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Título:

Quero ser cantor... E agora?


Copyright © 2013, Gerson Mesquita

Capa:
Fotógrafo - Gerson Mesquita
Modelo - Thiago Bauleo

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Bella Ventura Eventos Ltda.
Lorena do Rocio Mariotto

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Nº registro 581.094 - Livro 1.110 - Folha 222
05/11/2012
Introdução

Tenho observado durante todos estes anos ensinando técnica vocal, que os iniciantes
têm quase sempre as mesmas dúvidas e questionamentos. Como respirar corretamente, como
encontrar a melhor impostação, que postura manter na aula de canto, como identificar um bom
professor e como não perder tempo no início dos estudos, são questões que tentarei
esclarecer aqui de forma bastante simples e direta.

A finalidade é auxiliar àqueles que desejam se enveredar pelo mundo do canto,


principalmente com dicas de como proceder para atingir o seu objetivo, porém, este livro
servirá também para aquele que já canta, mas desconhece as questões básicas de técnica e
de cuidados com a voz.

Não se forma uma boa voz da noite para o dia. Alguém que se propõe a cantar
profissionalmente tem que ter determinação e muita paciência.
Espero que as informações contidas neste livro possam ampliar os horizontes dos que
iniciam esta grande batalha, que é encontrar a voz verdadeira.

Gerson Mesquita
Capítulo 1

Questões Gerais

Imitando

Você se interessa pelo canto, tem sua preferência de estilo e deseja ser um (a) cantor (a)
igual àquele (a) que você conhece, mas querer ser igual pode se tornar um problema.

A inspiração em algum artista pode ser produtiva no início, mas a imitação não. Ter
vontade de cantar com a mesma qualidade de algum artista que você gosta, é bem diferente
de tentar imitá-lo. Vejo muitos candidatos a cantores fazendo os mesmos gestos, cometendo
os mesmos erros e imitando até o sotaque do seu ídolo. A arte da imitação é interessante, mas
só serve para quem deseja exatamente este fim.

Uma das coisas mais importantes para quem canta é a identidade vocal, seu jeito
especial de contar uma história e de expressar sentimentos através da voz. Por exemplo, se a
letra de uma música for sobre algum assunto que não lhe seja familiar, você deverá emprestar
sua emoção à música, usando a imaginação e se expressando como fosse uma situação real.
Não se contente em ser apenas uma cópia, procure colocar seu próprio modo de dizer as
coisas em evidência e não o de outra pessoa.

Voz feia

Esta é uma questão que aflige muita gente, mas que eu considero uma perda de tempo e
energia.
Vários fatores podem contribuir para tornar a sua voz mais feia, mas ela também pode
não ser essa coisa horrorosa que você imagina. Você pode achar a sua voz feia, justamente
por conta da diferença entre o que você ouve internamente e o som real.
Há muita preocupação com beleza, porém a maioria das pessoas tem um timbre comum,
e às vezes um cantor de voz rotulada como feia supera outro de bela voz porque interpreta
melhor ou tem mais técnica. Alguém com uma voz interessante, por exemplo, que produza um
som excessivamente nasal, estará prejudicando seu timbre original.
De qualquer maneira, não se pode negar que quando surge a combinação de bela voz e
técnica apurada, este cantor vai se destacar dos demais.
O timbre faz diferença, mas há um número enorme de cantores que se analisarmos com
atenção, veremos que não possuem uma bela voz, mas estão aí, fazendo seu trabalho sem
problemas. Vozes maravilhosas são raríssimas, e deve-se também levar em conta que
somente beleza de voz não faz o cantor. Portanto, mesmo que você não tenha um timbre de
voz incrível, isto não é impedimento para cantar ou ter grandes objetivos no canto.
Saber escolher o tipo de repertório também conta, pois alguns estilos pedem vozes mais
ásperas, rudes, onde uma voz muito “limpa” não causa o mesmo impacto.

Será que vale a pena?

Quantos já não se fizeram essa pergunta? Pois bem, a resposta é: não se sabe. Cada um
tem sua história e não há certeza alguma de sucesso e nem de fracasso. Tenho visto pessoas
extremamente talentosas, de boa voz, musicalidade, mas que simplesmente “não acontecem”,
e gente esforçada, não tão talentosa, que acaba tendo uma chance e alcança seu objetivo.

Então, se nada é garantido, o que tem que ser levado em conta é o quanto você deseja,
quanto está disposto a sacrificar, o quanto vai se dedicar, e simplesmente deixar que as coisas
aconteçam. Não no sentido de ficar parado, esperando que tudo caia do céu, mas de não se
aborrecer tanto se as coisas ainda não deram certo.

Os acontecimentos mais importantes da sua vida, geralmente chegam sem aviso, então,
se quer mesmo cantar e acha que este é o seu caminho, prepare-se bem, tente criar situações
que coloquem você em evidência e aguarde o momento com tranquilidade. Não pergunte se
vale a pena ou não, mas se você realmente quer muito isso. Se a resposta for sim, siga em
frente.

E se por acaso não der certo, mesmo fazendo todo o possível, ao menos você não irá se
culpar por não ter tentado. No mais, se estiver na sua história de vida, mesmo que você fique
desanimado e esteja pensando em desistir, algo inesperado pode acontecer e mudar tudo.

Quando algo acontece

Em 1998, eu estava numa fase ruim no canto, desanimado e não visualizava um futuro
muito promissor. Apesar de ter feito algumas aulas (pouco eficientes) e já cantar, digamos, não
tão mal, eu tinha decidido parar definitivamente, pois a busca pela boa técnica, pela voz ideal
havia se tornado mais um tormento do que algo bom.
No dia 26 de abril, eu completava um ano de casado e resolvemos sair para comemorar.
Escolhemos um restaurante aleatoriamente, e um pouco antes de sair havia comentado com a
minha esposa a respeito do meu desejo de desistir do canto, e ela como minha maior
incentivadora, não ficou nada feliz com a notícia. Chegamos ao restaurante e fomos para a
parte superior, que era mais reservada. Sentamo-nos e perto da nossa mesa havia um piano,
mas ninguém tocando. Durante o jantar, o clima de comemoração estava um pouco abalado
pela comunicação da minha decisão de parar.

As pessoas foram chegando, o restaurante ficou quase cheio, e então entrou um senhor
de idade, óculos de lentes grossas e uma pasta na mão. Subiu as escadas, sentou-se ao piano
e começou a tocar algumas músicas que eu nunca tinha ouvido.

Em determinado momento, ele tocou uma música que era do meu repertório e seguia à
risca a partitura original, que eu conhecia bem. Fiquei muito incomodado, só pensando no azar
de ter que ouvir aquilo logo naquele dia. Então, ele iniciou uma série inteira de músicas
italianas que eu cantava regularmente, e aí a comida já não descia mais. Aquelas músicas me
faziam pensar em tudo o que eu havia passado para chegar até ali. Aguentei o máximo que
pude, mas na hora em que ele tocou a canção napolitana ’O sole mio, não houve jeito e da
minha mesa mesmo, soltei a voz com toda a força, o que acabou surpreendendo os outros
clientes. Cheguei ao fim da música, todos aplaudiram, e o pianista fez sinal para que eu
continuasse, então cantei Torna a Surriento.

Ao final, ele me chamou e perguntou se eu cantava alguma ária de ópera. Eu disse que
sim e fizemos Una furtiva lagrima. Ele me olhava com uma expressão de quem não
acreditava no que estava ouvindo, e eu olhava para ele com uma expressão de quem não
estava acreditando em nada daquilo. Terminamos a ária e ele, sempre sorridente, perguntou
meu nome e com quem eu estudava. Eu disse que não estudava com ninguém, e que naquela
noite havia tomado a decisão de parar com o canto definitivamente. Veio então uma reação
que eu nunca poderia imaginar. O homem ficou com o rosto vermelho e na frente de todos, me
deu uma bronca ruidosa, com o dedo em riste, dizendo:
– Quem é você para desistir do canto? Acha que com esta voz você tem o direito de
parar?
Eu nem respondi, só pensava em como aquilo tudo era surreal. Perguntava-me:
– Como, com tantos restaurantes na cidade eu tinha ido parar justamente ali? E quem era
afinal aquele cidadão?
A maioria das pessoas pensaria em coincidência ou acaso, mas não eu. Sem dúvida, era
um encontro que tinha que acontecer. Enfim, quando ele terminou de esbravejar, disse que se
chamava Lázaro Wenger, me deu um cartão e falou que no dia seguinte eu começaria a
estudar com ele e o tenor Ivo Lessa. E finalizou:
– Agora vá jantar que eu tenho que trabalhar!
Voltei para a mesa e perguntei para a minha esposa:
– Você acha que esse tipo de coisa realmente acontece? Será que devo ir?
Ela respondeu:
– Porque não?
No dia seguinte, fui até lá e iniciei verdadeiramente os estudos com o tenor Ivo Lessa e o
maestro Lázaro Wenger, que era um grande conhecedor de ópera, preparador de cantores e
grande pianista. Devo a ele este resgate e ao tenor Ivo Lessa a minha formação vocal. Dois
mestres que fazem muita falta.

Procurando um professor

Tudo seria mais fácil para você, se fosse possível trilhar este caminho sozinho, mas não é
assim. Às vezes, alguns conseguem isto no estudo de um instrumento, mas no canto a
diferença gritante é que não há visualização do erro. Tudo fica limitado ao som que você
produz e da percepção que tem a respeito deste som. E o que você ouve, é algo muito
diferente do que os outros ouvem quando está cantando.
Embora não tenham relação direta, pode-se fazer um comparativo entre se tornar um bom
cantor e ser faixa preta em alguma arte marcial. Você precisa de alguém que lhe mostre o
caminho.

Vejo pessoas dizendo que vão estudar sozinhas, por apostilas da internet, etc., mas é
uma ingenuidade achar que dará certo, simplesmente porque aula é essencial. Quando digo
aula, estou me referindo à aula particular, que é o que funciona. Aula em grupo serve para dar
uma ideia geral, como para um coral, onde o objetivo é padronizar as vozes. Particularmente,
acho que para até duas pessoas (do mesmo tipo de voz) é aceitável, pois o professor
consegue manter a atenção, porém o ideal é o trabalho individual e se possível duas vezes por
semana.

Mas, além disto, existe a questão de como identificar um bom professor. Como saber se o
trabalho que está sendo feito é bom? A primeira coisa é observar como ele canta ou cantou e
quanto durou essa voz se já tiver encerrado a carreira. Esse professor conseguiu aplicar nele
mesmo tudo aquilo que prega? Não é aceitável um professor de canto que cante mal. Se ele
não conseguiu aplicar nem em si mesmo, como vai ensinar outra pessoa?
Deve-se também conhecer os alunos mais antigos e verificar se eles já estão cantando
razoavelmente bem.
Observe se a quantidade de vocalizes é variada ou se ele usa apenas dois ou três
exercícios repetitivos. Veja se em aula, o professor observa atentamente todas as suas
reações físicas, pois ele tem que estar sempre atento a isto. Fique desconfiado se ele
simplesmente baixar a cabeça, tocar o teclado e não tecer nenhum comentário sobre a posição
da língua, esforço, postura, etc.

