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Revista Iniciação n.6
Revista Iniciação n.6
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Nº 6 Julho / Setembro de 2002
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Zaratustra 8
Diretor Internacional
Yves-Fred Boisset (França) Uma mensagem grandiosa (1 ª parte)
Robert Delafolie
Editor
Mário Willmersdorf Jr.
Definição geral do amor 19
Design e Diagramação Papus
J.C. Mello I Idéia Digital
Diretores
O Tarô (3ª parte) 53
Carlos Alberto S. Almeida Suzy Vandeven
Luiz Carlos Fraga
Mário Willrnersdorf Jr. As Origens da Grande Loja Ópera
" " 60
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As Preces de L.-C de Saint-Mari
t n .69
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ZARATUSTRA
1
EDITORIAL �---
Aquele que sabe cala; não trombeteia verdades - age. Como agiu Sâr
Hiéronymus tão bem retratado pela pena inspirada de nosso novo colabo
rador e companheiro de longa data, o jornalista Marco Antonio Coutinho,
que também lança seu olhar sobre a FUDOSI e seu real significado na
história das ordens iniciáticas.
2
QUE É UM INICIADO?
Papus
ma das causas mais freqüentes da aparente obscuridade dos estudos de
U ciência oculta é incontestavelmente a confusão dos termos empregados
pelos que abordam estas questões. É indispensável, portanto, inicialmente,
definir de maneira clara as palavras que nos propomos a empregar, sob pena
de incidir no erro que acabamos de assinalar.
Basta que nos reportemos à acepção primitiva da palavra para vermos que o
último parecer é o verdadeiro. Na verdade o título de iniciado indicava, na
Antiguidade, simplesmente um homem instruído e os graus de instrução
variavam de acordo com o caso, sem que o título geral de iniciado sofresse
jamais a menor alteração.
Sem querermos nos deter no ensinamento que eles recebiam, não podemos
omitir um ponto muito importante.
1 Ver La Mission des Juifs (A Missão dos Judeus) de Saint-Yves d' Alveydre - Éditions Traditionelles.
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QUE É UM INICIADO
4
QUE É UM INICIADO
Estas conclusões nos fazem rir e dar de ombros. Pois bem, que idéia faria um
iniciado antigo, instrutor de Moisés ou de Pitágoras, acusado pelo sábio
contemporâneo de adorar cebolas ou crocodilos!
Mas todos esses trabalhos têm para nós, em suma, apenas um interesse
secundário. A Antiguidade, por mais atraente que seja o seu estudo, nunca
excitará tanto a nossa atenção quanto a nossa sociedade atual. É portanto
nela que devemos ver agora o iniciado.
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QUE É UM INICIADO
Dois grandes meios são empregados para o ensino na iniciação; esses meios,
diferenciando particularmente as escolas de iniciação de fonte oriental das
de fontes ocidental, indicam com muita facilidade a proveniência de um
centro oculto.
Seja de que forma for, o primeiro, eu diria mesmo o único objetivo buscado,
é instigar o aluno a criar, ele mesmo, uma doutrina pessoal.
6 -- ---
QUE É UM INICIADO
Tendo o iniciado, desta forma, uma criação pessoal, ele a modifica de acordo
com os estudos ulteriores.
Talvez esse dia esteja muito distante; talvez, ao contrário, ele se aproxime
mais rápido do que imaginamos. É temerário ter esperança nesta união dos
·
povos?
É possível que seja de fato uma utopia, um ideal que jamais atingiremos;
mas nesta época de exagerado positivismo é tão consolador viver no ideal,
que na verdade não me arrependo de sonhar com a união dos iniciados
precedendo um pouco a união de todos os homens na paz e na harmonia.
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ZARATUSTRA
Uma Mensagem Grandiosa!
1 ª PARTE
Robert Delafolie
A
o correr do tempo, notadamente há vinte e cinco séculos,
temas essenciais foram utilizados para o pior e o melhor na
arte e na história, nas mitologias e correntes intelectuais, sociais,
espirituais. Mas é uma mesma mensagem sob as mais diversas
formas, das quais uma das mais diretamente explícitas é a de
Zaratustra, de seus epóptas, discípulos e epígonos ou herdeiros os
mais diversos nas gnoses, nas igrejas, nas heresias, etc.
Cenário criado por Karl Friedrich Schinkel para a produção da A Flauta Mágica da Ópera
de Berlim de 1815. Ao fundo o Templo de Zarastro encimado por uma esfinge.
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ZARATUSTRA
Sabemos que Oberon, rei dos elfos, tornou-se ainda mais conhecido graças
a Carl Maria von Weber. As obras em questão.são às vezes muito diferentes
entre si, mas todas adotam estilos fantásticos de contos de fadas ou de
magia, a serviço de mensagens esotéricas, alquímicas ou herméticas, todas
iniciáticas. O mesmo se aplica à Viagem de Inverno de Schubert ou a O
Paraíso e a Peri de Schumann, ou ainda ao Sonho de uma noite de verão de
Mendelssohn. A mesma conjuntura estará presente nas diferentes versões de
Fausto e, seguramente, no festival cen1co sagrado Parsifol, esse
desdobramento ritual e espiritual, tão religioso e misterioso, oculto como
todas as obras de Richard Wagner. O mesmo se aplica para A Mulher sem
sombra de Richard Strauss e Hugo von Hofmannsthal. Todas obras de
altíssima envergadura, de extrema elevação.
Seguramente há outras, mundo a fora (um bom número, mas não tão
considerável), cuja ambição é orientada para a suprema harmonia, além das
contingências, ao mesmo tempo intemporal e incorpórea, em toda parte e
em lugar algum.
