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A VIDA DRAMÁTICA

DOS REIS DE
PORTUGAL
Episódios polémicos e chocantes.
Histórias de intriga, traição e crime.
De D. Afonso Henriques a D. Manuel II

José Brandão

ÍNDICE

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................ 4
D. AFONSO HENRIQUES – O CONQUISTADOR ...................................................................... 7
Batalha de S. Mamede contra a mãe, D. Teresa.......................................................................... 9
Torneio de Arcos de Valdevez contra o primo Afonso VII rei de Leão e Castela....................... 10
Casamento com a prima D. Mafalda de Sabóia. ........................................................................ 11
Combate em Badajoz contra o genro Fernando II rei de Leão................................................... 13
D. SANCHO I – O POVOADOR ................................................................................................. 15
Guerra contra o cunhado D. Fernando II de Leão. ..................................................................... 15
Conflitos com os bispos e com o papa Inocêncio III. .................................................................. 16
Guerra contra o genro D. Afonso IX rei de Leão......................................................................... 17
D. Sancho I é excomungado. ...................................................................................................... 17
D. AFONSO II – O GORDO ........................................................................................................ 19
Contendas com as irmãs infantas D. Teresa, D. Sancha e D. Mafalda...................................... 20
Guerra com o cunhado D. Afonso IX de Leão. ........................................................................... 21
Conflitos com o meio-irmão Martim Sanches. ............................................................................ 21
Conflito com o bispo de Lisboa e com a Santa Sé. .................................................................... 21
D. Afonso II é excomungado. ...................................................................................................... 22
D. SANCHO II – O CAPELO ...................................................................................................... 23
Conflitos com os bispos. ............................................................................................................. 24
Guerra civil entre D. Sancho II e o irmão D. Afonso III. .............................................................. 25
Rapto, ou fuga da rainha Mécia Lopez de Haro. ........................................................................ 25
Bula papal ordenando a substituição de D. Sancho II por D. Afonso III. .................................... 26
D. AFONSO III – O BOLONHÊS ................................................................................................ 26
Guerra contra o irmão D. Sancho II. ........................................................................................... 26
Guerra com o futuro sogro Afonso X de Castela. ....................................................................... 27
Casamento de D. Afonso III com D. Beatriz, filha de D. Afonso X de Castela. .......................... 28
Afonso III é excomungado........................................................................................................... 28
D. DINIS – O LAVRADOR .......................................................................................................... 29
Primeira desavença entre D. Dinis e o seu irmão D. Afonso...................................................... 31
Nova guerra civil entre D. Dinis e seu irmão D. Afonso. ............................................................. 31
Guerra com Castela contra o futuro genro D. Fernando IV. ....................................................... 31
Terceira guerra entre D. Dinis e o seu irmão D. Afonso. ............................................................ 32
Guerra civil entre D. Dinis e o seu filho infante D. Afonso IV...................................................... 32
Recontro de Alvalade entre o Rei e o filho D. Afonso................................................................. 32
D. AFONSO IV – O BRAVO ....................................................................................................... 34
Conflito político-militar com o pai D. Dinis................................................................................... 35
Guerra com o irmão bastardo D. Afonso Sanches. .................................................................... 35
Manda executar o irmão bastardo D. João Afonso..................................................................... 36
Guerra contra o sobrinho e genro D. Afonso XI rei de Castela. ................................................. 36
Manda assassinar D. Inês de Castro. ......................................................................................... 37
Rebelião do filho infante D. Pedro. ............................................................................................. 37
D. PEDRO I – O JUSTICEIRO.................................................................................................... 38
Rebelião contra o pai D. Afonso IV. ............................................................................................ 40
D. Pedro declara solenemente que casara com D. Inês de Castro............................................ 40
Os assassinos de D. Inês de Castro são severamente punidos. ............................................... 41
D. FERNANDO – O FORMOSO ................................................................................................. 41
Casamento com D. Leonor Teles, infringindo o Tratado de Alcoutim. ....................................... 41
O problema das relações com Castela e a ideia da união das duas coroas.............................. 43
Vitória da revolução burguesa sobre o rei de Castela e a aristocracia rural. ............................. 43
O caso das irmãs Teles............................................................................................................... 44
D. JOÃO I – O de BOA MEMÓRIA ............................................................................................ 45
Conde de Andeiro é assassinado pelo mestre de Avis. ............................................................. 46
Um casamento régio bem sucedido............................................................................................ 47
Um reinado menos devasso........................................................................................................ 48
D. DUARTE – O ELOQUENTE................................................................................................... 50
O infante D. Fernando, irmão do Rei D. Duarte, é feito refém em Tânger. ................................ 51
Oposição à regência de D. Leonor. ............................................................................................ 52
D. AFONSO V – O AFRICANO .................................................................................................. 53
Casa com a prima D. Isabel, filha do tio D. Pedro. ..................................................................... 53
O casamento com a sobrinha D. Joana...................................................................................... 54
Relações tensas entre D. Afonso V e tio regente D. Pedro........................................................ 55
Batalha de Alfarrobeira. Morte do tio D. Pedro. .......................................................................... 56
D. JOÃO II – O PRÍNCIPE PERFEITO....................................................................................... 56
Casamento com a prima D. Leonor. ........................................................................................... 57
Manda prender o duque de Bragança que é degolado. ............................................................. 57
Mata pessoalmente o cunhado D. Diogo apunhalando-o........................................................... 58
D. MANUEL I – O VENTUROSO................................................................................................ 59
Primeiro casamento. Com D. Isabel viúva do príncipe D. Afonso. ............................................. 60
Matança dos cristãos-novos........................................................................................................ 60
Segundo casamento. Com D. Maria, irmã da sua primeira mulher. ........................................... 61
Terceiro casamento. Com D. Leonor, noiva de seu filho D. João III. ......................................... 61
D. JOÃO III – O PIEDOSO ......................................................................................................... 62
Formação de D. João III.............................................................................................................. 62
Relações com Roma: o estabelecimento da Inquisição. ............................................................ 63
Perfil de D. João III. ..................................................................................................................... 64
D. SEBASTIÃO – O DESEJADO ............................................................................................... 65
Preparação para reinar ............................................................................................................... 66
O governo do Rei ........................................................................................................................ 66
D. Sebastião e as mulheres. ....................................................................................................... 67
Desentendimento com a avó D. Catarina ................................................................................... 68
Desavença com o tio-avô D. Henrique. ...................................................................................... 68
Alcácer Quibir. ............................................................................................................................. 68

