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2019 Choques Mrfológicos - Artigo RMU PDF
2019 Choques Mrfológicos - Artigo RMU PDF
Revista de MorfologiaUrbana (2019) 7(1): e00053 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
Choques morfológicos e crises de sociabilidade 2 / 17
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Figura 2. Plano físico da Universidade de Brasília (UnB), conforme proposta de zoneamento constante
dos documentos do Acordo entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) (fonte: Programa MEC/BID I apud Rodrigues, 2001, p. 134).
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O território não é neutro, tendo seus usos Em publicação mais recente, a autora reforça
permitidos, estimulados, proibidos. Vive-se sua proposição sobre a insurgência dos
forte disputa e conflito entre a dominação do espaços inventados:
espaço pelo Capital e pelo Estado
(normalmente atuando em parceria) e a O planejamento insurgente avança
apropriação do mesmo pelos usuários. essa tradição ao abrir a teorização do
planejamento a outras formas de ação,
A definição de território apresentada por para incluir não apenas formas
Barbosa (2017, p. 13) mostra-se oportuna selecionadas de ação dos cidadãos e
para aclarar o entendimento que queremos de suas organizações sancionadas
corroborar: pelos grupos dominantes, as quais
designo de espaços de ação
Afigura-se um conceito de território
convidados; mas também as
como um conjunto complexo e
insurreições e insurgências que o
indissociável de práticas sociais –
Estado e as corporações
econômicas, políticas, culturais,
sistematicamente buscam colocar no
ideológicas – que se revela como
ostracismo e criminalizar – que
escrita temporal de sujeitos e como
designo de espaços de ação
impressão espacial de ações, técnicas
inventados. [...] Os dois tipos de
e objetos no chão de nossas
espaços que discuto encontram-se em
existências. É assim que as
uma relação dialética e de interação
contradições, os conflitos e as disputas
mutuamente constituída, não em uma
sobre os rumos de uma sociedade
relação binária. Evidências concretas
ganham visibilidade e praticidade. E, é
mostram que as práticas dos
claro, onde as relações de
movimentos sociais, que almejam
solidariedade, amizade e confiança
alcançar mais do que as necessidades
também marcam sua insistente
individuais, que é a meta da inclusão
presença para renovar o presente e
liberal, frequentemente tem de se
inventar outro futuro.
mover através e entre aqueles espaços
Acontece que, e seguindo a perspectiva da de acordo com as necessidades
produção capitalista do espaço, na maioria específicas da luta. Mas instituições de
das vezes os espaços são produzidos com poder, tais como a mídia dominante, o
ênfase em seu valor de troca; queremos aqui Estado, organizações internacionais
evidenciar que os territórios sejam de ajuda, configuram esses espaços
produzidos sob outra lógica que não a do convidados e inventados em uma
mercado: produção do espaço por seu valor relação binária, e tendem a
de uso - sobre este tema, pode indicar os criminalizar os últimos, designando
textos de Rodrigues (2015a; 2015b). apenas os primeiros como espaços
“apropriados” para as vozes e
A arquiteta urbanista iraniana Faranak participação dos cidadãos. (Miraftab,
Miraftab (2004; 2016) propõe duas 2016, p. 368-369)
terminologias, designando por espaços
convidados aqueles sob controle e produção Constatamos a crueldade (às vezes
por parte do Estado e grupos hegemônicos, e ostensivamente, às vezes sob a tônica da
espaços inventados aqueles produzidos pela ideologia no plano do imaginário) que Estado
informalidade dos grupos sociais que se e Capital fazem para inibir a livre produção
apropriam dos espaços, mas que são muitas espacial e o pleno direito à cidade, sua
das vezes “criminalizados”. produção e apropriação.