E finalmente, se ele passa confiança, consegue exemplificar facilmente aquilo tudo que
ensina, e se você observa já algum resultado nas primeiras semanas. Mais tarde, com sete ou
oito meses de aula, você (se estudar bastante) tem que ter tido um bom progresso.
Mas não se engane, pois se você for só para a aula e não fizer mais nada durante a
semana, a coisa vai se arrastar por um bom tempo. Por melhor que seja o professor, ele é
apenas alguém que mostra o melhor caminho, mas não vai conseguir fazer milagres com
alguém que não se dedica. Poderá fazer bem a parte dele, mas na verdade, depende mais da
postura do próprio aluno.
É muito difícil atingir certo nível de excelência em técnica vocal. Entre nesta batalha com
fé porque você vai precisar.

Dicas para quem vai fazer aula

1. Seu objetivo é aprender. Não fique tenso ou com vergonha de fazer os exercícios, por
mais estranhos que eles possam parecer. Tente relaxar e absorver o máximo possível.

2. Não pare no meio do exercício. É importante que você vá até o fim. Errou, continue.

3. É permitido cometer erros. Você erra na aula para não errar depois, se estiver ruim o
professor fará a correção.

4. Não se intimide porque o professor sabe muito mais do que você, afinal você está ali
justamente por causa disto.

5. Não converse demais na aula, não perca o foco.


6. Se você tem dúvidas a respeito do professor, se algo não encaixa, procure outra
pessoa. Não perca tempo.

7. Fazer aula uma ou duas vezes por semana e depois não fazer mais nada, vai atrasar
demais o seu desenvolvimento. Em casa ou no ensaio, tente colocar em prática tudo aquilo
que aprendeu na aula.

8. Não sonhe com tudo resolvido em seis meses, pense em longo prazo.

9. O desenvolvimento dependerá muito mais de você, do quanto se dedicará.

10. Tenha seu objetivo bem traçado. Não force demais, respeite os limites da voz, e não
perca tempo pensando que queria ter uma voz diferente. Use bem o que tem e nada de
passividade no estudo, faça com que aconteça.

Meu sonho é cantar!

A palavra sonho parece algo distante demais, quase inalcançável. No estudo do canto
você traça as metas e vai atrás delas. E para chegar lá, aconselho usar a palavra objetivo, ou
seja, algo mais próximo de alcançar, porque ficar sonhando demais com alguma coisa cria um
peso muito maior. Simplesmente siga em frente e faça o seu trabalho.

Sucesso x qualidade

Há uma ideia de que quem vende bem é bom, senão não venderia. Mas fazer sucesso
comercial nunca foi sinônimo de qualidade. Hoje em dia, temos uma verdadeira enxurrada de
letras e músicas malfeitas e muitas vezes sem nexo, que normalmente trazem consigo alguém
“tentando” cantar.
Estamos vivendo numa época em que a imagem está mais em evidência do que a
música. É comum vermos alguém de boa aparência, que não canta nada, ser endeusado (a)
pela mídia. Lógico que há uma estrutura enorme por trás disto, são artistas fabricados para tirar
o máximo de dinheiro no menor tempo possível, pois não durarão muito. Claro que estas
pessoas têm seu público fiel, porém tudo se resume a qual tipo de artista você quer ser e como
quer ser reconhecido. Quero crer que se você está lendo este livro, deve preferir o respeito e o
reconhecimento pela boa qualidade.
Não há razão específica, fora a mediocridade, para apresentar um trabalho ruim e
irrelevante apenas com o objetivo de ganhar dinheiro. Faça algo marcante, seja lembrado por
algo criativo e interessante.
Creio que o único meio de você se tornar referência em alguma coisa, é ter o desejo de
ser o melhor e não há nada de mal nisto. Pensar em ser ótimo é almejar 100%. Se você vai
atingir a meta não se sabe, mas certamente com essa intenção chegará ao seu máximo.

Amigos e parentes

Sua mãe acha você excelente! Seus amigos dizem que você é incrível, um talento! As
pessoas se empolgam, tem boa intenção, mas duvide disto num primeiro momento. É quase
impossível que dentre estas pessoas, alguma tenha a verdadeira noção do que é cantar bem.
O elogio tem sua utilidade, anima, encoraja, mas há que se ter cuidado, porque alguns
começam a acreditar demais nisto e mesmo antes de iniciar a jornada, já se acham ótimos,
dignos de tratamento especial.

Tenha em mente que o caminho é longo e você não sabe quase nada ainda. O estudo do
canto nunca termina, ou seja, até o fim da vida enquanto você cantar vai descobrir algo novo.
Se deixar levar pelo elogio de pessoas que gostam de você é muito comum, e não existe
coisa mais ridícula do que alguém ainda ruim, se achando ótimo. Uma pessoa consciente sabe
que tem que estudar muito para chegar lá, então, duvide sempre do excesso de elogios.

Por outro lado, existem pessoas com as quais você certamente terá contato, que nunca
dirão que você é bom ou que está fazendo um bom trabalho. Para este tipo de pessoa, nada é
suficiente. Você pode cantar bem, fazer sucesso, ser reconhecido, mas ela nunca irá elogiar o
seu trabalho.
Então, deve haver um equilíbrio muito grande da sua parte, para não se deixar levar pelos
elogios exagerados e nem pelas críticas destrutivas. Você enfrentará essas duas situações o
tempo todo.

Queria ter outra voz

Você talvez nem ache a sua voz feia, mas queria que ela fosse diferente, mais aguda ou
mais grave, mais parecida com a do seu artista preferido, etc. A má notícia é que não adianta
querer. É impossível para alguém com uma voz leve, por exemplo, querer cantar igual ao
Bruce Dickinson (Iron Maiden), mesmo que estude durante anos. A pessoa poderá até cantar
as mesmas músicas, mas não terá o mesmo impacto, por conta da falta de consistência nos
médios e de uma dramaticidade que não existe na voz. Porém, isto não deveria ser um
problema, pois cada voz tem a sua particularidade e um tipo de repertório ideal.

Eu acho estranho, porém é comum, encontrar pessoas desanimadas ou revoltadas


porque queriam ter um tipo de voz diferente, quando na verdade, deveriam procurar
desenvolver o que têm. E isto não acontece apenas no canto popular. Lembro-me de uma
garota, estudante de canto lírico, que era soprano e insistia em cantar como mezzo. Comentei
a respeito do fato de ela ser soprano e perguntei a razão pela qual insistia tanto em cantar fora
da sua classificação, e ela simplesmente disse:
– Soprano jamais!
Como era de se esperar, ela logo abandonou a carreira. Algo assim, somente impede a
pessoa de alcançar o seu objetivo, ou melhor, o que deveria ser o seu objetivo, de cantar bem
com a voz que tem.
Não há razão para ficar lutando contra a natureza, pois é uma guerra perdida. Assim
como a impressão digital, sua voz é única, portanto trabalhe para extrair o máximo possível do
seu material vocal e não perca tempo com coisas que não pode mudar. Por isto, é importante
conhecer bem a própria voz e estudando canto você poderá direcioná-la corretamente.

Não tenho o dom

Algumas pessoas até gostariam de cantar, mas acham que não nasceram com o
famigerado “dom”. Existem pessoas que tem muito mais facilidade do que outras e as que têm
esta facilidade conseguirão em um ano de aula ter um progresso bem acentuado enquanto
outros demorarão mais para chegar ao mesmo nível. Os que têm maiores dificuldades deverão
se esforçar mais, mas também podem conseguir.
Se a pessoa se propuser a estudar com afinco, tentar aprender e realmente não
conseguir, aí sim poderá dizer que não tem jeito para a coisa, mas não antes de tentar.
Conheci alguns cantores (com muita força de vontade) que quando começaram eram
verdadeiramente ruins, tinham grandes dificuldades, mas com perseverança alcançaram um
ótimo nível e hoje cantam muito bem. Voltamos então à questão da vontade. Se o querer for
mais forte, você pode até não virar um cantor de ópera ou uma estrela do rock, mas quem sabe
ao menos cantará o suficiente para se sentir bem e realizado.
Técnica vocal vai mudar a minha voz!

Certamente que sim, só que para melhor! Não acredite no discurso de alguns, que acham
que estudar tira a naturalidade deixando a voz dura, “presa à técnica”, como eles dizem.
Pessoas que afirmam este tipo de coisa, provavelmente nunca fizeram uma aula de canto
sequer.
Durante sua vida como cantor, muitas certezas cairão por terra uma após a outra, até que
você atinja certo nível de entendimento.

A técnica, ao contrário do que alguns pensam, liberta o cantor, dando muito mais
possibilidade de interpretar, pois os recursos são infinitamente maiores do que alguém que não
tem nenhum embasamento. Se você quiser certo resultado, saberá exatamente como
conseguir. Chegará ao ponto em que você praticamente não terá mais nenhuma dificuldade
para executar qualquer ornamento ou efeito dentro do repertório escolhido, ou seja, você
controlará o instrumento.

De ruim mesmo a respeito de técnica (além da escassez de bons professores), apenas


algo que tenho visto ultimamente, que são alguns aproveitadores de plantão criando métodos
ditos “revolucionários”. Eles juntam poucas informações de uma ou outra técnica, misturam de
qualquer jeito e colocam um nome pomposo. Depois lançam no mercado como se fosse algo
novo e logicamente, cobram caro por isto.
Não há muito mais o que revolucionar em técnica de canto e nada fará você virar um
grande cantor em seis meses. Observe que não há nenhum bom cantor que represente estes
métodos no mundo, então fique atento.

Classificação vocal

Considerando o dó central do piano como dó 3, temos:

Soprano - dó 3 a dó 5 (voz aguda feminina)


Mezzo - soprano - lá 2 a lá 4 (voz média feminina)
Contralto - fá 2 a fá 4 (voz grave feminina)
Tenor - dó 2 a dó 4 (voz aguda masculina)
Barítono - lá 1 a lá 3 (voz média masculina)
Baixo - fá 1 a fá 3 (voz grave masculina)
Então, você deve querer saber qual o seu tipo de voz, certo? Claro que sim, mas se você
é cantor de música popular e não faz aula de canto, esta informação servirá apenas para matar
a curiosidade, pois no canto popular se a música não está confortável, simplesmente altera-se
a tonalidade. O fator classificação vocal não impede nada no canto popular.

Para saber a sua classificação vocal, somente com um bom professor. Não há um só tipo
de tenor e um só tipo de baixo, por exemplo. Existem subclassificações para cada voz e muitas
vozes deixam dúvidas na hora de classificar. Isto quer dizer que dependendo do caso, até
mesmo o professor vai levar um bom tempo para saber com exatidão que voz é aquela. Mas
isto ocorre apenas com algumas vozes, outras já são facilmente identificáveis, ao menos na
classificação fundamental (se é soprano, mezzo, etc.).

