
“Resistir para avançar. O resto é
movimentos sociais, enredados em seus labirintos específicos e tópicos; e, que as Refor-
arrocho”. Entrevista a Saul Leblon, mas Previdenciária e Tributária, que tramitam no Congresso Nacional, não enfrentem a
Carta Maior, 11/06/2014. http://
www.cartamaior.com.br/?/Editorial/ oposição ferrenha desses movimentos, mesmo que essas reformas representem o ultimo
Maria-da-Conceicao-Tavares-Resistir-
para-avancar/31125 suspiro do Estado Social conquistado em 1988 e aperfeiçoados posteriormente.
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SEGURIDADE E 63
PREVIDÊNCIA SOCIAL
CADERNO DE DEBATES
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