Miraftab (2004, p. 1, tradução minha) assim Alguns exemplos observados em pesquisas
apresenta: “Espaços 'Convidados' são ajudam na ilustração. Praças públicas de
definidos como aqueles ocupados por grupos nossas cidades vêm sendo palco de rodas
sociais e suas organizações não- culturais (com batalhas de rima e demais
governamentais aliadas que são legitimadas expressões da cultura hip hop), manifestações
pelo governo. Espaços 'Inventados' são que costumam dotar esses espaços públicos
aqueles, também ocupados por bases sociais de maior vitalidade e laços de coesão social e
e suas ações coletivas, mas que confrontam afetividade. Muitas das vezes tais práticas
diretamente as autoridades e o status quo". artístico-culturais são criminalizadas e os
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coletivos. Brecht refletiu sobre a situação dos várias cidades serem tratados também de
anos 1940, 1950. A tônica da urbanística maneira idealizada que mais valoriza sua
modernista, desejada sobretudo a partir dos carga sígnica do que suas possibilidades de
anos 1930, ganhou fortes críticas nos idos apropriação. Ou seja, há uma tensão entre as
dos anos 1960, sob a alegação que a possibilidades de mudança e diversidade e a
setorização e o excessivo planejamento dos cristalização de valores que as emperram.
espaços das cidades geravam distanciamento Outros exemplos ilutrativos podem ser
entre os usuários e enfraquecimento de suas trazidos, mantendo-se a implantação de
possibilidades de efetiva apropriação. Tal outras obras de Oscar Niemeyer em Niterói.
pensamento teve pouca aderência em muitas
O Museu de Arte Contemporânea (MAC) foi
partes do mundo e pode-se dizer que nenhum
implantado num platô que era um mirante
impacto aqui no Brasil (basta lembrar que
onde se reuniam os jovens após as "baladas"
estávamos, naquele momento, construindo
noturnas (por conta de trailer que vendiam
Brasília – exemplo maior do urbanismo
hamburgeres e similares). Sua construção
modernista [para maiores reflexões sobre o
data de 1996 e foi o primeiro projeto de
tema, sugiro em especial os capítulos 6 e 8 de
Niemeyer na cidade. Logo se tornou
Rodrigues (2001). Minha argumentação vai
importante ícone, como atestam as manchetes
na direção de reafirmar que muito pouco se
do jornal O Globo à época: “O cálice está
avançou na perspectiva de se retomar os
quase pronto para a festa” (28/07/96);
espaços coletivos das cidades para real uso e
“MAC transforma Niterói em pólo turístico”
apropriação dos mesmos, reforçando elos de
(09/03/97); “Uma cidade com a grife Oscar
coesão social entre os sujeitos. A tônica do
Niemeyer” (04/05/97).
planejamento estratégico cada vez mais em
sintonia com a lógica do capital, buscando a
melhor forma de “vender” as cidades para a
especulação financeira e turística de forte
atratividade e fraca apropriação. Práticas
culturais e vida urbana ficam, ambas, sob as
luzes da espetacularização. Se precisamos
desculturalizar a cultura como defendeu
Victor Vich, eu diria que precisamos também
desplanejar o planejamento urbano.
Parto do pressuposto de que o espaço urbano
pleno é aquele que possibilita uma Figura 6.Museu de Arte Contemporânea,
apropriação múltipla que o consolide implantado no mirante da Boa Viagem
enquanto “lugar”, nas acepções de Certeau (Niterói/RJ) (fonte: autor).
(1998), que aponta que lugar é espaço
praticado, pois ligado às pessoas, e Augé
(1994), que cunha a expressão não-lugar para
designar espaços marcados pela efemeridade,
por apropriações rarefeitas e momentâneas.
Lucrecia Ferrara (1999) chama de turismo
dos deslocamentos virtuais a forma como os
visitantes tendem a se relacionar com o
espaço: de modo efêmero e superficial,
atentando-se a recortes imagéticos que pouco
ou nada traduzem do lugar em si, e que são
efeitos perversos da contemporaneidade.
Figura 7. O MAC, devidamente "resguardado"
Constatei– como já apontado – que a
pelas grades (fonte: autor).
produção do espaço universitário no Brasil ao
longo do século XX seguiu a idealização e
consolidação de um modelo urbanístico O mirante onde se reuniam e se encontravam
único, com possibilidades mínimas de constantemente vários moradores cedeu lugar
ruptura (ao menos até fins do século, mas ao principal ícone da cidade, que mesmo com
provalvemente até hoje). Em complemento, suas generosas áreas externas é vedado à
constato, ainda hoje, espaços privilegiados de livre circulação (atualmente as grades foram
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substituídas por vidros para melhor têm, sob este aspecto,maior independência. A
visualização da obra arquitetônica). busca da arquitetura moderna foi,
utopicamente, a de nãosignificar nada além
A gentrificação é outro resultado desse
do que sua forma/função, no entanto uma
modelo urbanístico que pouco favorece à
carga simbólica sempre haverá, e as pessoas
apropriação e uso do espaço pelos cidadãos
fatalmente lhe darão outros significados.
como um todo5.