Os vícios que o aluno traz por cantar do seu “jeito” ou porque fez aula com algum
aventureiro que não entendia de técnica, também dificultam a classificação. Até que ele
consiga encontrar a voz real, sem todas as tensões envolvidas pode demorar algum tempo.
Logicamente que quando o cantor já tem um nível mais alto, o conhecimento específico
da sua classificação é extremamente útil. Ele saberá exatamente o que é bom ou não na
escolha do repertório e como lidar melhor com as tonalidades, passagens de registro, etc.
Capítulo 2

Técnica Vocal

Antes de tudo, deve ficar bem claro que nada substitui a aula presencial e nenhum texto
lhe ensinará a cantar sozinho. Um texto poderá ser um aliado no entendimento de questões
talvez ainda um pouco nebulosas, coisa bem comum no início dos estudos. Exemplos singelos,
às vezes podem fazer com que você compreenda melhor e supere mais facilmente as suas
dificuldades. Espero ter a felicidade de (com as imagens que serão propostas) conseguir criar
alguns destes exemplos.

Respiração e apoio

Basta entrar na internet para ver a quantidade de vídeos de gente ensinando a


“respiração correta” para o canto. Basicamente lhe dizem para projetar a barriga para frente
quando inspirar e quando cantar, empurrar a barriga para dentro. Pois eu digo que isto está
muito longe de ser a maneira ideal. Não que se você fizer deste modo não conseguirá cantar,
até conseguirá, mas o resultado será muito inferior. Tenho certeza que se você tentar colocar
em prática alguns dos conceitos a seguir, terá um rendimento muito melhor.

Então, antes de tudo a postura. Deve-se ficar ereto, praticamente numa posição de
soldado, mas não tenso. Inicie a inspiração, expandindo-se lateralmente (como uma cobra
Naja), mas sem se curvar para frente. Lembre-se que quando você for cantar, não deve se
“dobrar”, como se estivesse fazendo abdominais. A musculatura do abdômen deve ficar
apenas alongada e firme, não totalmente rígida.

Então, se você acabou de expandir a caixa torácica lateralmente, o seu peito deve estar
um pouco projetado, certo? Não há problema! Você só não pode levantar apenas o peito
quando inspirar, ou seja, usar a respiração alta que é curta demais e não funciona para o
canto.
Mantenha a postura ereta e não inspire somente pensando em barriga ou peito, pense em
expandir-se para todos os lados, mas principalmente para as laterais.
Isto durante a inspiração, mas e para manter a tão falada sustentação? A saída de ar
controlada? Simples: Insista em manter a abertura lateral das costelas enquanto canta.
Mas então alguém poderia dizer:
– Espere aí? Para manter o ar saindo, controlado, tenho que pensar em empurrar para
fora e não para dentro?
Exato, simples de entender e bastante complexo de realizar corretamente. Veja que este
tipo de apoio é usado para as notas longas e para manter o fraseado todo ligado. Porém,
quando você tem que pegar uma nota saindo do zero, ou seja, dar um “golpe” na nota, você
tem que empurrar a barriga para dentro com uma “batida”. Imagine que você impulsionará seu
umbigo para trás e para cima, expulsando o ar em alta velocidade.

É a este tipo de impulso que me refiro, porém você terá que dar o impulso, cantar a nota e
soltar logo em seguida, voltando para o modo anterior. Nada de ficar empurrando a barriga
para dentro o tempo todo. Você fará isso nos momentos em que tiver que cantar uma nota do
zero ou quando tiver que cantar uma sequência em stacatto, como por exemplo: dó - mi - sol,
dando um golpe em cada nota separadamente, sem ligar. Isso deverá ser feito cada vez que
você tiver que destacar alguma nota, seja grave, média ou aguda.
Existem outros detalhes finos e desdobramentos, variando de acordo com o estilo que se
canta, e que você só conseguirá colocar realmente em prática durante a aula, porém estas
informações já lhe darão uma boa base.

Mas veja que tudo isto deve ser feito de uma maneira tranquila. Você precisa de certo
nível de força para realizar os movimentos, pois não existe canto 100% relaxado, mas tem que
ser o menor nível possível. Respirar e apoiar deste modo permitirá que você cante frases
longas, tenha controle de intensidade e aproveitamento total do ar.
Esta é uma pequena descrição de como o sistema deve funcionar e pode variar na
maneira de explicar de um professor para outro, mas a base não pode ser muito diferente.
Para compreender melhor, você poderá assistir a este vídeo:

https://www.youtube.com/watch?v=QDArY5XJsxA

Impostação

Costumo dizer em aula que você fala no térreo e tem que cantar no quinto andar. Se você
testar os pontos onde é possível colocar a voz, verá que são vários e que tudo depende do
efeito desejado. Porém, existe apenas um ponto onde você pode colocar a voz, que lhe dará a
melhor sonoridade, maior brilho e maior projeção. E o importante é que este ponto vale para
qualquer altura de nota. Se você ficar preso à ideia de que nota aguda é lá no alto e grave lá
embaixo, terá problemas. Toda a emissão tem que ser alta; independente se a nota é grave,
média ou aguda.

O ponto

Para que você possa identificar o local ideal da colocação da voz, criei um exemplo
simplificado (figura 1) e para que ele funcione, vamos convencionar que existem apenas três
pontos focais, sendo que:

- O número 1 corresponde a um som excessivamente nasal, que você fará


conscientemente. Perceba a vibração constante no nariz. É um som de baixa qualidade
(fanhoso) e se você cantar algum trecho perceberá a dicção prejudicada.

- O número 2 corresponde ao som alto, brilhante, com clareza nas palavras e boa
projeção.

- O número 3 corresponde ao som abafado, para trás, sem brilho, que você fará
conscientemente, semelhante a quando você boceja (no fundo da garganta), porém
exagerando ainda mais. Observe que não há vibração no nariz.

- Com a sua mão esquerda, tape o nariz e aponte o seu braço direito para frente. Pense
no braço direito como um ponteiro que passará por esses três pontos.

- Cante a vogal A e coloque este ponteiro na posição 1, perceba o som anasalado e a


vibração do nariz.

- Depois leve este ponteiro direto para a posição 3 e sinta o som abafado, sem brilho.

- Volte para a posição 1, continue fazendo a vogal A e imagine que o seu ponteiro está
subindo da posição 1 em direção à posição 3, ou seja, você irá de um som nasal em direção a
um som abafado, semelhante ao seu bocejo.

- Quando você chegar à posição 2, duas coisas vão acontecer: o seu nariz vai parar de
vibrar e a qualidade sonora será infinitamente superior do que nas outras duas posições. Este
é o ponto ideal e você deve frear o seu ponteiro imediatamente, quando o nariz parar de vibrar
e a sonoridade “abrir”, caso contrário você colocará a voz muito para trás.
Fig.1

Você pode ver o vídeo detalhado deste exercício (chamado “Exercício do Ponteiro”) em:

https://www.youtube.com/watch?v=EbhJ2vNmlvk

Você provavelmente já deve ter ouvido falar da expressão “voz na máscara”. Se você
conseguiu executar corretamente o exemplo acima, deu o primeiro passo para encontrá-la. A
parte difícil é colocar sempre na posição ideal, o que exige apoio correto em diversas situações
e por isto é importante ter uma grande variação de exercícios.

Você vai cantar 99 % das vezes neste ponto ou ao menos deveria. As variações de
colocação da voz devem acontecer por conta da sua vontade e não por falha técnica. Se você
quiser fazer um som anasalado porque entende que é adequado naquele momento, tudo bem,
o que não pode acontecer é sair sempre do mesmo modo, simplesmente porque você não
consegue fazer diferente.
Quanto ao bocejo que citei anteriormente, foi com a intenção de fazer com que você
encontre a sonoridade proposta. Não quer dizer de maneira nenhuma que pensar em bocejo
para cantar seja algo errado. Você tem sim que pensar em bocejo, porém não da mesma
maneira com que você faz quando está com sono. Pense que o bocejo normal é para trás e
para cantar, o formato é o mesmo só que direcionado para frente. Cantar é bocejar para frente,
com brilho.

Talvez você se pergunte por que é necessário ter uma boa projeção, se o seu interesse
não é o canto lírico onde se canta sem microfone. Se seu objetivo for o canto popular, você
provavelmente vai cantar com microfone o tempo todo, porém, a questão é que com uma boa
projeção, o seu desgaste será muito menor. O esforço para cantar será mínimo e a sua carreira
durará muito mais. Pense na rotina de shows e o quanto é exigido da voz. A maioria dos
cantores populares quando chega à casa dos quarenta anos, já não consegue mais cantar
como antes.

O domínio técnico também permite que você cante mesmo fora das condições ideais e
não adianta sonhar, pois às vezes, existem compromissos importantes que não podem ou ao
menos não devem ser cancelados. Imagine que a sua grande chance surgiu, mas você não
está bem e a voz não está respondendo adequadamente. Se sua técnica for boa você
conseguirá cantar, não a 100%, mas ainda em bom nível. Isto, é claro, se refere a apenas uma
situação específica e não a ficar cantando o tempo todo em más condições, o que é danoso.

A vogal I

Esta é a chave para você colocar bem a voz. Pensemos no I como o abre alas do restante
das vogais. Grandes professores de técnica já disseram que o segredo é encaixar todas as
outras vogais em cima do I.

Imagine o I à frente, o E um pouco mais atrás e A, O e U, no fundo da garganta. O


objetivo então é colocar todas as outras vogais posicionadas em cima da vogal I, o que
equivale a dizer que você não pode cantar um I e na sequência um A e os dois ficarem
totalmente distantes um do outro. Nos exercícios, procure fazer as passagens do I para as
outras vogais de modo suave, transformando um no outro. E lembre-se que o I lhe dá a ponta,
mas não deve ser feito com pouco espaço. Ao fazer um I, pense em manter o espaço dentro da
boca, quase um meio bocejo, mas sem mudar a sonoridade para um E. Ele tem que se manter
sempre I.

São inúmeros os cantores que quando vão cantar um I, o fazem para trás, modificando a
sonoridade para algo semelhante ao Ü alemão. Este som não está naturalmente presente na
nossa língua, então, cantando em português deverá ser pronunciado sempre I e não outra
coisa.
O modo mais fácil de padronizar uma voz é colocá-la para trás, o que faz com que todos
cantem exatamente da mesma maneira, anulando as características particulares de cada voz,
mascarando o timbre e deixando a voz sem brilho.

Bocca chiusa

Em italiano quer dizer “boca fechada” e é bastante usado em vocalizes, fazendo o som de
(M). Conheci alguns professores que são contra o uso do bocca chiusa como exercício válido,
mas pelo tempo que tenho de envolvimento com o canto (27 anos em 2015), entendo que
quando feito do modo correto, com volume baixo e sem tensão, é um grande auxiliar no
aquecimento e desaquecimento. Também é o botão de “ligar”, pois lhe dá a referência da
colocação da voz. Porém, alguns poderão questionar:
– Mas o som que sai é nasal!
Certo, por isto mesmo é o seu referencial. Sendo nasal, a colocação perfeita da voz está
um pouco acima dele. Imaginando que o som nasal é o seu ponto 1 (figura 1), você tem o
referencial imediato para encontrar o ponto 2.