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ZARATUSTRA
NARRATIVA
DA ESPOSA DO
MESTRE DO MUNDO
Ora, eis aqut três
palavras capitais e
significativas, quando
(2ª parte, 3° ato, 1 ܪ
cena) 1 a Rainha da
Noite, conduz as Três
Damas da Noite e
revela à sua filha
Pamina - na parte
. '"""" falada - o seguinte:
Cenário para a produção de A Flauta Mágica de Viena. em " ... Teu pai, o Mestre do
1791. Tamino (à esquerda) e Papageno (à direita), se mundo, despojou-se
encontram com as Três Damas da Rainha da Noite que
voluntariamente do Sol
haviam acabado de matar o dragão que ameaçava Tamino.
de sete auréolas, atual
mente envergado por Zarastro, depois deixou propriedade e posse
para mim e para ri. O círculo solar das Sete auréolas, que engloba o
Universo, foi deixado i1 direção dos homens sábios, apenas aos
iniciados... "
10
ZARATUSTRA
NIETZSCHE
Ao lembrar que Tamino é considerado por Zarastro como sendo "melhor e
mais que um príncipe: um homem", que o mesmo Tamino encantou com
sua flauta os mundos animal e natural, depois foi conduzido por Pamina,
saída da noite, para o santo templo, observemos ainda que em Assim falou
Zaratustra Nietzsche exalta certos temas a propósito de uma elite total fora
das nações, naturezas, raças e castas, da "Morte de Deus" ou melhor, dos
sucedâneos de Deus, com os quais se contenta a humanidade, do "Homem
Superior" (fora de categorias, dirigido e dirigente) que não é o super
homem dominante, mas seu contrário liberado dos objetivos, bens e
necessidades ordinários, da "Liberdade e da Luz" (indissociáveis), da
"Vitória sempre vulgar" do homem social, fraco e covarde, do "Civilizado,
que é o Disfarçado", de "seus amigos Águia e Serpente" ou dos "Bovinos que
se instruem".
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ZARATUSTRA
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ZARATUSTRA
Todos sabem que não há efeitos sem causas. Eis pois o mundo romântico do
século XIX (arte, teatro, cultura, natureza, história).
Depois, seguindo a volta atrás, eis outros encontros espetaculares ou,
quando menos, determinantes:
os Réaux+Croix2 no século XVIII e os Iluminados da Baviera
•
Depois, ainda antes e ao longo dos séculos, até o m1c10 da era cristã, não
passam de·múltiplos protagonistas coletivos, um depois do outro, aliados,
associados, amigos ou inimigos, ainda bem no primeiro plano ou, 'lO
contrário, no pano de fundo da cena mundial, sob as formas diversas de
igrejas, gnoses, heresias, cismas, etc..
2 Último grau do rito Ellus Cohen. A palavra "Réaux", do francês antigo, significa "rubro",
cor associada ao primeiro Adão, aquele de antes da queda. (N.T.)
13
ZARATUSTRA
Mas o mundo visível dos reis faz-se acompanhar por esse mundo invisível
dos loucos - suscitando os Loucos de Deus - do rei, dos ofícios, das
cidades, etc., mas mais especialmente organizados em sociedades secretas
muito sérias, esotéricas, herméticas e disciplinadas num ritual que é de fato
um chamado à ordem original, ao mesmo tempo que a exaltaç5o de uma
elite fora do normal e totalmente independente, deliberadamente
indiferente a toda escala social.
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ZARATUSTRA
terrena, chaga e tara gerais dos vivos. Mesmas idéias e ideais que
encontramos ou descobrimos em inúmeras correntes quer judaicas, quer
cristãs, islâmicas, quanto gnósticas e seus derivados, voltadas para o sublime.
É quando encontramos, por volta de 750 anos antes da era cristã e 750
anos após a ruptura indo-iraniana, a mais conhecida das origens da
multiplicidade de todos esses movimentos de uma importância capital,
tanto interna quanto externamente às igrejas, religiões, instituições e
organizações espirituais ou político-sociais.
15
ZARATUSTRA
ZARATUSTRA
O acontecimento se
desenrola em Bactra. A
região de Bactriana
encontra-se entre o Irã
interior e o Irã exterior,
cercada pelo Turme
nistão, Turquestão, e
pelos países Uzbe
q uistão, Tadjiquistão,
Afeganistão e Paquistão
na verdade o
Zaratustra ou Zoroastro, o Homem de Luz, nasceu na
cruzamento dos via
antiga Pérsia, no clã Spitana, antes de o mundo co
jantes da Arábia, do
nhecer Pitágoras, Buda, e Lao-Tsé
Egito, da
da Grécia,
Rússia e da Europa rumo à Ásia central, Mandchúria, Mongólia e China e
Japão, ou vice-versa.
Entre as narrativas lendárias sobre Zoroastro, fala-se de sua mãe cercada por
uma auréola luminosa, de um anúncio misterioso feito por um anjo, de um
miraculoso nascimento virginal ou concepção em sonho, e de várias
tentativas sucessivas de eliminá-lo em sua infância, pelo gládio ou por uma
fogueira, pelo tropel de uma tropa de vacas ou de cavalos, os quais aliás o
salvam ao invés de perdê-lo.
Assim, com Zoroastro, da mes111a forn:ia que 1nais rarde com Mahavira,
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ZARATUSTRA
Portanto, não abolir, mas cumprir o que não o é, e unir a V ida e o Verbo até
então contraditos em ato (ou ausência de ato), por aqueles mesmos que
deveriam vivê-lo e não o fazem.
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ZARATUSTRA
Nascido em uma família senhorial sacerdotal (clã Spitana), tal como o Buda
(Gautama) e, de uma certa maneira, Jesus (Realeza de Davi) ou Mahavira,
o Jain, Zaratustr'l não destrói absolutamente; ele vem, ao contrário, idealizar
e realizar o espírito de uma lei que até então só tinha sido proclamada e
esquecida ou, ao mesmo tempo, negligenciada.