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D. HENRIQUE – O CASTO ........................................................................................................ 69
Debates e Nomeações................................................................................................................ 70
Resgate dos cativos. ................................................................................................................... 70
Questão Sucessória. Entre o sobrinho espanhol e o sobrinho português.................................. 70
D. ANTÓNIO – O PRIOR DO CRATO........................................................................................ 72
Conflito com o tio D. Henrique. ................................................................................................... 73
D. António Aclamado Rei. ........................................................................................................... 74
Resiste ao primo D. Filipe II de Espanha. ................................................................................... 75
D. JOÃO IV – O RESTAURADOR ............................................................................................. 77
Casamento em família. ............................................................................................................... 78
São executados, entre outros, o duque de Caminha e o conde de Armamar............................ 80
Execução de Francisco Lucena, secretário de Estado de D. João IV. ....................................... 80
Execução de Domingos Leite. Tentativa de regicídio. ................................................................ 80
D. AFONSO VI – O VITORIOSO ................................................................................................ 81
Regência da rainha D. Luísa — Incapacidade de el-rei. ............................................................ 82
A mocidade de D. Afonso VI. ...................................................................................................... 82
Casamento de D. Afonso VI........................................................................................................ 83
Entrega do governo a el-rei — O conde de Castelo Melhor. ...................................................... 84
Intrigas e dissensões na corte – Exclusão do conde de Castelo Melhor. .................................. 84
O conde de Castelo Melhor no exílio. ......................................................................................... 84
Anulação do matrimónio de D. Afonso VI. .................................................................................. 85
Casamento de D. Pedro com a cunhada D. Maria de Sabóia. ................................................... 85
Desistência do governo feita por el-rei........................................................................................ 85
D. Afonso VI no paço de Sintra. .................................................................................................. 85
D. PEDRO II – O PACÍFICO ....................................................................................................... 86
Regência de D. Pedro II na sequência da deposição do irmão D. Afonso VI. ........................... 87
D. Pedro casa com a ex-cunhada Isabel de Sabóia. .................................................................. 87
Segundo casamento. .................................................................................................................. 88
D. JOÃO V – O MAGNÂNIMO ................................................................................................... 89
Um casamento político................................................................................................................ 90
Corte de relações com a Santa Sé. ............................................................................................ 91
Os meninos de Palhavã. ............................................................................................................. 91
D. JOSÉ I – O REFORMADOR .................................................................................................. 92
O casamento de D. José I........................................................................................................... 93
Marquês de Pombal .................................................................................................................... 93
A sua acção Governativa ............................................................................................................ 93
A grande tragédia. ....................................................................................................................... 94
Tentativa de regicídio. ................................................................................................................. 94
A devassa e o processo. ............................................................................................................. 95
Condenação e suplício dos Távoras. .......................................................................................... 96
D. José I: o rei e o homem. ......................................................................................................... 96
Os últimos anos de governo........................................................................................................ 97
D. MARIA I – A PIEDOSA .......................................................................................................... 97
Casamento com o tio D. Pedro III. .............................................................................................. 98
Processo de julgamento do Marquês de Pombal. Condenado ao desterro. .............................. 98
A Rainha é atacada de loucura. Regência do príncipe D. João. ................................................ 99
D. JOÃO VI – O CLEMENTE.................................................................................................... 100
As invasões francesas .............................................................................................................. 101
Fuga da família real para o Brasil. ............................................................................................ 101
Execução de Gomes Freire....................................................................................................... 102
Revolução liberal no Porto. ....................................................................................................... 102
Regresso de D. João VI do Brasil. ............................................................................................ 102
O assassinato do duque de Loulé e a Abrilada. ....................................................................... 103
D. João VI enfrenta o filho D. Miguel. ....................................................................................... 104
D. PEDRO IV – O REI SOLDADO............................................................................................ 104
Discórdia entre os pais.............................................................................................................. 105
Resistência do irmão D. Miguel................................................................................................. 106
D. Miguel é expulso do País...................................................................................................... 107
D. MIGUEL – O ABSOLUTISTA .............................................................................................. 107
Conflitos com o pai D. João VI. ................................................................................................. 108

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O casamento com a sobrinha. .................................................................................................. 109
Guerras com o irmão D. Pedro IV. ............................................................................................ 110
D. MARIA II – A EDUCADORA ................................................................................................ 111
Casamento com Augusto de Leuchtenberg o qual morre dois meses depois. ........................ 112
Maria da Fonte. ......................................................................................................................... 113
D. PEDRO V – O ESPERANÇOSO.......................................................................................... 114
Fundação do Curso Superior de Letras. ................................................................................... 115
Epidemias de cólera-morbo e de febre-amarela....................................................................... 116
Casamento e morte de D. Estefânia. ........................................................................................ 117
D. LUÍS – O POPULAR ............................................................................................................ 117
Política interna........................................................................................................................... 118
Conjuntura de 1870-90.............................................................................................................. 119
Sintomas de crise da Monarquia............................................................................................... 119
Política externa.......................................................................................................................... 119
D. CARLOS – O MARTIRIZADO.............................................................................................. 120
O rei........................................................................................................................................... 121
O reinado................................................................................................................................... 121
Apoio a João Franco. ................................................................................................................ 123
Questão dos adiantamentos. .................................................................................................... 123
D. MANUEL II – O DESVENTURADO ..................................................................................... 125
Rei morto, Rei posto.................................................................................................................. 126
A Acalmação. ............................................................................................................................ 130
Revolução Republicana. ........................................................................................................... 131
CRONOLOGIA ESPECÍFICA ................................................................................................... 131
BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA....................................................................................................... 134

APRESENTAÇÃO

Este livro é a história da vida dramática dos 30 reis e das 2 rainhas que nasceram
portugueses e estiveram à frente dos destinos de Portugal durante quase oito séculos.
É um livro que mostra o lado menos reluzente do trajecto histórico de uma velha
Nação castigada por tragédias que teimam em perseguir o seu destino. É uma história
que começa com um rei que luta contra a mãe numa batalha em S. Mamede e termina
com outro rei que vê matarem-lhe o pai num atentado no Terreiro do Paço. É a história
de reis e de rainhas pecaminosos como o mais comum dos mortais, algumas vezes
extraordinariamente perversos ou cruéis, bígamos ou adúlteros, facínoras ou criminosos.
É a História de Portugal contada de modo diferente. Diferente porque é uma
selecção descomplexada de alguns dos piores factos que a História regista. Diferente
porquanto ousa apresentar como abomináveis alguns dos maiores vultos que marcaram
o tempo histórico de Portugal.
Os factos são os piores na óptica de oferecerem ao leitor a abordagem de situações
que capricham pelo contraditório à consensualidade. Os vultos são alguns dos melhores