Pensando que no bocca chiusa, a voz está correndo numa linha para frente e para cima,
imagine que a voz ideal segue esta linha, porém está um pouco acima dela. É como uma linha
acima da linha, como no exemplo abaixo:

________________ A (ou qualquer outra vogal)


________________ (bocca chiusa)

Você poderá assistir ao vídeo deste exemplo em:

https://www.youtube.com/watch?v=cZwa3agorDk

Posição da língua

Poucas pessoas se dão conta da diferença que faz o posicionamento da língua, porém é
de suma importância. Deve-se cantar com a língua relaxada, baixa e boa parte do tempo
encostada atrás dos dentes incisivos centrais inferiores, igual quando você pronuncia o I.
O que normalmente acontece é a pessoa ao cantar um A, O ou U, coloca a língua para
trás, diminuindo o espaço. Então, logicamente que ao cantar um A, por exemplo, você deverá
trazer a língua para frente em uma posição similar à do I.
Como em algumas pessoas, a língua parece um ser com vontade própria (como se fosse
uma moreia dentro da boca), seria bom observar em frente ao espelho, pois movimentos
exagerados e desnecessários da língua acabam criando tensão. Se o movimento não contribui
para o seu desempenho ao cantar, não há razão para fazê-lo.

Seja um bom observador de si mesmo. Todo cantor tem que ter consciência de cada
movimento que está fazendo e no que ele resulta. Lembre-se também, que tão importante
quanto prestar atenção ao posicionamento da língua e procurar não deixá-la rígida, é fazer
tudo isto de modo que não interfira negativamente na pronúncia das palavras. Não adianta
tentar trazer a língua para frente e mal conseguir falar direito. A técnica aplicada tem que
melhorar a projeção, dicção, refinar o timbre, e não criar mais dificuldades.

Abertura da boca

O formato da boca nas vogais é muito importante, pois ao lado da respiração e apoio,
pode ser a razão de você conseguir alcançar uma nota com maior facilidade e qualidade.
Porém, estes posicionamentos não podem ser tomados como definitivos e sim como flexíveis,
porque depende muito da música, da frase que se está cantando e de qual vogal vem na
sequência.
A vogal A, por exemplo, tem que ser pensada verticalmente e ao cantá-la deve-se baixar
o queixo. E aqui vamos entrar num terreno um pouco sinuoso, porque qualquer exagero vai
causar problemas. Se você baixar demais, forçando e se concentrar apenas no queixo, este A
vai entubar e a emissão cairá.

Apesar de haver uma variação (que veremos mais à frente), no momento vou me
concentrar apenas na abertura vertical do A, porque a maioria não o faz e cantam-no sorrindo,
abrindo a boca sempre horizontalmente, levando-o imediatamente para a garganta ou criando
sons abertos demais.
Como exercício, cante as suas músicas se concentrando exclusivamente na abertura do
A, porém, é essencial que você quando faça esta abertura vertical (bocejando), pense em
colocar a voz no ponto 2 (visto anteriormente), ou seja, faça a emissão alta e não siga com a
cabeça o movimento do queixo para baixo. O queixo baixa porque é preciso dar espaço, mas a
voz tem que ser mentalmente direcionada para cima e para frente. Você se concentra num
ponto entre as sobrancelhas e imagina que a voz é como um raio laser que sai por ali e segue
infinitamente, sempre adiante. Faça com que o movimento suave do queixo para baixo seja um
impulsionador da voz para cima e para frente.

Sobre a variação que citei anteriormente, se você começar a entrar na região dos grandes
agudos, vai ter que no início abrir verticalmente o A e depois terá que pensar horizontalmente
também. É como se você fizesse uma cruz. Abra a boca, e depois, mantendo o queixo baixo,
faça um meio sorriso. Quanto mais aguda a nota, maior será a necessidade de espaço. Esta
posição vai lhe possibilitar alcançar mais agudos do que uma abertura somente na vertical.

Algumas pessoas combatem bastante esta ideia da abertura horizontal, ou seja, do


sorriso ou meio sorriso, porém acho que quando algo funciona, deve ser levado em
consideração. Se algum aluno me provasse definitivamente que descobriu um modo mais
eficiente de cantar, eu seria o primeiro a adotar a nova prática, mas o comum nesta área é
encontrar muita resistência. Alguns encaram quase como uma religião e qualquer coisa que
seja um pouco diferente da sua visão é imediatamente combatida. Eu penso em flexibilidade e
experimentação.

Ótimo, mas...

Certa vez, numa audição em que fui muito bem, um aluno de uma conhecida professora
de canto, veio logo ao meu encontro quando terminei de cantar. Empolgadíssimo teceu elogios,
falou sobre as dificuldades que ele mesmo tinha para cantar a ária que eu havia apresentado e
que não entendia como eu conseguia fazer tão facilmente, “sem demonstrar nenhum esforço”
como ele mesmo disse.
Fiquei surpreso com a abordagem e respondi que realmente não havia nenhum grande
esforço e que conseguia aquele resultado porque fazia de determinado modo e o descrevi para
ele. A fisionomia então mudou e ele soltou a seguinte frase:
– Ah, mas assim é errado!
Então, mesmo gostando do resultado, achando que foi uma boa apresentação, o
dogmatismo falou mais alto e o que poderia para ele ser um modo de se desenvolver, acabou
passando em branco.

Não se pode ignorar um trabalho bem feito por conta de uma abordagem um pouco
diferente da sua e que se mostre realmente eficiente.
Um tipo muito comum quando se trata de gente que critica o seu trabalho, é o famoso
teórico. Alguém que até canta, estuda, tem discurso bastante ácido e se considera um
verdadeiro guru, mas na hora de colocar em prática, de provar as suas teorias, de demonstrar
que sabe muito mais do que você, ele simplesmente canta mal. Este tipo é o que mais
incomoda e o que mais deve ser ignorado.

Vibrato

Existe uma coisa comum a todas as pessoas que tem dificuldades com vibrato, que é a
tensão. Um cantor treinado, para conseguir cantar totalmente sem vibrato, tem que adicionar
um componente de tensão, ou seja, deixar a musculatura rígida.
Quando me perguntam o que pode ser feito para conseguir o vibrato, qual o exercício
indicado, a resposta é simples: aula de canto.
Não é apenas fazendo um ou outro exercício que a coisa vai se resolver, mas aprendendo
a cantar com maior relaxamento, liberdade e esforço mínimo necessário. Aprenda a cantar sem
forçar, que o seu vibrato natural aparecerá.

Relaxamento

Quando iniciei minha jornada apenas cantando sem nenhuma base, tentava atingir notas
agudas forçando o pescoço, pois imaginava que o certo era apertar, diminuir o espaço.
Esta ideia de que agudo é algo espremido é justamente o que impede de alcançá-lo. Ao
mesmo tempo, erra-se ao buscar o grave pesando, querendo fazer vozeirão, baixando a
cabeça por conta da vibração que se sente no peito. Nas duas situações criamos tensões
desnecessárias e dificultamos o ato de cantar.

Uma maneira de contornar este problema é novamente com o auxílio de um espelho,


observar o que você está fazendo quando canta e ficar atento a cada detalhe. Provavelmente
você está tentando “ajudar” de alguma maneira, com caretas, jogando a cabeça para algum
lado ou até mesmo balançando-a, tentando marcar o tempo. São vários os movimentos que
podemos fazer para tentar compensar a falta de técnica.
A proposta para você que percebeu que está fazendo estes movimentos, é cantar em
frente ao espelho com uma expressão neutra, mantendo o controle e impedindo que eles
apareçam. É cantar sem nenhuma expressão facial, com “cara de nada” como eu costumo
dizer.
Não é tarefa fácil se manter quase que imóvel ao cantar, mas é essencial que você tente
abandonar os vícios e manias, porque além de atrapalhar o desempenho, visualmente não é
nada interessante. Pense que antes de tudo, você tem que conseguir fazer sem expressão,
livre das caretas e trejeitos.

É fundamental estar consciente de tudo o que se faz ao cantar e aproveitando o assunto,


gostaria de chamar a atenção sobre algo que muitos cantores fazem antes de se apresentar.
Se a pessoa deve estar no controle absoluto do que está fazendo, uma coisa totalmente fora
de questão é consumir bebida alcoólica ou qualquer outra substância que tire ou diminua este
controle. Então, se você tem pretensão de longa carreira e de se apresentar sempre bem,
esqueça estas bobagens de que é preciso beber ou usar drogas para se acalmar ou ficar mais
desinibido. Se você não tem condições de suportar subir num palco totalmente são, então é
melhor fazer outra coisa na vida. Apenas a concentração, aquecimento, confiança na técnica, é
que preparam o cantor e anulam o medo de enfrentar o palco.
Capítulo 3

Cuidados com a voz

Além de ter uma boa técnica para conseguir usar todo seu potencial, você precisa tomar
alguns cuidados:

- Faça aquecimento vocal de pelo menos 10 minutos e desaquecimento após a


apresentação. Nada de cantar sem aquecer, não faça concessões neste sentido.

- Beba água. Uns dois litros em média durante o dia todo.

- Não converse em lugares onde há muito barulho.

- Nada de roupas muito apertadas que atrapalhem a sua respiração.

- É importante dormir a quantidade de horas considerada suficiente. Oito horas em média.

- Bebida alcoólica, fumo ou outras drogas, nem pensar.

- Não leve a voz ao limite o tempo todo. Você deve cantar sempre numa região
confortável e somente de vez em quando mostrar tudo o que tem.

- Evite deitar logo após as refeições, pois pode causar refluxo.

- O refluxo gastresofágico é um destruidor de vozes, fique atento aos sintomas. Ter azia
continuamente é um indício. A qualquer sinal de problemas estomacais, vá imediatamente ao
gastroenterologista. Se o médico pedir uma endoscopia e não houver nenhuma
contraindicação, faça sedado. Sua garganta vai agradecer.

- Trate de rinites, sinusites e problemas dentários.

- Consulte o otorrinolaringologista no mínimo uma vez por ano. Caso esteja em atividade
contínua, programe-se para ir duas vezes. Mas ao sinal de qualquer sintoma estranho como
rouquidão persistente, dor, etc., vá imediatamente. Se ele identificar algum problema e disser
que você precisa ir ao fonoaudiólogo, vá! Não perca tempo.

- Se você por acaso vier a ter algum problema de voz e o médico disser para você ficar em
repouso. Faça isto pelo tempo que for indicado, mesmo que você ache que já está bem.

- Livre-se do famoso “canta aí”, que é quando você vai a algum lugar (festa, churrasco,
aniversário) e alguém acaba descobrindo que você canta. Então essa pessoa acha que é sua
obrigação cantar na hora em que ela quer. Diga não.

- Tenha sempre por perto um otorrinolaringologista e um fonoaudiólogo, de preferência


que tenham bastante experiência com cantores. E é claro, o professor de canto.

- Quando você tiver uma apresentação especial ou um show importante, faça o possível
para não falar nada no dia, ou seja, você só vai emitir algum som quando começar o seu
aquecimento. Se for algo extremamente decisivo para você, também no dia anterior fale o
mínimo possível. Embora os outros achem isso estranho ou excentricidade, faz diferença na
voz, além de ser parte da concentração.

- Confira o ambiente onde você vai cantar. Se há algum cheiro de mofo, pó, produto
químico ou qualquer outra coisa do gênero.

- Evite permanecer por muito tempo em ambientes com ar condicionado. Se não puder
evitar, beba mais água.

- Evite bebidas muito geladas ou muito quentes.

