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ESTELIONATO

Art. 171 – Obter para si o para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em
erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena: reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Parágrafo 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o
disposto no art. 155, parágrafo 2º.
Parágrafo 2º - Nas mesmas penas incorre quem:
I – vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;
II – vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravadas de ônus ou litigiosa, ou imóvel que
prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias.
III – defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tema a posse
do objeto empenhado.
IV – defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;
V – destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências de
lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;
VI – emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento .
Parágrafo 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público
ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.
Parágrafo 4º - Aplica-se a pena em dobro se o crime for cometido contra idoso.
Parágrafo 5º - Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for:
I – a Administração Pública, direta ou indireta;
II - criança ou adolescente;
III– pessoa com deficiência mental; ou
IV – Maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

Torpeza ou Fraude Bilateral no Estelionato sob a ótica da vitimodogmática e


da autoproteção

O crime de estelionato é previsto no artigo 171, CP e consiste, em linhas gerais,


na indução ou manutenção de alguém em erro, para o fim de obtenção de
indevida vantagem patrimonial em prejuízo da vítima.

Há discussão doutrinária a respeito da chamada “fraude ou torpeza bilateral”.


Isso ocorre quando a própria vítima do estelionato também atua com má fé.
São os conhecidos casos do “bilhete premiado” e outros golpes que somente
funcionam quando a pessoa visada pelo agente também obra de maneira torpe.

Rogério Greco apresenta e se filia à tradicional doutrina de Nelson Hungria,


entendendo que “nesses casos, não seria possível a punição do agente pelo
crime de estelionato”. Não obstante, o próprio autor reconhece que o
entendimento majoritário é “pela existência do delito de estelionato, não
importando a má fé do ofendido, ou seja, se sua finalidade também era torpe
(ilegal, imoral etc.)”. Andreucci afirma categoricamente que a “torpeza bilateral
não descaracteriza o estelionato”.

Mirabete e Fabbrini, com fulcro nas lições de Vincenzo Manzini, Edgard


Magalhães Noronha, Heleno Fragoso e Bento de Faria, também destacam o
predomínio doutrinário no sentido de “ocorrer estelionato na fraude bilateral”.
O mesmo vale, conforme expõem os autores para a jurisprudência pátria
dominante, a qual indica “que a torpeza simultânea não exclui o delito nem
pode erigir-se em causa de isenção penal”. No mesmo diapasão, Celso
Delmanto indica a prevalência da jurisprudência no sentido de não
desnaturação do estelionato pela torpeza bilateral, inclusive com decisão do
Supremo Tribunal Federal.
Na mesma senda se apresenta o escólio de Nucci para quem a “torpeza bilateral
em tese não afasta o delito, pois o tipo penal não exige que a vítima tenha boas
intenções”. Não obstante, o mesmo autor afirma anteriormente que quando a
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vítima “se deixar envolver, por mera desatenção de sua parte”, é defensável o
entendimento da não configuração do delito.

Esse vislumbre do autor brasileiro, embora não chegue a mencionar a fonte, é


coincidente com o que se tem atualmente visto defender na dogmática
estrangeira a respeito da aplicação da chamada “vitimodogmática” e da
consideração da possibilidade de “autoproteção” da vítima para formar a
convicção sobre a ocorrência ou não de infração penal. Sabe-se que a
vitimodogmática trata especialmente do comportamento da vítima como
precipitador da conduta criminosa, bem como das consequências desse fato.
Oliveira, com fulcro nos entendimentos de Manuel Cancio Meliá e Jesús María
Silva Sánchez, aponta como central na discussão vitimodogmática o estudo do
comportamento da vítima no seio da ciência penal e como em que medida esse
comportamento pode influir na determinação da responsabilidade do autor do
crime.