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pela razão das suas vidas ocuparem a mais elevada contemplação no espaço em que
exerceram o seu poder reinante.
Dito de outro modo, o presente livro é composto pelas grandes polémicas, intrigas,
traições e crimes referenciados na vida dos reis e das rainhas portugueses sendo cada
uma dessas 32 figuras e respectivas ocorrências narradas com a frieza de toda a verdade
exposta no desenrolar histórico.
Há muitas maneiras de contar a História de Portugal. Seja pela positiva realçando o
lado feliz e agradável dos acontecimentos, seja pela negativa destacando os aspectos
amargos e menos pacíficos dos eventos, qualquer interveniente na exposição narrativa
da História pode fazer inclinar o seu discurso para o lado que bem entender e achar mais
adequado ao seu propósito.
D. Afonso Henriques bate nos Mouros na Batalha de Ourique, ou bate na mãe na
Batalha de S. Mamede são opções que estão ao dispor na definição dos alvores da
nacionalidade ou para dar partida a qualquer triagem adequadamente definida.
Optando pela primeira, Ourique, abre-se caminho a uma História alegre e floreada
a que não faltam ornatos em quantidades mais do que suficientes para encher páginas de
escrita consensual e serena.
Optando pela segunda, S. Mamede, dá-se início a uma História mais magoada e
incisiva a que não faltam igualmente boa soma de relevos dirigidos a uma escrita mais
ousada e provocante.
Se D. Afonso Henriques se bate contra a mãe na Batalha de S. Mamede em 1128,
contra o primo no Torneio de Arcos de Valdevez em 1140, contra o genro no Combate
de Badajoz em 1169 é porque teria razões para tal atrevimento.
Se D. Sancho I declara guerra contra o cunhado em 1185 e guerra contra o genro
em 1196, lá saberá porque o faz.
Se D. Afonso II entra em guerra com as irmãs a partir de 1211 e em guerra com o
cunhado em 1211, certamente que explica esta sua determinação.
E se D. Sancho II tem guerra com o irmão em 1245. E D. Afonso III guerra com o
irmão em 1245 e guerra com o futuro sogro em 1252 é porque algo se passava.
Com este sumário de desavenças e conflitos familiares entre personagens de topo
da realeza portuguesa já podia dar ensejo a um livro que entusiasmasse os interessados
neste género de narração histórica. Mas como mais se pode realçar, avancemos para os
próximos.
Com D. Dinis há desavenças e guerras com o irmão em 1281, 1286 e 1299, guerra
contra o futuro genro em 1295 e guerra contra o filho em 1319 e 1323.
Com D. Afonso IV é o conflito político-militar com o pai em 1324, a guerra com o
irmão bastardo em 1326, a ordem de executar o irmão D. João Afonso em 1325, a
guerra contra o genro em 1335 e a execução de D. Inês de Castro em 1355. E com D.
Pedro I a rebelião contra o pai em 1355.
Terminada a 1.ª dinastia não termina a senda da gesta que acabámos de destacar.
Contudo, fica para A Vida Dramática dos Reis de Portugal, onde a intenção primordial
é precisamente expor o que foram estes acontecimentos da vida dos reis e rainhas
portugueses desde D. Afonso Henriques a D. Manuel II. Na pequena cronologia inserida
no final deste livro está toda a dimensão deste desafio deliberadamente tendencioso e
turbulento.
É por demais óbvio que essas vidas reais não se resumem aos episódios dramáticos
aqui expostos. A selecção dos ditos é fruto de um intento deliberado e claramente
assumido de trazer à liça os factos que no seu conjunto podem dar uma outra
perspectiva da História de Portugal.

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É igualmente por demais óbvio que a imagem que sobressai destas vidas reais
portuguesas não é, e está mesmo muito longe de o ser, uma imagem exclusiva e só
existente na nossa História.
Qualquer leitura dedicada a este tema noutras paragens indicará que Portugal nem
sequer pode ser apontado como dos mais pródigos nesta matéria. Outros, bem mais
dados aos avanços culturais, deixam Portugal num lugar pacato quando comparado com
episódios dramáticos dessas nações.
Aliás, nem sequer é presumível a equiparação ou transposição automática para os
rigores dos nossos dias dos valores que pautavam as sociedades desses tempos mais
recuados. Aquilo que hoje é abjecto e condenável não o era nesses dias em que
decorrem grande parte dos acontecimentos salientados.
Nessa altura o divino tomava conta das almas e abençoava os piores pecados com a
autoridade suprema de quem quer, pode e manda. «A crueldade é pia, a atrocidade é
santa». Diz Alexandre Herculano reportando a essas épocas.
Éramos assim pela graça de Deus e acompanhados pelo incomensurável poder da
Santa Madre Igreja. Com dinheiros e ofertórios tudo se comprava e a Igreja tudo vendia.
A nossa História é apenas mais uma entre muitas que pertencem à universalidade
das nações com passado para contar. Apenas é diferente porque é a nossa. Mas ser nossa
não implica necessariamente um exagero apologético e acrítico do que traduz as suas
páginas de glória sim mas também de vasto e terrível pesadelo.
Na História de Portugal a vida dos reis e das rainhas portugueses oferece-nos
aspectos que com relativa facilidade passam despercebidos na leitura corrente.
Exemplo disso, são a complexidade das filiações reais e dos laços de parentesco
com os casamentos entre reinos a assumirem importância de vulto.
Quais as consequências no desenvolvimento de tudo o que acontece em Portugal
quando no total de 32 reis portugueses apenas 6 são filhos de mãe portuguesa? (D. João
II, D. Manuel I, D. António, D. João VI, D. Pedro V, D. Luís I). E baixa para 4 os que
são filhos de mãe e pai portugueses. (D. João II, D. Manuel I, D. António, D. João VI).
Qual o significado histórico para Portugal quando se verifica que dos 36
casamentos celebrados pelos reis e rainhas portugueses só 4 são com consorte de
nacionalidade portuguesa? (D. Fernando, D. Afonso V, D. João II, D. Maria I). E que
dos 32 reinantes portugueses apenas 1 (D. João II) faz o pleno de ser filho de mãe e pai
portugueses e casar com uma portuguesa.
Que papel assumiram as amantes dos nossos reis, cujos rebentos, bastardos reais,
alcançaram grandes posições e uma inegável importância no decurso da nossa História
Pátria. Era bastarda D. Teresa a mãe do primeiro rei de Portugal. Eram bastardos D.
João I, o de Boa Memória e D. António, o Prior do Crato: o primeiro e o último rei da
segunda dinastia. Eram bastardos cerca de 50 filhos do total dos cerca de 200 declarados
de descendência real.
Estes destaques servem como pano de fundo de uma viagem que vai ao mais
dramático e chocante da nossa memória histórica.
«A História de Portugal consiste numa série de quadros, em que, na máxima parte
das vezes, os caracteres dos homens, os seus actos, os motivos imediatos que os
determinam e as condições e modo por que se realizam, merecem antes a nossa
reprovação do que o nosso aplauso. Crimes brutais, paixões vis, abjecções e misérias
compõem, por via de regra, a existência humana; e por isso mais de um moralista tem
condenado o estudo da história, como pernicioso para a educação.» São palavras de
Oliveira Martins na apresentação da sua História de Portugal.
Deseja-se que esta Vida Dramática dos Reis de Portugal seja uma leitura tão fácil
quanto possível a um trabalho que envolve tão delicada temática.

