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Viagens na minha terra

(1846)

Almeida Garrett
PUBLICAÇÃO: FOLHETINS

* Revista Universal Lisbonense

* 1843 e 1845-46
PORTUGAL: 1ª METADE DO SÉC. XIX

LIBERALISMO ABSOLUTISMO

constitucionalistas miguelistas

D. Pedro D. Miguel

(Honoré Daumier)
PORTUGAL: 1ª METADE DO SÉC. XIX
* guerra civil: 1832-1834

* vitória liberal

* Liberalismo: divisão interna

* 1842: ditadura Costa Cabral

* Garrett na oposição
Costa Cabral
PORTUGAL: 1ª METADE DO SÉC. XIX

* Passos Manuel (“M.P.”)


* líder da oposição

* viagem: julho de 1843

Manuel, Garrett, Herculano e José Estevão


(Columbano Bordalo Pinheiro, 1926)
RELATO DE VIAGEM
(DE LISBOA A SANTARÉM)

AZAMBUJA

VILA FRANCA CARTAXO


PERCURSO: A “MINHA TERRA”
* narrador: 1ª pessoa

* identifica-se com Garrett

* de Lisboa a Santarém
(80 km)

* Santarém: cidade histórica


* “livro de pedra”
VIAGENS
digressão: “ato ou efeito de se afastar, de ir para
longe do lugar onde se estava; divagação, viagem,
excursão.”
Dicionário Houaiss
* digressões: observações, reflexões

* diálogos com o leitor

* metalinguagem
* referências literárias
VIAGENS

ESPIRITUALISTA MATERIALISTA

teorias, abstrações lucro, pragmatismo

DOM QUIXOTE SANCHO PANÇA


VIAGENS
CAMPONESES MARINHEIROS

sedentários nômades

“qual é que tem mais força, se é um touro ou se é o mar.”


VIAGENS
“Todo o drama e todo o romance precisa de:
Uma ou duas damas,
Um pai,
Dois ou três filhos de dezenove a trinta anos,
Um criado velho,
Um monstro encarregado de fazer as maldades,
Vários tratantes, e algumas pessoas capazes para
intermédios.”
* Romantismo: clichês

* recusa da exacerbação romântica


VIAGENS

* fidelidade ao real

* “Nada
* “Rien
é tão
n’est
belo
beau
quanto
que lea verdade.”
vrai.”
VIAGENS
“Quero procurar no reino das sombras não menor pessoa
que o marquês de Pombal; tenho que lhe fazer uma
pergunta séria [...].
– Por que mandou V. Exa. arrancar as vinhas do Ribatejo?
[...]
– Agora quem bebe por lá todo esse vinho?”

* descida ao mundo dos mortos


VIAGENS
“O Vale de Santarém é um
destes lugares privilegiados pela
natureza, sítios amenos e
deleitosos em que as plantas, o
ar, a situação, tudo está numa
harmonia suavíssima e perfeita;
não há ali nada grandioso nem sublime, mas há uma como
simetria de cores, de sons, e disposição em tudo quando se
vê e sente, que não parece senão que a paz, a saúde, o
sossego do espírito e o repouso do coração devem viver ali,
reinar ali um reinado de paz e benevolência.”
* Vale de Santarém: visão idealizada
VIAGENS
“Para mais realçar a beleza do quadro, vê-se por entre um
claro das árvores a janela meio aberta de uma habitação
antiga, mas não delapidada [...]. A janela é larga e baixa;
parece mais ornada e também mais antiga que o resto do
edifício, que todavia mal se vê... * narrador: conduzido
Interessou-me aquela janela. pela natureza
Quem terá o bom gosto e a fortuna de morar ali? Parei e
pus-me a namorar a janela.
Encantava-me, tinha-me ali como num feitiço.”
* devaneio
HISTÓRIA
IST RIA DA
“MENINA DOS ROUXINÓIS
ROUXIN IS”
NARRADOR

* 3ª pessoa

* apropria-se de narrativa ouvida na viagem

* exploração do mistério
TEMPO DA AÇÃO
* Guerra civil (período 1832-1834)