- Cuide da alimentação principalmente se estiver em viagem, preferindo os alimentos que


você consome normalmente e sabe que não irão lhe fazer mal. Depois da apresentação você
pode experimentar coisas exóticas à vontade.

- Se você tem pouca idade, lembre-se que não está pronto ainda para levar a voz ao
extremo. Estude tranquilamente numa região média e não force.

- Aproximadamente entre 12 e 15 anos a voz muda e é normal oscilar, portanto o mais


indicado nessa época seria não cantar, ou pelo menos, cantar numa região bem limitada e
confortável para a voz. E dos 16 aos 19 anos, sugiro estudar com muito cuidado, fazendo mais
um trabalho de preparação suave.

- Não tente forçadamente fazer volume de voz. Não é a busca pelo volume que importa, e
sim o quanto a voz é penetrante.

- Faça exercícios, você precisa de preparo físico. Pode não parecer, mas cantar é
bastante desgastante. Caminhadas diárias de uma hora são excelentes.

- Ficar pigarreando o tempo todo provoca irritação e pode contribuir para o aparecimento
de alterações nas pregas vocais.

- Se você pensa que tudo isto é exagero, primeiramente escolheu uma profissão para
poucos, onde a fragilidade do instrumento exige mesmo cuidado. Existem pessoas que
abusam do físico e aparentemente nada lhes acontece e outras que são mais sensíveis. Creio
que ninguém deveria cometer exageros contra seu próprio corpo e certamente os que se
cuidarem, terão no mínimo uma carreira bem mais longa.

Bandas

Em uma banda, o cantor é o que mais aparece e também o que mais sofre. Com
raríssimas exceções, o que se vê por aí é um retorno ruim para o cantor e a banda tocando
sempre a todo volume. O baixista tem que se ouvir, o guitarrista quer escutar os seus solos e o
cantor que se vire. Então, ele tenta cantar num volume maior para compensar, fazendo uma
competição sonora que é impossível vencer.

A primeira coisa a fazer é brigar por um bom retorno e um acerto melhor dos volumes.
Não consigo entender a razão das bandas em geral exagerarem tanto no volume. Dificilmente
ouço um som equilibrado, a instrumentação é sempre altíssima e a voz lá no fundo. Quando
você começa a se apresentar em público, deve pensar que tem que haver equilíbrio sonoro. É
sua obrigação como cantor preservar a própria voz, então pode começar a discutir o assunto
com a sua banda.

É preciso lembrar que o cantor é o solista, o representante da banda e a parte


instrumental é que acompanha a voz e não o contrário. Mas ele está cercado de
instrumentistas que podem até estar com febre que conseguirão tocar. Para o cantor a coisa é
bem diferente, porque qualquer indisposição afeta muito ou impede totalmente. Dificilmente os
outros integrantes se dão conta desta diferença, tratando o cantor como se fosse outro
instrumentista. Dar boas condições ao cantor é agir em favor da banda.
Estou sendo específico porque minha área é o canto, mas todos os integrantes de uma
banda devem ter um comportamento que facilite o trabalho e um cuidado especial para não
deixar que o sucesso (se houver) suba à cabeça.
Capítulo 4

Na hora de cantar

Dizem no meio musical que chiliques e ataques de estrelismo são coisas do passado. Na
prática, não é preciso ir muito longe para encontrar algum deslumbrado com a própria voz.
Dificilmente algum cantor não conhece um colega meio difícil, que queira estar sempre numa
posição de destaque passando por cima de qualquer um que seja.
Atuando em uma banda ou estando à frente de uma orquestra, o cantor deve lembrar que
sozinho não faz nada, ele é o solista, mas é dependente do instrumental.

Existe cantor que quando começa a despontar muda totalmente de atitude, achando que
os outros lhe devem algo porque conseguiu “ficar famoso”. Só que isto não quer dizer que
tenha alcançado um nível avançado em técnica e interpretação ou se transformado em bom
cantor e bom profissional. Um vocalista deslumbrado, por exemplo, cria vários problemas para
a banda.

Muitos dizem que é difícil se manter equilibrado com gente elogiando o tempo todo, mas
deve-se ter um pouco de consciência, pois no íntimo a pessoa sabe que há sempre o que
melhorar. O cantor que achar que já atingiu tudo o que podia, está apresentando os primeiros
sinais de decadência. É fácil perceber que a postura exibicionista não combina nem um pouco
com realmente fazer música.

Interpretação

Creio que o único meio de alcançar um nível superior de interpretação é tentar se desligar
de tudo o que possa desviar a sua atenção e pensar somente na música e no texto. Vivenciar o
personagem a ponto de se confundir com ele, porém mantendo ainda o total controle da
situação.
Você pode ensinar alguém a fazer uma frase com variações de intensidade para que
tente demonstrar algum sentimento específico, mas não pode fazê-lo “sentir” a música. Na
verdade, são poucos os que conseguem criar esta atmosfera em torno do público, levando a
interpretação a outro patamar. O interessante é que quando você consegue fazer isto, o
público percebe a sinceridade da emoção e então a magia da música acontece.
Apesar de toda a técnica envolvida, quando você sobe no palco, o momento é apenas e
tão somente, de cantar com verdade, por isto a técnica tem que se tornar algo automático. E
cantar com verdade pode ser uma infinidade de coisas, pois depende da personalidade de
cada um. Aos que são pouco emotivos ou até mesmo “frios”, resta aplicar a técnica e pensar
na interpretação como um conjunto de ações calculadas para se obter determinado resultado.
Logicamente que a reação do público será diferente para cada verdade que lhe for
apresentada. Quanto maior o sentimento transmitido através da voz, maior será a reação do
público e o reconhecimento deste cantor como grande intérprete. Porém, deve-se tomar um
cuidado especial para não exagerar na intensidade, nos ornamentos e improvisos para não
descaracterizar a música. Se for para cometer algum pecado musical, que seja o da
simplicidade e não do excesso.

Repertório

A escolha de repertório equivocado pode facilmente acabar com uma voz. O erro mais
comum em cantores iniciantes é o de querer cantar coisas pesadas ou agudas demais para a
voz, ainda em formação.
Hoje com a evolução tecnológica, as pessoas não têm muita paciência e querem
respostas rápidas demais, pulando etapas necessárias para um bom desenvolvimento. Não é
raro ver adolescentes de 15 ou 16 anos pesando a voz, simulando uma dramaticidade que não
possuem ou querendo cantar músicas agudíssimas, causando com isso problemas de difícil
solução. Quantos jovens já acabaram com a possibilidade de carreira porque tentaram imitar
adultos de voz formada? Fico perplexo ao ver em programas de televisão, crianças ou
adolescentes tentando fazer aquele vozeirão das cantoras populares americanas, por exemplo,
num total massacre vocal. E as pessoas aplaudem, os pais acham lindo, mas não se dão conta
de que aquilo é praticamente destruir as possibilidades futuras.

Outra situação comum são garotos que querem cantar rock, tentando de todo o jeito fazer
o drive (voz rasgada, como se diz), mas o fazem totalmente na garganta, ou seja, outro
massacre. Não é gritando feito louco que vai se chegar a algum lugar. Cantar músicas que
exigem mais do que você pode oferecer é o meio mais rápido de acabar com a voz. O problema
é que o iniciante não sabe os seus limites, não conhece a própria voz e é neste momento que
entra a figura do professor de canto.

Mas e se a pessoa não tiver condições de fazer aula? Bons professores não cobram
pouco, mesmo porque professor que sabe o que está fazendo é uma verdadeira raridade. Meu
conselho é que o iniciante, antes de tudo, comece a se programar para fazer aula no futuro e
crie condições para isto, ou seja, use a criatividade para resolver a situação.
Só para ilustrar, quando eu estava começando, chegou um momento em que eu não
podia mais pagar as aulas. Mas como sabia fazer móveis e estava ciente de que meu professor
precisava de uma estante e de um móvel para o piano digital, propus a troca por aulas e ele
concordou. É um caso específico, mas uma boa ideia pode resolver tudo, só depende da
vontade da pessoa e de onde ela coloca a sua atenção.
E enquanto não for possível fazer aula, cante, mas sem forçar. Sentiu dor, desconforto,
ficou rouco? Está errado. Não tente cantar coisas difíceis demais, vá com calma. Não se
prejudique por falta de paciência.

Ensaio

Ensaio para mim é apenas um treino muito leve, por conta disso, já fui acusado de
“simular baixo desempenho”, ou seja, parecer fraco no ensaio e cantar de modo diferente na
apresentação. Mas então, não é este o objetivo? Se sair bem na apresentação? Ensaio serve
para acertar as coisas, andamentos, entradas, etc., e não faz o menor sentido, pelo menos
para mim, dar tudo o que tem nesta hora.

Certa vez, participei de um recital com mais duas pessoas e meus ensaios estavam ruins.
As músicas eram difíceis e eu me poupava ao máximo, passava apenas o que achava
importante e cantava bem abaixo do possível. Os outros dois davam tudo o que tinham, faziam
malabarismos vocais e criticavam o meu desempenho. Porém, quando você entra no palco e
está seguro de si, vai pensar somente na interpretação e na noite do recital percebi que fui
além de uma apresentação normal. Isto foi confirmado pela reação do público e eu fiquei muito
satisfeito porque havia conseguido atingir meu objetivo.

Após o término, olhares de reprovação por parte dos meus colegas e a acusação de fazer
“corpo mole” no ensaio e querer aparecer demais na apresentação. Só que eu nunca poderia
prever que eles iriam cantar mal, somente subi no palco e fiz meu trabalho. Lógico que isso
gerou um conflito de grandes proporções, mas não foi minha culpa se os meus colegas
optaram por dar o máximo nos ensaios e menos na hora em que realmente era essencial.

Coisas assim somente acontecem por causa do ego inflado das pessoas e pela falta de
inteligência na hora de efetuar a preparação. Ensaio não é para se matar de cantar ou “brilhar”
como costumo ouvir por aí. Ensaie com tranquilidade, tente consertar as coisas mais básicas,
nada de grandes performances. Deixe isto para a hora do espetáculo, ali sim é que as coisas
acontecem, quando o público está interagindo com você.

Gravação

Lembro-me de quando entrei num estúdio para gravar pela primeira vez como foi estranha
a sensação. Cantar com fone de ouvido, aquele silêncio de uma sala tratada, o retorno da
minha própria voz no fone e para completar, nervosismo e medo de errar.
A coisa mais importante quando se vai gravar em estúdio é chegar com a música
completamente resolvida. Não é hora de ficar fazendo acertos, porque isto leva tempo e tempo
em estúdio vale ouro. Só entre em estúdio quando tiver certeza que pode cantar a música
pensando apenas na interpretação, portanto ensaie muito antes de gravar.

Então, imaginando que você já tenha ensaiado o suficiente, as únicas coisas que vão
realmente lhe ajudar nessa hora são: bom aquecimento, água e concentração.
Eu acho muito mais difícil cantar em estúdio, pois apesar de todos os recursos e poder
corrigir os erros, a falta de público e a frieza da situação exige muito mais concentração.
Pense que você pode se superar, mas somente na interpretação. Tecnicamente não
haverá superação, pois você ainda não sabe como executar.

