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A MICROFORTALEZA
Autor
WILLIAM VOLTZ

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização
VITÓRIO

Revisão
ARLINDO_SAN
Quando se encontrava no centro da Galáxia, a nave-
capitânia de Perry Rhodan entrou abruptamente no campo de
atuação da rota de transmissores que leva para Andrômeda.
Da estação de Gêmeos, a Crest II foi lançada adiante pelo
guardião moribundo — bem para o interior de Horror, um
mundo oco artificial. Lutando sempre, conseguiram subir
nível após nível, até atingir a superfície do planeta artificial,
em torno do qual circulam três sóis. Quando já se
encontravam em segurança no espaço cósmico, resolveram
abandonar essa segurança, aproximando-se novamente da
superfície de Horror.
Dessa forma entraram na área de ação de uma arma
secreta chamada Horror — e foram submetidos a um
processo de redução, que fez com que eles e o mundo que os
cercava ficassem mil vezes menores.
Ma nem por isso os terranos perderam a coragem.
Realizam uma operação de guerra contra A Microfortaleza...

= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Capitão Don Redhorse — Um índio cheiene que realiza um vôo de teste
cheio de conseqüências graves.
Lope Losar, Oleg Sanchon, Into Belchman e Zantos Aybron —
Companheiros do Capitão Redhorse no caminho para Llalag, a
fortaleza dos cabeças-de-cúpula.
Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar.
Icho Tolot — Um halutense com espírito aventureiro.
1

Eram doze nomes.


Doze nomes escritos por uma mão nervosa numa olha de papel amarelo. Oito desses
nomes tinham sido riscados. Quatro continuavam a constar da folha.
“Preciso ficar de olho neles”, pensou Redhorse e olhou para a folha de papel.
“Os quatro. Não posso tirar os olhos deles por um instante que seja. Preciso
registrar qualquer emoção que estes quatro homens venham manifestar, por mais
insignificante que seja, e terei de tirar minhas conclusões.”
Eram os homens escolhidos para acompanhá-lo. Quatro no meio de dois mil.
O Capitão Don Redhorse seria o quinto homem.
Não era nada fácil descobrir os homens adequados entre os dois mil tripulantes da
Crest II. Redhorse, o arrojado índio cheiene, precisava de companheiros que não
refletissem sobre coisas que não podiam mudar. Precisava de astronautas capazes de
esquecer que estavam com menos de dois milímetros de altura.
Tipos frios como gelo — era o que Redhorse estava procurando.
E acreditava tê-los encontrado. Eram homens que não sabiam o que era ficar
nervoso, capazes de agir sem qualquer inibição psíquica. Na verdade, o grupo que sairia
da nave parecia antes um bando de formigas que saísse do alojamento para aventurar-se
numa terra estranha e perigosa.
Redhorse sentia-se grato porque Rhodan lhe dera carta branca na escolha dos
homens.
De início escolhera doze homens e passara a observá-los às escondidas. Os olhos
penetrantes do capitão registraram o menor sinal de nervosismo. Um tremor leve da mão
ao colocar o chá na xícara. Uma piscadela do olho quando se falava na situação dos
náufragos. O arrastar nervoso dos pés e o gesto forçado de engolir em seco, quando o
medo apertava a garganta da pessoa.
Em quatro dos homens Redhorse não notara o menor sinal de medo ou nervosismo.
Eram Lope Losar, um homem alto e robusto que sempre andava com o rosto
fechado. Era encarregado dos armamentos e trabalhava no centro de artilharia.
O nome do segundo homem era Oleg Sanchon. Também era alto e seus movimentos
pareciam pesados. Era um dos numerosos técnicos que trabalhavam nos conveses
inferiores da Crest II. Os cantos da boca caídos e os olhos azuis davam-lhe um aspecto
arrogante.
Os olhos de Redhorse caíram no terceiro dos nomes que continuavam a constar da
lista. Tratava-se de Into Belchman, um dos assistentes médicos. Belchman era de estatura
mediana, magro e feio. Sua cabeça era completamente calva, com exceção de um círculo
de cabelos muito negros. Tinha nariz adunco, que quase chegava a tocar o lábio superior.
Corria o boato de que os pacientes de Belchman não precisavam ser anestesiados antes de
uma operação, já que os coitados desmaiavam ao ver seu rosto.
Zantos Aybron, que era o quarto homem, constituía o maior problema para
Redhorse. Aybron tinha costas artificiais. Era uma espécie de espartilho de aço prateado,
que mantinha intacta sua coluna vertebral quebradiça. O pequeno astrônomo de olhos
escuros era um homem muito doente, mas havia alguma coisa em seu interior que o
mantinha vivo há vários anos, contrariando todas as previsões dos médicos. Redhorse não
tivera a intenção de levar um doente, mas Aybron formava uma exceção.
O Capitão Redhorse pegou a folha de papel e rasgou-a em pedacinhos.
“Ficarei de olho neles”, voltou a pensar. “Seguirei seus passos e os espionarei”. Já
estava perfeitamente informado sobre os pontos fortes e fracos de seu físico. Não era o
aspecto mais importante. O que realmente importava era a disposição psíquica desses
homens.
“Preciso dissecar seus pensamentos”, pensou, um tanto zangado. “Seu espírito tem
de ficar estendido à minha frente, desnudado e desprotegido.”
Redhorse não apreciava esse tipo de trabalho. O mesmo causava-lhe repugnância.
Passou a mão pelo cabelo preto-azulado.
Fez um esforço para esquecer o fato de que ele e seus companheiros tinham menos
de dois milímetros de altura, de que a gigantesca Crest II estava reduzida a uma esfera de
um metro e meio de diâmetro.
Redhorse soltou os pedaços de papel rasgado e deixou que caíssem lentamente ao
chão. Se fosse um homem de tamanho normal, provavelmente nem seria capaz de ver
esses pedaços.