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Quer queiramos quer não, temos a nossa História com os factos que aqui vamos
expor. São os piores, é certo. Existiram e não se podem apagar da nossa memória
histórica como se fossem riscos de giz num quadro de ardósia.
Bem ou mal Portugal existe. Com os seus episódios polémicos e chocantes, com as
suas histórias de intriga, traição e crime é Portugal no seu pior.
Um pior que pode servir para melhor conforme palavras de Oliveira Martins: «Nos
vícios e nas virtudes, nos erros e nos acertos, na perversidade e na nobreza dos
indivíduos que foram, há um exemplo excelente. Na sabedoria ou na loucura dos actos
políticos e administrativos passados há um meio de prevenir e encaminhar a direcção
dos actos futuros. A história é, nesse sentido, a grande mestra da vida.
Se os vícios, os erros, o crime e a loucura predominam, iremos por isso condenar a
história por perniciosa? Não, decerto. Apresentar crua e realmente a verdade é o melhor
modo de educar, se reconhecemos no homem uma fibra íntima de aspirações ideais e
justas, sempre viva, embora mais ou menos obliterada. Conhecer-se a si próprio foi,
desde a mais remota Antiguidade, a principal condição da virtude.»
A Vida Dramática dos Reis de Portugal é a leitura elevada ao patamar mais
violento e tenebroso daquilo que foram os piores registos da vida portuguesa de D.
Afonso Henriques a D. Manuel II.
Termina em D. Manuel II porque com ele termina também a governação da realeza
portuguesa. Acabaram os reis governantes. Retire-se os reis na A Vida Dramática dos
Reis de Portugal e continua a vida dramática de Portugal. Sem reis.

D. AFONSO HENRIQUES – O CONQUISTADOR


Filho do conde D. Henrique e da infanta D. Teresa de Leão.
Casou com D. Mafalda de Sabóia.
(reinou de 1139? a 1185)
Batalha de S. Mamede contra a mãe, D. Teresa.
Torneio de Arcos de Valdevez contra o primo Afonso VII rei de Leão e Castela.
Casamento com a prima D. Mafalda de Sabóia.
Combate em Badajoz contra o genro Fernando II rei de Leão.

D. Afonso Henriques terá nascido em 1109. Filho de D. Teresa e do conde D.


Henrique de Borgonha era ainda neto do poderoso D. Afonso VI imperador de Leão,
Galiza e Castela.
D. Teresa, filha bastarda de Afonso VI, casara com o conde D. Henrique e
recebera, com seu marido, em dote de casamento, o domínio hereditário e consequente
governo do condado Portucalense, governo que ela exerce nas ausências do marido, na

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viagem deste à Terra Santa, viagem que não chegou a completar, e depois a França, a
alistar tropas para lutar contra a cunhada D. Urraca, filha legítima do imperador D.
Afonso VI.
D. Henrique, ao mesmo tempo que insiste com o primo D. Raimundo, marido de
D. Urraca, e com o rei seu sogro D. Afonso VI para que o condado Portucalense tenha
maior autonomia, começa a colocar a sua gente, que era pouca, nos lugares mais
vulneráveis, de modo a impedir as surtidas dos mouros.
Em 1105 faz com D. Raimundo o Pacto Sucessório pelo qual, por morte de
Afonso VI, ele ajudava-o a tornar-se o sucessor do sogro, em Leão e Castela. Em
contrapartida, D. Henrique tornava-se independente recebendo, além do Condado
Portucalense e do Condado de Coimbra, a Galiza ou uma parte dos territórios de
Toledo.
D. Raimundo morre em 1107 e Afonso VI em 1109. A partir deste momento, D.
Henrique proclama-se conde e senhor de Portugal, pela graça de Deus.
Por esta época, a Igreja era o árbitro nas grandes decisões. D. Henrique, como
familiar do abade de Cluny (originário de Borgonha-França) tenta aproveitar essa
circunstância para atingir os seus objectivos. Coloca à frente das dioceses de Braga e
Coimbra dois monges franceses. Isenta-os de impostos e dá-lhes autorização para
concederem forais, leis particulares que outorgavam privilégios à população.
Em 1112 D. Henrique oferece, a D. Maurício, a diocese de Braga e o respectivo
couto (lugar de asilo e refúgio). Em 1120 D. Teresa faz o mesmo a D. Hugo, bispo do
Porto, dando-lhe o burgo e o couto.
Estas generosas dádivas eram a melhor maneira de agradar à Santa Sé.
Sem a bênção do Papa, nenhum território alcançava a independência.
Foi hábil a política de D. Henrique que, por morte do sogro D. Afonso VI, ora se
aliava a D. Urraca, viúva de seu primo Raimundo a qual casara com D. Afonso I, de
Aragão (casamento que originou violentas lutas dinásticas), ora se aliava com o rei de
Aragão em luta contra D. Urraca, visando o enfraquecimento dos dois, a fim de
conseguir a independência do território sob o seu domínio.
Tudo corre à feição dos desejos do conde, mas os sarracenos atacam quando este
menos espera. D. Henrique para se defender deles, não pode impor-se perante a Galiza,
Leão e Castela.
Morre em 1114, sem concretizar o seu grande sonho. A partir de então a mulher
toma conta do Governo e intitula-se "Rainha Teresa de Portugal".
D. Teresa utiliza o instinto político para consolidar a autonomia do Condado,
aproveitando-se das desavenças que grassam entre os seus parentes da Galiza, Castela,
Leão e Aragão.
O conde D. Henrique morrera deixando apenas um filho varão, D. Afonso
Henriques, e este na tenra idade de dois ou três anos. Deste modo, não havia um braço
vigoroso que empunhasse a espada ao serviço das aspirações de independência e
engrandecimento alimentadas pelo conde falecido, mas não esmoreceu D. Teresa,
esperando pela astúcia alcançar vantagens na enredada política leonesa.
Afonso Henriques, herdeiro das aspirações de independência de seus pais
despertou para a consciência do facto ouvindo referir as lutas e intrigas com que seus
progenitores procuravam conseguir a autonomia para um povo que tinha contra si, ao
norte e a leste, a velha ambição do imperialismo hispânico, de monarcas que se
julgavam os herdeiros da unidade imperial visigótica, e pelo sul a ameaça permanente
dos Mouros.
Por morte do marido a actividade política de D. Teresa desdobrou-se sem entraves,
prosseguindo nos esforços em que ele se empenhara, no sentido da autonomização da

