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Sonâmbulos, Crianças, Loucos, Sonhadores PDF
Sonâmbulos, Crianças, Loucos, Sonhadores PDF
Ulysses Pinheiro
UFRJ/CNPq1
1
Este artigo foi escrito como parte de minhas atividades de bolsista de Produtividade
em Pesquisa do CNPq.
Ulysses Pinheiro 49
Ítaca 25- Edição Esécial
Sonânbulos, crianças, loucos, sonhadores: A teoria do erro de Spinoza
quem escrevia era uma minha persona, pois não ousava ainda naquela
época falar em nome próprio – talvez pela simples razão de que não
sabia exatamente em que acreditava nem em nome de que escrevia.
“Os atores, chamados à cena”, escreve Descartes em um de seus
primeiros textos2, “para não deixar ver o rubor em sua face, colocam
uma máscara. Como eles, no momento de subir no teatro do mundo,
no qual, até agora, era apenas um espectador, avanço mascarado”.
Oculto ou não sob uma máscara, eu escrevi algo com aparente
convicção naquela época. No primeiro volume da revista Ítaca,
publicado em 1995, estava fazendo minha tese de Doutorado sobre
Spinoza; o artigo que serviu como minha contribuição para esse
número da revista não era, porém, uma parte de minha tese. Ele foi
intitulado “Nós tomamos decisões nos sonhos?”, e tratava de propor
uma interpretação para o famoso Escólio da Proposição 2, Parte III, da
Ética3. É sobre esse breve artigo de 1995 que me volto agora. Meu
propósito, porém, não é o de propor ao leitor uma autobiografia
intelectual, a qual certamente não interessaria a ninguém – talvez nem
ao menos, talvez sobretudo, a mim mesmo –, mas, antes, lançar um
novo olhar sobre um texto – o de Spinoza, bem entendido – que não
deixei de ler durante todo esse tempo, e que me aparece, agora, de
outra forma. Não voltarei a meu antigo escrito para aperfeiçoá-lo ou
corrigi-lo 4 ; prefiro, ao invés disso, simplesmente contrapor a ele,
justaposta de forma absolutamente externa, minha nova leitura.
2
René Descartes, Preâmbulos, Œuvres de Descartes (Paris: Vrin, 1996; edição de
Charles Adam e Paul Tannery) vol. X, pp. 212-215 (doravante, citado como AT,
número do volume em números romanos, número da página em números arábicos).
Sobre a história do texto conhecido sob o nome de Preâmbulos, cf. a edição de
Ferdinand Alquié das Œuvres philosophiques de Descartes (Paris: Garnier, 1988), vol.
I, pp. 26-29.
3
Doravante, usarei as seguintes abreviaturas para me referir às passagens da Ética:
E4P35 = Parte IV, Proposição 35. Referências às Demonstrações, Escólios, Corolários,
Definições e Axiomas de cada uma das Partes e/ou Proposições assumirão a seguinte
forma: D, Es, C, Def, A (assim, por exemplo, o Escólio da Proposição 3, Parte II, será
referido pelo signo E2P3Es). Seguirei, algumas vezes, a tradução de Tomaz Tadeu
(Ética, edição bilíngue Português-Latim. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008), mas
as modificarei em diversas ocasiões, para dar conta do que julgo ser uma maior
fidelidade ao texto original de Spinoza.
4
Haveria, sem dúvida, muito a se fazer nesse sentido. Se não sigo essa direção aqui não
é porque julgue que o que escrevi é tão bom a ponto de ser incorrigível ou tão ruim a
ponto de ser inaproveitável; ao contrário, fiquei um tanto surpreendido, em minha
releitura do artigo original, com o quanto ainda concordo comigo mesmo, em medida
semelhante à das discordâncias. Há, porém, na distância que nos separa, uma longa
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Cf. Spinoza et le problème de l’expression (Paris: Les Editions de Minuit, 1968),
Apêndice: “Etude formelle du plan de l’Ethique et du rôle des scolies dans la réalisation
de ce plan”, pp. 313-322.
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Cf. Descartes, Quarta Meditação (AT IX, 48).
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Mais adiante ficará claro por que tal distinção é visada aqui por Spinoza.
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A Study of Spinoza’s Ethics (Cambridge: Cambridge University Press, 1984), § 41 -
“Error, ignorance, and truth-values”, p. 172.
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Bennett (1984), p. 169.
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Na teoria do erro de Descartes, que é claramente visada neste momento por Spinoza,
o elemento positivo que explica a possibilidade do erro é a extensão mais ampla da
vontade em relação às limitações do intelecto. Ao identificar intelecto e vontade,
Spinoza não pode aceitar a solução cartesiana.
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Bennett (1984), p. 170
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Sobre o holismo de Spinoza, cf. meu artigo “Ideia e asserção na teoria da mente de
Espinosa” (revista Analytica, v. 3, n. 2, 1998, pp. 101-127) e o livro de Michael Della
Rocca, Representation and the Mind-Body Problem in Spinoza (New York: Oxford
University Press, 1996).
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E5P3 diz: “Um afeto que é uma paixão deixa de ser uma paixão assim que formamos
dele uma ideia clara e distinta”; o Escólio de E5P31, por sua vez, nos adverte que “Mas
é preciso notar que, ainda que estejamos agora certos de que a Mente é eterna, na
medida em que concebe as coisas sob um aspecto de eternidade, entretanto, e para que
se explique mais facilmente e se compreenda melhor o que queremos mostrar, faremos
como fizemos até agora, e a consideraremos como se ela tivesse acabado de começar a
ser [eterna]”. Curiosa fórmula, que se encontra no cerne do projeto ético de Spinoza:
“ainda que estejamos agora certos de que a Mente é eterna” [tametsi jam certi sumus,
Mentem æternam esse – grifo meu]. A consciência temporal da eternidade, entendida
como co-presença do eterno em todos os pontos do tempo, só pode ser figurada como
uma passagem – essa é a condição de sua efetividade prática.
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Sobre a dimensão política do estado infantil, cf. Le conservatisme paradoxal de
Spinoza. Enfance et royauté, de François Zourabichvili (Paris: PUF, 2002).
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Sobre esses pontos, cf. meu artigo “Spinoza e o leitor da posteridade. Exame crítico
da interpretação de Leo Strauss do Tratado teológico-político” (revista Kléos, n. 15,
2011, pp. 115-133, In: http://www.pragma.ifcs.ufrj.br/kleos/K15/K15-
UlyssesPinheiro.pdf).
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