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ESTUDO

DA CIDADE

Vanessa Guerini Scopell


Cidades modernas
no mundo
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer características do urbanismo modernista.


 Exemplificar aplicações dos conceitos do urbanismo modernista em
cidades existentes.
 Identificar o movimento de crítica às cidades modernistas.

Introdução
O movimento moderno foi uma vertente que surgiu após a Revolução
Industrial com o objetivo principal de criar soluções e estratégias para
melhorar as cidades, demonstrando a importância do planejamento
urbano e do estudo sobre diversos aspectos da cidade, como ruas, quadras
e habitações. Esse movimento foi um marco para o século XX porque
trouxe novas visões sobre a vida nos centros urbanos; por outro lado, após
alguns anos, sofreu duras críticas em virtude de uma nova perspectiva
levantada por outros estudiosos.
Neste capítulo, você entenderá o que foi o urbanismo modernista e
quais foram as principais características desse movimento. Você também
identificará exemplos de cidades que foram projetadas com base nesse
conceito, no Brasil e no mundo. Ainda, você poderá perceber as críticas
que esse movimento recebeu ao passar dos anos.

1 Características do urbanismo modernista


O urbanismo modernista surgiu, conforme Abiko, Almeida e Barreiros (1995),
a partir de um contexto onde, entre os anos de 1800 a 1914, a população da
Europa aumentou de 180 milhões de habitantes para 460 milhões. Conside-
rando essa realidade e a consolidação dos processos histórico e civilizatório
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que ocorreram ao final do XIX, por meio da revolução industrial, a busca


por soluções dos problemas relacionados à cidade foi uma ação obrigatória.
Para Ultramari (2009), o fenômeno socioeconômico desse período resultou
em uma intenção de um tipo de cidade requerida, o que necessitava de novos
procedimentos de análise e de intervenção.
A cidade do momento da Revolução Industrial traz como consequências
o congestionamento, a insalubridade, a falta de espaços livres de qualidade,
a má preservação de edificações históricas, o surgimento de construções de
baixa habitabilidade, a carência de sistemas de esgoto e abastecimento, a
proliferação de doenças, entre outros. Esse reflexo se dá pela intenção de uma
cidade almejada pela iniciativa privada que busca o máximo aproveitamento
do espaço urbano visando ao lucro, sem qualquer organização ou controle.
Nesse contexto e diante das novas necessidades, surgiram diferentes ex-
periências para encontrar modelos de cidades ideais que pudessem combater
e mudar a realidade dos centros urbanos, evitando seus problemas. “Surge
então a necessidade de uma ação pública, ordenando e propondo soluções que
até o momento eram implementadas apenas pelo setor privado, com objetivos
individuais, de curto prazo e em escala reduzida” (ABIKO; ALMEIDA;
BARREIROS, 1995, documento on-line).
Com isso a disciplina do urbanismo passa a ser considerada, sendo um
meio para entender e buscar soluções para esses problemas urbanos. Benevolo
(2001) destaca que o urbanismo surgiu muito antes desse momento, mas foi
nesse período que ele adquiriu importância. Conforme Abiko, Almeida e
Barreiros (1995), em um primeiro momento surgiram algumas ideias urba-
nísticas sanitaristas, priorizando abastecimento de água e melhoramento do
sistema de esgoto, com a intenção de promover a salubridade das cidades.
Nesse momento legislações relacionadas a esse assunto também foram criadas
e cidades industriais como Londres, Manchester e Liverpool puderam criar
estratégias para combater tais problemas.

Ao nível das ideias, os primeiros intelectuais a estudar e a propor formas para


corrigir os males da cidade industrial polarizaram-se em dois extremos: ou se
defendia a necessidade de recomeçar do princípio, contrapondo à cidade existente
novas formas de convivência ditadas exclusivamente pela teoria, ou se procurava
resolver os problemas singulares e remediar os inconvenientes isoladamente,
sem ter em conta suas conexões e sem ter uma visão global do novo organismo
citadino (ABIKO; ALMEIDA; BARREIROS, 1995, documento on-line).