Uma autora como Tatjana Hörnle trata da questão exatamente tendo como
paradigma o crime de estelionato, indicando para a necessidade de verificar o
comportamento da vítima e sua atuação efetiva ou não em autoproteção do
próprio patrimônio para chegar a uma conclusão positiva sobre a configuração
delitual:

“Aun cuando se este de acuerdo que en la Parte Especial del CP alemán es


necesaria, por ejemplo, una prohibición penal bajo la rubrica de ‘estafa’, queda
por discutir si y en su caso cómo repercute un grave descuido de la
autoprotección por parte de la víctima en casos concretos”.

A vitimodogmática no bojo da literatura jurídico – penal alemã tem estudado a


projeção da autoproteção com relação à solução de problemas de interpretação
de certos tipos penais. Há grande destaque dessa discussão no que tange ao
crime de estelionato ou outras fraudes patrimoniais, de forma que se tem
considerado que a existência de uma séria dúvida quanto à presença de fraude
contra si por parte da vítima e sua inércia em apurar devidamente a situação, a
tornaria indigna de proteção penal.

Assim sendo:

“Conforme a un modelo de sociedad contractual, el Estado únicamente tendrá


reconocido el uso de la pena cuando tanto las otras posibilidades de
intervención estatal como las posibilidades de protección independente de los
bienes jurídicos alcancen sus limites. En primer lugar, según Schünemann, el
próprio ciudadano debe mantener la disponibilidad sobre sus bienes jurídicos;
así, solo necesita al Estado cuando fracasa su autoprotección. Sólo en esta
medida el contrato social autoriza el uso de un poder penal”.

Entretanto, não é totalmente pacífico, mesmo dentre os defensores da


aplicação das considerações vitimodogmáticas acima expostas, qual seria a
melhor construção de uma solução para a interpretação e aplicação dos tipos
penais em situações de negligência vitimal em relação à autoproteção de bens
jurídicos.

Há objeções quanto a uma suposta divisão do injusto entre o autor e a vítima,


de tal forma que, mesmo havendo o cometimento do ilícito, não reste
reprimenda a aplicar ao seu autor. Nesse passo, se o autor infringiu um tipo
penal existente, restaria inevitavelmente o “desvalor da conduta de desrespeito
da norma”. E se o tipo penal existe com a função de proteção dos bens jurídicos
das vítimas, havendo sua infração, não seria admissível uma suposta
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“compensação” com a desatenção vitimal ante as possibilidades de


autoproteção. Disso resultaria que o fato de a vítima renunciar ou negligenciar à
sua autoproteção, pode conduzir a uma redução do injusto, mas jamais à sua
supressão. Ocorre que, mesmo diante dessas objeções, não se descarta de
forma geral e peremptória, uma possível “renúncia ao castigo”. Tal renúncia
ainda seria possível sempre que o “desvalor do resultado” da conduta fosse
insignificante, diante da diminuição do injusto ocasionada pela omissão de
autoproteção por parte da vítima.

Parece bastante claro que, de acordo com esse pensamento, uma negligência
vitimal tal que chega ao ponto de haver, por parte da vítima, uma atuação de
má fé (torpeza ou fraude bilateral no estelionato), sem a qual o ilícito jamais se
consumaria, levaria certamente a um afastamento da configuração do tipo
penal ou, no mínimo, a uma redução tal do injusto, apta a impedir a aplicação
de pena ao autor. Como afirma Hörnle, seria o caso de permitir a renúncia à
pena ou, ao menos, sua diminuição considerável sempre que o vitimado ,
apesar de conhecer o risco atual a que estava se submetendo, acaba omitindo o
cuidado possível e razoável apto a evitar danos.

Conclui-se que, apesar de praticamente assentado, de forma quase unânime, na


doutrina e jurisprudência brasileiras que a fraude ou torpeza bilateral não
desnatura o estelionato, esse pensamento é passível de reavaliação crítica
diante de argumentos dogmáticos encontráveis dentre autores alemães, bem
como, também, na doutrina brasileira, a exemplo da clássica lição de Nelson
Hungria, abraçada por Rogério Greco e da intuição de Nucci ao destacar a
importância da “absoluta desatenção da vítima” como elemento capaz de
desconfigurar o estelionato.

Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós –
graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal,
Criminologia, Medicina Legal e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós
– graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do
Programa de Mestrado do Unisal.

01. Objetividade jurídica: o patrimônio.

02. Sujeito ativo: crime comum.

03. Sujeito Passivo:


- Pessoa que sofre a lesão patrimonial e/ou a pessoa enganada pela ação fraudulenta.
- Nem sempre o prejuízo patrimonial recai sobre quem sofre a fraude.
- A vítima precisa ter capacidade para ser iludida, caso contrário, caracterizar-se-á o crime de
abuso de incapazes – art. 173, CP.
- Só existe o crime contra pessoa determinada. Se vítima indeterminada, configurará o crime
previsto no art. 2º, XI da Lei 1.521/51. Ex.: alterar balança de feira, bomba de combustível, etc.
- Se a vítima é idoso a pena é aplicada em dobro.

04. Tipo Objetivo:


- Elementares:
a) Fraude;
b) Vantagem ilícita perseguida;
c) Prejuízo alheio.
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- Fraude: é empregada para induzir (criar falsa percepção da realidade) ou manter (aproveitar-
se do engano espontâneo da vítima) em erro.

- Fraude bilateral: Vide texto acima.

- Meios fraudulentos:
I – Artificio: é a encenação material mediante uso de objetos ou aparatos aptos a enganar,
como “bilhete premiado”, “conto do violino raro”, utilização de disfarces.
II – Ardil: é a astúcia, conversa enganosa – “lábia”;
III – Outro meio fraudulento: ex.: estelionato por omissão. Aproveita-se do engano espontâneo
da vítima.

- Vantagem: A vantagem há quer ser indevida e de natureza patrimonial.


- Se vantagem devida (lícita), o crime será de exercício arbitrário das próprias razões.

- Prejuízo: de ordem patrimonial

- Estelionato e o uso de documento falso:


a) De acordo com o STJ, recaindo a tutela em bens jurídicos diversos, o agente responde pelos
dois crimes (estelionato e falso), em concurso material.
Contudo, se o falso se esgota no estelionato, o delito contra a fé-pública(falso) ficará absorvido
pelo patrimonial (estelionato) – Súmula 17 do STJ.

b) Segundo o STF o agente responderá pelos dois delitos, porém, em concurso formal,
considerando haver uma conduta dividida em dois atos, produzindo uma pluralidade de
resultados.

c) O crime de falso absorve o estelionato se o documento for público, já que a pena do falsum
é mais severa (princípio da absorção).

05. Tipo subjetivo: dolo específico – obter indevida vantagem para si ou para outrem.

06. Consumação e tentativa: A consumação se dá com o emprego da fraude, seguido da


obtenção da vantagem indevida e correspondente lesão patrimonial de outrem. A ausência de
qualquer elemento configura a tentativa.

Parágrafo 1º - Forma privilegiada.


Remete a figura do parágrafo 1º, do artigo 155, do CP.

Parágrafo 2º - Figuras equiparadas.

I – Disposição de coisa alheia como própria: o sujeito passivo será tanto o adquirente de boa-fé
quanto o real proprietário da coisa (dupla subjetividade passiva). Dispensa-se a tradição
(entrega no caso de coisa móvel), ou o registro (no caso de imóvel).
- A tentativa é possível por se tratar de crime plurissubsistente.
Obs.: o furtador que vende o automóvel anteriormente subtraído responderá somente pelo
crime de furto (155), pois o estelionato será entendido como post factum impunível.

II – Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria: o agente venda coisa (móvel ou


imóvel) própria, porém onerada, silenciado sobre a existência do gravame.
- Trata-se de modalidade de crime próprio (somente o dono da coisa gravada de ônus).
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III – Defraudação de penhor: Necessidade da existência de contrato pignoratício. O sujeito


ativo será o devedor que conserva a posse da coisa empenhada, e, passivo o credor titular do
penhor.
- Necessário que o credor não tenha autorizado expressamente a alienação.

