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A Emergencia Do Espaco Publico Na Cidade PDF
A Emergencia Do Espaco Publico Na Cidade PDF
RITA OCHOA
Foi após o Terramoto de 1755 que o Terreiro do Paço conheceu um novo desenho. A
enorme destruição provocada por esta catástrofe vai obrigar à reconstrução da cidade,
optando o Marquês de Pombal por um novo traçado, da autoria de Eugénio dos Santos
3
e Carlos Mardel, de características inovadoras. Após o Terramoto, Lisboa sentiu o
efeito de uma reconstrução empenhada, não só ao nível do edificado e do tecido
urbano que se encontravam já obsoletos mas das próprias mentalidades, elas próprias
também obsoletas e acomodadas.
Como refere José-Augusto França, “pela primeira vez ao longo de seis séculos cristãos
de existência, Lisboa foi pensada, programada e edificada”1. O pensamento iluminista
faz-se sentir na racionalidade do traçado, a cidade que se reconstrói é uma cidade
moderna, dotada de rede de esgotos, onde à racionalidade prática e simbólica do
desenho urbano se vai subordinar uma arquitectura modular com tipologias
sistematizadas. Lisboa pombalina traduziu-se numa das peças urbanísticas que melhor
reflectiram o espírito do iluminismo e a utopia racionalista, a par de S. Petersburgo,
Londres ou Turim. Com a particularidade de não ter sido necessária uma adaptação à
envolvente; a cidade reconstruiu-se sobre os escombros medievais.
1
França, J.-A.; “Lisboa: Urbanismo e Arquitectura”, p. 44-45
4
com o edificado, mas com o próprio rio Tejo. Este conjunto não se limita no entanto a
ser uma moldura da estátua do rei, à semelhança de muitas praças reais francesas.
Existe aqui uma nítida vontade de regramento da totalidade do espaço público, não
cumprindo esta praça apenas funções simbólicas. O cunho iluminista ficaria para
sempre marcado no Terreiro do Paço, agora Praça do Comércio…
Os rossios começaram por ser, como já vimos, terreiros incultos, fora das cidades, ou à
porta destas, onde o povo se reunia e se organizavam acontecimentos. Também o
Rossio de Lisboa começou por ser uma grande clareira, às portas da cidade.
Este era o local mais importante de entrada, para quem vinha de norte e seria também
um dos pólos da cidade, juntamente com o Terreiro do Paço. Os poucos espaços livres
que se vislumbravam por entre o emaranhado de ruas correspondiam aos adros das
igrejas. Eram precisamente estes espaços que constituíam os pólos de sociabilidade da
vida de então. No Rossio, para além da igreja de S. Domingos, outro equipamento
urbano de importância ali se situava: o Hospital de Todos-os-Santos. Também aqui se
realizavam espectáculos e acontecimentos como feiras, touradas, procissões, autos-de-
fé e execuções públicas. Este era, por excelência, o lugar onde se reunia o povo, por
oposição àquela que cumpriria as funções de praça real, o Terreiro do Paço.
A configuração do Rossio seria semelhante à actual, e os edifícios que aí existiam eram
simples e na sua maioria não ultrapassavam os dois pisos. O espaço era pontuado por
um chafariz, encimado com a estátua de Neptuno que, juntamente com o Apolo do
Terreiro do Paço, constituíram as duas primeiras peças de arte pública em Lisboa. Estes
objectos não representam ainda, como viria a acontecer mais tarde, celebrações ou
homenagens a acontecimentos ou personagens importantes da história, mas vêm de
alguma forma nobilitar os espaços públicos, que são assim reforçados como lugares de
encontro.
Tal como acontecera com o Terreiro do Paço, é depois do Terramoto de 1755, que se
procede a um novo desenho do Rossio. É significativo que se pretenda manter este
espaço como lugar de encontro social, o que mais uma vez nos revela a importância
dos espaços públicos durante o iluminismo. Estes são assumidos como lugares de
encontro, lugares que – considerados agora como forma construída – têm, para esse
efeito, que ser desenhados.
A reconstrução do Rossio teve em conta a sua integração na nova grelha que se
propunha para esta zona da cidade; o assumir deste espaço como grande lugar de
encontro popular teve como consequência a sua institucionalização. O antigo terreiro é
assimilado pela cidade e a sua vertente comercial transferida para um novo espaço,
que lhe é adjacente: a actual Praça da Figueira. O Rossio torna-se assim numa praça
urbana que, dialogando com o Terreiro do Paço, formava com este, e com as ruas da
Baixa, a rede de espaços públicos, agora projectados, da cidade pombalina. Os seus
limites são redefinidos, privilegiando os enquadramentos com o rio e o seu volume
5
regulariza-se através do acerto dos planos de fachada; o que era espontâneo deixa
assim de o ser, é verdadeiramente o triunfo do desenho sobre o acaso.
2
Dias, M. T.; “Lisboa Desaparecida”, p. 51
6
As obras de demolição iniciaram-se em Agosto de 1879. O Jardim propriamente dito
permaneceu intacto até 1883 e o monumento aos Restauradores foi ainda construído
dentro do Passeio Público, no local antes ocupado pelo grande tanque.
3
José Maria da Silva Pinto, citado em “Ternos Passeios”, p. 43
4
Borja, J.; Muxí, Z.; “L’espai públic: Ciutat i ciutadania”
7
BIBLIOGRAFIA
▪ Castelo-Branco, Fernando
“Lisboa Seiscentista”
1990, Livros Horizonte
▪ França, José-Augusto
“Lisboa, Urbanismo e Arquitectura
1989, Biblioteca Breve
8
▪ Lefebvre, Henri
“Le droite à la ville”
1968, Ed. Antrophos
▪ Serrão, Joel
“Cronologia Geral da História de Portugal”
1973, Iniciativas Editoriais
▪ URBE
“Ternos Passeios – Um manual para melhor entendimento e fruição dos espaços
urbanos públicos”
1997, URBE
▪ Valera, Sergi
“Espacio privado, espacio publico: Dialécticas urbanas y construcción de significados”
1999, dossiers electrónicos em www.ub.es/escult/1.htm
▪ Revista “Arquitectura e Vida” n.º 22, Dezembro de 2001 e n.º 23, Janeiro de 2002