“Macrocosmo e microcosmo”, pensou Redhorse. “Onde fica mesmo o limite?”
Levantou-se com um suspiro.
“Lope Losar em primeiro lugar”, pensou. “Tem de ser antes. Os outros virão
depois.”
***
Algum membro da tripulação que possuía um senso de humor macabro tinha dado à
cadeia de montanhas que cercava a Crest II pelos lados norte, leste e oeste o nome de
Torta de Areia. Aquilo que para os homens que se encontravam a bordo da nave parecia
uma serra de oito mil metros de altura na verdade não passava de um grupo de colinas de
oito metros de altura, que cercava o vale em forma de ferradura.
Icho Tolot trouxera a Crest II para esse lugar antes que ele mesmo ficasse sujeito à
redução, em virtude da ação do processo de condensação potencial.
O vale era aberto para o sul. Segundo as concepções dos micro-homens, para esse
lado só havia pequenas elevações. Para os minúsculos tripulantes o vale tinha cinqüenta
quilômetros de diâmetro. Ao norte das montanhas Torta de Areia nascia um grande rio de
cinco quilômetros de largura que começava com uma gigantesca queda de água. Era o
Rio do Sul. Este nome lhe fora dado porque corria em direção à saída sul do vale.
Para os astronautas tornava-se difícil imaginar que o rio caudaloso na verdade não
passava de um simples regato de cinco metros de largura, que um homem normal poderia
atravessar facilmente a pé.
Rhodan já não tinha a menor dúvida de que toda a superfície do planeta Horror fora
submetida ao processo de redução, com exceção das duas estações polares. No curso dos
milênios os pedaços de pele da superfície primitiva e as formações vindas debaixo se
tinham ajustado mutuamente, motivo por que de início a teoria do encolhimento da
superfície parecera inaceitável.
A Crest tinha destruído a estação do pólo norte antes que fosse obrigada a realizar o
pouso forçado, mas a estação do pólo sul continuava a existir e reduziria o tamanho de
qualquer coisa que entrasse em seu campo de ação.
Para os terranos a paisagem reduzida era um espetáculo de beleza de múltiplas
facetas. O fundo do vale, que para um homem de tamanho normal não passava de uma
pequena depressão no solo, era entrecortado por colinas suaves, pequenos cursos de água
e grandes pradarias.
A temperatura naquela área era pouco inferior a cinqüenta graus centígrados. A
atmosfera era perfeitamente respirável. O ar não costumava ser agitado por nenhuma
brisa. O céu brilhava num preto-azulado sombrio, no qual os três sóis amarelos se
destacavam como grandes olhos demoníacos.
Icho Tolot largara a Crest II junto às fraldas norte das montanhas Torta de Areia.
Aos olhos dos tripulantes, os paredões de rocha subiam ingrememente a apenas algumas
centenas de metros de distância.
Todas as máquinas que funcionavam com energia atômica tinham entrado
definitivamente em pane. Com isso todas as armas, desde os possantes canhões
conversores até as simples carabinas e pistolas energéticas, se tinham tornado inúteis.
Os cientistas já haviam descoberto que a falha não era causada por um campo de
absorção, como de início se supusera. O processo muito amplo de condensação potencial
havia paralisado totalmente os complexos processos que se realizavam com os núcleos
atômicos.
Dois dias depois do pouso de emergência foram acionadas as unidades energéticas
comuns. As pequenas usinas geradoras da Crest II, cujos geradores eram movidos por
simples turbinas a gás, estavam trabalhando a toda força.
O computador positrônico matelógico era o único equipamento que continuava a
funcionar a bordo do supercouraçado. A força gerada pelos geradores de emergência era
tão reduzida que todas as máquinas que gastavam energia tiveram de ser paralisadas. Até
mesmo a iluminação foi reduzida ao mínimo.
O computador positrônico matelógico já tinha apurado, com base nos dados
colhidos, que o processo de redução fora causado pela estação do pólo sul e pela do pólo
norte, que já tinha sido destruída: E os edifícios que formavam essas estações não tinham
sido atingidos pelo processo de redução. Certamente as mesmas tinham sido construídas
há muito tempo, para servir como armamento.
Era esta a situação a bordo da Crest II, no dia 18 de dezembro de 2.400 do
calendário terrano.
Ao que tudo indicava, os conquistadores terranos nunca mais sairiam da armadilha
colocada por uma raça desconhecida.
***
Apesar de tudo, ele continuava a ser um gigante.
Um gigante de três e meio milímetros de altura, que tinha de fazer um grande
esforço para atravessar a escotilha com seu corpo enorme, toda vez que queria entrar na
sala de comando da Crest II.
Ninguém seria capaz de dizer se o halutense estava encantado com esta aventura, ou
se preferiria continuar com seu tamanho normal e atravessar a paisagem desconhecida ao
lado da Crest II.
Mory Rhodan-Abro contemplou o colosso que estava parado perto dela, de Rhodan
e do arcônida Atlan, acompanhando as discussões com o rosto impassível.
A esposa de Rhodan continuava bela como sempre, mas quem a conhecesse saberia
interpretar o traço de amargura que surgira em torno de sua boca.
— Por que não diz nada, Tolot? — perguntou, dirigindo-se ao halutense. —
Passamos horas a fio falando, e o senhor só escuta. Afinal, está na mesma situação
horrível em que nós nos encontramos. Quais são suas sugestões?
Tolot percebeu a ponta de irritação que havia na voz de Mory. Compreendia essa
mulher. Há muito estava sentindo a aflição que se apossara dos tripulantes. Em todos os
cantos da nave viam-se sinais de que o desespero ameaçava tomar conta dos homens.
Rhodan logo teria de intervir, se quisesse evitar o pânico.