Um dos exemplos de planos desenvolvidos nesse momento foi a proposta


de cidades-jardins de Ebenezer Howard, que tinha como objetivo, segundo
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Abiko, Almeida e Barreiros (1995), a eliminação da especulação dos terrenos,


o controle do crescimento através da limitação da população e o equilíbrio
funcional entre as atividades.
Outro exemplo foi a proposta de cidade industrial de Tony Garnier, que,
com base no urbanismo progressista e racionalista, buscou a ordenação das
cidades através de soluções plásticas e utilitárias. Esse pensamento de urba-
nismo culminou na criação dos Congressos Internacionais de Arquitetura,
que iniciaram no ano de 1928 com a junção de arquitetos e urbanistas que
conceituam o urbanismo e deram origem ao conceito modernista. Segundo
a Declaração de La Sarraz, de junho de 1928, o urbanismo pode ser definido
como “[…] a disposição dos lugares e dos locais diversos que devem resguardar
o desenvolvimento da vida material, sentimental e espiritual, em todas as suas
manifestações individuais e coletivas” (BIRKHOLZ, 1967, p. 33). Ainda, no
documento foi destacado que tanto as aglomerações urbanas quanto rurais
interessam ao urbanismo, e que suas três funções principais são habitar, recrear
e trabalhar. Com os objetivos do urbanismo foram definidas as ações de uso
e ocupação do solo e a organização da circulação e legislação.
Já no ano de 1933, o 4º Congresso Internacional da Arquitetura Moderna
(CIAM), ocorrido na Grécia, originou a Carta de Atenas que, conforme ressal-
tam Abiko, Almeida e Barreiros (1995), foi a chave para mudanças qualitativas
nas cidades. Dentre as principais características do urbanismo modernista,
demonstradas nesse documento, pode-se destacar:

 a cidade como parte do conjunto político, econômico e social;


 o urbanismo não pode se submeter às regras estéticas gratuitas;
 o urbanismo deve ser sua própria essência, tendo ordem funcional;
 as cidades devem ter quatro funções principais, as quais o urbanismo
deve zelar: habitar, trabalhar, circular e cultivar o corpo e o espírito;
 o parcelamento do solo fruto de partilhas, vendas e especulações deve
ser alterado por uma economia de reagrupamento;
 o urbanismo deve dar condições para criação de circulações modernas;
 deve priorizar a criação de espaços livres;
 obrigatoriedade do planejamento regional;
 submissão da propriedade privada do solo urbano aos interesses
coletivos, a industrialização dos componentes e a padronização das
construções;
 edificação concentrada, mas adequadamente relacionada com amplas
áreas de vegetação;
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 admite ainda o uso intensivo da técnica moderna na organização das


cidades, o zoneamento funcional, a separação da circulação de veículos
e pedestres, a eliminação da rua corredor e uma estética geometrizante;
 zonas urbanas definidas e separadas;
 grandes espaços livres entre as edificações;
 circulações bem definidas.

Ainda, conforme acrescenta Choay (2007), é importante compreender


que a linha de urbanismo progressista/funcionalista/racionalista que deu
origem ao urbanismo moderno acreditava que suas estratégias poderiam ser
utilizadas em qualquer cidade e qualquer local, tendo um caráter universal.
Nesse sentido, outra característica dessa vertente é que ela é marcada por uma
simplificação funcional.
Como grandes objetivos do modernismo para as cidades, pode-se destacar
a ocupação racional do uso do solo, a organização da circulação urbana e a
criação de meios legais para a atuação de melhoria tanto no território da cidade
como do campo. Através disso, busca-se promover o desenvolvimento da via
material, espiritual e sentimental.
Pode-se afirmar que esse foi um momento onde os arquitetos e urbanistas
puderam colocar suas ideias em prática, tirando muitas propostas do papel:
assim, as características mais marcantes desse movimento foram sendo incor-
poradas em propostas e planos urbanos com o intuito de resolver os problemas
e criar melhores condições de moradias nesses locais.