No que se refere aos rituais matena1s, fica muito claro que estas vozes
totalmente elevadas acima do tempo, do espaço, das pessoas, estão tão
afastadas do formalismo e do conformismo dos crentes quanto da
negligência, consciente ou não, dos incrédulos.
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DEFINIÇÃO GERAL DO AMOR
Papus
Sem nos determos nos mil detalhes peculiares à atração em cada um dos
planos da natureza, iremos buscar o termo mais universal que possamos
encontrar, pois trata-se de estabelecer uma definição geral.
Ora, a primeira idéia que vem à mente é que o amor é a atração dos con
trários. No entanto, basta um pouco de reflexão para mostrar que aí vai um
exagero e talvez um erro. A ciência demonstrou hoje, com segurança quase
absoluta, que as forças físicas não passam de modalidades DA FORÇA, e que
cada uma dessas forças se manifestava sob dois aspectos aparentemente con
trários. mas definitivarnente derivados de uma mesma origem. Assim, a ele-
19
DEFINIÇÃO GERAL DO AMOR
Essa queda analisada por Platão atingiu - a crermos nos místicos da esco
la de Jacob Boehme e nos Martinistas - não somente o homem, mas toda
a Natureza: daí a criação de todas essas metades que, sob os nomes de Sóis
e de Planetas, de reinos e de forças, depois de corpos químicos ou de seres
animados, buscam em todos os planos e em rodos os mundos complemen
tar-se.
1 Vide O Banquete.
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DEFINIÇÃO GERAL DO AMOR
Ora, então não vemos todos os dias o químico sendo levado a misturar inti
mamente o óleo e a água - imagens analógicas da alma e do corpo - por
meio (quer dizer, por intermédio) do potássio, para constituir o sabão? Um
químico que afirmasse que o potássio é o mediador plástico do óleo e da
água não seria motivo de chacota, mas zomba-se da afirmação dos alquimis
tas.
Estamos mais que nunca nele, porque tocamos na meta. Entre o amor,
princípio de toda atração, e o corpo, princípio de roda passividade ao impul
so atrativo, existe um intermediário que chamaremos de universal, pois ele
se aplica a toda a natureza.
A parcela forte tem amor ou afinidade pelo amante. Nessa tendência atrativa,
essencial, reside somente o an1or. Mas é graças à influência exercida por esse
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DEFINIÇÃO GERAL DO AMOR
Inútil lembrar que, da mesma forma que a palavra atração tem seu nome
alterado segundo os planos de ação (coesão, afinidade, instinto, etc.), a
palavra magnetismo afetará um sem número de expressões específicas no
plano da ação. Retenhamos apenas que, na animalidade e na espécie
humana, é a força nervosa que representará a adaptação a esse plano do
magnetismo universal.
É aqui que começa a dificuldade. O amor tem por objetivo uma criação;
mas em nossa opinião seria um erro grosseiro pensar que a criação almejada
é sempre material, física.
2 Os cabalistas e os alquimistas deram a esse princípio o nome bem poético de Luz astral.
22 ---
DEFINIÇÃO GERAL DO AMOR
homem pela mulher a111ada; mas pode também se elevar até o amor do
artista por seu ideal: a Beleza; do sábio por seu ideal, a Verdade; ou do mís
tico por seu ideal: a Divindade.
De todas essas manifestações do amor resultará uma criação; mas com quão
pouca freqüência essa criação será material! Na grande maioria dos casos ela
será intelectual e a idéia criada na obra de um Colombo, pelo amor à ver
dade, será tão vivaz e, ousamos dizê-lo, tão viva, quanto qualquer criança
resultante do amor de um homem por uma mulher. Da mesma forma que
o apaixonado está pronto a sacrificar sua vida pelo objeto amado, não está
Colombo pronto a tudo superar para satisfazer sua paixão intelectual e não
está o artista pronto a suportar a miséria para atingir seu ideal?
Não fica a mulher - que por natureza intui as grandes verdades - enciu
mada, quando ama de verdade, do amor do artista por esse ideal que ela não
conhece, mas em quem sente uma rivalidade ainda mais perigosa, pois o
tempo só faz aumentar os encantos dos amores intelectuais? Consultem
todos os nossos romancistas sobre esse ponto e lembrem-se da Obra de
Émile Zola na qual esse fato é admiravelmente estudado.
Poderíamos ainda desenvolver nossa definição por longo tempo; mas nossa
intenção é mais indicar do que explorar inteiramente o campo das deduções
possíveis. Assim paramos por aqui, dando a definição geral que obtivemos:
23
O HOMEM QUE NÃO SABIA NADA
24
O HOMEM QUE NÃO SABIA NADA
dos cenáculos e conventos secretos das ordens tradicionais, quando ele fazia
valer sua autoridade e conhecimentos, para orientar os dirigentes das mais
antigas confrarias de estudantes de mistérios do Ocidente. O Grande Mestre
da AMORC para a França na época, Hans Grüter, inquietou-se com tanto
mistério, e chegou a comentar numa carta: "Não conhecendo nem o seu
nome profano, nem o seu endereço, perguntei ao nosso grande amigo
Mallinger como poderia lhe fazer· chegar uma palavrinha". Jean Mallinger
era Sâr Elgin, braço direito de Hiéronymus, e um dos raros interlocutores
do mestre que podia ter acesso à sua vida pessoal. Hiéronymus era secreto
por natureza. Se, por um lado, aqueles que participavam de suas atividades
iniciáticas nada conheciam sobre sua vida privativa, tampouco os que o
conheciam pessoalmente sabiam qualquer coisa de suas atividades
tradicionais.
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O HOMEM QUE NÃO SABIA NADA
As atividades rosacruc1anas de
Dantinne foram herdadas diretamente
de seu mestre Péladan. O discípulo
reorganizou a obra empreendida por
seu predecessor, através da Ordem
Rosa-Cruz Universal, ou Interna, que
era composta por três graus: Escudeiro,
Cavaleiro e Comendador. Esta
nomenclatura se explica facilmente.