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terra herdada e da terra a conquistar, com a diferença apenas de que D. Henrique o
tentava pela força das armas, ao passo que ela o faria, sobretudo, pelo manejo hábil da
intriga política, se bem não se recusasse à luta. Assim a vemos ao lado do nobre galego
D. Pedro Froilaz, conde de Trava, pai do seu futuro amante, Fernão Peres de Trava.
Os amores da destemida regina datam realmente daquele tempo em que ela, já
viúva e ainda na força da vida, vem com D. Pedro Froilaz e os filhos dele, Fernão Peres
e Bermudo Peres, tomar parte no cerco ao castelo de Suberoso, como aliados contra a
irmã D. Urraca.
Bermudo casa com uma filha de D. Teresa e Fernão liga-se a esta por amor, com
ela passando a participar do leito e do poder no senhorio dos condados de Coimbra e
Viseu, em tudo herdeiro do marido de facto. Pedro Froilaz tinha colocado bem os filhos
e fortalecido as suas ambições com o apoio da rainha dos Portucalenses.
Durante o seu governo foram suas lutas contra a irmã D. Urraca e o sobrinho D.
Afonso VII de Castela que mais lhe ocuparam o espírito e a energia. Infelizmente para
ela misturaram-se-lhe as desavenças com o filho D. Afonso Henriques, quando, zeloso
da herança paterna, ele a defendia contra as cobiças em que a envolvia o fidalgo galego
Fernão Peres de Trava, seu amante, e seu parceiro no poder.
De toda essa complicada história deve-se fixar o significativo episódio de D.
Afonso Henriques, aos 14 anos de idade, se ter armado cavaleiro na catedral de Zamora,
por suas próprias mãos, como era privilégio de reis. Tinha-o levado àquela cidade o
arcebispo de Braga, que ali se refugiara contra a perseguição de D. Teresa, por sua
submissão a D. Urraca. Mas no rasgo do infante, a que o prelado não devia ser alheio,
bem se patenteava que não fora sincera tal submissão, e por isso foi pronta a sua
reconciliação com a viúva de D. Henrique.
Declinava o poderio de D. Urraca e crescia o sossego de D. Teresa, quando outras
preocupações a vieram perturbar: a hostilidade dos nobres portucalenses que em torno
do jovem D. Afonso Henriques, ansioso do poder, viam em Fernão Peres de Trava uma
ameaça aos propósitos de autonomia do condado Portucalense.
O acto por que o jovem Afonso Henriques inicia a missão em que empenharia, não
apenas energias de guerreiro, mas também sagacidade e espírito, foi o de, em 1123, se
armar cavaleiro em Zamora. D. Afonso VII, seu primo, rei de Leão e Castela, ante as
primeiras manifestações de rebeldia do jovem príncipe dos Portucalenses, veio cercá-lo
a Guimarães, na intenção de abafar à nascença aquela ameaça contra a sua suserania.
Depois deste primeiro conflito com o primo, seu soberano, ocorre o que
vitoriosamente sustenta contra a mãe, no campo de S. Mamede.

Batalha de S. Mamede contra a mãe, D. Teresa.


Como D. Teresa, depois da morte do marido, se tivesse ligado ao fidalgo galego
Fernão Peres de Trava, e muitos fidalgos galegos fizessem parte do seu séquito, o que
era contrário à ideia da separação da Galiza, D. Afonso Henriques resolveu combatê-
los.
Em 24 de Julho de 1128 dá-se a batalha de S. Mamede, junto ao castelo de
Guimarães. D. Teresa e os seus companheiros de armas foram derrotados.
Essa derrota põe então ponto final na actividade política da buliçosa rainha, que
passa o restante tempo da sua vida no seu domínio galego de Limia.
Diz Oliveira Martins que: «As lendas contam que, vencedor, o filho encarcerara a
mãe, e põem na boca de D. Teresa este anátema terrível: “Afonso Henriques, meu filho,
prendeste-me e meteste-me em ferros, e exerdaste-me da minha terra que me deixou
meu padre, e quitaste-me de meu marido: rogo a Deus sejas assim como eu sou, e
porque meteste ferros nos meus pés, quebradas sejam as tuas pernas com ferros. Mande

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Deus que isto assim seja!” E o anátema cumpriu-se em Badajoz, anos depois, porque
Deus vingador não perdoava os crimes frequentes dos filhos contra os pais. Assim
pensavam esses homens simples.»
Diz ainda o mesmo historiador que: «À batalha de Guimarães ligava-se, porém,
um alcance maior do que o de uma simples questão de família: era a rotura da
solidariedade entre as duas metades da Galiza, e a vitória da portuguesa sobre a leonesa.
Era o primeiro sintoma de uma direcção nova, que se ia imprimindo na vida histórica
nacional.»
Portugal tinha-se libertado da Galiza, mas continuava sujeito ao rei de Leão.
Falecida a condessa D. Teresa pouco depois, em 1130, vemos o novo governante
D. Afonso Henriques encetar desde logo uma política de expansão militar franca e
claramente ambiciosa.
Em breve começa a chamar-se rei.
É então que ocorre um facto de grande importância político-militar: a batalha de
Ourique. Nele, e a despeito das falsificações e lendas que mais tarde se teceram e das
próprias dúvidas ainda hoje subsistentes na matéria, duas coisas parecem ser certas:
primeira, D. Afonso Henriques alcança ali, comprovadamente, a sua primeira grande
vitória militar contra os mouros; segunda, começa em Ourique, antes ou depois da
batalha, mas no próprio ano de 1139, a intitular-se rei. Efectivamente, é a partir deste
marco ou limiar histórico que o jovem governante vai passar a designar-se, nos
documentos da sua chancelaria, pelo título enobrecedor de rei e não pelo de príncipe ou
infante, que até então tinha utilizado. Quer dizer: já em 1139 possuía o jovem Afonso
Henriques prestígio político suficiente para actuar como rei: para se considerar senhor
de uma comunidade autónoma, e não apenas chefe de um território de cariz feudal. A
partir de então existe na Península um novo rei; cabeça de um novo reino.