IV – Fraude na entrega da coisa: neste caso a fraude recai sobre a substância, qualidade ou
quantidade da coisa.
Substância: leite por água.
Qualidade: ouro por latão amarelo.
Quantidade: número, peso, dimensão.

V – Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro: Sujeito ativo é o segurado


enquanto que, o passivo é a seguradora.
- Pressuposto básico é a existência de um contrato de seguro.
- Trata-se de crime formal, consumando-se com o emprego da fraude, independentemente do
recebimento do prêmio.

VI – Fraude no pagamento por meio de cheque: sujeito ativo é o emitente.


- Duas modalidade:

a) Emissão de cheque sem provisão de fundos.


b) Frustração de seu pagamento mediante contra ordem ao banco sacado.

- A emissão de cheque pós-datado, não configura o crime em estudo, pois desnatura a


condição do título de crédito em estudo, como ordem de pagamento à vista.

- Na modalidade de emissão de cheques sem fundos, a reparação do dano antes do


recebimento da inicial obsta a instauração da ação penal (Súmula 554 do STF).

- A ação de falsificar a assinatura do correntista ou criar uma folha de cheque falsa não
configura a figura em estudo, mas sim a forma básica do caput.

Parágrafo 3º - Causa de aumento de pena


- Aplica-se a referida causa de aumento quando a vítima é entidade autárquica da Previdência
Social (Súmula 24 do STJ). A razão do aumento é que nesses casos há lesão do patrimônio de
diversas vítimas, afetando o próprio interesse social ou o interesse particular de numerosas
vítimas.
- Discute-se se o estelionato seria crime instantâneo ou delito permanente. O entendimento
prevalente é no sentido de que se trata de um crime permanente, cujo momento consumativo
se prolonga no tempo, autorizando a lavratura de flagrante à qualquer momento.

Ação Penal: a Lei 13.964/19 (pacote anticrime) inseriu no art. 171 o parágrafo 5º, que
modificou a natureza da ação penal, antes pública incondicionada (com as exceções do art.
182, CP). Atualmente, a ação penal é pública condicionada a representação, exceto se a vítima
for:

I – a Administração Pública, direta ou indireta;


II – criança ou adolescente:
- criança: até 12 anos de idade (art. 2º da Lei 8.069/90);
- adolescente: acima de 12 e menos de 18 anos de idade.
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A figura em apreço se distingue do crime de abuso de incapazes (173), uma vez que naquele
exige-se que o agente obtenha proveito em razão de sua necessidade, paixão ou inexperiência.
Tratando-se, por exemplo, de um adolescente já com certa experiência enganado como seria
outra pessoa também menos atenta o crime é de estelionato com ação penal pública
incondicionada.
III – Pessoa com deficiência mental: Figura de aplicação duvidosa. Segundo entendimento
dominante o crime contra deficiente mental configura a figura do art. 173.
IV – Maior de 70 anos de idade ou incapaz:
- o conceito empregado não é de idoso (maior de 60 anos de idade), mas sim os maiores de 70
anos de idade.
- incapazes (vide art. 4º do CC):
a) ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
b) aqueles que, por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua
vontade;
c) pródigos.
Obs.: além, é claro dos menores de 18 anos de idade.

QUESTÕES:

01. Responde por qual modalidade de estelionato o sujeito que preenche cheque de terceiro
e, por imitação da assinatura, obtém seu pagamento ou compensação? Dê o fundamento
legal.

02. No que concerne à questão anterior, a falsificação do sobredito título de crédito fica
absorvida pelo crime patrimonial? Explique. Dê o fundamento jurisprudencial.

03. Aquele que administra mal o saldo de sua conta bancária e emite cheque acreditando na
suficiência de fundos, quando, na realidade, não os possuía, comete o crime de estelionato
culposo? Explique.

04. Quem aluga imóvel alheio como próprio sem o consentimento do proprietário pratica qual
modalidade de estelionato? Dê o fundamento legal.

05. Qual é a principal diferença entre o crime de estelionato e o crime de furto mediante
fraude? Explique.

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