Certa vez uma cantora me pediu ajuda, pois estava com dificuldade para gravar uma
música de sua própria autoria. A canção iniciava grave, ia para o refrão agudo, voltava para um
trecho grave e finalizava com a repetição do refrão agudo. Duas partes graves e duas agudas.
Quando você canta músicas que tem um início grave e depois sobem bruscamente deve tomar
cuidado, porque se pesar a voz no início, não conseguirá ter um bom desempenho na parte
mais aguda. Na gravação essa era exatamente a dificuldade, então a instruí para que fizesse o
aquecimento e cantasse as duas partes graves primeiro. Depois, fizesse novo aquecimento
subindo um pouco mais e só então gravasse as partes agudas e deste modo a gravação deu
certo.

São estas coisas simples que facilitam muito o trabalho em estúdio, e economizam horas
de gravação. Quando você fizer algum projeto, procure incluir um profissional para lhe orientar
e acompanhar durante as gravações. Ter um material bem gravado mesmo que não seja
definitivo, é essencial.
Cabine

Para você que não tem um lugar específico para ensaiar, ou ainda, quer fazer gravações
caseiras, seria bom pensar numa cabine de som. Você pode pesquisar sobre isolamento de
cabines ou salas pequenas. É muito incômodo não ter um lugar onde você possa soltar a voz
sem preocupações com vizinhos ou com quem mora com você. Não precisa ser nada grande,
o que estou sugerindo é uma cabine de no máximo 1,60m x 1,60m, aproveitando um canto da
casa ou apartamento. Você pode fazer com estrutura e chapas de madeira ou drywall, ambos
utilizando lã de vidro ou lã de rocha para isolar. Não use isopor, caixa de ovo, etc.

Existem cabines prontas, porém são muito pequenas e o preço só compensa para
alguém que vai usar direto, para locução, tradução, etc. Pesquise sobre “cabines para
gravação de voz”, que encontrará bastante material.

Fig. 2
Capítulo 5

Conselhos

- Deve-se ter um objetivo bem traçado, saber exatamente o que se quer.

- Talento é desejável, boa aparência é adereço, obstinação e acreditar em si mesmo é


fundamental.

- Tenha grandes objetivos. Pessoas com objetivos estratosféricos, se alcançarem 50% do


que queriam já terão feito grandes coisas.

- Quando subir no palco abandone a ideia de “eu sou o cara” e pense apenas na música.
Se por acaso um dia você se tornar “o cara”, seja o cara que canta bem, respeita o seu público,
dá bom exemplo e chance para quem está começando.

- Sucesso é algo imprevisível, e a única coisa a fazer é estar bem preparado para agarrar
as chances quando elas aparecerem.

- Faça o seu trabalho com competência, estude o quanto puder e corra atrás das coisas
sem se martirizar, não se cobre demais.

- Lembre-se que nada de voz pode ficar com você. Cante para fora, para o alto e para
frente, imaginando que esta voz não tem limite, vai universo afora.

- Evite ser o pivô de brigas e desentendimentos no meio musical. Dizem que se deve
tomar cuidado, pois o mundo dá muitas voltas, e neste meio parece que isto acontece três
vezes mais rápido.

- Não faça mais do que a música pede. Caras e bocas, micagens e exageros destacam
você, mas de modo negativo.

- Não tenha vergonha de ser bom. Se você for realmente e tiver consciência disso,
assuma o seu posto e a responsabilidade que ele traz.
Capítulo 6

Perguntas e respostas

1. Sou fã de um cantor, queria cantar como ele. O que há de mal nisto?

R: Nada de mal, desde que você não tente imitá-lo. Você pode ter como referência, mas
este cantor já existe, tem o seu próprio estilo e não precisamos de outro igual a ele. Seja você
mesmo.

2. Quero muito cantar, mas a minha voz é feia. O que fazer?

R: Cante com a sua “voz feia” mesmo, mas cante. Isto não importa. Existe mais voz mal
preparada do que feia.

3. Será que vale a pena pagar aula de canto e investir na carreira de cantor? Vai dar
certo?

R: Ninguém sabe. Se você gosta, arrisque, senão quando ficar mais velho vai ficar se
lamentando porque não tentou. Nada do que você faça dá 100% de garantia, não apenas
carreira de músico.

4. Queria fazer aula, mas como vou saber se o professor é bom ou não?

R: Veja como o professor canta ou já cantou durante a sua carreira e como os alunos
mais velhos estão cantando. Se ele usa vocalizes variados, corrige bastante durante os
exercícios ou fica só elogiando sem nem olhar direito o que você está fazendo. Professor bom
fica corrigindo você o tempo todo.

5. Não gosto da minha voz e queria que ela fosse diferente. Dá para mudar totalmente?

R: Não. Pode melhorar em muitos aspectos, mas não dá para mudar a classificação
vocal. Você tem que aprender a usar bem o que tem.
6. Quero cantar, mas não tenho o dom e para quem tem é fácil. Devo desistir?

R: Não é fácil para ninguém! Pode ter o dom que for, mesmo assim tem que estudar
muito, pois só ter facilidade não resolve nada. Tenha o dom da persistência.

7. Se eu fizer aula não vou ficar com a voz dura e perder a naturalidade?

R: De modo algum. Se você fizer aula vai cantar cada vez melhor e manterá a voz
saudável para o resto da vida.

8. Fazendo aula, minha extensão e tessitura vão aumentar?

R: Antes de tudo, extensão são todas as notas que você consegue alcançar e tessitura
são as notas alcançadas com conforto, ou seja, notas que são emitidas com qualidade e que
mantêm o seu timbre característico. E sim, com boa técnica é comum você conseguir alcançar
mais notas.

9. Não quero fazer aula, posso estudar sozinho, com apostilas, etc.?

R: Tentar fazer técnica vocal sozinho gerará mais vícios que serão difíceis de consertar.
Primeiro porque você não sabe se aqueles exercícios propostos são adequados e depois, não
há como se corrigir. Você fará tudo errado e nem se dará conta disso. Continue cantando,
tomando cuidado para não forçar muito e quando puder faça aula.

10. Mas tem um sujeito que eu conheço que disse que nunca fez aula e canta muito bem.
Como se explica isto?

R: Abra o olho. Existe muito cantor por aí que quando você pergunta se fez aula, ele diz
que não, que é autodidata. Só que muitas vezes diz isto só para parecer que é um “iluminado”.
Tem muita gente por aí que já fez dois ou três anos de aula e não conta para ninguém.

11. Quando gravo minha voz ela parece diferente. Porque isto acontece?

R: A voz que você ouve internamente parece mais grave do que ela é realmente, por
isto, quando você escuta uma gravação, estranha tanto.
12. Quando eu canto tenho que fazer muita força, sinto arder a garganta e depois fico
rouco. É normal?

R: De jeito nenhum. Sentiu dor e ficou rouco é porque há algo errado. Pode ser apenas
falta de técnica ou você estar com algum problema físico. Consulte um otorrinolaringologista.

13. Como descubro a minha classificação vocal?

R: Em aula com um bom professor. Esta informação só é essencial para o cantor lírico.
Na música popular se a tonalidade não for adequada à sua voz, você simplesmente altera.

14. Dá para fazer drive (voz rasgada) sem prejudicar a voz?

R: Não. Algum dano sempre haverá. Pode-se amenizar, mas é o mesmo que ser
boxeador e querer ter um nariz todo certinho.

15. E o gutural e screamo?

R: Faça por sua conta e risco. Eu particularmente sou contra a qualquer coisa que seja
danosa, além do que, estes dois modos de cantar, tiram a identificação do cantor a tal ponto,
que se o vocalista for substituído, não vai fazer quase diferença para a banda.

16. Conheço cantores que usam drive direto e a voz está normal. Como é possível?

R: Há quantos anos eles cantam desta maneira? Por quantos anos ainda conseguirão
cantar? Na verdade tem gente que aguenta muito tempo, mas são casos muito raros. A maioria
acaba com a voz e rápido, normalmente porque insistem em fazer “na garganta”, forçando.
Basta ver quantos destes famosos já foram para a cirurgia, isto os que a gente fica sabendo.
Então, se você não abre mão disto de modo algum, pelo menos aprenda como usar a
respiração, cantar mais relaxado, enfim, minimize os danos, assim você durará por mais
tempo no canto.

17. Quero cantar, mas tenho vergonha e a timidez me atrapalha muito. O devo fazer?

R: A única maneira de superar o medo é se expor a ele aos poucos. Encarar o professor
de canto já é um exercício e você verá que com o tempo vai perdendo o medo e a vergonha. O
mesmo acontece com se apresentar em público. Inicie aos poucos em lugares pequenos, com
poucas pessoas e demore o tempo necessário até se sentir seguro.

18. Quero aprender a cantar. Devo ir ao fonoaudiólogo?

R: Por incrível que pareça, algumas pessoas realmente acham que o fonoaudiólogo vai
lhe ensinar técnica vocal. Quem ensina canto, é professor de canto.

19. Antes do show o que devo fazer para controlar a ansiedade?

R: Não há nada melhor do que se isolar e fazer seu aquecimento completo. Você tem que
entrar com a voz preparada e escolher músicas mais fáceis no início. O “ritual” de aquecimento
dá todas as condições de você entrar mais calmo no palco.

20. Sou cantor de música popular. Se eu fizer aula com um professor de canto lírico, a
minha voz vai ficar igual à de um cantor de ópera?

R: Não. Para você se tornar um cantor lírico, precisa cantar o repertório erudito. Se você
continuar cantando as suas músicas, não haverá problema, mas também depende da
qualidade do professor. Se ele souber usar todo o conhecimento que tem do canto lírico e
adaptar ao ensino de cantores populares, os resultados serão ótimos.

21. Quais as características de um cantor lírico?

R: Cantor lírico é um sujeito que precisa ter uma excelente projeção de voz, agilidade e
dicção apurada. Canta quase que exclusivamente sem microfone, tem que se fazer ouvir num
teatro, geralmente acompanhado de orquestra e deve fazer isto com o mínimo esforço. Em se
tratando de ópera, por exemplo, o cantor não pode mudar tonalidades e tem que respeitar a
partitura e estilo. Temos alguns exemplos de cantores que se intitulam “líricos”, apenas porque
fazem uma impostação “que lembra” a de um cantor lírico, mas que só conseguem cantar com
microfone. Alguém que nunca cantou uma ária, canção de câmara, etc. e não consegue
projetar a voz a ponto de ser ouvido com clareza num teatro, não pode ser considerado cantor
lírico.
22. Mas se eu fizer aula, não estarei “fabricando” uma voz?

R: Imagine que a sua voz já existe sem problema algum e a sua dificuldade em cantar
seja causada pelos “entulhos” (tensão, timidez, trejeitos, caretas, etc.) que estão atrapalhando
e impedindo que ela apareça verdadeiramente. Pensando desta maneira, você apenas tem que
remover esses entulhos para que a sua verdadeira voz apareça. Cada voz já é o que é na
essência, basta ir tirando aos poucos todos os fatores que dificultam. A fabricação vem do
estilo que você escolher para cantar e o fará da maneira que identifica este estilo. Terá mais
chance de sucesso, aquele que possuir a voz mais adequada ao estilo que escolher.

