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Introdução
É natural que alguém que pretenda defender a sua posição, tenha que escrever sobre si próprio. Assim,
quando o fundador escreveu a sua auto-defesa, revelou sobre si mesmo algumas coisas importantes, o que
nos permite um encontro muito pessoal com ele.
Na “Apologia” encontra-se uma declaração muito concisa do P. Kentenich sobre si mesmo, que pode ser
vista como um denominador comum do seu trabalho educativo e da sua actividade como fundador. O
texto é muito sucinto, pelo que há que o ler várias vezes e meditá-lo, para aproveitar cabalmente tudo o
que ele encerra.
O texto seguinte foi extraído de “Zum Goldenen Priesterjubiläum” (Por ocasião das bodas de ouro
sacerdotais), Monte Sião, 1985, 134 s.
Texto
Indubitavelmente li e estudei muito, muitíssimo
e, em todo o caso, mais do que a maioria dos
meus contemporâneos... Mas não em livros
comuns, o que, de facto, aconteceu muito
raras vezes. Na maioria das vezes, quase
exclusivamente, lia na alma das pessoas;
pessoas de qualquer estado de vida, sãs e
doentes, extremamente empenhadas e
abatidas, assim como no livro dos
acontecimentos da época. Também escutei
imenso. Afinal, tratava-se sempre da voz de
Deus... Assimilei a voz divina nesses dois livros
e não (ou só raríssimas vezes) em conferências.
Seria fácil para mim contar as conferências a
que assisti desde 1912.
Em todo o lado pude perceber nos meus “livros” os mais delicados e finos, mas também os mais vigorosos
e apaixonados impulsos do coração humano, de homens e mulheres, de sacerdotes e leigos. E assim
aprendi a discernir entre o espírito humano e o espírito de Deus, entre a palavra humana e a palavra
divina. Esses dois livros foram sempre inesgotáveis e incomparavelmente ricos em conteúdos de grande
valor.
Como eu era visitado pelos principais representantes de diferentes correntes modernas de pensamento,
que na Alemanha se empurravam mutuamente para me verem, mantive-me sempre informado, por fontes
A arte de saber ler o coração | Texto de P. José Kentenich | Kentenich Reader I, 8
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directas, do que palpitava na época e de como se reflectia na literatura especializada, sem ter que
recorrer aos livros habituais. Eu estava assim sempre preparado para os meus cursos. Só precisava de
destacar, de cada vez, um pensamento central e tomá-lo para assunto da aula. Em cada ocasião sabia
quais os pontos sensíveis e para onde estava orientada a receptividade dos corações dos meus ouvintes.
Daí talvez o êxito colhido.
Elogia-se o Santo Cura de Ars pela quantidade de horas que passava no seu confessionário. Tentou- se
mesmo calculá-las. Se eu tentasse contar o tempo que, na minha longa vida, dediquei às almas, dia e
noite, com interesse inalterável, chegar-se-ia a um número surpreendente...Na plenitude da sua vida,
Paulo só tinha uma grande paixão: Deus e as almas. Para ele tudo o resto passava a um segundo plano, tal
como se pode perceber nas suas cartas. O seu programa de vida deveria entender-se então neste sentido:
Omnibus omnia ou Omnia instaurare in Christo1. Também a mim me foi concedida uma parcela desta
paixão...
Com a sua capacidade de empatia extraordinariamente forte e ramificada, o psicólogo que há em mim
registou, com sumo cuidado e fidelidade, todas as emoções e desejos do outro, os conscientes e
inconscientes, os bons e os maus. Procedeu assim tanto frente à alma individual como à comunitária.
Deste modo produziu-se, quase de um dia para o outro, uma maravilhosa abertura e esta transparência
levou a uma proximidade espiritual que pode ser considerada como a melhor condição prévia para uma
transmissão recíproca de vida.
E o filósofo que há em mim apercebeu-se do pólo oposto, o da distância espiritual. É um filósofo que se
manifesta como um metafísico inseparavelmente enraizado e ancorado no mundo do além, no absoluto, no
eterno, no infinito: no Deus Trino, graças a um dom de Deus e a uma inclinação profundamente religiosa.
A permanente e efectiva polaridade gerada entre proximidade espiritual e distância espiritual, revelou-se
sempre como um princípio pedagógico extremamente abençoado. Proximidade e distância confluem num
amor, a Deus e ao próximo, disciplinado, caloroso e capaz de vencer todos os obstáculos.
Quando o filósofo que há em mim captava as ideias da época, em toda a sua pureza e personificação
suprema, com vista a clarificá-las e a elaborá-las, então o metafísico ordenava ambas: tanto as emoções
como as ideias, rastreando-as a princípios fundamentais presentes desde toda a eternidade no Verbum
Divinum e amados no Espírito Santo. Por isso não devem ser considerados só como ideias de Deus
encarnadas, mas também como desejos de Deus encarnados, que se converteram em imperativos éticos e
religiosos. Como pedagogo, eu integrei-os, de forma criativa, num sistema unificado de uma
espiritualidade tri-dimensional e num moderno e abrangente sistema pedagógico.
Outros
Monnerjahn, A Life for the Church (2001), pp. 19-21, 136-139.
Niehaus, New Vision and Life (2004), pp. 176-185.
Niehaus, The 31st May, pp. 14-18, 132-134, 148154.
1
“Ser tudo para todos” (Cf.1 Cor 15,28); “Fazer que todas as coisas tenham Cristo por Cabeça” (Ef 1,10)
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