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José do RJ
A partir das leituras feitas até o momento, pude concluir que as irmandades
religiosas eram instituições fundamentais na sociedade colonial. Charles Boxer foi o
primeiro autor a criar uma tese sobre a expansão portuguesa do século XVI que
envolvesse as irmandades. A sua conclusão de que as misericórdias e as câmaras
municipais foram as instituições que deram coesão ao Império Ultramarino Português se
tornou clássica na historiografia e foi apresentada no livro O Império Marítimo
Português 1415 – 1825 lançado em 1969.
Boxer trata das misericórdias, mas a sua argumentação pode ser estendida para
as irmandades porque as Santas Casas de Misericórdia são consideradas um tipo de
irmandade leiga.
As irmandades negras são aquelas em que a sua função social é mais evidente,
mas o autor considera que todas servem para garantir a vigência da ordem social. Por
meio delas, a Igreja teria maior capilaridade para doutrinar a população, pregava-se o
respeito à Coroa e a hierarquia entre as irmandades ajudaria na manutenção da estrutura
social vigente. Uma irmandade de brancos possuía mais prestígio que a de pardos que,
por sua vez, era mais bem vista que a de negros. As relações entre as irmandades
refletem e reproduzem a hierarquização e as tensões sociais.
Outro ponto importante levantado por Boschi é o fato de que, em Minas Gerais,
as ordens religiosas foram proibidas de entrar a nova capitania. Isso se soma à
debilidade que o autor atribui à estrutura eclesiástica no Brasil colonial e explicaria o
dato de o catolicismo ter chegado na região por meio dos leigos e algumas
características da religiosidade popular da região.
Beatriz Catão e Mônica Martins também são autoras importantes para o estudo
das irmandades. Ambas se apoiam em Boschi para descrever a origem destas
instituições. As irmandades estão relacionadas às corporações de ofício medievais,
formas de associação mútua em que praticantes de um ofício proviam as necessidades
uns dos outros. Numa sociedade em que não existiam garantias de que após a velhice ou
em momentos de enfermidade as pessoas continuariam a prover a sua subsistência, a
ajuda mútua foi a forma encontrada de resolver esse problema. Em Portugal, os laços
associativos se formavam for vizinhança ou pelo exercício de um mesmo ofício. Este
processo está relacionado com as transformações sociais, econômicas a partir dos
séculos XI e XII e com a expansão urbana neste período.
A relação entre estas três categorias era regida pelo compromisso da irmandade,
que dizia a idade mínima para que um mestre aceitasse um aprendiz, a quantidade de
aprendizes por mestres, o tempo de aprendizado e as regras para a aplicação do exame
do ofício pelo juiz de ofício, quem poderia se juntar à irmandade, etc. No caso da
irmandade de São José, existiram quatro compromissos, o de 1655, o de 1684, o de
1709 e o de 1843. Todos tratavam destes assuntos, mas havia algumas nuances entre
eles. Lembrando que o fato de somente aqueles associados à irmandade de São José
poderiam exercer os ofícios que representava fazia com que este mercado ficasse
fechado a um determinado grupo, o qual era bastante bem definido, pois o compromisso
era explícito em relação a quem não poderia participar da irmandade, por exemplo os
negros.
A face política das irmandades se dava pela relação desta instituição com as
administrações locais. Esta era uma relação tensa, pois envolvia o controle do mercado
de trabalho e das obras de cada ofício. Assim, as câmaras municipais costumavam tentar
controlar as irmandades, enquanto os mestres e oficiais tentavam angariar espaço no
senado da câmara, onde poderiam fazer valer seus interesses e garantir melhores
condições de inserção na economia local, influenciando, por exemplo, os preços de suas
obras, a definição de seus salários e garantindo a exclusividade do mercado. Em Lisboa,
isso era conseguido pela Casa dos Vinte e Quatro, instituição que abrigava 2
representantes de cada ofício urbano, cujo presidente tinha assento no senado da câmara
da cidade.
Já a face religiosa permeia todas estas questões. Ela é tão importante que está
presente em quase todos os artigos dos compromissos de uma irmandade. As
irmandades eram dedicadas a um santo, logo, seus membros eram responsáveis pelo
culto ao seu santo patrono. Os irmãos também eram obrigados no compromisso a seguir
as obrigações cristãs, como a ida à missa, a participação das procissões, a organização
das festas dos seus santos patronos e a execução dos ritos fúnebres para a chamada boa
morte.
Além disso, a fiscalização das obras dos oficiais e mestres pela irmandade de
São José era justificada pelo argumento de que o trabalho bem feito servia ao bem
comum, num discurso que assumia matizes religiosos. A ajuda mútua entre os oficiais
também era justificada pela religião, pois era considerada uma forma da caridade.
Ainda preciso ler alguns textos separados sobre a irmandade de São José, sendo
alguns de Catão (um deles sobre a Festa do Corpo de Deus), um de Monica Martins e
outro de Marcis Bonnet sobre pintores e entalhadores no RJ do século XVIII em que ela
trabalha questões da prática dos ofícios e seus significados.
Um ponto que surgiu durante as leituras, mas que ainda não pude aprofundar, foi
a prática do ofício mecânico e a mobilidade social numa sociedade de Antigo Regime.
Roberto Guedes e Laima Mesgravis tratam disso, mas talvez seja necessário buscar
mais bibliografia. Também pode ser interessante ler as formulações de alguns
medievalistas sobre o trabalho na Idade Média, pois Catão afirma em alguns artigos,
baseada em Le Goff, que existem permanências entre o significado do trabalho na Idade
Média e no Brasil Colonial.