Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: O ensino coletivo de instrumentos coloca, em uma mesma sala, vários estudantes
tocando juntos; busca estimular a curiosidade musical nos educandos, a partir do prazer em
extrair sons do instrumento escolhido. Nesta modalidade de ensino, o aprendizado é
potencializado pelo contato direto com outros estudantes, que possibilita a cada um deles
comparar e avaliar seu próprio desempenho. A Escola Oficina de Artes Valdice Teles,
mantida pela Prefeitura de Aracaju – SE, promove o ensino coletivo de sanfona, trabalhando
no repertório baiões, xotes, marchas e choros tradicionais, ensinados por imitação do som;
além das aulas práticas, os estudantes contam com aulas de teoria musical. Outro projeto da
mesma prefeitura é a Orquestra Sanfônica de Aracaju, que, além de ser instrumento de
preservação da cultura nordestina, também é espaço de educação musical, com troca de
conhecimento entre seus integrantes.
Palavras-chave: Ensino coletivo de instrumentos; Sanfona; Acordeom; Orquestra Sanfônica.
1. Introdução
Pretende-se, com esse trabalho, descrever a experiência do ensino coletivo da
sanfona na Escola Oficina de Artes Valdice Teles (EOAVT), em Aracaju – SE, e a
experiência da Orquestra Sanfônica de Aracaju (ORSA) – que se configura como espaço de
educação musical e de preservação da cultura nordestina –, a partir de informações coletadas
mediante entrevistas e observação assistemática de aulas de sanfona e de ensaios da orquestra.
Primeiramente, serão feitas considerações acerca do ensino coletivo de instrumentos, e,
finalmente, apresentar-se-ão constatações relacionadas às aulas de sanfona e à ORSA.
1
Licenciado em Música pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrando em Educação e
Contemporaneidade pela Universidade do Estado na Bahia (UNEB). Email: ramosjms@hotmail.com.
Contrapondo-se a este modelo, o ensino coletivo de instrumentos coloca em uma
mesma sala vários aprendizes, cada qual com seu instrumento, tocando juntos. Busca-se o
prazer de extrair sons do instrumento escolhido, que serve como impulso para despertar a
curiosidade musical. O repertório trabalhado é mais diversificado, e as questões teóricas
somente são abordadas depois de vivenciadas na prática. Tourinho (2007, p. 261) afirma que
“o aprendizado se dá pela observação e interação com outras pessoas, a exemplo de como se
aprende a falar, a andar, a comer. [...] A concepção de ensino coletivo será, então, uma
transposição do comportamento inato de observação e imitação para o aprendizado musical”.
Tourinho (2007, p. 261–262, 2008, p. 1-5) apresenta seis princípios básicos aplicados
por educadores que atuam no ensino coletivo de instrumentos:
• Acreditar que todos podem aprender a tocar um instrumento – elimina-se o teste
de seleção, agrupando-se os estudantes por faixa etária, ou por níveis de
desenvolvimento no instrumento.
• Acreditar que todos aprendem com todos – para os estudantes, o educador serve
de modelo, e os colegas são como espelho, onde é possível comparar e avaliar o
próprio desempenho, diminuindo a necessidade de intervenções do educador.
• Planejar e direcionar a aula para o grupo, exigindo do estudante disciplina,
assiduidade e concentração – o estudante que chega atrasado ou falta às aulas
conscientiza-se de que prejudica seu desempenho no grupo.
• Considerar as habilidades individuais no planejamento da aula – as partes, em
músicas com mais de uma voz, podem ser distribuídas conforme o
desenvolvimento de cada um, por exemplo.
• Estimular a autonomia e a decisão dos alunos – pode-se estimular o debate acerca
da escolha da peça a ser estudada, ou das diferentes possibilidades de
interpretação de uma peça, por exemplo.
• Eliminar os horários vagos – se alguns estudantes faltam, o trabalho deve ser
realizado com os presentes, e posteriormente deve-se administrar o progresso dos
faltosos, que talvez precisem sem remanejados para outras turmas, devido ao
desenvolvimento mais lento.