2 Urbanismo modernista em cidades existentes


O urbanismo modernista foi importante porque trouxe uma nova visão sobre o
funcionamento das cidades, demonstrando a relevância de se projetar para uma
melhor qualidade de vida e de pensar questões relativas a recuos, afastamentos,
ajardinamentos, insolação, ventilação natural e outros aspectos. Com isso, os
conceitos do urbanismo modernista refletiram em planos para cidades existentes
e, igualmente, em planos para novas cidades. A importância desse movimento
foi tão grande para o período pós-revolução industrial que cidades projetadas
com base nesse pensamento modernista surgiram no Brasil e no mundo.
Dois grandes exemplos de cidade modernistas são Brasília, capital do Brasil,
que foi inaugurada no ano de 1960 e atualmente é o centro político do país,
tendo quase dois milhões e meio de habitantes, e Chandigarh, que é a capital
dos estados de Punjabe e de Haryana, na Índia. A cidade de Chandigarh foi
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fundada no ano de 1947, após a divisão do país com o objetivo de servir de


capital à porção indiana de Punjabe.

Cidade de Brasília
Brasília foi inaugurada no dia 21 de abril do ano de 1960 e é Patrimônio Cultural
da Humanidade, tendo a maior área urbana inscrita na lista de Patrimônio
Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO). De acordo com Buchmann (2002), a ideia de construir uma
nova capital para o Brasil surgiu ainda no ano de 1789, em virtude de acharem
o Rio de Janeiro muito vulnerável a ataques, por estar situado no litoral. Foi
sugerido que a nova capital fosse localizada na região do planalto central.
Através da Constituição de 1891, define-se que a Capital deve ser transferia ao
Planalto Central do país. Porém, somente no ano de 1955 Juscelino Kubitschek
promete, como campanha para ser eleito, construir a nova capital. Assim, no
ano de 1956, o então presidente do Brasil anuncia o Concurso Nacional do
Plano Piloto da Capital do Brasil, que já estabelecia os contornos do Lago
Paranoá, as localizações do aeroporto, do Palácio da Alvorada e do Brasília
Palace Hotel. A Figura 1 mostra uma vista aérea de Brasília.

Figura 1. Vista aérea de Brasília.


Fonte: Wagner Santos de Almeida/Shutterstock.com.
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Conforme Buchmann (2002), a ideia da comissão organizadora e julgadora


do concurso era que a capital fosse diferente de qualquer outra cidade de 500
mil habitantes (que era a população estimada para habitar esse novo local). O
local deveria ser uma cidade funcional, com base nos preceitos da Carta de
Atenas, e que fosse a própria expressão da sua arquitetura. Com a principal
função governamental, as demais — habitar, trabalhar, recrear e circular —
deveriam coexistir e formar um traçado moderno, com as funções integradas
de uma maneira racional. Outra exigência da comissão para o novo Plano
era que a proposta apresentasse grandeza e unidade, através da hierarquia e
clareza de elementos.

Deste modo, o plano piloto que melhor integra os elementos monumen-


tais na vida cotidiana da cidade como Capital Federal, apresentando
composição coerente, racional, de essência urbana, baseado na teoria do
urbanismo moderno, é o projeto do arquiteto e urbanista Lucio Costa.
Como o urbanismo moderno/funcionalista trata a cidade como máquina,
onde o autoritarismo espacial visa um rendimento máximo das funções
urbanas, o projeto da cidade moderna de Lucio Costa vai ao encontro
também com os anseios do Governo do então presidente Juscelino Ku-
bitschek (SABBAG, 2012, p. 60).

Sabbag (2012) complementa que essa proposta foi escolhida porque acre-
ditaram que a monumentalidade das edificações e a forma do traçado urbano
iriam impulsionar a concretização da nova capital. Ainda, além do projeto,
foram estabelecidas estratégias para o crescimento da capital para os próximos
40 anos.
As principais características modernistas na cidade dizem respeito à
setorização extrema e à funcionalidade rígida do traçado. As áreas são
definidas em áreas residenciais, administrativa e comercial/serviços.
A estrutura hierárquica do Plano evidencia a parte residencial disposta no
eixo rodoviário e a parte administrativa e comercial no eixo monumental.
Sabbag (2012) destaca que o Plano é resultado do eixo rodoviário, eixo
monumental e da plataforma, que é a área que faz a ligação entre os dois
eixos e onde se encontra a rodoviária. Segundo o autor, a proposta foi
concebida de um gesto que traça dois eixos que se cruzam, formando uma
cruz, adaptando o Plano à topografia local, considerando o escoamento
das águas e a orientação solar. Na Figura 2, vemos o croqui do projeto do
Plano Piloto de Brasília, de 1957.
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Figura 2. Croqui do projeto do Plano Piloto de Brasília (1957), em que se observam o eixo
monumental (ao centro), com setores de comércio, hotelaria e lazer, e as asas nas laterais,
compostas pelo setor residencial.
Fonte: Sabbag (2012, p. 64).