Torneio de Arcos de Valdevez contra o primo Afonso VII rei de Leão e Castela.
Em 1140 dá-se o Torneio de Valdevez entre cavaleiros portugueses e cavaleiros de
Leão e Castela. Saem vencedores os cavaleiros portugueses. D. Afonso Henriques vence
o primo Afonso VII rei de Leão e Castela.
Apesar de vitoriosos, porém, os portugueses não podiam resistir a Afonso VII,
tanto mais que D. Afonso Henriques desistira de continuar uma guerra estéril.
O jovem Afonso não se conforma só com a autonomia. Quer ser independente.
O primo D. Afonso VII era seu suserano. Portugal era um feudo do rei, e Afonso
Henriques seu súbdito. Tinha de prestar vassalagem ao primo. Isso estava fora dos seus
projectos. Obedecer não era com ele. Em vez de obediência e vassalagem, o jovem
Afonso atacava terras de Leão e Castela.
Em 1137 vencera os Leoneses na batalha de Cerneja. Mas, tal como o pai, sabe
que só a Igreja lhe pode valer. Afonso Henriques vai buscar o francês Bernardo, para
bispo de Coimbra. Edifica ao mesmo tempo o Mosteiro de Santa Cruz e coloca-o sob a
protecção da Santa Sé. Mais tarde funda e protege a construção do Mosteiro de
Alcobaça. Dota-o de um couto enorme onde os monges podiam arrotear a terra, ensinar
a ler e organizar populações. Os lugares ficavam defendidos e beneficiados pelo saber
que os monges divulgavam.
Os abades cistercienses de Alcobaça eram tidos em grande conta pela Santa Sé. D.
Afonso Henriques bem precisava que assim fosse. Os desentendimentos com o primo
rei de Leão continuavam. Os mouros conheciam estas quezílias e aproveitavam-nas.
Agindo já com plena responsabilidade, quer batalhando no Norte, para arrancar ao
obstinado imperialismo de Afonso VII e do seu sucessor Fernando II a autonomia da
sua terra, quer lutando no Sul, para libertar de Muçulmanos a parte meridional por que

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ambicionava alongar o seu pequeno reino. Foram várias as suas incursões contra a
insegura e vaga fronteira setentrional dos Estados de seu primo Afonso VII. Em 1132 e
1135 invadira a terra galega e desta última vez mandando nela construir o castelo de
Celmes, na Galiza, pouco depois cercado por Afonso VII, que aprisiona todos os seus
defensores. Nova arremetida, dois anos depois, e é a sua vitória na batalha de Cerneja.
Mas o castelhano reage. Afonso Henriques, chamado a defender, no Sul, Leiria, cercada
pelos Mouros, aceita a paz com pesadas condições, pactuada com o rei de Castela, já
então aclamado imperador em Leão. Sossegada essa fronteira, volta Afonso Henriques,
em 1139, a desforrar-se da derrota no Norte. Dá-se então o já falado recontro ou torneio
de Valdevez, em que apenas tomaram parte fidalgos escolhidos de um e outro campo.
Segue-se o armistício, após novas juras de fidelidade de Afonso Henriques e o acordo
de Zamora, em 1143, pelo que o imperador reconhece a Afonso Henriques o título de
rei, mas dando-lhe o senhorio da cidade de Astorga, para mantê-lo submetido por laços
de vassalagem.
É nessa mesma data que Afonso Henriques se faz também vassalo do Papa.
D. Afonso Henriques aproveita as boas graças da Igreja, e, por intermédio do
Arcebispo de Braga, D. João Peculiar, faz que o Papa Inocêncio II aceite a sua
vassalagem contra o pagamento de um censo de quatro onças de ouro por ano.
Pelo dealbar da década de 40 contava D. Afonso Henriques, quase seguramente,
entre 30 a 35 anos de idade. Era então um homem novo e forte: sólido, entroncado,
possuía vasto arcaboiço e elevada estatura.
Formoso e bem composto, seria este o retrato físico do rei. Em todo o caso – e
embora o que pese a tais atributos – encontrava-se D. Afonso Henriques, àquele tempo,
ainda solteiro. Talvez já possuísse descendência, mas não era legítima. Assim sendo,
urgia-lhe tomar mulher ou seja, tomar estado e passar a núpcias de bênção, para que ao
reino não viesse a faltar herdeiro na altura própria. Mas com quem? E onde?

Casamento com a prima D. Mafalda de Sabóia.


São escassas ainda hoje as investigações existentes na matéria. Sabe-se apenas que
veio a casar-se, de facto, canonicamente, no ano de 1146, escolhendo para o efeito uma
condessa da Casa de Sabóia: D. Mafalda ou Mahaut ou Mathilde.
D. Mafalda de Sabóia surge nos nobiliários e livros de linhagens como sendo filha
de Amadeu III, conde de Sabóia e de Mauriana e de sua mulher a condessa Mahaut.
Pela costela paterna descendia da Casa de Borgonha e era, por isso, parenta
sanguínea do noivo Afonso Henriques (prima em sétimo grau na linha colateral).
Ignoram-se, no entanto, por completo, quer o local quer a data em que terá vindo ao
mundo. E ignoram-se também os motivos que terão levado o monarca português a
escolher e firmar esta aliança.
Para uns, tratar-se-ia de mero consórcio entre parentes, grato às duas famílias
condais. Segundo outros, D. Afonso Henriques visava mais alto e mais longe: aquilo
que o monarca pretendia era obter apoios internacionais tendentes à consolidação do
reino. E nesse sentido, a ligação à Casa de Sabóia afigurava-se a aliança perfeita, pois
Amadeu de Sabóia e Mauriana era vassalo directo da primeira grande potência política
da Europa do tempo: o titular do Sacro Império Romano-Germânico.
Avaliam outros que, ao procurar estabelecer uma ligação matrimonial fora da
Península, D. Afonso Henriques exprimia apenas com clareza uma atitude de
independência e autonomia face ao seu antigo suserano – o rei de Leão e Castela D.
Afonso VII, por sinal também seu primo e co-irmão.
Como quer que seja e pense-se o que se pensar, uma coisa há-de ser certa: o
casamento do primeiro rei de Portugal foi um acto político, não sentimental, igual a