* avanço de tropas liberais

* Santarém: reduto de miguelismo


* beleza relativa JOANINHA
“Joaninha não era bela, talvez nem galante, sequer no
sentido popular e expressivo que a palavra tem em
português; mas era o tipo da gentileza, o ideal da
espiritualidade. Naquele rosto, naquele corpo de dezesseis
anos, havia, por dom natural e por uma admirável simetria
de proporções, toda a elegância nobre, todo o desembaraço
modesto, toda a flexibilidade graciosa que a arte, o uso e a
conversação da corte e da mais escolhida companhia vêm a
dar a algumas raras e privilegiadas criaturas do mundo.”
* associação com Vale de Santarém
* excepcionalidade
JOANINHA
* representação do tipo português

[...] Joaninha não estava ali sem o seu mavioso


companheiro.”
* associação com rouxinol

“O pé, breve e estreito; o que se adivinhava da perna,


admirável.”
* sensualidade
FRANCISCA
“A velha sorriu aquele sorriso satisfeito que exprime os
tranquilos gozos da alma, e que parecia dizer: – “Como eu
sou feliz ainda, apesar de velha e cega! Bendito sejais, meu
Deus.”
* definida pela fé
FRANCISCA

ESPOSA FILHO FILHA ESPOSO

JOANINHA CARLOS

afogamento parto afogamento

MORTES
FREI DINIS * passado
“– Mas que é? Olha, Joana; eu sinto passos na estrada ; vê o
que é.
– Não vejo ninguém.
– Mas ouço eu... Espera, é Frei Dinis; conheço-lhe os passos.
Mal a velha acabou de pronunciar este nome, surdiu, de
trás de umas oliveiras que ficam na volta da estrada, da
banda de Santarém, a figura seca, alta e um tanto curvada
de um religioso franciscano [...].”

* tradição * peso, culpa


* mistérios
FREI DINIS

MORTES DESAPARECE DINIS DE ATAÍDE

REAPARECE COMO FREI DINIS

* fortuna: doada a Francisca

* visitas todas as sextas-feiras


FREI DINIS
“Todo o poder estava em Deus, que o delegava ao pai
sobre o filho, daí ao chefe da família sobre a família, daí a
um desses sobre todo o Estado, mas para o reger segundo o
Evangelho [...].” * poder = Deus

“O chamado liberalismo, este entendia ele: ‘Reduz-se, dizia,


a duas coisas: duvidar e destruir por princípio; adquirir e
enriquecer por fim: é uma seita toda material, em que a
carne domina e o espírito serve; tem muita força para o
mal’.”
* anti-liberal
FREI DINIS

* Carlos parte para o exílio (1830)

* cegueira de Francisca: trauma


A GUERRA SE APROXIMA

* 1833: avanço liberal

* Joaninha: a “menina dos rouxinóis”


A GUERRA SE APROXIMA
“Tudo
“O Valeestava feio e torpe;
de Santarém é um tudo
destesera ruína,privilegiados
lugares desolação e
morte em torno da casa do vale, agora transformada em
pela natureza, sítios amenos e deleitosos [...]”
quartel e reduto militar.”

* Santarém: espaço da guerra


CARLOS
“– Os olhos, pardos e não muito grandes, mas de uma luz e
viveza imensa, denunciavam o talento, a mobilidade do
espírito – talvez a irreflexão... mas também a nobre
singeleza de um caráter franco, leal e generoso, fácil na ira,
fácil no perdão, incapaz de se ofender de leve, mas
impossível de esquecer uma injúria verdadeira.
[...] a mobilidade e a gravidade eram os dois polos desse
caráter pouco vulgar e dificilmente bem entendido.”
* passionalidade
* excepcionalidade
CARLOS
“Carlos estava quase como os mais homens... Ainda era
bom e verdadeiro, no primeiro impulso de sua natureza
excepcional; mas a reflexão descia-o à vulgaridade da
fraqueza, da hipocrisia, da mentira comum.”

cálculo espontaneidade

* reencontro com Joaninha


RELATO DE VIAGEM
(EM SANTARÉM)

