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REVISTA DE LITERATURA

O milagre da poesia juizforana

Anelise Freitas entrevista Iacyr Anderson Freitas

Iacyr Anderson Freitas salienta “que Juiz de Fora tem uma tradição poética vigorosa”, pra logo em seguida
completar, afirmando como essa tradição se pautou em “um verdadeiro milagre”, já que “efetivamente esse
patrimônio” nunca foi reconhecido. O poeta nasceu em Patrocínio do Muriaé (MG) em 1963. Entre seus livros
publicados encontramos poesia, ensaio e contos. Já concorreu a vários prêmios literários de importância nacional
e no exterior; sua obra também foi traduzida para diversas línguas. Seu último livro, Ar de Arestas (Escrituras;
Funalfa, 2013), figurou entre os vinte e dois livros mais votados do ano no Portugal Telecom, um dos maiores
prêmios de literatura em língua portuguesa. O poeta repetiu o feito de 2008, quando Quaradouro (Nankin Editorial;
Funalfa, 2007) ficou entre os doze títulos mais votados no mesmo prêmio.

O escritor também falou a Um Conto sobre a poesia feita em Juiz de Fora, durante os anos 80, quando publicações
como o folheto Abre Alas e a revista D´Lira agitavam a cena poética da cidade (poética no sentindo mais amplo,
pois coabitavam artistas variados). Com o mesmo carinho do poeta Iacyr Anderson Freitas convido vocês a lerem
a entrevista que segue abaixo:
Quando falamos sobre a geração de poetas dos anos 80 (principalmente no que tange ao folheto Abre Alas e à
revista D´Lira), em Juiz de Fora, seu nome é constantemente lembrado. Entretanto, em outra entrevista, você
alega não saber “tecer qualquer comentário equilibrado sobre o que se passou na cidade naquele período”.
Portanto, mesmo que de maneira desequilibrada, gostaria de saber como você define a sua participação naquele
momento marcante para a poesia local.

Eu não consigo definir minha participação naquele momento. Aliás, creio que a vida é mesmo infensa a definições.
Como sempre digo nos cursos que ministro, matamos o que definimos. Talvez felizmente. Retomando o fio da
meada: participei dos conselhos editoriais da revista d’lira e do folheto abre alas, mas confesso que não tive como
me dedicar muito às tarefas de edição. Perto dos trabalhos desenvolvidos pelo Zé Santos e pelo Mutum (o falecido
José Henrique da Cruz), por exemplo, a minha contribuição efetiva era uma equação cujo resultado tendia a zero.
Na época, eu cursava Engenharia Civil na UFJF, tendo aulas de segunda a sábado, as mais das vezes das sete da
matina às seis da tarde. Durante um bom tempo fui Diretor de Cultura do DCE e me dediquei, ainda, à militância
estudantil. A ditadura militar estava nos estertores – como o próprio país, aliás – e ninguém imaginava como a
situação política brasileira poderia superar, sem sequelas, quase vinte anos de repressão e descalabro. De quebra,
eu lutava muito, financeiramente falando, para me manter em Juiz de Fora, pois meus pais não tinham recursos e a
carga horária da UFJF não me permitia trabalhar. Passando esse período a limpo, mais de trinta anos depois, vejo
que tudo ali foi muito fértil e rico, mas também muito difícil. Por conta de todas essas dificuldades, minha
participação naquele momento em Juiz de Fora, seja como poeta ou editor, foi muito modesta.

Durante o colóquio “relendo a poesia dos anos 70 aos dias atuais”, realizado pela UFJF em 2005, você declara que
nos anos 80, na nossa cidade, havia uma “comunhão de interesses estéticos ou sociais”. No prefácio do Livro de
sete faces – poetas em diálogo (antologia juiz-forana que reúne poetas dos anos 90), o também escritor
Edimilson de Almeida Pereira diz que aqueles poetas possuíam mais afinidades pessoais do que poéticas. A “sua
geração” ainda está em profícua atividade, assim como a geração subsequente, entretanto há em Juiz de Fora um
número considerável de novos poetas, também em diálogo. Como você vê a poesia feita na cidade após os anos
2000?

A citada comunhão de interesses estéticos ou sociais tinha por base, no início dos anos 1980, a luta contra o
regime de exceção e a persistência, ainda, a despeito da tão propalada “abertura”, de determinados canais de
censura. Esses temas uniram a comunidade artística da cidade. De fato, artistas de diversas áreas procuravam
estabelecer diálogos e parcerias, objetivando trabalhos conjuntos. Essa foi uma marca daquele período. No que se
refere à poesia atual da cidade, é importante salientar que Juiz de Fora tem uma tradição poética vigorosa, o que é
um verdadeiro milagre, pois nossa cidade nunca reconheceu efetivamente esse patrimônio e nunca soube
implementar políticas de incentivo à leitura ou de formação de público para o universo lírico; o que é lamentável,
em todos os sentidos. Vejo muita qualidade na poesia atualmente produzida em Juiz de Fora. De certa forma, a
chama da nossa tradição continua acesa, agora através de novos nomes e novos livros.

Qual e como é o público que consome poesia em Juiz de Fora atualmente? Existe alguma singularidade em
relação aos anos passados?

