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I jacqueline Lichtenstein
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O paraleio das artes
A pintura
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A pintura ‘ O paralelo das artes
quia, ao mesmo tempo metafisica e social, fazia pesar sobre llistoria. Como no século XVII seria infatigavelmente re-
a pintura ha séculos._Irnplicava, pot um lado, desagravar a _ petido, o pintor deve saber “narrarcom o pincel“. Desde
pintura da suspeita platonica, demonstrando que ela nao é Ent§o§ pirltar consiste em itransporutimaiseqiiencia narrati-
essa pfiiica ifisotia e sofi'stica que o fi16sol6§5qgl1¢iava inf va, e portfiito temporal, para 5 espaeo de visipl§i_l_id_ad'c tlue
seus teitosimas, sim, urn saber, taWez até vap_t1oLm3_r1|ais* E ozdo quadro; em descobrirwos rneios de reprtgentgn fiel-
PeTfeita dosalkr -_Pot outroladtferaipreciso
_ desfaaer
t . . o. vin-
__ . fiente uma_l_j_istoria respeitando um C€I't()—I1\1[I"1Cl'0 de exi-
culo social que, desde a Idadc Média, a ptendia as charna-_ géncias prdprias 21 composigao piotorica. Ainintura de his-
das artes “rfiecanicas”, provar que ela nao_e_1_-a_ um oficio. toria, queassinala ao mgmo *tei11_pQo‘tlirlfo7dQ_)Qgp;'_q;;4ra
uma ocupagio servil, mas uma arte “ligeral”, isto flit poesis c da estéticada imitagftoz seriéa, ipgtir de_en_t§_o e
atividadedigna de um lmmemlivre; 2§s—trar~t1€e‘o_pintor_ *fi1rante séeulos, considerada como a mais altaeqgpressiio da
550 é um operario, um sin1pl§ artesiio, maszum a1'_tist3_§t1l-_ arte de pintar. Na realidade: contribuiria com 0 testemu-
to e letradoz “lvuorao bimno er dagrg in bu nho irrecusavel da nobreza da pintuta na medida em que
escreveria Plibetti no Delk: pitrura. Portantol op Utpictaza __ pressupunha, tanto no pintor como no espectador, um co-
Iloesiré apega essencial dc urn_imensofiempre£11di_n_1;nto,de nhecimento lntimo da literatuta profana ou sagrada e da
legitirnagfio social e teorica da pintur§_ tradicao interpretativa. Demonstraria que a Pintura e a Poe-
ue sc finstaila E E_tIj_Ifrna__lidade. é. e.s.ta_be- sia sao efetivarnente irmas unidas por mtiltiplas rela<;6es.
jlecer que a pintura provém da Idéia, e nao _dafn1atg§ria;_dQ_ Os pintores tomariam seus ternas da literatura, transfor-
intelecto,_;_n:'io'tla sensiifilidade; da teoria, e nio da_p,11itip- mando a narrativa em quadros, e os escritores celebrariam
ca.l°ois_tal objetivo nao podenaE ser alcangado
iifld-‘—sem uma l i- os pintores em seus textos revelando a significacao, pot ve-
gagio constitutiva entre as artes da imagcm e as da lingua- zes obscura, dessas telas.
gem, na medida em que a linguagem goza precisamente, Mas essas duas irmis (ou itrnios, conforme o caso) sao
_tTesde a Antiguidade, doiprivilégfio de seifao mesmo tempo também rivals. A0 designarem a pintura como “poesia mu-
a Jrdem do discurso e ma maa.;Dessa“fo*rma,‘6 Urpiieiri da” e a poesia como “pintura Falante”, os defensores do Ut
joesis expressa a exigéncia do uma legitillidade quga pin-A pirrura paesis introduziriam. na realidade. uma hieratquia:
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tura so pode obter estaoeiecendo sua relagao pom o_discurso. _ enquanto a poesia, é apresentada com uma dupla determi-
"For meio dessa cornparacao, a p_intuta reintegra finalmen- nacao positiva — ela é uma pintura que Fala —-, a pintura
te 0 universo do Logos, e opintorpassa a ter acesso a coh- é defimda negativamente, como uma poesia 51 qual falta a
‘@1550 de orador ou depoeta. W '‘ palavra. Ao mesmo tempo em que lhe assegura uma nova
Mas o Utpicrurapaeris nao se contenta em modificar dignidade, a comparacao com a poesia impoe a pintura uma
o estatuto da pintura; ele transforma sua Clefinigio, impou- definlgiio que oculta sua espectflcidade, ,4 que a submete
do-lhe as categorias da poética e da retorica, como a inven- as artes da linguagem. Como diria Leonardo da Vinci, se a
gio ou a disposigao, e concedendo-lhe a mesma finalidade pintura é chamada uma poesia muda, entao é preciso, para
que Aristotcles atribuia a poesia dramatica: a dc contar a set justo, chamar a poesia uma pintura cega.