— O que eu posso dizer certamente não contribuirá para deixá-los mais animados
— disse Tolot. — Fiz alguns cálculos ligeiros e os resultados não são muito agradáveis.
Rhodan sabia perfeitamente que o halutense era capaz de calcular muito depressa
com seu fantástico cérebro programador. Se necessário, o gigante era capaz de superar o
computador positrônico.
— Fale, Tolot — pediu Rhodan. — Temos de aceitar os fatos. Seria uma insensatez
fechar os olhos à realidade.
— Como sabemos, o diâmetro do planeta Horror é pouco inferior a quatorze mil
quilômetros — principiou Tolot, indo diretamente ao assunto. — Portanto, sua
circunferência média fica em torno de quarenta e três mil quilômetros. Atlan, pouco antes
da queda do jato espacial o senhor ainda fez algumas medições. Faça o favor de fornecer
a localização aproximada do ponto em que ocorreu o pouso forçado.
O arcônida pôs-se a refletir por um instante.
— Quarenta e cinco graus de latitude sul — informou finalmente.
— É mais ou menos isso — disse Tolot. — É fácil calcular que no momento esta
nave se encontra a dez mil, oitocentos e quarenta quilômetros da estação do pólo sul.
10.840 quilômetros!
Rhodan e Atlan entreolharam-se prolongadamente.
A distância indicada por Tolot baseava-se no tamanho normal do ser humano.
Como o tamanho dos astronautas tinha sido reduzido a um milésimo do natural, esta
distância, subjetivamente considerada, passava a ser de 10.840.000 quilômetros.
Era uma distância imensa, enquanto a Crest II estivesse fora de uso.
De qualquer maneira teriam de encontrar um meio de chegar à estação do pólo sul,
pois só havia uma forma de reverter o processo de redução a que tinham sido submetidos:
destruir o condensador potencial.
— Estão quietos — observou Tolot. — Isto significa que são capazes de extrair as
conseqüências dos resultados que acabam de ser fornecidos.
— Pelo amor de Deus! — exclamou o Coronel Cart Rudo com um gemido. — Não
podemos passar o resto da vida neste estado, rastejando pelo chão feito insetos.
— Pelo menos já sentimos o que sente um besouro que pisamos com os pés sem
pensar em nada — disse Atlan.
— O besouro tem uma vantagem. Nasceu desse tamanho — respondeu Mory. —
Está acostumado a isso. Adaptou seus hábitos ao tamanho do corpo. Conosco não é
assim.
— Os terranos são uma raça capaz de adaptar-se às circunstâncias — disse Atlan
em tom irônico. — Quem sabe se não fomos escolhidos para fundar uma colônia de
micro-homens neste vale?
Rhodan levantou-se.
— Devo informá-los de que já tenho um plano — disse. — O senhor sabe que
recentemente foram incluídos quinze aviões de tipo especial em nosso equipamento.
Estes aviões são movidos por jato-propulsão em base química.
— Refere-se aos Oldtimer? — perguntou Mory.
— É como o povo costuma chamar este tipo de aparelho — confirmou Rhodan. —
Os aviões têm corpo delgado e asas em flecha, em cujas pontas ficam os jatos-
propulsores e direcionais.
Já fazia vinte anos que os aviões a que Rhodan acabara de aludir pertenciam ao
equipamento das espaçonaves que tinham de cumprir missões especiais. Eram capazes de
pousar e decolar na vertical. Tinham 26 m de comprimento e sua velocidade chegava a
3,2 mach.
— Tenho uma pergunta, senhor — disse Melbar Kasom, que se encontrava nos
fundos da sala de comando. — Acho que o senhor quer tentar chegar à estação do pólo
sul com estas máquinas. Suas instalações químicas e elétricas ainda estão funcionando.
Apesar disso seu plano está condenado ao fracasso. Os Oldtimer foram submetidos ao
processo de redução, e assim, têm vinte e seis milímetros de comprimento. Acredita
realmente que poderá chegar ao pólo sul com aviões deste tamanho?
— Isso é uma boa pergunta — disse Rhodan. — Já pensei nisso e discuti o assunto
com Icho Tolot. Tolot, faça o favor de expor sua teoria.
— O raio de ação desses aviões, com todos os tanques cheios e a tripulação máxima
admissível, que é de cinco pessoas chega, nas condições terranas, a treze mil e
quatrocentos quilômetros — disse Tolot. — Resta saber se apesar da redução que
sofreram estes aparelhos ainda têm, ao menos aproximadamente, a mesma velocidade
que desenvolviam na Terra, com seu tamanho natural. Acho que posso dar resposta
afirmativa a esta pergunta.
O engenheiro-chefe, Major Hefrich, soltou uma expressão de incredulidade.
Tolot levantou os braços de salto, num gesto tranqüilizador.
— O que vou dizer não é apenas o resultado dos meus cálculos, mas foi confirmado
pelo computador positrônico matelógico. Não há dúvida de que a velocidade das
partículas expelidas pelos jatos-propulsores não foi afetada pelo processo de redução. O
empuxo dos propulsores, que normalmente chega a dezoito mil e quinhentos quilômetros
por motor, deve ter baixado, mas isso aconteceu proporcionalmente à massa do avião,
que também sofreu uma redução.
— Isso deveria ser experimentado na prática — disse Rhodan. — Incumbi o
Capitão Don Redhorse de fazer um vôo de teste extenso com quatro homens. Neste
momento Redhorse está escolhendo as pessoas que o acompanharão.
Hefrich abanou lentamente a cabeça.
— Seu regresso nos trará mais uma decepção — disse.
— Pense nos insetos — disse Icho Tolot. — Em sua maioria desenvolvem uma
velocidade muito maior do que seria de supor diante do tamanho de seu corpo. Tenho
certeza de que os Oldtimer atingirão pelo menos a velocidade de 2 mach.
