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MOEDA DEZ

O SALÃO IMPERIAL

Cinco mulheres se encontraram no Salão Imperial, se conheciam de


longa data. Há tempos tinham esse encontro anual, às vésperas da
páscoa cristã, para comer chocolate, coisa proibida no outros dias do
ano, e para falar de suas vidas, hábito muito raro nas mulheres desse
país. A primeira era a própria Imperatriz e se queixava que o
imperador, com o passar dos anos, tornara-se afeito às desavenças
e nada que ela fizesse mudava isso, ora teimava feito um velho, ora
feito um menino, outras vezes feito um homem, o que dava no
mesmo. As amigas receitaram beijos e tapiocas no café da manhã,
pôr-do-sol com cafunés à tarde e doses de lingeries à noite. Nem
mesmo o velho rei resistiria a uma dieta como essa. A segunda a
falar, junto com a outras demais, era a Princesa Fortunata, reclamava
de suas obrigações, sempre sendo cobrados dela comportamento
exemplar e decoro, não podia dizer palavrões nem se sentar de
pernas abertas, e os príncipes, que apareciam eram metrossexuais,
que só pensavam em casar e serem felizes para sempre, nada mais
previsível e ela louca por aventuras. Para esta foi aconselhada
literatura, variada e maldita, poderia começar por um marquês que
fora preso por causa de seus escritos. A terceira foi a Duquesa
Teresinha, que tinha sido acudida por três cavaleiros de chapéu na
mão, mas não sabia qual era seu pai, qual era irmão e qual o gentil
a quem deveria dar mais que a mão. Pensou em procurar um autor
de novelas, mas achou que ele a enrolaria por seis meses até chegar
a um final sem nexo. Então, supondo tratar-se dos mosqueteiros,
pedia ajuda na conferência dos bombons, aguardava para falar ao
mesmo tempo que as outras, naturalmente. E a resposta foi a mesma
de todos os anos, na dúvida desse um beijo e um abraço na menina
mais bonita e se colocasse de novo a girar na roda do baile até levar
novo tombo. As duas últimas se pareciam, mas não eram gêmeas,
afinal tinham o mesmo nome, Graça Uma, Graça Aoutra, graças às
duas, se perderam numa noite em que resolveram sair a pé pela
Internet para se conhecer. Cada qual saiu de um país-reino, falavam
línguas diferentes, mal se entendiam, mas se gostavam tanto que
foram removendo as pedras do caminho e refazendo as conexões
que caíam com frequência. As trilhas que eram afastadas, mas
paralelas entre si, se encontravam no final e elas se viram frente a
frente em frente ao palácio. Aproveitaram a chegada dos coelhos-
carregados-de-filhos-pra-jesus-criar e entraram disfarçadas de
canções no salão Imperial. Lá naquele lugar mágico, onde todas
tinham sua vez de falar ao mesmo tempo, elas foram bem recebidas.
Afeitas às lágrimas, molharam os pés das anfitriãs e criaram nova
antiquíssima tradição: lavar com choro os pés dos nobres. E falaram,
cada uma na sua vez, a mesma coisa, que só queriam estar juntas
nos jardins do palácio, ao que foram aplaudidas com risadas. O que
queriam era tão simples que era impossível, voltassem sempre na
mesma data para renovar o estapafúrdio pedido e rirem juntas.
Quando a conversa é proveitosa o relógio se adianta, logo elas
ouviram a tosse da poeira do palácio avisando que os pensamentos
estavam acordando e fazendo um ruído tremendo. Então elas se
despediram com abraços bem suaves e beijos colados, digo,
calados, prometendo se reencontrar e foram, cada uma para seu
canto, tecer histórias que fizessem os pensamentos rebeldes
voltarem a dormir, e assim o reino pudesse silenciar em paz

Cátia Cardoso in Trinta Contos Para Não Morrer

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