Ao contrário de algumas ramificações
rosacrucianas igualmente importantes
- que acentuam mais a via do
alquimista a Rosa-Cruz de
Foto de Emile Dantinne pertencente à
Hiéronymus enfatizava a via
"Coleção M.L. Délntinne", de pro
cavaleiresca. Para ele "a R+C é uma
priedade de sua filha.
ordem de cavalaria cristã, fiel à tradição
do cristianismo, que se considera como a guardiã do Espírito Santo".
26 -·----
O HOMEM QUE NÃO SABIA NADA
SACERDOS IN /ETERNUM
De todo modo, durante muitos anos, Émile Dantinne animou as atividades
tradicionais da velha Europa, e dedicou-se profundamente às suas pesquisas
pessoais. Ele era um especialista na Medicina Espagírica, uma forma de arte
terapêutica baseada nos princípios da alquimia. Conhecia também em
profundidade os princípios do magnetismo psíquico (técnicas que deram
origem à moderna hipnose) e a arte da radiestesia. Conta-se mesmo que,
durante a 2ª Guerra Mundial, ele teria colaborado com a Resistência,
colocando seus conhecimentos radiestésicos a favor de seu amigo Léon
Lelarge (Sâr Agni), membro destacado na luta contra os nazistas, para ajudá
lo nos projetos de sabotagem e destruição ferroviária.
Mas o maior dos mistérios relativos a Sâr Hiéronymus aconteceu num belo
dia de maio de 1933 e deixou sem ação mesmo os seus discípulos e
colaboradores mais íntimos. De repente, sem qualquer explicação, ele
decide abandonar tudo! Resolve cessar todas as suas atividades esotéricas,
sem dizer em nenhum momento o porquê desse estranho gesto. Numa carta
a Lelarge, Jean Mallinger dá uma idéia do desespero que tomou conta de
27
O HOMEM QUE NÃO SABIA NADA
Os PRIMEIROS PASSOS
Na verdade, Hiéronymus já vinha aprofundando, desde alguns anos antes,
seus laços de amizade com representantes de outras ordens esotéricas.
Dentre esses contatos, destacaram-se especialmente os maut. idos com
Harvey Spencer Lewis - Imperator de um ramo rosacruciano das Américas,
a AMORC - e com François Jollivet Castelot, homem de profunda visão
social e presidente da Sociedade Alquímica de França. Desses contatos
surge, então, uma estreita ligação e, logo, lima franca colaboração, que serão
as bases apropriadas para a formação da FUDOSI. Num gesto de
reconhecimento, Hiéronymus oferece a Lewis um diploma de honra da
Faculdade Livre de Filosofia Iniciática, sob os auspícios da Ordem Soberana
da Rosa+Cruz Ocultista e Dourada, e da R+C Universitária da Bélgica,
onde atesta os conhecimentos do Imperator R+C das Américas no
Hermetismo Egípcio, na Ciência Oculta e Cabalística, e na Magia Ritual,
manifestados no interesse da humanidade. A seguir, inicia Spencer Lewis no
13° Grau R+C, e dá os primeiros passos, abrindo as atividades do Convento
Internacional das Ordens e Fraternidades Iniciáticas, do qual participam
apenas as ordens rosacrucianas. Pouco depois, faz abrir o Convento do
Supremo Conselho Internacional da Ordem Maçônica de Mênfis-Mizraim.
Paralelamente, acontece uma assembléia martinista, durante a qual
. Hiéronymus e Lewis, juntos, são recebidos na Ordem Martinista e
Sinárquica. Todas essas preliminares dão nascimento à FUDOSI, que
trabalha sob a coordenação de um conselho supremo especialmente eleito e
28
O HOMEM QUE NÃO SABIA NADA
VOLTANDO AO SILf.NCIO
A FUDOSI realizou o seu trabalho durante dezessete anos, e foi
particularmente maltratada durante a 2ª Guerra Mundial, com a perda de
alguns de seus oficiais, mortos em combate, nos campos de concentração,
ou pela Gestapo, sob tortura. Mas para Dantinne, o final da Guerra foi
especialmente árido. Por um mal-entendido, e sob o calor e o entusiasmo da
libertação, ele foi '"injustamente acusado de colaborar com os nazistas. Os
mais afoitos cortaram rente e à força a sua bem cuidada barba, e Dantinne
não reagiu. Chocado com a acusação, ele apenas chorava copiosamente, sem
�onseguir falar. Foi a .�- }.: :
Julgamento e seu · '"",,�
advogado, Jean Mallinger · ·
Com a dissolução da
FUDOSI, no início dos _:�
anos 50 (vide anexo sobre
·' '
29
O HOMEM QUE NÃO SABIA NADA
E foi talvez assim satisfeito que, no dia 21 de maio de 1969, com a idade de
85 anos, Émile Dantinne, Sâr Hiéronymus, "o homem que não sabia nada",
tratou de sondar o insondável que nos dá a mão por sobre o muro.
30 -----
O HOMEM QUE NÃO SABIA NADA
- ·!·!!� ·-· � - --
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t
1
Altos dignitários da FUDOSI reunidos em conclave
ração do joio e do trigo, numa época em que - mais ou menos como acon
tece hoje - aventureiros, de boa ou má-fé, criavam a seu bel prazer ordens
"iniciáticas" sem qualquer fundamento e sem quaisquer raízes tradicionais
no passado. Além disso, os delegados da Federação pretendiam também
colaborar para a trànsformação social, através da cultura, da ciência, dos
princípios esotéricos e das artes tradicionais.