— Por que não afirma logo que as máquinas continuam a desenvolver velocidade
três vezes superior à do som? — perguntou Atlan com uma ponta de sarcasmo.
— É muito simples — respondeu o halutense em tom sério. — A redução da massa
infelizmente não acarreta uma redução proporcional da resistência do ar. Esse fato anula
parte do desempenho efetivo.
— De qualquer maneira vamos tentar — decidiu Rhodan. — Se Tolot tiver razão,
seremos capazes de atingir a estação do pólo sul. O intendente-chefe, Major Bernard, já
preparou uma série de armas químicas modernas, com as quais serão equipados os
Oldtimer, caso o teste seja bem sucedido. Naturalmente o grupo do Capitão Redhorse
também receberá estas armas, pois sempre existe a possibilidade de um ataque.
A idéia de que um avião de 26 mm de comprimento pudesse ser atacado de forma
alguma era absurda. Na superfície de Horror poderia haver outras formas de vida
inteligentes, que também tivessem sido submetidas ao processo de redução.
— Tomara que a fortaleza voadora não volte a aparecer — observou Atlan.
— Não deve representar um grande perigo para os aviões — respondeu Rhodan.
Dessa forma pelo menos o teste de vôo estava decidido. Não havia ninguém a bordo
da nave que fosse contra essa ação desesperada.
***
O Major Curt Bernard lançou um olhar triste para a carabina automática que se
encontrava sobre o balcão, bem à sua frente. Examinou os tambores de munição, cada
qual com sessenta projeteis.
— São os projéteis minifoguete — disse, dirigindo-se a Lope Losar, que estava
carregando cuidadosamente uma pistola com pentes duplos de vinte tiros cada um. — A
detonação dos projéteis é efetuada de forma puramente mecânica, mediante percussão. O
calibre dos projéteis é de seis milímetros... — Calou-se, pois começou a sentir-se
inseguro ao dar-se conta de que o tamanho da redução também fora reduzido mil vezes.
— Já sei, senhor — disse Losar em tom indiferente. — Pertenço ao grupo dos
encarregados de armamentos.
O intendente-chefe empurrou um documento sobre o balcão.
— Assine este recibo! — ordenou.
Losar olhou para as armas.
— Queira desculpar, senhor — disse — mas tenho a impressão de que o Capitão
Redhorse requisitou o dobro desta quantidade.
Bernard olhou para a requisição do capitão como se nunca a tivesse visto. Arregalou
os olhos, dando a entender que estava espantado. Losar esforçou-se para não sorrir.
— Muito bem — disse Bernard.
Finalmente, bastante contrariado, entregou ao encarregado de armamentos mais
alguns pacotes de munições.
Losar guardou tudo nos bolsos.
— Já apareceu alguém antes de mim, senhor? — perguntou.
A idéia de que outros astronautas pudessem aparecer para dizimar as provisões
parecia preocupar Bernard. Passou as mãos pelo balcão.
— Por que faz essa pergunta? — indagou.
Losar enfiou o pente na pistola. Fez isso com movimentos seguros, sem olhar para a
arma.
— Gostaria de saber quem vai, além do Capitão Redhorse e de mim — respondeu
com a voz tranqüila.
Neste instante a porta do corredor abriu-se e Oleg Sanchon entrou.
— Será que o senhor também quer armas de tipo especial? — perguntou Bernard
em tom preocupado.
Sanchon dava a impressão de que iria pegar no sono a qualquer momento. Losar
fitou-o com uma expressão de curiosidade.
— Aqui está a requisição — disse Sanchon. — Faça o favor de entregar as armas e
as respectivas munições, senhor.
Bernard olhou primeiro para Losar e depois para Sanchon.
— São as mesmas armas — resmungou em tom contrariado. — Pretendem matar
caça de grande porte?
Losar franziu a testa, ao ver Sanchon inclinar-se preguiçosamente sobre o balcão.
— Quer dizer que é o segundo homem do grupo — disse em tom frio.
Oleg Sanchon levantou as sobrancelhas.
— Sou — limitou-se a dizer.
Losar estendeu-lhe a mão.
Dali a um minuto entrou Into Belchman, e o Major Bernard, que se sentia
desesperado, teve que dizimar pela terceira vez o conteúdo das prateleiras que gostaria de
ver cheias até as bordas.
***
“Sim”, pensou Redhorse com uma expressão sonhadora no rosto, “o problema é
Aybron.”
Em relação a Zantos Aybron a decisão era muito difícil. Como se poderia saber se
um homem que parecia não ter sentimentos tinha ou não tinha medo?
“Já estou chamando a atenção”, pensou Redhorse. “Faz uma hora que estou
parado na seção astronômica, sem ter motivo para isso.”
Ficou observando Aybron, que ainda se mantinha ocupado comparando diversas
fotografias.
Lope Losar, Oleg Sanchon e Into Belchman já tinham sido informados. Tinham
passado pelas provas duras a que Redhorse os submetera. Mas Aybron parecia capaz de
subtrair-se a qualquer prova, até mesmo uma prova secreta. Era difícil avaliar o homem
de costas de prata. Zantos Aybron era um tipo pequeno e corpulento. Tinha grandes olhos
escuros, que para surpresa de Redhorse não exprimiam qualquer sentimento.
Redhorse fez de conta que estava estudando um mapa cósmico pendurado na
parede. Fazia votos de que finalmente Aybron fosse levantar e fazer outra coisa que
facilitasse a observação de sua vida psíquica. Mas o astrônomo não parecia interessar-se
por nada além de suas fotografias.
“Que diabo”, pensou Redhorse numa súbita resolução. “Vou falar com ele.”
Sem perceber, respirou aliviado e sentiu-se menos tenso. Não podia esperar mais.
Os preparativos da decolagem da F-913 G estavam quase concluídos.