Outra característica marcante da cidade de Brasília é a utilização de quatro


escalas, sendo elas: monumental, residencial, gregária e bucólica. A monumen-
tal refere-se ao eixo monumental, que se estende desde a Praça dos Poderes
até a Praça do Buriti. A escala residencial é representada pelas superquadras
das asas norte e sul. A gregária, também chamada como escala de convívio
refere-se aos setores comercial, hoteleiro, de diversão, plataforma rodoviária
e antenas. Já a escala bucólica é definida pelas grandes áreas verdes presentes
e espalhadas por toda a cidade.
O eixo rodoviário tem como função a integração da circulação e contém
pistas centrais de velocidade e pistas laterais para tráfego local, substituindo
as ruas corredor e incorporando sistemas de trevos. A parte administrativa e
governamental da cidade é composta pelos centros cívico, cultural, de diversões,
de esportes, entre outros.
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Conforme Sabbag (2012), a cidade de Brasília é considerada o maior


exemplo brasileiro do urbanismo modernista, porque além de apresentar
os preceitos dessa vertente, com a separação de funções e setores na ci-
dade, e das grandes edificações soltas nos espaços verdes e circulações de
dimensões largas, ela apresenta os ideais de integração, desenvolvimento e
modernização nacional. Atualmente, Brasília contém mais de 2,5 milhões
de habitantes que estão situados, além do Plano Piloto, nas adjacências
através de cidades-satélites. Essas cidades, diferentemente da parte central,
não foram planejadas e sofrem com diversos problemas relacionados ao seu
crescimento desordenado.

Cidade de Chandigarh
A cidade de Chandigarh, na Índia, cuja planta vemos na Figura 3, é um dos
grandes exemplos internacionais de urbanismo moderno. O local foi projetado
por Le Corbusier, o maior representante dessa vertente urbanista. A cidade,
que fica aos pés da Cordilheira do Himalaia, foi totalmente planejada. Segundo
Pacca (2016), a proposta de planejamento dessa cidade passou pela mão de
diversos profissionais até chegar para Le Corbusier. O local foi considerado um
grande laboratório para levantar e aplicar conceitos do urbanismo modernista
relacionados a densidade, relação entre espaço público e privado, cidade e
natureza, circulações, entre outros.
O núcleo original da cidade também foi pensado para abrigar 500 mil
habitantes, e o traçado, segundo Semin (2012), deu-se através da malha orto-
gonal desenhada com base no cardo e no decumano (conceito da morfologia
romana), considerando hierarquia de circulações e superquadras.

As unidades de vizinhança explicitam os princípios do movimento mo-


derno e da nova condição política pós-colonial dos indianos. Os centros
comerciais (inner market) são mais atraentes e dinâmicos que em Brasília
por terem mais andares com escritórios e com mais ruas internas com
estacionamento formando um conjunto muito movimentado por pedestres
que percorrem as galerias e as ruelas cheias de árvores (SEMIN, 2012,
documento on-line).
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Figura 3. Chandigarh, planta da cidade projetada.


Fonte: Semin (2012, documento on-line).