Swanwick (1994, p. 151) afirma que, em um grupo instrumental aprendiz, atividades
importantes são a escuta, o diagnóstico, o debate e a experimentação. A participação em
conjuntos dessa natureza, onde o trabalho analítico é freqüente, traz, como um dos grandes
benefícios, o desenvolvimento da autonomia dos estudantes, que tendem a se tornar
independentes do educador (ibdem, p. 153).
3. As aulas de sanfona na EOAVT
A EOAVT está ligada à Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Esportes
(Funcaju), unidade da Prefeitura Municipal de Aracaju. Localiza-se no centro da cidade, na
Avenida Pedro Calazans, 737. Fundada em 1984, oferece cursos nas áreas de música, dança,
artes visuais e teatro. A inscrição nos cursos é semestral, e os interessados pagam uma taxa
única de R$ 20,00, dispensada a funcionários municipais e pessoas carentes. O critério para
atendimento, caso a procura pelos cursos seja maior que a oferta de vagas, é a ordem de
inscrição.
As aulas de sanfona acontecem às segundas-feiras, das 15h00min às 19h00min, e às
terças-feiras, das 17h00min às 19h00min. Cerca de 30 alunos estudam o instrumento,
atualmente; o número preciso não pode ser conhecido, devido às eventuais desistências e às
novas inscrições sempre realizadas. Além da aula no instrumento, de caráter prático, os alunos
contam com a aula de teoria musical; ambas possuem duração de uma hora e periodicidade
semanal. Dois educadores revezam-se no ensino da sanfona: Cleston Santos, conhecido por
Tom, autodidata no instrumento, e Luiz Júnior de Almeida.
Os estudantes procuram o curso de sanfona devido ao gosto pelo forró2, mas a
demanda aumentou significativamente após a criação da ORSA. Muitos dos estudantes
revelam o desejo de integrar a orquestra.
As turmas de sanfona possuem até nove alunos, de diversas faixas etárias. As turmas
da segunda-feira são para os “iniciantes”, e as das terças-feiras para os “iniciados”, segundo
Tom. O educador constantemente observa os estudantes e, conforme o desenvolvimento
individual, convida os mais avançados dentre os “iniciantes” a freqüentarem uma turma dos
“iniciados”, para não desacelerar seu aprendizado.
O repertório trabalhado compreende baiões, xotes, marchas e choros tradicionais,
ensinados por imitação do som. Há algum tempo atrás, utilizava-se somente o Método
Mascarenhas3, mas havia grande evasão dos educandos; segundo Tom, muitos afirmavam “ter
medo da partitura”. O educador foi paulatinamente modificando a metodologia, introduzindo
peças de gosto dos estudantes, e o ensino por imitação e cifras. Hoje, o Método Mascarenhas
2
Entende-se “forró” enquanto gênero musical que abarca baiões, xotes, xaxados, marchas, concordando com
Quadros Jr. e Volpi (2005, p.127-128).
3
Um dos métodos mais conhecidos no Brasil. Foi escrito na década de 1940, encontra-se na 51ª edição, e possui
linguagem, didática e repertório defasados para os iniciantes no instrumento.
ainda é utilizado, como exercício de técnica, mas somente após um razoável desenvolvimento
teórico dos estudantes.
Notam-se os princípios do ensino coletivo de instrumentos, apresentados
anteriormente, nas aulas de sanfona da EOAVT. Por exemplo, os estudantes observam e
avaliam os progressos individuais; auxiliam-se mutuamente nas dificuldades; compartilham
com os colegas o aprendizado adquirido fora das aulas; alternam-se em tocar melodias,
contracantos e acompanhamentos; o plano de aula feito pelo educador pode ser adaptado, de
acordo com a resposta da turma.
As turmas apresentam-se, junto com estudantes de outros cursos da EOAVT,
semestralmente em teatros da cidade, e eventualmente no projeto “Calçada da Valdice”, em
frente à escola.
A orquestra divide-se em três naipes, cada um sob a chefia de um monitor. Dois dos
monitores são os educadores da EOAVT, e o terceiro é Glaubert Messias, que estudou
sanfona com o regente, antes da criação da ORSA.