23. Quero cantar uma música conhecida, mas a tonalidade não é ideal para mim. É só
mudar que vai ficar bom?

R: Às vezes apenas mudar a tonalidade não resolve. É importante verificar se o andamento


está funcionando para você. Uma regra boa para seguir, é que se a sua voz for leve, o andamento
tem que ser mais rápido, se for pesada, mais lento. Faça vários testes.

24. Existe uma tonalidade certa para a minha voz? Tenho que cantar sempre em sol
maior, por exemplo?

R: Não. Você pode cantar em qualquer tonalidade, seja dó menor, ré maior, etc., desde
que alcance as notas com conforto.

25. Se a minha voz for grave, qual o problema em insistir nos grandes agudos?

R: Se alguém tem uma voz muito grave e fica insistindo em cantar agudo demais ou numa
região aguda o tempo todo, vai forçar muito e estará indo contra a natureza da voz. Isto serve
também para quem tem voz aguda e quer cantar grave a todo custo. Uma solução para as
vozes graves que querem cantar mais agudo é aperfeiçoar o falsete, recurso largamente usado
por barítonos no rock, por exemplo.

26. Cantar em falsete faz mal?

R: Não há problema algum em cantar em falsete.


27. Quanto tempo leva, fazendo aula, para cantar bem?

R: Não existe previsão e não há como saber em quanto tempo a pessoa vai conseguir
aplicar bem a técnica. Cada um tem o seu tempo, mas dependerá muito do quanto ela irá se
dedicar ao estudo.

28. Qual o melhor horário para fazer aula de canto?

R: O rendimento é sempre melhor pela manhã, quando você está descansado e usou
pouco a voz.

29. Sou compositor e já estou quase entrando no estúdio para gravar a voz, mas agora
resolvi fazer algumas aulas para melhorar um pouco. Dá certo?

R: Na verdade, todo um trabalho deve ser feito antes de entrar em estúdio, como por
exemplo, a questão das tonalidades. Se você for um compositor que quer gravar as suas
músicas e não é exatamente um Pavarotti, tem que levar aulas em consideração desde o
primeiro momento em que lhe ocorrer gravar o seu material. Se hoje você está pensando em
fazer algo semelhante, pode ir à procura de um professor, pois a diferença será muito grande.
Em aula, além de fazer a preparação vocal necessária, ele lhe dirá se os andamentos e as
tonalidades são adequados para o seu tipo de voz. É muito mais fácil e barato ter a tonalidade
certa do que refazer todo o instrumental novamente. Muitas vezes isto nem é possível e a
pessoa acaba ficando com um material bem menos interessante.

30. O ideal seria ter feito aula antes, mas vou ter que gravar a voz em breve, não tem
como voltar atrás, o que faço então?

R: Pois bem, se não há outro meio e você tem (será mesmo?) que gravar agora, vá até o
professor e peça para ele trabalhar diretamente as suas músicas, frase a frase. Se você tiver
sorte e ele for criativo, poderá melhorar um pouco o seu desempenho. Mas fique ciente de que
esse pouco é pouco mesmo, pois não há como fazer milagres. De um modo ou de outro, você
terá em mãos um material inferior ao que poderia ser. O ideal é você entrar em estúdio com
tudo absolutamente resolvido e definido, inclusive para não ficar horas e horas para gravar
cada música.
Capítulo 7

Canto Lírico

É um assunto extremamente complexo, por isso a figura do professor de canto é


essencial. A técnica tem que ser realmente eficiente, então existe a velha discussão de qual
técnica é melhor. Para mim, a melhor é aquela que lhe permita cantar com agilidade e sem
esforço demasiado, dê a projeção necessária para enfrentar um grande teatro e faça com que
as palavras sejam perfeitamente compreensíveis.

Creio que a técnica mais fácil de ser aplicada, é aquela mais próxima da língua que se
fala no seu país e me parece lógico que no caso do brasileiro, a mais indicada seria a técnica
italiana. Porém, depende também de qual estilo musical você escolheu.
É muito importante também, ouvir os grandes cantores, as pessoas que se destacaram e
aprender com elas, tentando perceber como conseguiram tal resultado.

O estudo do canto lírico requer muitos anos de treinamento vocal, conhecimento de


outras línguas, desenvoltura no palco e teoria musical. Por isto, deve-se estar bem equilibrado
ao iniciar, sabendo que o trabalho que vai se seguir é bastante árduo e não querer resultados
imediatos, o que sem dúvida colocaria tudo a perder. Iniciantes que insistem em querer cantar
as árias mais difíceis produzem verdadeiros massacres à própria voz e aos ouvidos dos outros.
O correto é seguir a sequência lógica de estudo, começando com árias antigas, clássicas e
depois românticas. Nunca se deve tentar ingressar cedo demais num repertório heroico ou
dramático, sob pena de arruinar a voz.

E vale lembrar, que canto lírico não se restringe apenas à ópera e também não é o que
fazem algumas vocalistas em bandas de heavy metal.
Capítulo 8

Meu caminho

Nasci em Curitiba – PR em 1968 e aos oito anos de idade me mudei para Balneário
Camboriú – SC, onde o mar e a natação faziam parte do meu dia-a-dia. Mais tarde, seguindo o
caminho do esporte, me tornei jogador de voleibol. O passado de atleta me trouxe muitos
benefícios na questão da respiração, por outro lado, a parte musical, especificamente o canto,
era inexistente. Eu era daquelas pessoas que não cantavam nem “parabéns para você” em
festa de criança. Aos quatorze anos ganhei um violão, mas só fui olhar para ele aos vinte,
quando sem mais nem menos, achei que devia aprender a tocar. Posso dizer que minha
investida no mundo dos instrumentistas foi uma coisa pouco memorável.

De volta à minha cidade natal, logo que comecei a tentar tocar violão e as pessoas
perguntavam se eu iria cantar também, então resolvi me aventurar. Era tudo sem o menor
embasamento, mas com a prática acabei indo tocar em barzinho, para desespero dos
frequentadores. Eu realmente era ruim, mas afinado e em algumas ocasiões outros músicos
diziam que viam na minha voz algo diferente e achavam que um dia eu poderia me tornar um
bom cantor. Veja que eu era mesmo ruim, mas digamos, tinha potencial.

Em 1990, foi transmitido pela televisão, o show dos três tenores nas Termas de Caracalla.
Fiquei impressionado com o que aqueles três (desconhecidos para mim) conseguiam fazer
com suas vozes. Ingenuamente, pensei que se eu tentasse cantar daquele modo, poderia
melhorar meu desempenho no barzinho. Comprei um LP (isso mesmo, um disco de vinil) e dei
de presente para o meu pai, mas quem ouvia era eu e tentava cantar aquelas árias de ópera.
Para minha surpresa, consegui cantar algumas e alcançar alguns agudos. Em determinado
momento achei que devia fazer algo a respeito e procurar algum lugar para aprender a cantar,
então acabei entrando num coral.

A passagem pelo primeiro coral foi um desastre, e então, em 1994, entrei para o Coral do
Teatro Guaíra, no tempo em que existia uma estrutura bem montada para o coral dentro do
próprio teatro. Fiquei algum tempo e tive o prazer, por exemplo, de trabalhar com o maestro
Alceo Bocchino na 9ª Sinfonia de Beethoven, quando pude ver de perto um grande maestro em
ação.
Depois do coral do Teatro Guaíra (que foi uma ótima experiência), fazia uma aula aqui,
outra ali, mas ainda era tecnicamente deficiente e estava apresentando problemas de voz.
Desiludido, resolvi abandonar definitivamente o canto, foi quando ocorreu a situação que
descrevi no Capítulo I - Quando algo acontece, deste livro.

Então em 1998, iniciando os estudos com o tenor Ivo Lessa, a primeira coisa que ouvi
dele é que eu deveria ignorar tudo o que tinha aprendido antes porque nada daquilo era
eficiente. Ele tinha razão, pois tudo o que eu tinha visto anteriormente não fazia o menor
sentido e não faria de mim um bom cantor, ou seja, eu tinha começado mal.

Cantar de maneira errada acabou causando problemas de voz, foi então que procurei um
otorrinolaringologista, o Dr. Ricardo Kyrmse e logo depois fiz um trabalho com a fonoaudióloga
Rosemari Brack, ambos excelentes e muito experientes com cantores. Depois de um tempo,
em consulta, o Dr. Ricardo me perguntou o que eu havia feito e eu respondi que tinha
terminado a terapia com a fonoaudióloga e iniciado as aulas de canto. Ele me disse:
– Então pode continuar o que está fazendo, porque não há mais problema algum.
Aquilo para mim foi um sinal de que o trabalho com Ivo Lessa era correto. Assim, resolvi
me dedicar ao máximo, quase que obsessivamente ao estudo.

Meu objetivo era conhecer técnica vocal a fundo e dominar o instrumento


verdadeiramente. Eu havia começado tarde então não deveria perder tempo, tinha que
desenvolver rápido e não podia me dar ao luxo de estudar pouco. Só que desenvolver rápido
no canto é coisa para anos e não meses. Não há como pular etapas, você pode estudar muito,
mas o corpo tem o seu tempo e em cada pessoa a reação é diferente. Não há como estipular
um prazo, fixar datas, pois depende do entendimento de cada um e da capacidade que a
pessoa tem em mudar o modo de fazer as coisas.
Ao estudar canto lírico com o tenor Ivo Lessa, aprendi a base da técnica italiana de canto.
Claro que é um mundo totalmente diferente da música popular, porque tem regras rígidas e
exige um tempo muito maior de preparação. Isto para mim apenas aumentava a vontade de
aprender.

Em 1999, fui convidado para gravar a canção Core N’grato para o filme Oriundi, com o
ator Anthony Quinn. A princípio eu iria apenas fazer a gravação da canção, não haveria
encenação. Fui até o estúdio Gramophone em Curitiba com a partitura em mãos e fizemos tudo
na hora, sem ensaio. Eu tinha noção da minha deficiência técnica, portanto só o que me
restava, era colocar todas as minhas forças na interpretação. Pedi aos músicos que me
seguissem, pois eu iria mexer bastante no andamento, e por conta da letra, procurei cantar a
canção com a emoção no nível máximo. Mais tarde fui avisado que tinha sido escolhido para o
filme e também fui convidado para fazer a cena. Na verdade, fui chamado pelo diretor para o
que eu imaginava ser apenas uma conversa, mas ele já tinha em mente fazer a cena, e
provavelmente queria ver se fisicamente eu convenceria como italiano. Levando-se em conta
que minha mãe nasceu na Itália, não tive problema nenhum com isso e apesar da minha total
falta de experiência e do nervosismo, até que me saí bem. Fiz a participação e às vezes nem
parece que foi real, porque se alguém me dissesse, anos antes, que eu estaria presente num
mesmo filme com um ator como Anthony Quinn, eu iria chamar a pessoa de louca. Mas deu
certo e o que importa é que está lá, eternizado.

Continuei fazendo apresentações, recitais e no ano 2000 comecei a dar aulas de canto.
Na verdade eu nem tinha a pretensão de ser professor, apenas atendi ao pedido de uma
conhecida para dar aula ao filho dela que cantava em uma igreja. Para minha surpresa as
coisas fluíram bem e vi que tinha um talento natural para a coisa. Além disso, tive a sorte de ter
contato com pessoas que me inspiraram.