O Capitão Redhorse aproximou-se da mesa junto à qual estava sentado Aybron. O
astrônomo só levantou os olhos quando Redhorse colocou a mão morena sobre a pilha de
fotografias que haviam sido classificadas.
— Que houve, capitão? — perguntou em tom sério. — Quer tomar umas aulas de
astronomia?
A idéia de ter à sua frente um homem mortalmente enfermo deixou Redhorse
fortemente abalado, mas o mesmo não teve a menor dificuldade em esboçar um sorriso.
— Estou observando o senhor há uma hora — disse sem rebuços.
— É mesmo? — Estas palavras, proferidas às pressas, foram seguidas por uma
risada seca, de que Redhorse não gostou nem um pouco.
— Gostaria de participar do teste de vôo? — perguntou Redhorse.
— Sou astrônomo — respondeu Aybron.
Redhorse explicou em palavras rápidas do que se tratava. Quando concluiu, Aybron
levantou-se. Uma corcunda quase imperceptível era o único sinal de aleijão que
desfigurava seu corpo.
— Estou nessa, capitão — disse Zantos Aybron.
Redhorse hesitou em estender a mão para o astrônomo. Quando resolveu fazê-lo,
sentiu a mão fria e úmida de Aybron descansada na sua.
“Sim”, voltou a pensar Redhorse, “o problema é Aybron.”
***
A três usinas de emergência foi conduzida para a plataforma elevatória prevista para
situações especiais, com a qual o avião seria levado ao chão. A plataforma rangeu
levemente ao sair do hangar e deslizou em direção ao solo.
Redhorse ajeitou-se na poltrona do piloto. Lembrou-se das últimas palavras de
Rhodan. O Chefe o prevenira de que deveria voltar assim que o teste fosse concluído,
fosse qual fosse o resultado do mesmo.
A tensão nervosa de Redhorse diminuíra bastante. A idéia de estar novamente no
interior de um veículo voador que funcionava era tranqüilizadora.
O capitão olhou para trás. Lope Losar exercia as funções de co-piloto, enquanto
Sanchon se incumbira dos trabalhos de mecânico e Into Belchman estava sentado atrás
dos comandos dos disparadores de foguete do Oldtimer.
Zantos Aybron cuidava do rádio. Do lugar em que se encontrava, Redhorse não via
o astrônomo.
A F-913 G tocou o solo.
Redhorse nem se lembrava mais de que se encontrava num minúsculo avião de
apenas 26 mm de comprimento. Esqueceu-se de que ele mesmo só tinha 1,9 mm de
altura, formando apenas uma pequenina partícula de pó na superfície do terrível planeta.
— Losar — disse em voz penetrante.
— Tudo em ordem, capitão.
Os dois jatos-propulsores fixados nas pontas das asas foram colocados em posição
vertical relativamente ao solo. Redhorse passou os olhos pelos controles.
— Sanchon.
— Pronto, senhor.
Redhorse acionou a ignição. A máquina começou a vibrar. O mundo que os cercava
parecia mergulhar na fumaça. O estrondo e rugido dos jatos-propulsores produziu uma
pressão surda nos ouvidos do capitão.
— Belchman — disse este, estreitando os lábios.
— Preparado, senhor — disse o médico.
— Aybron.
— Tudo preparado, capitão. Era uma voz fria e indiferente, a voz de um estranho.
O Oldtimer ergueu-se da superfície, subiu na vertical enquanto o coração de
Redhorse começou a bater mais depressa. Os propulsores foram voltando lentamente à
posição horizontal e o avião ganhou velocidade.
Don Redhorse acelerou. O F-913 G precipitou-se em direção às montanhas.
Redhorse sentiu o sangue martelar nas têmporas. Lançou um olhar nervoso para o
velocímetro.
— Está funcionando! — gritou em tom de surpresa. — Tolot tem razão.
O Oldtimer corria para as montanhas distantes como um projétil. Corria para a
desgraça.
***
Rhodan sabia perfeitamente que todas as pessoas que se encontravam na sala de
comando olhavam para ele, à espera de que o Oldtimer estabelecesse contato pelo rádio.
Talvez os homens imaginassem que seu destino seria decidido naqueles instantes. Tudo
dependia que o teste fosse coroado de êxito.
— Redhorse falando — disse uma voz fraca saída do alto-falante.
— Posso ouvi-lo, capitão — respondeu Rhodan imediatamente. — Fale, por favor.
— A decolagem foi normal — informou Redhorse. — Já nos encontramos a seis
mil metros de altura.
Alguém que se encontrava bem atrás de Rhodan e tinha ouvido tudo deu uma risada
estridente. Rhodan sabia que a reação tinha sido causada pela indicação de altitude. Na
verdade, os seis mil metros a que Redhorse acabara de aludir eram somente seis metros.
Dali a pouco Redhorse voltou a falar.
— Estou acelerando.
Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça, dando a impressão de que sua voz
poderia representar um perigo para o êxito do teste.
— Aproximamo-nos das montanhas ao norte e... — A voz de Redhorse silenciou de
repente.
— Capitão! — gritou Rhodan. — Capitão! Não posso ouvi-lo!
A voz do oficial voltou a soar mais uma vez. Parecia vir de muito longe.
— ...Foguetes... tingidos... conforme previsto... Depois passou a reinar o silêncio. O
receptor nem sequer transmitiu o ruído das interferências. As mãos de Rhodan crisparam-
se em torno do microfone. As juntas ficaram brancas. Era obrigado a dizer à tripulação
que acontecera alguma coisa com a qual ninguém contara nesse teste de vôo. O Oldtimer
fora atacado.
Rhodan viu os rostos curiosos que o cercaram.
— O teste fracassou — disse em tom calmo.