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tantos outros da época. Foi um consórcio diplomático, longamente ponderado, e não
uma qualquer escolha baseada em critérios de natureza subjectiva. Imperaram aqui,
sobre o príncipe, as chamadas “razões de Estado”: o que importava era fortalecer uma
linha de rumo, amparar uma política a seguir ou permitir a sua continuidade e
viabilidade no tempo.
Entrou a rainha D. Mafalda de Sabóia em Portugal no ano de 1146. Contraiu
casamento canónico na cidade de Coimbra entre os meses de Março e Julho desse
mesmo ano. Em 1146, aparece já a autenticar documentos públicos lado a lado com o
rei, o qual a trata por “mea regina”. Mais tarde passa a referir-se também aos filhos.
É sabido, que o casal régio teve vários filhos no espaço que medeia entre 1147 e
1158. Frei António Brandão, cronista-mor do reino, arrola sete, dispondo-os por ordem
cronológica. Foram os seguintes, segundo o cronista: D. Henrique, varão primogénito,
que nasceu em 5 de Março de 1147 e que faleceu moço ou recém-nascido; D. Sancho,
que herdou a Coroa e foi o futuro rei de Portugal; D. João, que morreu também de
pouca idade; D. Urraca, futura rainha de Leão por casamento em 1165 com D. Fernando
II rei de Leão sendo repudiada em 1179 com o pretexto de que era sua prima; D.
Mafalda, outra legítima, que nasceu em Coimbra, em ano incerto, prometida a D.
Raimundo Berenguer, herdeiro de Barcelona e Aragão, acabaria por morrer virgem; D.
Teresa, que nasceu em ano incerto, casou em primeiras núpcias com o conde de
Flandres Filipe de Alsácia e em segundas núpcias com o duque da Borgonha; e D.
Sancha, cujos dados biográficos se desconhecem.
Tanto quanto lho consentiam os encargos da vida familiar, praticou a rainha D.
Mafalda diversos actos de assistência, piedade e mérito, que a História registou.
Pouco tempo havia de ter a rainha, no entanto, para manifestar estas doações e
liberalidades. De facto, não muito depois, a morte batia-lhe à porta: foi em 1158. Entre
3 e 5 de Dezembro deste ano, seja por doença ou por parto (da infanta D. Sancha?)
finava-se, ficando sepultada no Mosteiro de Santa Cruz. Morria jovem, na flor da idade,
deixando o monarca viúvo.
Tinha reinado apenas doze anos e meio.
É lícito indagar agora: terão sido felizes? Não o referem as fontes e é hoje difícil
sabê-lo. Nem ao tempo se devia saber também, a não ser pela boca de alguns mais
privados. Em todo o caso, dois factos parecem ser aqui indiscutíveis: primeiro, o rei não
abandonou as suas correrias e conquistas militares pelo País durante todo o tempo em
que durou o enlace. Em 1147, logo no ano seguinte ao mesmo se ter dado, tomou
efectivamente Santarém, Lisboa, Sintra, Almada e Palmela; e em 1151, 1157 e 1158
está longe da rainha, no Alentejo, a cercar as muralhas de Alcácer do Sal. Segundo, é
também sabido que D. Afonso Henriques nunca se absteve de afirmar a sua virilidade
fora do casamento. Deixou atrás de si diversos filhos bastardos ou ilegítimos – que
muito prezava, aliás.
Neste particular, basta referir que fontes fidedignas lhe atribuem cinco, pelo
menos, nascidos todos eles antes, durante ou depois do matrimónio – seja como for à
margem dele. Foram: D. Fernando Afonso, referido em documentos de 1166 a 1172 e
que foi alferes-mor do Reino; D. Pedro Afonso, que foi grão-mestre da Ordem de
Calatrava e tomou parte na conquista de Santarém sendo por muitos considerado
também irmão do monarca, ou seja: filho bastardo do conde D. Henrique; D. Afonso de
Portugal, guerreiro notável, que seguiu para a Palestina e chegou a mestre da Ordem de
S. João de Rodes; D. Teresa Afonso, que casou em primeiras núpcias com o rico-
homem D. Sancho Nunes de Barbosa e em segundas núpcias com D. Fernando Martins,
senhor de Bragança e de Chaves; e D. Urraca Afonso, que nasceu e faleceu em data
incerta e que teve por marido um neto de Egas Moniz e levou também vida opulenta.

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Era este, sem dúvida, o espírito da época. Era o clima objectivo em que se banhava
a mentalidade da baixa Idade Média, a qual permitia ou não contrariava a prática das
relações masculinas extraconjugais, nada vendo de ignominioso ou de pejorativo na
bastardia como condição. O facto era aliás corrente, correntíssimo. As bastardias reais,
na grande nobreza e até entre os altos dignitários da Igreja, eram caso correntíssimo e de
nenhum modo motivo de escândalo ou opróbrio, revertendo mesmo em títulos de
orgulho para esses bastardos. Publicamente reconhecidos pelos pais, ingressavam no
seio da família regularmente constituída, ombreando com a descendência legítima e
beneficiando de idênticas honrarias e benesses, sempre que não colidissem com direitos
substantivos, especialmente de natureza política, se o Papa lhos não reconhecesse.
Era assim a mentalidade daquele tempo.
Acerca de D. Afonso Henriques conta-se um episódio interessante embora talvez
lendário. Um dia o rei foi visitar o conde D. Gonçalo de Sousa à sua propriedade de
Unhão. Honrado, o conde tratou de ir preparar comida para receber o monarca mas,
enquanto se demorava, D. Afonso Henriques não perdeu tempo e aproveitou logo ali
para tomar posse da condessa. Quando o conde voltava com a comida viu aquilo e não
gostou. Todavia limitou-se a dizer: “Levantai-vos senhor porque a comida já está
pronta”. O rei pôs-se a comer e enquanto o rei se banqueteava, recuperando energias, D.
Gonçalo repudiava a adúltera para casa do pai, montada numa burra de albarda virada
para o rabo do sendeiro e vestida com uma pele de cabra, com o cabelo tosquiado. Este
acto encolerizou D. Afonso Henriques, que quis mesmo matar o fidalgo ultrajado na sua
honra. Mas recua perante a passividade de D. Gonçalo quando el-rei lhe disse que lhe
cortava a cabeça, ao que respondeu: «Senhor mais vale. Homem sem honra morto é!»
Se esta era efectivamente a moral daquela época não parece assim de estranhar que
D. Afonso Henriques tivesse tido mulheres à margem da sociedade conjugal
estabelecida. E pouco ou nada poderia ter feito a rainha para o deter, Na sua apetência
instintiva, o rei era senhor.
A rainha D. Mafalda morreu em 1158, deixando o marido viúvo por mais 27 anos.
Nesse lapso, D. Afonso Henriques não desistiu das suas ambições militares: tomou
ainda aos Almóadas grande parte do Alentejo e teve ainda a dita de ver confirmada pelo
Papa, a independência política do Reino de Portugal.