As edificações projetadas para a cidade também expressam o momento


e a ideia do urbanismo, representando um momento de libertação da popu-
lação da Índia através da implantação, das proporções e do tratamento das
superfícies como, por exemplo, as cores, os volumes, etc. A cidade conta com
artérias de circulação muito bem definidas que dão origem às superquadras, e
essas são definidas por setores, como por exemplo, comerciais, institucionais,
residenciais, entre outros. As áreas verdes contam com enormes canteiros e
um paisagismo projetado.
Suas superquadras têm dimensões de 800 × 1200 metros, rodeadas por
estradas que não dão acesso direto às residências. Cada setor foi pensado para
atender às necessidades dos seus habitantes e é composto por faixas verdes para
acomodar equipamentos, com tráfego proibido. As estradas são classificadas
em algumas categorias, sendo divididas em vias rápidas, arteriais, caminhos
de pedestres e ciclovias, entre outros.
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Conforme Semin (2012), existem ainda áreas de interesse arquitetônico


especial, que contam com uma harmonização e unificação nas construções,
além do controle arquitetônico e também do rígido zoneamento. Nas áreas
industriais, as indústrias devem ser movidas à eletricidade, para evitar a
poluição. A cidade ainda conta com um lago, com o objetivo de promover aos
cidadãos o contato com a natureza. O paisagismo foi pensado tendo em vista
as espécies da Índia, que foram escolhidas para cada porção, considerando
a composição e o esquema de cores para embelezar a cidade. A Figura 4, a
seguir, mostra o zoneamento de Chandigarh.

Figura 4. Zoneamento de Chandigarh.


Fonte: Adaptada de Fiederer (2017).
Cidades modernas no mundo 11

A duas cidades demonstradas como exemplo são referências no Brasil e no


mundo porque foram projetadas levando em conta os princípios do urbanismo
modernista e se tornaram um marco para o momento em que foram construídas,
de forma a demonstrar novas visões em novas formas de planejar as cidades
que até então eram tradicionais.

3 Crítica às cidades modernistas


O urbanismo modernista foi referência por trazer novas formas de pensar
às cidades e discutir assuntos importantes que até então não eram tão con-
siderados. Ainda, esse planejamento permitiu a valorização e destacou a
importância e a necessidade de um planejamento urbano para que os centros
urbanos pudessem estar adequados à necessidade dos habitantes.
Apesar de trazer diversas contribuições, com o passar do tempo seus prin-
cípios passaram a ser discutidos e analisados, tendo em vista que tudo pode
ser melhorado e evoluído. Dessa maneira, e conforme as novas necessidades
da população e também questões mal resolvidas ou problemas que foram
surgindo nas cidades modernas, alguns estudiosos e críticos começaram a
elaborar novos conceitos e novas formas de planejar as cidades, criticando o
urbanismo modernista.
Uma das grandes críticas às cidades modernistas, e principalmente ao fun-
cionalista, é feita por Henry Lefebvre (2001, p. 185), que afirma que essa ideia
trata-se de uma “[...] inteligência analítica”, e que quem determina os setores e
suas funções acha-se um expert por acreditar que tudo pode prever e organizar,
quando na verdade um centro urbano é muito mais complexo do que isso.
Lefebvre (2001) complementa ainda que nesse modelo de cidade as pessoas
e as habitações funcionam como se fossem anexos e auxiliares da organiza-
ção técnica do trabalho. Dessa forma, esses planos ortogonais e setorizados
acabaram dissociando as atividades da cidade, que antes se comportavam
de forma orgânica e espontânea. Ele destaca ainda que são as cidades que
devem adaptar-se aos moradores, e não o contrário. E ainda que essas questões
acabam contribuindo para a segregação social, na medida em que cada classe
e cidadão tem o seu lugar específico na cidade.

A segregação […] hierarquiza os grupos e classes sociais e desfaz as formas


tradicionais de sociabilidade espontânea — cafés, pequenos comércios e as
próprias ruas. É, neste sentido, uma força no desenraizamento, na dissociação
de vínculos, além de retirar parcelas da população da arena das decisões co-
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letivas e excluí-las dos bens socialmente produzidos na cidade. Deste modo,


a segregação contribui para instalar no urbano a cotidianidade — o trabalho
estranhado, o lazer passivo e a vida privada reclusa — e, com isto, a fragmen-
tação interna e externa dos sujeitos, o tédio e a monotonia, características da
modernidade capitalista industrial (COLOSSO, 2016, p. 83).

Um exemplo de cidade projetada em que Lefebvre (2001) critica ainda mais o urbanismo
modernista é Mourenx, localizada nos Pirineus-Atlânticos, que foi elaborada para os
trabalhadores da indústria de gás natural. Segundo o autor, a cidade é composta por
um conjunto de edifícios e torres que alternam as linhas verticais e horizontais da
cidade e rompem com a paisagem e com a porção antiga, não estabelecendo qualquer
conexão. Com isso, a cidade não contava com algum passado, porque não tinham
monumentos, igrejas, cemitérios, e, portanto, não tinha vida urbana, e prevalecia a
monotonia e o tédio.