TÚMULO DE IGREJA DA GRAÇA


IGREJA DA ALCÁÇOVA
PEDRO ÁLVARES CABRAL
CRÍTICAS A PORTUGAL

“[...] outro, finalmente, [crê] na beleza e realidade do


sistema constitucional que felizmente nos rege.”
* ironias políticas

“Não se descreve por outro modo o que esta gente,


chamada governo, chamada administração, está fazendo e
deixando fazer há mais de um século em Santarém.”
* descaso cultural
* restaurações mal feitas
LENDA DE SANTA IRIA
* Santa Iria (ou Santa Irene):
origem do nome Santarém

* primeira versão: * segunda versão:


morta por resistir morta por homem
a ataque sexual rejeitado
APOLOGIA DA CULTURA POPULAR

“Assim o povo, que tem sempre melhor gosto e mais puro


do que essa escuma que anda ao de cima das populações, e
que se chama a si mesma por excelência a Sociedade [...].

“[...] o povo, o povo povo, está são; os corruptos somos nós,


os que cuidamos saber e ignoramos tudo.”

* povo: guardião de valores e tradições


HISTÓRIA
IST RIA DA
“MENINA DOS ROUXINÓIS
ROUXIN IS”
VITÓRIA LIBERAL
* Carlos ferido

* tratamento: Convento de
São Francisco

Convento de São Francisco


* beleza física GEORGINA * refinamento
“[...] uma bela mulher, de estatura não acima de ordinária,
mas nem uma linha menos, envolvida nas amplíssimas
pregas de um longo roupão de seda, [...] a cabeça, toucada
de finíssima Bruxelas [...] e a pureza simétrica de um rosto
oval, clássico, perfeito, sem grande mobilidade de
expressão, mas belo, belo quanto pode ser belo um rosto
em que pouco da alma se reflete, e em que a serena
languidez de uns olhos azuis entibia e modera a energia do
sentimento, que não é menos profundo talvez, mas
certamente se expande menos.”
* sentimentos contidos
A REVELAÇÃO
“– Padre, padre! E quem assassinou meu pai, quem cegou
minha avó, e quem cobriu de infâmia a minha... a toda a
minha família?
– Tens razão, Carlos, fui eu; eu fiz tudo isso: mata-me.
Mas – oh! – mata-me, mata-me por tuas mãos, e não me
maldigas. Mata-me, mata-me. É decerto da divina justiça
que seja assim. Oh! Assim, meu Deus... às mãos dele,
Senhor! Seja, e a vossa vontade se faça...”
A REVELAÇÃO
“– Este homem vai morrer, Carlos; e tu hás de o deixar
morrer assim, meu Carlos?
[...]
– Carlos, meu Carlos, perdoa também... – Oh! – perdoa a
memória de tua desgraçada mãe!
[...]
– Demônio! Demônio encarnado em figura de homem,
que vieste recordar-me? Dizias bem, ainda agora, monstro!
Só às minhas mãos deves morrer! E há de!
[...]
A REVELAÇÃO

“– Filho, meu filho! – arrancou a velha, com estertor do


peito – É teu pai, meu filho. Este homem é teu pai,
Carlos.
* dramaticidade
A REVELAÇÃO
* Carlos: origem revelada aos poucos
“[...] o teu [de Frei Dinis] sacrifício é como o de Abraão na
montanha, e Deus sabe que tu não tens força para o
cumprir.”

“– [...] mas não me franzas nunca mais a testa, assim, que te


pareces todo... É que nunca vi tal parecença...
– Com quem?
– Com frei Dinis.”
A REVELAÇÃO
* inocência de Dinis
“– Ambos se juntaram para me assassinar e me
acometeram atraiçoadamente na charneca. Não os
conheci; foi de noite, escura e cerrada. Defendi-me, sem
saber de quem, e tive a desgraça de salvar a minha vida à
custa da deles. [...]”

* Carlos: fuga

* três dias depois: carta


RELATO DE VIAGEM
(RETORNO A LISBOA)

IGREJA DE SÃO DOMINGOS


IGREJA DO SANTO MILAGRE
O SANTO MILAGRE
“Escuso contar a história do Santo Milagre de Santarém,
que toda a gente sabe.”