Mas nem tudo foram flores na vida da FUDOSI. Além das agruras da 2ª
Guerra Mundial - que perseguiu duramente a Federação, forçando-a à
clandestinidade - houve conflitos internos que culminaram em pelo menos
três expulsões e, mais tarde, em pelo menos urna reconciliação. Entretanto,
apesar desses poucos embates, o organismo prosseguiu em harmonia os seus
trabalhos até 14 de agosto de 1951. Nesse meio-tempo, outras ordens ingres
saram nos trabalhos, e algumas se afastaram. Um dos imperatores - Harvey
Spencer Lewis (Sâr Alden) - faleceu prematuramente e foi substituído por
seu filho, Ralph Maxwell Lewis (Sâr Validivar). A díssolução da FUDOSI,
depois de dezessete anos de atividades, foi conseqüência da conclusão, pelos
delegados, de que ela já havia cumprido o seu papel e não tinha mais motivos
para continuar ativa. Alguns incidentes contribuíram particularmente para
essa evidência. Um deles foi a discordância entre Sâr Hiéronymus e St.1
31
O HOMEM QUE NÃO SABIA NADA
32 --·---
O HOMEM QUE NÃO SABIA NADA
33 -- -
O DISCURSO TEOSÓFICO DE JACOB BOEHME
Pierre Deghaye
A alma eterna não é, de imediam, o lug:ir onde Deus poder;) nascer, da mesma
forma que nossa alma hum:ina não
em seu estado primitivo nesse mundo,
é,
o templo do glorioso acontecimento. É necess:írio que essa morada seja
construída. A alma universal se forma a partir de graus sucessivos, que são em
número de sete. O teósofo descreve a fo r m açã o desse mundo original, que será
1 O;, rri/Jus p,.fncipiis 1 O, 37, P"'ra os diacurcas d" Eloh"m<i r<irnetemos às ohrns completas: Samtliche
Schriften, 11 volumes, Stuttgart, Frommann, 1955 1961, fac-símile da edição de 1730, com
introdução de Will-E::rich Peuckert. Para c'lda obra. indicamos eventualmente a parte (algarismos
romanos), seguida pelo capítulo e, enfim, pelo parágrafo.
34
JACOB BOEHME
Deus nasce ao mesmo tempo em que se edifica seu templo. Não poderia
haver revelação fora desse nascimento de Deus e dessa fundação. Para que a
Divindade se revele, é necessário que Deus nasça e que ao mesmo tempo se
edifique a casa que Deus irá habitar. ·A revelação de Deus é seu nascimento
e seu estabelecimento. Ela se cumpre inicialmente na alma eterna. E irá se
reproduzir nas almas humanas.
Em suma, Deus não se revela nunca numa alma que não seja o lugar da
manifestação primordial ou o fundo da pessoa humana. É por isto que a
ciência de Deus, que se oferece no plano da alma primordial emanada, é
também uma teologia mística. No entanto a palavra teosofia é a que melhor
traduz a objetivação, ao nível da alma eterna, da revelação recebida na
subjetividade do homem. O discurso místico é o discurso teosófico.
35
JACOB BOHEME
nós. O lugar no qual Deus se comunica segundo sua palavra, não é somente
a página do livro, é também, e principalmente, o santuário da alma.
Deus fala na alma eterna, depois na alma humana. Mas a alma eterna está
compreendida na alma humana. Ela é seu núcleo precioso. O homem
representa assim, quando realizado, a plenitude da manifestação divina. O
homem é o livro no qual o discurso de Deus se enuncia inteiro. A totalidade
da revelação está no homem3.
Para Boehme a alma não é um princípio imaterial. Ela é a substância d.a qual
procedem todas as coisas. A alma é uma substância, ou seja, um tecido de
qualidades ou de propriedades sensíveis. A substância da alma é sua
sensibilidade. Para Boehme, a alma é sempre uma alma sensível, mesmo
quando ela é habitada pelo Espírito de Deus.
3 Psychologia vera (Viertzig Fragen von der Seelen) 1, 153; Epistolae theosophicee 20, 3.
4 Mysterium Magnum 6, 19.
5 lbid. 15, 16.
31�
JACOB boehme
6 De electione gratiae 9. 6.
7 De triplici vita hominis 5, 16; Sex puncta theosophica IV, 6, 11; Mysterium Megnum, Vorrede
(prefácio), par. 3-5; Apologia contra Balth. Tilken 1, par. 179.
37
JACOB BOEHME
Apesar da ruptura de nível, h;1 entre os dois planos do discurso divino uma
analogia sem a qual a realidade superior escaparia totalmente ao homem.
Nossa natureza remete à natureza eterna da qual ela é o reflexo. É assim que
no símbolo, o corpo aparente, representado pela letra, remete a u1n outro
corpo. Em Boehme a noção de símbolo se define segundo esta analogia
entre duas realidades sensíveis, uma das quais é transparente em relação à
outra. A vida divina se exprime na realidade superior. É nessa perspectiva
que a teosofia se apresenta como uma teologia simbólica.
A teosofia toma seus símbolos da nossa natureza e ela os explicita por uma
outra natureza que é o lugar próprio da revelação. A teosofia é uma filosofia
da natureza elevada à categoria de uma teologia. O teósofo transpõe a
natureza. Ele faz dela uma supranatureza que é a natureza divina CUJOS
eleitos tornam-se partícipes e da qual nosso mundo é o reflexo.
Por um lado, nossa natureza é transposta. Mas, por outro, ela permanece o
que ela é. Há, pois, duas naturezas, cada uma das quais representa um lugar
ontológico e um modo do discurso divino.
38
JACOB BOEHME
* *
39
JACOB BOEHME
Boehme anuncia o reino de Deus na perspectiva do fim dos tempos que ele
acredita próximo. Ora, o advento do reino de Deus é a multiplicação das
conversões. Não se trata de um advento que sobreviria independentemente
dos homens. É necessário que cada um nasça de novo. Boehme se dedica a
despertar as almas para provocar esses nascimentos segundo o Espírito de
Deus. Sua teologia mística e seu discurso profético caminham paralelamente.