Saúde

Segui até 2002 cantando e dando aulas, mas em 2003 tive um problema sério de saúde
que quase me levou a óbito por conta de algo que já estava instalado e eu ainda não sabia.
Tive que tomar medicamentos que causaram grandes efeitos colaterais e afetaram a voz de
forma devastadora. Cantar era algo impensável.

Em 2005, ainda passando por uma fase difícil, aos poucos fui tentando voltar às
atividades. A força da voz tinha ido embora e ela nunca mais seria a mesma de antes. Mas
como nunca fui de desistir fácil, mesmo cantando numa condição muito inferior, continuei
tentando, até que um dia me convidaram para cantar em uma festa. Apesar das limitações,
aceitei. Porém, quando estava no meio da música, senti uma alteração no ritmo do coração
que persistiu, mas continuei cantando. Era uma sensação muito forte e eu realmente achei que
naquele momento iria morrer cantando ’O Sole mio. Nada mal para um cantor afinal.

Mas, apesar de não ter desencarnado naquele momento, o problema continuou e após
investigar a fundo, descobri dois nódulos na tireoide. O diagnóstico não foi nada bom, ou seja,
câncer. A partir daí, cirurgia complicada para remoção da glândula, reação à anestesia,
tratamento com iodo radioativo e tomar hormônio para o resto da vida. Foram anos bastante
difíceis e eu tinha quase certeza de que nunca mais iria pisar num palco para cantar ao vivo.
Mas como havia acontecido antes, as coisas foram se encaixando e voltei a dar aulas. Era
muito difícil e muitas vezes tive que fazer de conta para os alunos que estava normal, afinal de
contas não podia assustá-los. Insisti e concentrei-me apenas nas aulas e com isso a voz
também foi voltando, frágil, mas que me permitia ao menos gravar alguma coisa em estúdio.

Com determinação e a técnica sólida que aprendi, fui evoluindo como professor e apesar
de tudo, também como cantor. Como eu não tinha resistência física para cantar normalmente,
me vi obrigado a encontrar sempre um meio de fazer o menor esforço possível. Por conta dos
problemas físicos, fui forçado a descobrir mais sobre técnica e desenvolvê-la, para ainda poder
cantar em alto nível. Infelizmente, hoje vejo gente que não tem nenhum problema de saúde,
nenhuma dificuldade física, às vezes cantando mal, por causa de uma técnica equivocada.
Durante os anos que fiquei sem poder cantar, nunca deixei de pensar na técnica e na voz.
Era um estudo concentrado e silencioso, na esperança de um dia retomar aquilo que para mim
era o melhor modo de me expressar.

Apesar de ter cantado na Escócia em 2009, considero 2010 como a volta “oficial”, quando
fiz um recital no Palácio Garibaldi em Curitiba – PR, onde dividi o palco com um aluno meu.
Hoje, continuo a minha jornada como professor de canto e ocasionalmente como cantor,
tentando passar adiante o conhecimento que adquiri nestes anos de estudo e superação,
acompanhando cantores de todos os tipos e de vários estilos musicais.
Toda a minha base vem da técnica italiana de canto. Não criei nenhuma técnica nova e
revolucionária. Lógico que tenho meu modo particular de trabalhar, exercícios e exemplos que
eu mesmo crio, mas sou fiel à técnica, aos seus princípios básicos de emissão alta e
sustentada.

Niza de Castro Tank

Como eu disso anteriormente, conheci pessoas que me inspiraram e uma delas foi a
soprano Niza de Castro Tank, que em 2001 veio para Curitiba cantar e nesta visita,
aproveitamos para organizar um masterclass. Nesta ocasião, aconteceu uma situação que me
mostrou claramente como funcionam algumas coisas no meio musical. Como foi tudo feito na
boa fé, as pessoas teriam apenas que ligar, deixar o nome e reservar seus lugares, pois as
vagas eram limitadas. Em duas horas as vagas foram preenchidas, mas no início do master, só
havia quatro pessoas: eu, uma aluna do Ivo Lessa, uma jovem iniciante e uma aluna da mezzo-
soprano Denise Sartori.
Eu achei aquilo muito estranho, afinal era Niza Tank e era impossível de acontecer algo
assim. Então pedi para ver a lista das pessoas que tinham reservado. Curiosamente todos os
nomes dos que faltaram, eram de alunos de outra professora, mas enfim, qualquer pessoa
poderia ter ligado e dado os nomes. O que ficou claro é que houve a intenção de alguém em
prejudicar o masterclass.

Mas você pensa que isto abalou a mestra? Nem um pouco e o que se seguiu naquela
semana, foi ter a atenção de uma grande professora quase que exclusivamente. Para mim foi
um divisor de águas, porque nesse breve contato ela fez observações que resultaram num
salto de qualidade imediato. Sem contar que para cantar diante de uma pessoa dessas, a
ansiedade é grande e a partir dali, se você conseguiu cantar na frente dela, poderá encarar
qualquer concurso ou plateia no mundo.

Foi um privilégio conhecer ao menos um pouco esta grande cantora e professora, ter
algumas aulas com ela e ouvi-la cantar. É muito empolgante quando você vê essa combinação
de ótima profissional com ótima pessoa, infelizmente coisa rara hoje em dia.

Ouvindo

Luciano Pavarotti, Mario Del Monaco, Enrico Caruso, Alfredo Kraus, Giuseppe Giacomini,
Fritz Wunderlich, Renata Tebaldi, Mirella Freni, Bryn Terfel, Sherril Milnes e Leo Nucci são
algumas vozes exemplares da ópera para mim. Porém, não deixo de ouvir bandas que sempre
gostei como Iron Maiden, Dio, Scorpions e Queensrÿche, assim como música brasileira. No
Brasil, peguei a época em que apareceu a Legião Urbana (que cantei muito) e toda aquela
enxurrada de bandas dos anos 80, que aliás, foi uma época muito interessante na música
popular. Nas rádios, você ouvia várias bandas do rock nacional emplacando às vezes quatro
ou cinco músicas ao mesmo tempo e sucessos internacionais em espanhol, alemão, inglês e
francês, coisa que nunca mais se repetiu.

Apesar de ainda ouvir algo de música popular, para cantar, o que se identifica totalmente
com a minha voz é o canto erudito, do qual sou um representante. De vez em quando gravo
música popular, pois não tenho aquela ideia de algumas pessoas do meio, de que é algo que
não merece atenção. O que existe é música boa, seja popular ou erudita e se eu quiser cantar,
é escolha minha. Inclusive, já vi cantores que criticavam a música popular fortemente, anos
depois gravarem algo do gênero.
São coisas do meio musical, que como qualquer outro, tem seus bons e maus
representantes, gente que ajuda e gente que atrapalha. O que importa é fazer um bom trabalho
e quanto mais você conhecer a própria voz, mais consciente será na hora de escolher o que
cantar.

Popular x Lírico

A maioria dos alunos que me procura é de música popular e eu sou cantor lírico, então
como ficam as coisas? Desde o começo procurei aplicar a base da técnica e não interferir
demais ou forçar um estilo “operístico” em cantores populares. Tenho visto alguns professores
que aceitam cantores populares, mas tentam a todo custo trazê-los para o canto lírico, o que
não faz nenhum sentido. Se a pessoa se interessar sozinha é outra coisa, mas a regra é seguir
o objetivo que ela revelou na primeira aula.

Considerações

Ser professor de canto é algo que vai muito além de simplesmente ensinar técnica vocal.
Cada aluno é um projeto extremamente complexo e se o professor não acreditar neste projeto,
acaba fazendo da aula algo mecânico. Cantar tem a ver com se expor totalmente e não é todo
mundo que lida bem com isso, às vezes uma conversa é o que o aluno mais precisa antes dos
exercícios.

A relação entre professor e aluno tem que ser de parceria e não de eu ensino, você
aprende e ponto.
É necessário saber uma boa técnica para poder ensinar e é preciso ter conseguido
aplicar em si mesmo todos os conceitos antes de repassar a informação. Se for necessário,
provar que o que você diz realmente é eficiente.

É o que acredito ser o correto, meu modo de trabalhar e foi assim que cheguei até aqui.
Sobre o autor

Gerson Mesquita

Classificação vocal: Tenor Lírico

Cidadão brasileiro e italiano. Iniciou suas atividades como cantor em 1988 na música
popular, passando ao canto lírico em 1990. Foi aluno do tenor Ivo Lessa.
Participou do Coral da UFPR em 1992/1993.

Em 1994 entrou para o Coral do Teatro Guaíra, participando da Missa em Dó Menor, KV


427 (Mozart) e da ópera La Bohème de Puccini.
Em 1995, da Sinfonia nº 9 Opus 125 (Beethoven) sob a regência do maestro Alceo
Bocchino.
Apresentou-se no Teatro Guaíra em 1997 e 1998, no Festival Folclórico de Etnias, para o
grupo italiano e espanhol, cantando zarzuelas, canções italianas e napolitanas.

Em 1999, foi convidado para encenar e cantar a música tema do filme ORIUNDI com
Anthony Quinn. No mesmo ano, fez apresentações em rádio e um recital em rede nacional de
televisão, com árias de ópera e canções de câmara.
Participou em 2000 da XVIII Oficina de Música de Curitiba no curso Técnica Vocal -
Ópera.
Em junho de 2001, inaugurou o Teatro Chloris Casagande Justen, no Centro Feminino
Paranaense de Cultura, com o espetáculo Todas as Mulheres, onde dividiu o palco com seu
professor Ivo Lessa.
Em agosto de 2001, se apresentou no programa Zaccaro Italianíssimo - Rede CNT.
Realizou em 2002, um recital de canto lírico no Teatro HSBC com peças de Bellini,
Mozart, Waldemar Henrique, Schubert, Tchaikovsky, Donizetti, Verdi e Puccini.
Em dezembro de 2009, se apresentou na Escócia, sendo o primeiro tenor a cantar na
Linn House - Casa de Chivas Brother's.

Em 2010, foi cantor solista na Serata Giuliana - Giuliani nel Mondo della Lirica no Palácio
Garibaldi - Curitiba - PR.
Ainda em 2010, foi responsável pela Direção Artística e Projeto Gráfico no recital Ars
Prima, em Joinville - SC.
Em 2011, ministrou a palestra "O Poder da Voz" no CEPDAP - Centro de Educação
Profissional de Design, Artes e Profissões - Curitiba - PR.

Também em 2011, foi responsável pela Direção Artística, Preparação Vocal e Projeto
Gráfico no Projeto Thein - Reforma do piano da Sociedade Cultural Lírica, aprovado pelo
SIMDEC em Joinville - SC.

Em 2012 realizou em Joinville - SC, Workshop sobre técnica vocal.

É diretor de produção desde 2005 e empresário no ramo de eventos e design gráfico.

Atua como professor de canto em Curitiba - PR desde 2000.

Blog
http://lirictenor.blogspot.com.br/

Vídeos
https://www.youtube.com/channel/UCVyHQfzfnEONnzSrqa4OckA/videos

Áudio
https://soundcloud.com/gersonmesquita

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