2

O Capitão Redhorse conseguiu desviar-se de sete dos oito foguetes disparados, mas
o oitavo atingiu o F-913 G e abalou-o profundamente. As montanhas começaram a
dançar embaixo de Redhorse enquanto o aparelho tombava de lado. Redhorse segurou
obstinadamente o manche de direção. Ouviu um crepitar vindo de trás e sentiu o cheiro
dos cabos queimados.
— Fomos atingidos no corpo do avião — anunciou Lope Losar. — Junto ao
propulsor traseiro do lado esquerdo.
Redhorse conseguiu controlar o avião e o fez subir quase na vertical junto às
montanhas. Os pensamentos atropelavam-se em sua cabeça. Os foguetes tinham sido
disparados do topo das montanhas Torta de Areia.
— O avião pegou fogo! — gritou Belchman.
Redhorse olhou da carlinga para fora. Havia uma trilha de fumaça atrás do avião. O
avião perdia velocidade rapidamente. Naquele momento sobrevoavam os topos das
montanhas situadas ao norte. A paisagem que se estendia embaixo deles transformou-se
num quadro fantasmagórico cinzento.
— Não consigo contato com a Crest — disse Aybron.
Redhorse mordeu o lábio. Nem sequer tinham possibilidade de informar Rhodan de
que o Oldtimer realmente era capaz de atingir o dobro da velocidade do som.
— Preparar para saltar! — ordenou.
De repente o Oldtimer perdeu a altura. O leme de altitude falhou. Redhorse
catapultou a carlinga do aparelho. O vento bateu em cheio em seu corpo.
Redhorse bateu no ombro de Losar e apontou com o polegar para cima. Losar não
perdeu tempo. Catapultou-se para fora da máquina em chamas. O F-913 G precipitava-se
em direção à superfície. Belchman, Sanchon e Aybron catapultaram-se para fora do avião
com pequenos intervalos. O teste de vôo chegara ao fim antes de começar de verdade. A
máquina ameaçava cair. Redhorse estava muito tenso no assento do piloto.
Provavelmente o suprimento de combustível fora interrompido. Por um ligeiro instante
Redhorse viu um pára-quedas inflado passar embaixo dele. Devia ser Losar.
Redhorse compreendeu que o avião estava perdido. Comprimiu o botão de
catapultagem. Foi atirado para fora da carlinga. O F-913 G foi caindo embaixo dele,
envolto em fogo e fumaça. A máquina produzia um assobio estridente ao cortar o ar.
Redhorse fechou os olhos e abriu o pára-quedas.
Ouviu o estrondo de uma explosão quando o avião bateu nas rochas. Se tivesse
demorado mais dez segundos em sair, estaria perdido.
Abriu os olhos e viu dois pára-quedas nas imediações, que se aproximavam das
fraldas das montanhas situadas do outro lado do vale. O terceiro pára-quedas estava mais
longe. Devia ser Losar, que quase tinha atingido o solo. Os destroços do Oldtimer ardiam
embaixo de Redhorse.
O quarto pára-quedas entrou no campo de visão de Redhorse, pendulando entre as
nuvens de fumaça que subiam. O capitão respirou aliviado. Ao que parecia, todos tinham
sobrevivido ao salto. Ninguém parecia pensar em atirar neles.
Don Redhorse virou a cabeça para observar os topos das montanhas. Para o norte as
construções de uma fortaleza cobriam o platô que formava o cume de uma das montanhas
da Serra Torta de Areia. Esta fortaleza era bem diferente da cidade de pedras Tata, que o
capitão vira no primeiro nível do planeta oco.
Por ali arquitetos desconhecidos tinham erguido uma construção imponente, uma
figura compacta com muralhas altas e grossas torres. Redhorse lembrou-se de que na
verdade a fortaleza construída nas montanhas ficava numa colina de oito metros de altura.
Aos olhos de um homem normal quase deveria parecer um brinquedo. O oficial apressou-
se em reprimir estes pensamentos, pois sabia que os mesmos acabariam por levá-lo à
loucura.
Segundo os cálculos de Redhorse, chegaram à superfície a cerca de sete quilômetros
da fortaleza. O capitão não tinha a menor dúvida de que o avião fora derrubado pelos
habitantes da cidade construída nas montanhas.
A superfície foi-se aproximando. Redhorse viu que já estavam à sua espera. Uma
dezena de robôs estranhos com cabeças muito grandes estavam reunidos no provável
local de pouso.
Losar, que foi o primeiro a tocar o solo, foi cercado imediatamente pelas figuras
horríveis. Redhorse respirou aliviado ao ver que o encarregado de armamentos teve
bastante bom senso para não oferecer resistência.
Os robôs cercaram Lope Losar e o levaram. O pára-quedas e o assento ficaram nas
montanhas, sem que ninguém lhes desse atenção. Belchman, Sanchon e Aybron tiveram
o mesmo destino.
Redhorse nem tentou puxar as cordas para mudar de direção. Os robôs eram tantos
que seria impossível escapar dos mesmos.
Quando se encontrava a vinte metros do solo, os mesmos saíram correndo para o
lugar em que ele desceria. Redhorse já podia ver os robôs de perto. Possuíam duas pernas
curtas com uma junta esférica mais grossa, que terminava num tronco oval. Este corria
em cone para cima, até atingir o pescoço, onde voltava a alargar, para dar apoio à grande
cabeça. Ao contrário dos corpos, as cabeças dós robôs pareciam bastante complicadas. Os
crânios eram cobertos por uma infinidade de lentes, antenas e estranhas aberturas.
Os movimentos dos robôs eram pesados e bem mais lentos que os de um ser
humano. Da mesma forma que a fortaleza, certamente tinham sido atingidos pelo
processo de redução há tempos imemoriais.
Redhorse tocou o chão. Pôs-se de pé imediatamente e viu-se cercado por sete robôs.
Viu que os crânios dos robôs tinham sido cuidadosamente colocados numa depressão do
pescoço. Concluiu que as cabeças deviam ser muito sensíveis aos choques.