Boehme não escreve apenas para os outros. Sua obra é um memorial no qual
ele objetiva sua experiência para si mesmo13• Seguindo esta finalidade, seu
40 --
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JACOB BOEHME
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JACOB BOEHME
17 Aurora 8, 72-79.
18 lbid. 8, 11-12.
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JACOB BOEHME
17 Aurora 8, 72-79.
10 /bid. 8, 11-12.
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JACOB BOEHME
O discurso humano trai sua impotência quando ele atinge Deus em si. Os
atributos que os teólogos enunciam tradicionalmente parecem
insignificantes. Quer-se apresentar a Divindade suprema como o Deus Uno,
cuja unicidade é uma solidão que a torna incapaz de conhecer-se a si
própria, por não comunicar-se com seres para neles manifestar-se. Diz-se
que ela é imutável, sua imobilidade não é senão uma ausência de vida. O
Um primordial não é o Deus vivo23. Seu silêncio é o de uma Eternidade sem
voz. A Divindade suprema não é o Verbo que fala24. Em suma, essa pura
Deidade não é senão o nada25.
44
JACOB BOEHME
de Ser que a Deidade é evocada como se ela fosse o Nada; nenhum nome
lhe convém mais. Em Boehme dá-se o contrário. O Nada é o que ainda não
é o Ser e que só o será ao termo de um caminhar. Todo o movimento da
economia divina vai do Nada ao Ser que é a encarnação de Deus nas suas
obras. Em Mestre Eckhart dá-se o inverso: passa-se do Ser ao Nada.
Deus oculto por que? A criatura ainda não existe. Seguramente, mas a
emanação primordial só tem sentido diante do homem e de toda a criação
que ele irá representar. Se a Divindade sai de si mesma, é apenas com ó fim
de ser conhecida pelo homem e de nele conhecer-se.
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JACOB BOEHME
Boeh1ne 1nostra Deus revelando-se no ato, quer dizer, à medida que suas
obras se realizam - inicialmente no mundo emanado, em seguida no
mundo criado. A vida divina se exprime nesta realização. Ela se manifesta,
pois, segundo um porvir, e não mais no ato puro da teologia medieval que
se concebia além de qualquer mudança, de qualquer movimento, de
qualquer tensão. A vida divina se revela seguindo aspectos sucessivos
representados nos sete graus da natureza eterna.
Para que Deus não permaneça o Deus desconhecido, é necessano que ele
revista uma alma. O Deus sobre o qual discorrem os teólogos, não passa de
u1na Divindade sem alina, uma abstração sem vida. O Deus das teologias
dogmáticas não é o Deus vivo.
O discurso sobre Deus só é pertinentemente aplicado a um Deus que nasce.
46 -----
JACOB BOEHME
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JACOB BOEHME
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JACOB BOEHME
* * *
49
JACOB BOEHME
39 Ouaestiones theosophicae 6, 5.
40 Mvstenltm M<1gnum 61. 45
41 De electione gratiae 3. 21-22.
42 Representada pelo puro elemento, a natureza perfeita é o corpo da Sabedoria. Ver De tribus
principiis, 22, 25.
!íO
JACOB BOEHME
51
JACOB BOEHME
Egoísmo
Chamado também PROPRIEDADE, Egotismo: é uma imagem do diabo;
constitui o tormento dos danados e é o caminho mais curto do
demônio para nossa alma.
Línguas
Há cinco alfabetos pnnc1pa1s: o da natureza, o hebraico, o grego, o
latim e o do espírito.
O Abade Alta, em seus Commentaires sur saint Paul (Comentários sobre São
Paulo - pág. 131) nos di�: "Sobre esse Fundamento, esse Caminho, os
Cristãos, soldados do CRISTO, não constroem todos com ouro, prata,
pedras preciosas, mas também com madeira, feno, palha; o dia do advento
do Senhor irá mostrar pelo FOGO o que valerá a obra de cada um".
Ele diz ainda: "Os espirituais são aqueles que sentem neles a presença de
DEUS como Fonte de seu ser e que se unem com desejo, amor, ação, à ação
de Deus neles e em todo o Universo; são os Templos de Deus".
IStO.;>
53
O TARÔ
Nada resiste a essa Potência, essa União. Nós, pobres Humanos, dis
poríamos dela se tivéssemos recebido efetivamente nosso grau de Mestre.
5·1
O TARÔ
O Enamorado sabe querer e amar; ele pode trabalhar na Grande Obra. Nós
o veremos, aliás, dirigir sua vida na Lâmina seguinte - o 7 - onde seu
"olho" e sua "orelha" abertos o aconselharão.
Esse Enamorado não terá também a retidão traçada diante do seu caminho,
simbolizado pela ponta de um Triângulo Retângulo?
As cores da indumentária de nosso jovem indicam bem que Ele faz seu tra
balho. Por que?
55
O TARÔ
Vejam suas asas azuis (Inteligência divina), seu arco, sua aljava, Sc1as flechas
de ouro (Sabedoria divina), essa Estrela cuj a s 6 pontas são rosas (A m o r Ideal,
Rosa): essa cor misteriosa feita de Luz e de Fogo, e 6 são verdes, do Verde
formado do Amarelo e do Azul (Vitalidade, C;iridade, Regeneração). Tudo
isto indica que falamos de Psiqué e não de Eros.
Meus Irmãos e n1inhas Irmãs, pelas vinte e duas letras sagradas hebraicas,
que são as mensagens vibrantes e vivi/
icantes, vivas de nossos grandes
Instrutores, iremos da Fé à Vida. Se
queremos ser verdadeiros Martinistas,
verdadeiros Cristãos, temos que viver
nossa Fé, porque é-se rico pelo bem
que se faz, belo pela beleza
_ que se dá,
que se propaga, que se semeia, e nada,
absolutamente nada decepciona nesse
domínio.