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E 0 que explica que a compatacao entre as artestenha estava no centro das discussoes telativas £1 abstraqao. Apos
uma anzilise histotica que parte dc Lessing, Greenberg es-
podido tomariidesde o inicio, a7ormTd?ima controver-
creve: “Norteando-se, quer conscientemente quer incons-
sia cujo ponto central era o da superii5ritl"adt.“d:rl"in'guagem -A
cientemenre. por uma nogao de pureza derivada do exem-
oucla imagem._Scrn questionar as necessidades impostasif
plo da musica, as atres de vanguarda nos tiltimos cinq't'1en-
pintura pelo Ur ictum poesis, numerosos teéricos, depois
ta anos alcancaram uma pureza e uma delimitacao radical
dc Leonardo se esforgarram po_r'irTvE—rter em favor da pin-
"‘.""*"."."". _... de seus campos de atividade sem exemplo anterior na his-
tura a hrerarqura tmplicrta na comparacao,_m_s1snndo na
toria da cultura. As artes encontram-se agora em seguran-
iiorgaeifiosjipoderes dapiritura ep,*de4i"na7neira mais gerai, na
ca, cad:-1 uma dentro de suas ‘lcgitimas' Fronteiras, e 0 livre
superioridadfl visivel sobretqdos os outros modos de
comércio Foi substituido pela autatcia. A pureza na arte con-
rspresentagao. 7*/if
siste na aceitacao — a aceitagao voluntriria das limitacoes
Mas tal inversao, pot importante que Fosse. jamais es-
do meio de cada arte especffica“.-Q Se escolhemos encerrar
capa da problematica do Ut picrura poesi: nem do contex-
nosso volume com o texto de Breton. é precisamente por-
to do paralelo. Como dissemos, Lessing seria o primeiro a
que ele oFerecia urn belo exemplo de “reacio" contempo-
se recusat a conceder o menor sentido 21 propria idéia de um
ranea A idéia moderna de especificidade. Na verdade, atta-
paralelo entre as artes do visivel e as do discurso. em nome
vés de sua defesa do simboiismo pictérico "sufocado pela
tie um argumento que teria imimeros desdobramentos no
moda do impressionismo”. Breton desenvolve uma critica
século XIX: o da especificidade das artes. De Baudelaire a
aos “deiensores tardios" da pintura “retiniana" que nao dei-
Huysmans. passando por Zola ou os irmios Goncourt. a
xa de lembrar certos remas Famosos da tradicfio do Urp:Tr-
critica a pintura literaria ou filosofica, Ea pintura de historia
tum poesis.
ou de idéias, a uma pintura que continua reivindicando :1
Mas, como assinalamos no inicio. 0 paralelo entre as
doutrina do Ur picmra poesis, é, efetivamente, um dos te-
artes niio se limitou ao paraiclo entre a pintura e a litera-
mas mais insistentes do discurso da modernidade. N50 é
tura. A comparagio entre a pintura e a escultura desempe-
cetto que essa critica esteja hoje totalmente ulrrapassada.
nha um papel importante na hisréria dessa problematica.
Mrfrltiplos exemplos contemporaneos atestam que a proble-
O mesmo acontece com a comparagao entre a pintura e a
matica do paralelo nao perdeu em nada sua atualidade. O
rntisica. quer esta tome a Forma de uma analogia entre o
importante artigo publicado pot Clement Greenberg3 na
som e a cor, de uma teoria dos tons ou de uma anzilise da
Partisan Review em 1940. “Rumo a um mais novo Lao-
coonte”,4 mostra que a questao da especificidade das artes
silcira: "Rumo a um mais novo lirocoonte“. in Clement Green!‘/erg r n dr-
Zurr: rr/rico. Gloria Ferreira e Cecilia Coirim dc Mcllo lorgs.). traduczio dc
Maria Luiza X. tie A. Borges. Rio dc laneiro. Funarre/Jorge Zahar Editor.
3 Sobre Greenberg. vcr o volume 15, Vdnguar/liar r rupmmr.
I997. pp. 45-59].
4 Clement Greenberg. The collected essays and criticism, john O'Brian
5 Op. r:'r.. p. $1 [ediqio brasileira: p. 5.5}.
(org.). The University of Chicago Press, 1986, vol. I. p. 23-37 [edigio bra-
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A pintura
Leonardo do Vinri
harmonia da composicao. Vigorosa no Renascimento e na
(145.2-1519)
época classica, essa comparagao chegaria ao climax no sé-
culo XX, com o triunfo de uma estética da cor. Embora di-
Ferindo em seus objetivos, essas trés cspécies dc comparagio Tratado da pintura
nos aparecem fimdamentalmente ligadas entre si, tanto de (“O przmgone”)
um ponto de vista historico quanto teorico. Por isso, 11:10 (I490-I517)
consideramos titil apresenta-las em categorias separadas.
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