Combate em Badajoz contra o genro Fernando II rei de Leão.


A vida de D. Afonso Henriques é uma batalha constante. Já no seu termo, ao
atacar Badajoz, fica prisioneiro do genro, Fernando II de Leão. Este liberta-o depois de
ter recebido uma compensação de guerra.
Fernando II de Leão casara com uma filha do rei português, D. Urraca de Portugal,
em 1165, mas nem ao genro nem à filha Afonso Henriques cedia os seus ambiciosos
propósitos. Alguns historiadores afirmam que D. Urraca foi repudiada; outros, porém,
dizem que o casamento foi anulado por razões de parentesco. Os dois cônjuges eram
bisnetos de D. Afonso VI.
Raras vezes a política tomou em consideração os vínculos de família, O rei de
Leão usurpara a coroa de Castela, e contava que a esposa lhe trouxesse a aliança do
português, porventura teria havido inteligências positivas entre os dois monarcas.
Quando com uma livre audácia se rompiam as pazes mais solenes, que admira que se
mentisse a convénios ou ajustes privados? Afonso Henriques era, como se sabe, mestre
na arte de reinar. O facto é que, logo um ano depois do casamento da infanta, aproveita
o momento em que o rei Fernando se achava a braços com a insurreição dos castelhanos
para mandar seu filho e herdeiro, Sancho, à batalha de Arganal, onde foi batido.
Invadindo em pessoa a Galiza, o rei apossara-se facilmente de Tui e do distrito de

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Toronho até o Lerez, seguindo daí para leste. Essa nova ocupação portuguesa da Galiza
dura até o desastre de Badajoz.
Em 1147, D. Afonso Henriques, aproveita uma chegada de Cruzados ao Porto,
convence-os a ajudá-lo a desalojar os mouros. Havia chegado a esta cidade, acossada
por temporais nas costas da Galiza, uma grande frota de Cruzados a caminho da
Palestina. Afonso Henriques escreveu logo ao bispo do Porto, D. Pedro Pitões, para que
propusesse aos chefes dos Cruzados a sua colaboração na conquista de Lisboa, o que foi
aceite, estabelecendo-se as condições – saque, casa e terras de cultura para os que
desejassem ficar – e a cidade foi conquistada ao cabo de um demorado cerco por mar e
terra. Sintra, Almada e Palmela renderam-se sem combate. A conquista de Évora
realiza-se em 1165. É Geraldo, chamado o Sem-Pavor, autêntico fronteiro de Alcácer,
que a prepara e com o rei a realiza, prosseguindo depois para leste e apoderando-se de
Cáceres, Trujilo, Montanches, Santa Cruz, Serpa e Juromenha. Quatro anos depois,
tendo entrado Geraldo, o Sem-Pavor em Badajoz, mas não conseguindo penetrar no
castelo, veio Afonso Henriques em seu socorro. Em má hora o fez, porque, acordadas as
cobiças do genro de Castela sobre a mesma cidade e tendo vindo sobre ela para
aprisionar Afonso Henriques, seu sogro, o azar lho ofereceu caído, com uma perna
partida no ferrolho duma das portas das muralhas. Foi-lhe inevitável ceder ao genro as
conquistas realizadas a leste de Évora. D. Fernando não lhe é ingrato: quando em 1171
o sogro se encontra cercado em Santarém pelas forças do comando do almuadem Abu
Jacube, é D. Fernando que o vem libertar.
Quem era Afonso Henriques? Interroga-se Oliveira Martins na sua História de
Portugal e na qual responde assim: «Era audaz, temerário até, pessoalmente bravo,
qualidade nem tão comum no tempo, como a muitos casos pareça. Fraco general, ao que
se vê, porque as batalhas feridas com as tropas leonesas perdeu-as sempre, era feliz
guerrilheiro. Capitaneando um troço de soldados, caía de improviso sobre um lugar, e a
fúria irresistível do ataque deu-lhe a maior parte das suas vitórias. Nem a grandeza das
empresas o assustava, nem as distâncias o impediam de acudir a um tempo, do extremo
norte, quase ao extremo sul do país. A estes dotes militares reunia outros não menos
valiosos, na precária situação em que se apossara do reino. Era seco, astuto, friamente
ambicioso, sem quimeras nem ilusões. Era um espírito agudo e prático, e isso fazia boa
parte da sua força. Mal dos políticos ao mesmo tempo apóstolos! Como a tenra haste
que verga à mais leve brisa do canavial, assim Afonso Henriques, sem rebuços,
obedecia, logo que a sorte lhe era adversa. Passada a tormenta erguia-se; e à facilidade
astuta com que se humilhava, respondia logo a teima pérfida com que se rebelava. Isto
fazia-o indomável. Tinha o quer que é de fugitivo, na sua política e no modo por que
fazia a guerra. Ubíquo militarmente, era nos negócios um proteu. Os seus inimigos,
leoneses, sarracenos, não achavam por onde prendê-lo. Submisso e humilde quando se
achava vencido, subscrevia a todas as condições, aceitava todas as durezas; para logo
mentir a todas as promessas, rasgar todos os tratados, com uma franqueza ingénua, uma
simplicidade natural que chegavam a espantar a própria Idade Média. Nem brios
cavaleirosos, nem sentimentos de família, nem ódios pessoais, nem vinganças
estupendas: nenhuma quimera, nenhuma grande ambição, nenhum sentimento poético
enchiam a sua cabeça, estreita, e inteiramente ocupada pela ideia fixa de consolidar a
sua independência. O predomínio absoluto de uma ideia prática, servida por uma
inteligência lúcida, por um carácter sem grandeza, e por uma valentia provada,
tornavam-no invencível, ainda mesmo quando era batido. A sua teima fazia-o
semelhante a uma lâmina de aço, um instante vergada por um esforço momentâneo,
logo estendida quando livre, e impossível de manter curvada desde que se acha solta. O
seu pensamento tinha a tenacidade da mola, e não a rijeza do bronze nem o peso do

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