Provavelmente a medida tinha por fim absorver os abalos, quando os robôs se
movimentassem pelo terreno acidentado das montanhas.
Ficou espantado ao notar que ninguém lhe tirou a arma. Viu seus companheiros, que
caminhavam em direção à cidade, cercados por um grupo de robôs.
Redhorse perguntou-se se ao chegar lá se encontraria com os verdadeiros donos da
cidade, ou se apenas se defrontaria com os remanescentes inteiramente mecanizados de
uma civilização extinta há muito tempo. Parecia haver uma comunicação silenciosa entre
os robôs. Duas das estranhas criaturas colocaram-se uma de cada lado do capitão e de
forma delicada, mas enérgica obrigaram-no a subir o morro. O terceiro colocou-se logo
atrás de Redhorse, enquanto os outros se afastavam em silêncio.
O cheiene nem se esforçou para descobrir o que pretendiam fazer com ele. Era
pouco provável que quisessem matá-lo, pois poderiam ter feito isso no lugar em que ele
saltara. O fato de que a Crest II não se encontrava tão longe da fortaleza que ele e seus
companheiros não pudessem atingi-la deu-lhe esperanças de que conseguiria um meio de
libertar-se.
Redhorse esperava que dentro em breve voltaria a reunir-se com seus
companheiros. Felicitou-se por ter escolhido os mesmos com tanto cuidado. Nenhum dos
quatro astronautas que o acompanhavam perderia o controle dos nervos na situação em
que se encontravam. Até então todos haviam se comportado da forma que Redhorse
esperava. Ninguém se descontrolara ao ser preso nem começara a disparar.
O caminho que os robôs seguiram era íngreme e penoso. Constantemente eram
obrigados a contornar desfiladeiros profundos ou desviar-se de depressões no solo.
Redhorse não demorou a descobrir que para ele isso se tornava muito mais fácil que para
os robôs que o vigiavam. Sempre que uma das maquinas cambaleava, tentava proteger a
cabeça.
Do ponto de vista de uma pessoa com menos de dois milímetros de altura, a
fortaleza tinha cerca de cem metros de comprimento por cinqüenta de largura.
Redhorse compreendeu por que a cidade não podia ser vista da Crest. A nave estava
muito próxima das montanhas do norte, estando colocada num ângulo cego. Conforme as
circunstâncias isso poderia ser uma vantagem para a tripulação, pois era perfeitamente
possível que, se fosse avistada, a espaçonave teria sido atacada pelos seres que se
encontravam na fortaleza.
Além disso a cidade de pedras ficava numa grande depressão que se abria no platô
de rocha. Possuía seis torres ao todo, quatro das quais situadas nas extremidades
exteriores da cidade, enquanto as outras duas se erguiam dentro das muralhas. Estas eram
de um amarelo sujo. Deviam ser muito velhas, pois mostravam os sinais do vento, da
chuva, do sol e do frio. Quando se encontravam mais perto da fortaleza, Redhorse não
conseguiu reprimir um calafrio. Aquilo era o sinal de uma antiqüíssima cultura
desconhecida. Tudo era estranho, misterioso, amedrontador. Tratava-se de um mistério
entre milhões que o Universo parecia guardar para a Humanidade, para que a mesma
tivesse plena consciência do poder e da impotência de uma raça de astronautas.
Será que os robôs ainda guardavam uma recordação do tempo em que tinham mil
vezes o tamanho atual? Redhorse tinha suas dúvidas. De repente teve a impressão de que
a fortaleza era um gigantesco mausoléu, um sinal indestrutível da luta desesperada pela
vida, que se tornara pequena e insignificante, mas nem por isso deixava de ser uma
advertência muda contra todas as formas de opressão.
Dali a uma hora estavam entrando no pátio de uma das torres.
***
Estavam de pé, lado a lado; junto a uma parede coberta de musgo e líquens, cinco
homens no uniforme verde-oliva da Frota Solar. Quatro deles estavam com as mãos
cruzadas nas costas, enquanto o quinto, cujas costas eram feitas de aço prateado, deixou
os braços caídos.
Suas armas estavam atiradas no chão.
O pátio tinha dez por dez metros, e o chão era de terra batida. A passagem para a
torre estava fechada por uma porta metálica enferrujada. Dois robôs montavam guarda na
entrada do pátio.
— Chegamos — disse Belchman, rompendo o silêncio que tinha sido guardado
desde a chegada de Redhorse. — Derrubaram-nos, para em seguida prender-nos e
arrastar-nos até aqui. Cá estamos, à espera do que queiram fazer conosco.
Losar deu uma cuspidela. O encarregado de armamentos era o mais velho do grupo.
Orgulhava-se por ser capaz de usar qualquer arma portátil de fabricação terrana com os
olhos fechados. E suas mãos pareciam desajeitadas.
— Senti uma coceira tremenda nos dedos, quando toquei o solo antes dos outros —
disse. — Pensei que estivessem tramando alguma patifaria.
Sanchon exibiu um sorriso forçado e o traço arrogante em torno dos cantos da boca
acentuou-se. Não disse nada. Aybron também se manteve em silêncio. Seus olhos
grandes pareciam perceber qualquer movimento, por menor que fosse. Nada escapava a
esses olhos, que até pareciam ser capazes de vasculhar as profundezas da alma humana.
Belchman arranhou o chão com a ponta da bota.
— Podemos fugir — observou como que ao acaso. — Os dois caras que estão na
entrada não nos deterão.
— Pois eu seria a favor da fuga, mesmo que fossem vinte — disse Losar em tom
contrariado.
— Vamos esperar — decidiu Redhorse. — Precisamos descobrir o que está
acontecendo por aqui. Esta fortaleza domina todo o vale. Quem se encontra aqui pode
derrubar qualquer caça-bombardeio que tente decolar. Isto já é motivo suficiente para
darmos uma olhada.