Eis aí uma pergunta difícil de ser respondida. Se a gente leva em conta o que o mercado livreiro considera público
consumidor, a poesia não existe, comercialmente falando. E isso, claro, não é um problema local, infelizmente.
Basta uma passada d’olhos nas maiores livrarias da América Latina. É difícil encontrar alguma que possua, entre
dezenas de milhares de exemplares, mais de cinquenta títulos de poesia. Para um mercado que se encontra
voltado quase que exclusivamente para a divulgação e o consumo do texto paraliterário, a poesia não tem futuro.
Ora, o texto lírico exige um leitor ativo, capaz de preencher as lacunas semânticas e, mais ainda, capaz de produzir
sentidos através da própria leitura. A poesia opera no (des)limite da linguagem, na extremidade dos seus
horizontes cognitivos, muitas vezes com francas aberturas para o imaginário. Sua configuração refuta qualquer
possibilidade de leitura que esteja voltada apenas para a confirmação de expectativas. Logo, a cisão existente
entre lírica e mercado é, mantida a condição atual, insolúvel. Felizmente insolúvel. Apostar na mudança desse
quadro – sem trabalhar com políticas capazes de atenuar os entraves gerados pela atual ditadura de mercado – é
apostar no convívio pacífico de lobos e ovelhas. Deixando de lado as louváveis exceções, o público que consome
poesia é em grande parte composto de poetas. Nos lançamentos, os autores conseguem justificar uma cota
mínima das mínimas tiragens – não sem algum estorvo – amolando parentes e amigos eventuais. Foi assim antes
e deverá continuar da mesma forma por um bom tempo. Sem políticas de incentivo à leitura e sem estratégias de
formação de público leitor, continuará assim até que o rei D. Sebastião retorne da batalha de Alcácer-Quibir. Ou até
o Armagedom, no mínimo.

No mesmo colóquio citado acima você disse que seus dois primeiros livros, retirados de sua documentação
literária pessoal, são “equívocos bibliográficos”.  Ano passado  você foi novamente indicado a um dos maiores
prêmios literários em língua portuguesa, o Portugal Telecom. Nessa perspectiva sua poesia amadureceu.
Gostaria, dessa forma, que você falasse sobre a indicação e como ela se relaciona com a maturidade adquirida
pela sua poesia.

Eu fiquei surpreso com a indicação. Em primeiro lugar, porque eu não sabia que a Escrituras havia efetuado a
inscrição do meu livro no prêmio. Após a divulgação do resultado, recebi um monte de mensagens e diversos
telefonemas. De início, não compreendi direito o que estava acontecendo. Em segundo lugar, porque estar entre os
vinte e dois livros mais votados do ano – e de um ano tão rico em grandes títulos poéticos – foi mesmo um feito
considerável para o Ar de Arestas. Afinal de contas, a comissão julgadora dessa fase do Portugal Telecom é
formada por centenas de escritores, críticos e professores de literatura de diversas partes do país. Eu resido em
Juiz de Fora, sou funcionário público aqui, não me desloco habitualmente para lançamentos e palestras, não me
encontro inserido no meio acadêmico, não sou figurinha fácil nos segundos cadernos dos grandes jornais, não
tenho “vida literária”, por assim dizer, e isso dificulta bastante o processo de divulgação de minha obra. Não faz
muito tempo, creio que em 2008, meu livro Quaradouro ficou entre os doze títulos mais votados no mesmo Portugal
Telecom. Essas surpresas me animam, mas não sei até que ponto a palavra maturidade se encaixa nesse contexto.
Comecei a escrever e a publicar poesia em 1981. Todavia, meu conjunto de obra é um caleidoscópio. Por quê?
Porque não quero ficar me repetindo. Quando acredito que certo tipo de linguagem já se encontra cristalizada em
meus livros, procuro outros caminhos. Para qualquer escritor, as zonas de conforto são campos minados. Às vezes,
cemitérios de reputações e promessas. A poesia, como a vida, precisa valer a pena. Precisa valer o risco. Assim,
sinto-me sempre recomeçando, fato que tem pelo menos a vantagem de aguçar, em mim, a navalha crítica, melhor
dizendo, autocrítica. Sem essa navalha, não se escreve coisa que mereça pousar em livro. É claro que as críticas
sinceras são imprescindíveis. Tão imprescindíveis quanto raras, infelizmente. Mas tais críticas devem aparecer
num segundo momento, depois que a nossa navalha autoral já fez todos os cortes e ajustes possíveis. Por isso
acredito que a palavra maturidade não sirva muito bem para o caso. Continuo sem saber começar um livro e,
quando o começo, continuo sem saber como acabá-lo. Estabelecido o ponto final, após contendas intermináveis,
continuo desconfiando que o rebento não faz jus ao batismo de Gutemberg. Planejo escrever livros que, no fim das
contas, sempre trilharão caminhos bem diversos do planejamento estabelecido. Quanto mais estudo, menos
compreendo essa coisa transcendente a que chamamos poesia. Se a maturidade for isto, – esta redobrada
incerteza, esta vontade de recomeçar a cada segundo, este “não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei
como e dói não sei porquê” –, maravilha! Aceito de bom grado.
*

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Lygia Dias de Toledo em janeiro 10, 2015 às 5:35 pm

Humilde. Substancioso. Indispensável!

 Responder
CYANA LEAHY em janeiro 10, 2015 às 11:09 pm

Meus parabéns, Yacyr, pela entrevista excelente.


A gente encontra muitas similidades em nossos caminhos literários.

Continue criando e escrevendo poesia. A literatura brasileira merece!

Abraço carinhoso,

Cyana Leahy
Professora (UFF), escritora, tradutora
PhD em Educação Literária (London University)

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