56
OTARÔ
Que sugestões mais belas poderiam nos ser oferecidas para começar a exegese
da nossa Lâmina 7, a Carruagem, o Carro de Hermes, o Zain do tarô?
Mas também que doloroso trabalho de parto para ser um dia abençoado,
eleito FILHO de DEUS, ou seja, nascido do Espírito de DEUS...
E iremos nos Calar (Lâminas 8 e 9), uma vez nosso trabalho concluindo no
retorno à Unidade.
O Iniciado age e se cala, porque ele sabe que nascemos neste mundo seguin
do os desejos do sangue, da carne e da vontade do Homem; que não nasce
mos segundo Deus Qoão, I, 3) tendo, conseqüentemente, que Renascer.
57
OTARÔ
PAPUS diz: "O 7 é como a estrela de seis pontas, montada sobre um pivô".
Esse pivô é, portanto, de uma importância capital, j á que ele permite o tra
balho efetivo da Estrela.
Pode-se dizer, então, que este pivô é, de certa maneira, uma Pedra Angular.
É o Mestre da Carruagem, é o construtor da Obra, é o Grande Arquiteto
que, reportando-se ao Princípio Masculino fecundador, ao Fogo Universal
invisível, anima misteriosamente todas as coisas.
Diz Jacob Boehme: "As 7 propriedades especiais por meio das quais todas as
coisas se cumprem são: as 3 superiores: Fogo, Luz, Som (é o Triângulo) e as
4 últimas: Desejo, Amargor, Angústia, Substancialidade (quaternário)".
7 é também o Enxor
f e dos Alquimistas herméticos 3+4, o Princípio Motor
da Natureza ou do Calor Universal.
"Os Números - diz Papus - são Seres e as cifras são suas vestes".
Tentemos, pois, encontrar o Ser, a substância desses Números.
58
OTARÔ
Que força, mas também que Serenidade, que Harmonia nesse belo rosto!
Amém!
59
AS ORIGENS DA GRANDE LOJA
TRADICIONAL E SIMBÓLICA "ÓPERA"
André Gavet
T
raçar um esquema histórico da G :. L:. T:. S:. "Óperà' quarenta
anos após sua fundação permitirá a todos os que se interessam pelo
movimento maçônico - pelo menos assim o esperamos -melhor discernir
o lugar de cada um no que podemos chamar a galáxia das obediências.
Mesmo não sendo nosso intuito começar este trabalho de maneira triste,
com um necrológio, não podemos deixar de evocar dois dos nomes mais
marcantes dessa epopéia. O primeiro, que deixou este mundo baixo em
1965, é Pierre de Ribeaucourt, cujo nome está estreitamente ligado a esta
obediência como um elo incontornável da cadeia que a liga, através dos
séculos, às próprias origens da maçonaria. O segundo, igualmente desa
parecido, é Abel Hermand. Foi ele o vínculo mantido com o que se con
vencionou chamar a Ordem Interior do Regime Escocês Retificado. Duas
figuras inesquecíveis para uma homenagem das mais merecidas.
Organização das mais JOVens, dizíamos. Sim, pois a criação de uma obe
diência sob o nome de "Grande Loja Independente e Regular para a França
e as Colônias Francesas" data somente de 1913. Mas ela é o ponto de par
tida do que viria a tornar-se a G:. L:. T:. S:. no imediato pós-guerra,
depois G .·. L : . T : S : Bi11cau, após a dsão ele 1958 (ver 111ai" adiante).
. .
li()
ORIGENS DA GRANDE LOJA "ÓPERA"
Mas por que então, uma vez separadas de Bineau, ter conservado o título
de G:. L:.T:. S:.? Simplesmente porque os dissidentes consideravam-se
como únicos herdeiros e depositários do espírito francês que havia prevale
cido quando da criação da obediência em 1913. Os dois descendentes dire
tos de seu criador Édouard de Ribeaucourt, Pierre, seu filho e Eduard, seu
neto, estavam entre os mais ativos da causa.
A loja conhecida sob o nome de "Centro dos Amigos", e que· traz o número
1 da G:. L:.T:. S:. "Ópera", está impregnada de uma história que é a
de roda a obediência. Ela pode ser também considerada como um vetor
privilegiado do Regime Escocês Retificado, de sua origem aos nossos dias.
61
ORIGENS DA GRANDE LOJA "ÓPERA"
1 Uma loja azul é a que recebe os maçons dos três primeiros graus: aprendizes, companheiros e
mestres.
62 · ·---
ORIGENS DA GRANDE LOJA "ÓPERA"
Mas onde se coloca, nisto tudo, o "Centro dos Amigos"? Paciência, vamos
chegar lá. Estamos apenas demorando um pouco mais, e esta longa marcha,
que não passa de um atalho bem sucinto, tem por único objetivo situar o
"Centro dos Amigos" com as origens distantes da maçonaria evocadas ante
riormente. Esse vínculo é bem anterior à criação da "Grande Loja
Independente e Regular para a França e as Colônias Francesas", em 1913.
Esse vínculo, que talvez se comece a perceber, passa ainda por um caminho
eivado de numerosas ciladas. A Revolução Francesa - que interrompeu
momentaneamente o fabuloso desenvolvimento da maçonaria em geral,
para prodigalizar-lhe talvez um ainda maior no fim dos distúrbios - não
é, sem dúvida, a menor delas. Sabemos que um "Grande Oriente" estava
estabelecido com um contingente considerável, antes mesmo do Convento
das Gálias. Ele reunia sob sua autoridade particularmente as lojas militares,
63
ORIGENS DA GRANDE LOJA "ÓPERA"
Uma delas - que recebeu sua patente constitutiva no Oriente das Guardas
Suíças em 24 de julho de 1778, sob o título distintivo de "Guilherme Tell"
- foi confirmada por um ato do "Grande Oriente" de 1 O de abril de 1789.