* lenda religiosa (séc. XIII)

* hóstia que sangra


Custódia contendo
a hóstia sagrada
SÃO FREI GIL

* santo português

* túmulo retirado e preservado

* participação de Frei Dinis na ação


A VIAGEM DE VOLTA
“Ralhamos muito da sociedade portuguesa; exaltamos Paris
e Londres e não sei se Pequim e Nanquim também, e
concluímos que antes Timbuku, do que a secante capital
do nosso pobre reino. E, contudo, estávamos com saudades
dela; e concessão daqui, concessão dali, viemos a que não
era tão má terra como isso.”

* saudades de Lisboa
* visão piedosa do país
A VIAGEM DE VOLTA
* encontro com Dinis e Francisca
* narrador se torna personagem
“– Sabe a história do Vale?
– Sei tudo até à partida de Carlos para Évora.
– Aqui tem a carta que ele escreveu.
[...]
– Leia.
Li.
Esta era a carta de Carlos.”
HISTÓRIA
IST RIA DA
“MENINA DOS ROUXINÓIS
ROUXIN IS”
A CARTA DE CARLOS

* personagem se torna narrador (1ª pessoa)

* exílio na Inglaterra
A CARTA DE CARLOS

AMORES DE CARLOS

LAURA
GEORGINA

SOLEDADE Don Juan (Max Slevogt)


A CARTA DE CARLOS

“Adeus, minha Joana, minha adorada Joana; pela última vez,


adeus!”

* despedida de si mesmo

* mudança de postura
A CARTA DE CARLOS
“Évora Monte, ... de maio de 1834”

* data da carta = data da rendição miguelista

* guerra civil: tragédia nacional


tragédia familiar

ABSOLUTISMO LIBERALISMO
(PAI) (FILHO)
OS DESTINOS

* Georgina: abadessa católica

* Joaninha: loucura e morte

* Francisca: estado de alheamento

* Frei Dinis: companhia


O DESTINO DE CARLOS
* Carlos: barão
“O barão é, em quase todos os pontos, o Sancho Pança da
sociedade nova.
Menos na graça...
Porque o barão é o mais desgracioso e estúpido animal da
criação. [..]
[...] é zebrado de riscas monárquico-democráticas por todo
o pelo.”
O DESTINO DE CARLOS
“Jesus Cristo, que foi o modelo da paciência, da tolerância;
o verdadeiro e único fundador da liberdade e da igualdade
entre os homens, Jesus Cristo sofreu com resignação e
humildade quantas injustiças, quantos insultos lhe fizeram
a ele e à sua missão divina; perdoou o matador, à adúltera,
ao blasfemo, ao ímpio. Mas, quando vu os barões a agiotar
dentro do templo, não se pôde conter: pegou num
azorrague e zurziu-os sem dor.”
* barões: materialistas, exploradores
O DESTINO DE CARLOS
“Por mais belas teorias que se façam, por mais perfeitas
constituições com que se comece, o status in statu forma-
se logo: ou com frades, ou com barões, ou com pedreiros-
livres se vai pouco a pouco organizando uma influência
distinta, quando não contrária, às influências manifestas e
aparentes do grande corpo social.”
* poder paralelo

* Liberalismo: materialista
governo de barões
A MORTE DE JOANINHA
* Portugal materialista matou Portugal puro

CARLOS JOANINHA

* ruínas: monumentos e ideologias


TEMPO

* hoje (presente): relato de viagem

* ontem (passado): “História da menina dos rouxinóis”


TEMPO
“Todas as sextas-feiras era certo na casa do vale, à mesma
hora, do mesmo modo.”

“Isto fora numa sexta-feira; daí por diante, em todas as


sextas-feiras de cada semana, frei Dinis vinha passar
algumas horas com a velha.”

* sempre: tempo cíclico


INFLUÊNCIA

“Toda essa gente viajou: Xavier de Maistre à roda do


quarto, Garrett na terra dele, Sterne na terra dos outros.
De Brás Cubas se pode talvez dizer que viajou à roda da
vida.”
[Machado de Assis, Memórias póstumas de
Brás Cubas, Prólogo à 4ª ed.]

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