Os ensaios acontecem na EOAVT, às segundas e quartas-feiras, das 19h00min às
21h40min. Inicialmente, cada naipe reúne-se com seu monitor, e posteriormente reúne-se toda
a orquestra, para a execução da peça em preparação.
A definição do repertório fica a cargo do regente, às vezes com a participação dos
monitores, para posterior aprovação pelo grupo. Integram o repertório músicas tradicionais do
forró, e também choros, bossas-novas, tangos, entre outros gêneros. Os arranjos são feitos
pelo regente, ou em conjunto, pelo regente e pelos monitores. Como a maioria dos
componentes da orquestra não lê música, as partes de cada naipe são gravadas em CD’s, que
são repassados aos sanfoneiros, ou o ensino é feito nos ensaios, por imitação do som, onde o
monitor toca e os integrantes do naipe repetem a sua parte. Entretanto, o regente afirma seu
desejo de que todos os componentes da orquestra venham a conhecer a escrita musical:
Vê-se, portanto, que a ORSA constitui um espaço de educação musical, com ensino
coletivo de instrumento. Segundo o educador Tom, as aulas de sanfona continuam na
orquestra. Pode-se observar, na ORSA, a reprodução do que se observa na transmissão de
conhecimento acerca da sanfona no Nordeste: “basicamente, todo o processo de
aprendizagem é regido apenas pela audição, onde as aproximações e imitação do som tem
sido a mola propulsora do aprendizado” (SILVA, 2009, p. 6).
Um desafio que se apresenta à ORSA é a institucionalização do grupo. Por hora, para
realizar o projeto, a prefeitura repassa os recursos financeiros a uma fundação, que repassa
estes recursos aos músicos. A institucionalização garantiria a perenidade da orquestra,
independentemente da corrente partidária do prefeito que venha a ser eleito. Estudam-se
formas de realizar esta institucionalização, e, a partir daí, realizar concurso público para
contratação dos músicos. Este concurso público revela-se como outro problema, já que,
segundo o regente, seriam encontrados empecilhos na escolaridade e no conhecimento
musical teórico dos atuais integrantes do conjunto.
5. Considerações finais
O ensino coletivo de sanfona na EOAVT corrobora o que afirmam os teóricos,
quanto às possibilidades e benefícios do ensino coletivo de instrumentos. A EOAVT revela-se
como importante espaço de aprendizagem para sanfoneiros, que nela encontram uma
educação musical consistente. Observa-se que uma dificuldade encontrada, pelos educadores,
é a inexistência de métodos contextualizados às expectativas dos aprendizes.
A ORSA, além de ter papel significativo na preservação da cultura popular
nordestina, propicia a troca de conhecimento musical entre seus componentes, configurando-
se como espaço de educação musical, como uma extensão das aulas coletivas de sanfona da
EOAVT. É preciso institucionalizar o grupo, para que este trabalho torne-se permanente.
Referências
MESSIAS, Glaubert dos Santos. Entrevista concedida em 26 de abril de 2010.
SWANWICK, Keith. Musical knowledge: intuition, analysis, and music education. London;
New York: Routledge, 1994, p. 150-153.
http://jangadeiroonline.com.br/video/orquestra-%E2%80%9Csanfonica%E2%80%9D-em-
catunda-68567/. Acesso em: 02 mai. 2010.
http://www.aracaju.se.gov.br/cultura_turismo_e_esporte/index.php?act=leitura&codigo=3502
0. Acesso em: 26 abr. 2010.
http://www.aracaju.se.gov.br/cultura_turismo_e_esporte/index.php?act=fixo&materia=escola
_oficina_de_artes_valdice_teles_%28eoavt%29. Acesso em: 02 de mai. 2010.
http://www.feiradasamericas.com.br/Imprensa/Releases-dos-Expositores/ORQUESTRA-
SANFONICA-DE-ARACAJU---ORSA/. Acesso em: 26 abr. 2010.
http://www.istoe.com.br/reportagens/10803_EM+CARTAZ?pathImagens=&path=&actualAr
ea=internalPage. Acesso em: 02 mai. 2010.