A maior parte de seus membros desapareceu tragicamente em 1 O de agos
to de 1792, literalmente massacrados, quando do assalto das Tulherias. Eles
repousam em paz sob o relvado da capela expiarória do jardim Luís XVI,
em Paris.
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ORIGENS DA GRANDE LOJA "ÓPERA"
Uma vez obtida ºesta ajuda, os tres Irmãos lançam mãos à obra em 1839
mas, desafortunadamente, por pouco tempo; eles seriam colocados em
adormecimento dois anos mais tarde, confiando desta vez os arquivos e
rituais à Prefeitura de Genebra.
65 ---
ORIGENS DA GRANDE LOJA "ÓPERA"
E, por esse grande atalho, eis-nos de volta a 1913 e à criação, sob a égide
do "Centro dos Amigos'', da "Grande Loja Independente e Regular para a
França e as Colônias Francesas". "I..:Anglaise", número 204, de Bordeaux, e
"Saint-George" não tardam a juntar-se ao "Centro dos Amigos". Seria já a
chegada do cavalo de Tróia da Grã-Bretanha, que levaria ao predomínio
inglês e à inevitável cisão de 1958? Não ousaríamos afirmá-lo; mas, quem
sabe? Seu primeiro Grande Mestre foi Édouard de Ribeaucourt, pai de
Pierre, cuja men1ória evocan1os anteriormente.
66 - -
ORIGENS DA GRANDE LOJA "ÓPERA"
Não se sabe bem porque, mas a atmosfera está um pouco tensa no início
do convento. A tal ponto que a palavra é secamente recusada a vários de
legados de lojas, a partir do exame do relatório financeiro. Um projeto de
modificação do regulamento geral havia sido regularmente depositado e
devia ser submetido ao exame, mas parece que tudo havia sido arranjado
para que os delegados de lojas não .fossem informados com a antecedência
necessária para conhecer seu exato teor e o objetivo proposto.
diência.
67
ORIGENS DA GRANDE LOJA "ÓPERA"
O poder na cidade na verdade não faz parte - ou, pelo menos, não deve
ria fazê-lo - da busca do maçom. A pureza da mensagem recebida per
manece, ou deveria permanecer, sua única preocupação e podemos muito
bem contentar-nos em transmitir, como o recebemos, lembrando-nos sim
plesmente do adágio que Édouard de Ribeaucourt3 tanto gostava de citar:
PRECE III
1 As duas primeira preces de Saint-Martin foram publicadas no número 5 da edição lusófona de L'lnitiation.
69
AS PRECES DE L.C. DE SAINT-MARTIN
minh'alma, torna-me tu mesmo para teu próprio filho; pois que ele e eu não
somos senão um aos teus olhos, e versa abundancen1ence sobre um e outro
as graças que somente do teu amor nós dois podemos receber. Não posso
mais viver se não permites à voz de meu filho e à minha unirem-se juncas
para cantar eternamente teus louvores, e para que nossos cânticos sejam
como rios inesgotáveis engendrados incessantemente pelo sentimento das
ruas maravilhas e do teu inefável poder.
PRECE IV
S
enhor, como ousaria olhar-me um inst:J.nte sem fremir de horror diante
da minha miséria? Habito em meio às minhas próprias iniqüidades, que
são o fruto dos meus abusos em todos os gêneros e que se tornaram como
minha veste: abusei de todas as minhas leis, abusei da minha alma, abusei
do meu espírito e abuso diuturnamente de todas as graças que teu amor não
cessa de prodigalizar todos os dias sobre tua ingrata e infiel criatura. É a ti
que eu devia tudo oferecer e tudo sacrificar, e nadá oferecer ao tempo que
está diante de teus olhos como os ídolos, sem vida e sem inteligência e, no
entanto, não cesso de tudo oferecer ao tempo e nada a ti; e é por isso que
me precipito antecipadamente no horrível abismo da confusão que é con
sagrada apenas ao culto dos ídolos e onde teu nome não é conhecido. Fiz
como os insensatos e os ignorantes do século, que empregam todos os seus
esforços para aniquilar os temíveis mandatos da justiça e fazer de modo a
que esta terra de provação por nós habitada, não seja mais aos seus olhos
uma terra de angústia, de trabalho e de dor. Deus de paz, Deus de verdade,
se a confissão dos meus erros não for suficiente para que tu m'os perdoes,
lembra-te daquele que quis deles encarregar-se e lavá-los no sangue do seu
corpo, do seu espírito e do seu amor; ele os dissipa e os apaga, desde que se
digne a fazê-los aproximar da sua palavra. Como o fogo consome todas as
substâncias materiais e impuras - e como esse fogo que é sua imagem -
ele volta para ti com sua inalterável pureza, sem· conservar nenhuma marca
das máculas da terra. É somente nele e por ele que se pode fazer a obra da
minha purificação e do meu renascimento; é somente por ele que tua santa
majestade pode contemplar o homem; e é por isto que tu queres operar
nossa cu1·a e no�sa salvação, pois ao empregar os olhos do seu amor que tudo
purifica, tu não vês mais no homem nada de disforme, tu não vês nele nada
além daquela centelha divina que se assemelha a ti e que teu santo ardor
atrai perpetuamente a si como uma propriedade da tua divina fonte. Não,
70 -- -
AS PRECES DE L.C. DE SAINT-MARTIN
71
1 O PENSAMENTO DE LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN '
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paz da natureza".
em nosso redor".
"Deus não seria o rei da glória, o rei da paz, se não fosse o rei da justiçà'.
72 -- --