Estes, ao invés de aproximar as pessoas, as
Crítica racional X crise de paradigmas afastam dos espaços assim constituídos.
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vez mais, segrega-se internamente cada vez na perspectiva de que somos todos capazes
mais; condomínios gradeados, dicotomia de produzir políticas) e com nossos direitos à
cidade/morro, áreas de interesse turístico cultura, entendida aqui em dimensões amplas
cooptadas/direcionadas aos interesses que ultrapassam o campo estrito da Arte e a
prioritários do capital, planejamento colocam inserida em nossas práticas como
territorial entendido sob lógicas do um todo, com foco nas interações sociais
planejamento estratégico de grandes permitidas/estimuladas pelo uso do espaços
intervenções etc. O símbolo da racionalidade público.
da modernidade ficou impregnado em nós.
Adorno e Horkheimer (1985), em sua Notas
Dialética do Esclarecimento, já nos 1
Marco da arquitetura moderna no Brasil, o
apontavam, em meados do século passado, a edifício do Ministério da Educação e Saúde (atual
falácia do projeto racionalista, pois o próprio Palácio Gustavo Capanema), no Rio de Janeiro, é
conceito de razão que conforma a cultura o resultado do trabalho de um grupo arquitetos
converte civilidade em barbárie. A gênese da liderados por Lucio Costa, e do qual participaram
subjetividade é construída a partir da fantasia diversos arquitetos de vertente modernista, entre
do poder sobre a natureza e sobre o eles Oscar Niemeyer, tendo tido consultoria de Le
indivíduo. O totalitarismo da modernidade Corbusier. A construção do edifício, iniciada em
espelha-se numa lógica de uniformização a 1937, conhece um primeiro acabamento exterior
em 1942, mas só é inaugurada oficialmente em
degradar o próprio homem a mero objeto da
1945, por Getúlio Vargas.
natureza. Cabe, porém, destacar que esse
2
sempre-o-mesmo apresenta-se disfarçado em O presidente Getúlio Vargas foi eleito em 1930,
novidade (a lógica capitalista). tendo ficado do cargo até 1945, após golpe de
Estado em 1937.
Vivemos um reiterado processo de retomada 3
UB - Universidade do Brasil; UFRJ -
de ideais iluministas que produzem
Universidade Federal do Rio de Janeiro; USP -
uniformizações (travestidas de diversidade, Universidade de São Paulo; UFMG -
cabe reiterar). É preciso "remar contra a Universidade Federal de Minas Gerais
correnteza", isto é "varrer a história a 4
contrapêlo" e buscar soluções que melhor Exemplo contrário, importante de se citar aqui, é
o da Batalha do Tanque, na Praça dos Ex-
vivifiquem nossos espaços de convívio, seja
Combatentes em São Gonçalo/RJ no qual
na cidade como um todo seja em alguns de participantes desta Batalha e alguns comerciantes
seus recortes. Preconizamos (neste artigo e do entorno interagem de modo pleno; maiores
em outros escritos) a necessidade de se exemplificações e reflexões sobre essa temática
mesclar métodos que tragam aportes culturais podem ser encontradas em Correia, 2019.
à produção urbana, de modo a melhor 5
Maiores detalhamentos sobre resultados
entender certos impasses que nos envolvem e econômicos, simbólicos e sociais provocados
vislumbrar alternativas. Metodologias e pelas implantações de obras assinadas por Oscar
reflexões que possam aclarar (ou se Niemeyer na cidade de Niterói se encontram em
aproximar de possíveis razões) inibições e Rodrigues (2015a).
expectativas de recepção e uso de espaços
urbanos, contribuindo mais incisivamente
com nossos direitos à cidade (e a produzi-la
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