Outro ponto criticado pelos estudiosos pós-modernos diz respeito à des-


consideração da análise do lugar para a implantação dos planos, na medida
em que o urbanismo modernista acreditava que seus princípios seriam os mais
adequados para qualquer situação. Com isso, eles não consideravam as espe-
cificidades de cada local, o contexto, a vida urbana, a história e os elementos
naturais dos sítios. “A ideologia urbanística decorre, em grande medida, do
fato de o urbanismo se pretender um saber cujas decisões são estritamente
técnicas, portanto, pautadas por um conhecimento científico exato, indepen-
dente do solo histórico-social no qual foi erigido” (COLOSSO, 2016, p. 82).
Outra grande crítica do urbanismo modernista foi Jane Jacobs, uma jor-
nalista norte-americana que escreveu o Livro Morte e Vida das Grandes
Cidades (2007), o qual traz diversos aspectos das cidades modernas com
os quais ela não concorda. A autora destaca a prevalência do automóvel nas
cidades modernas, evidenciando que o pedestre se perde nesse meio de grandes
superfícies vazias e superquadras.
Em seu livro, Jacobs (2007) critica que uma política urbana voltada para o
automóvel e determinada pelo capital despreza os valores sociais e prejudica
a moradia, a mobilidade e o lazer, desprezando, acima de tudo, o cidadão.
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Nesse sentido, o urbanismo modernista acaba originando cidades que não


valorizam a escala humana. Ela complementa que os espaços monumentais e a
setorização urbana geram uma monotonia na cidade, originando locais vazios
onde as pessoas não vão e nem permanecem. Isso acaba negando a vitalidade
e também a interação de funções, negando a diversidade.
A autora acredita que as ruas e a calçadas são os espaços vitais de uma
cidade, e que a convivência e a integração social se desenrolam por meio
desses elementos. Na cidade moderna esses espaços não são pensados para
as pessoas, nem com relação à escala e nem com relação aos usos, o que faz
com que as cidades se tornem cada vez mais inseguras e tediosas. Para Jacobs
(2007), uma cidade deve ser pensada considerando o pedestre, as distâncias
caminháveis, a variedade de usos, quarteirões curtos, valorização e conservação
de prédios antigos, entre outros elementos.
O urbanismo modernista surgiu com uma ótima intenção, que era a de
melhorar as condições das cidades existentes, que estavam sofrendo com a
desordem e o caos provocados pela revolução industrial. Com ideias inovadoras
e diferenciadas, os modernistas demonstraram os problemas das cidades,
propondo soluções. Seus planos, muitas vezes utópicos e ilusórios, serviram
para demonstrar alternativas e estratégias que melhorariam a salubridade, os
congestionamentos, as edificações e a qualidade de vida.
Mesmo com todas essas contribuições, na medida em que esse tipo de
urbanismo foi sendo aplicado, uma nova vertente passou a discutir essas
propostas inovadoras, percebendo os outros problemas que elas causavam,
como a falta da sensação de pertencimento na cidade, a insegurança gerada
pelos grandes espaços abertos e livres, e também a escala voltada para o
automóvel.
Assim, críticas a esse movimento surgiram para que o planejamento urbano
pudesse evoluir mais uma vez e tornar-se mais adequado às necessidades do
período. Tanto Jacobs, como Lefebvre e outros pesquisadores e estudiosos
começaram a trazer novos elementos para serem pensados nos planos urbanos,
como por exemplo, uma escala voltada para o pedestre, a diversificação de
usos, entre outros elementos. De qualquer forma, todos os pensamentos, seja
da vertente modernista como da pós-modernista, trouxeram contribuições para
o urbanismo e serviram para os estudos e a evolução a respeito da qualidade
das cidades.
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ABIKO, A. K.; ALMEIDA, M. A. P.; BARREIROS, M. A. F. Urbanismo: história e desenvolvimento.


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