— Sem duvida — confirmou Sanchon. — Estou interessado em saber o que há atrás
destas muralhas.
Redhorse acreditava que dentro em breve alguém viria buscá-los para levá-los para
o interior da torre. Ao que tudo indicava, ainda estavam discutindo seu destino.
— Que acha, capitão? Será que aqui existem outros seres além dos robôs? —
Belchman formulara a pergunta em tom indiferente, mas o índio cheiene sentiu a tensão
com que todos aguardavam sua resposta.
— Logo saberemos — respondeu em tom discreto.
Estava acompanhado por quatro homens estranhos, que só pareciam ter uma coisa
em comum: não sabiam o que era ter medo.
Redhorse estalou a língua bem baixinho. Era mesmo um idiota por continuar a
pensar nas peculiaridades desses homens. Ele mesmo não era uma exceção, um esquisitão
que ocupava uma posição especial?
— Vamos chamar esta fortaleza de Llalag — disse Redhorse de repente.
Llalag, repetiu para si. Tratava-se de um mito sangrento dos índios das montanhas
do norte da América, que acabara de transformar-se numa realidade medonha no espaço
situado entre as galáxias. Llalag — o reino dos mortos.
A porta da torre abriu-se, rangendo fortemente. Dez robôs saíram. Carregavam
armas nas mãos grosseiras.
Um dos robôs recolheu as carabinas automáticas dos terranos. Ao abaixar-se,
mantinha a cabeça erguida. Nem viu as pistolas pesadas que os homens traziam nas botas.
As armas dos outros nove habitantes da fortaleza estavam ameaçadoramente apontadas
para os prisioneiros.
— É o comando de execução — observou Lope Losar. — Acho que devemos fazer
alguma coisa antes que eles resolvam encostar-nos a este muro sombrio e fuzilar-nos.
As armas foram levadas. Redhorse observou atentamente os dez robôs. Pretendia
dar ordem de atirar assim que notasse que as previsões de Losar se confirmavam.
Um dos robôs adiantou-se e fez um gesto imperativo em direção à porta da torre,
que continuava aberta. Redhorse não perdeu tempo; obedeceu à ordem inequívoca. Sabia
perfeitamente que as chances de fuga seriam mais reduzidas se penetrassem nas
profundezas da fortaleza. Mas sem isso não teriam possibilidade de destruir as armas com
as quais os robôs ou seus donos dominavam o vale.
Ao entrar na torre, Redhorse ouviu um rugido surdo que parecia sair das
profundezas da montanha. Parecia ser produzido por um conjunto de máquinas
subterrâneas. O primeiro pavimento da torre era iluminado por lâmpadas incandescentes.
— Eletricidade — cochichou Redhorse para Belchman, que vinha logo atrás dele.
— Certamente é gerada em usinas convencionais.
As grossas muralhas estavam revestidas por placas. Em toda parte havia pedaços de
revestimento quebrados. Só em alguns lugares via-se o brilho da tinta primitiva. Não
havia qualquer peça de mobília. Cabos grossos passavam embaixo do teto. Um corredor
estreito e sinuoso subia à ponta da torre. Não havia degraus, apenas depressões semi-
esféricas alternadamente cavadas no chão.
Os robôs obrigaram os prisioneiros a prosseguir. Passaram por um corredor escuro e
saíram da torre. Ouviu-se o zumbido de instalações, vindo não se sabia de onde. O chão
em que pisavam os pés de Redhorse era molhado e escorregadio. Em toda parte viam-se
formações de mofo. Ao que parecia, os corredores eram usados raramente.
Os robôs levaram os terranos a um enorme salão, dividido em três partes. Estas
partes eram separadas por enormes barras de ferro, que serviam para apoiar os telhados
baixos. O salão estava entulhado de tachos metálicos e tubos. Guindastes automáticos
deslizavam silenciosamente embaixo do telhado, levando suas cargas. Em toda parte
viam-se os arcos luminosos das soldadoras elétricas. Uma bruma azulada parecia encher
o recinto. O ar era seco e quente.
Uma plataforma feita de grades metálicas cercava o salão. Havia pequenas
plataformas elevatórias, capazes de levar qualquer carga à plataforma circular.
Os robôs levaram os prisioneiros a uma das plataformas. A mesma mal e mal tinha
lugar para os cinco terranos.
— Não estou gostando, capitão — observou Losar enquanto estavam sendo levados
para cima. — Por que será que eles resolveram deixar-nos sozinhos de repente?
Redhorse limitou-se a apontar para a plataforma, onde outro grupo de robôs estava à
sua espera. À medida que subiam, Redhorse teve uma visão de conjunto mais ampla do
salão.
De repente viu o animal.
Estava deitado no centro do salão, num gigantesco recipiente cônico que parecia
uma enorme banheira, cheia de um líquido esverdeado. O grande corpo cor de rosa do
animal tinha o aspecto de uma enorme esponja. Tratava-se de uma massa pulsante com
pernas tortas e olhos quase invisíveis.
De todos os lados partiam tubos e cabos que iam terminar no corpo monstruoso.
Dezenas de robôs manipulavam os comandos em torno do recipiente.
Redhorse ouviu Belchman soltar um gemido, enquanto Sanchon dizia com a voz
sufocada:
— Que coisa horrível!
A plataforma parou de repente. Os cinco homens tiveram de saltar para cima da
galeria, onde foram recebidos por sete robôs.
— O que é aquilo lá embaixo? — perguntou Losar.
— Uma mutação — provavelmente — respondeu Redhorse. — Ainda se consegue
identificar as pernas e os olhos. O resto foi encoberto.
— Será que aquilo vive? — perguntou Belchman.
Redhorse contemplou o corpo convulsivo com uma expressão pensativa. Bem que
gostaria de poder responder com um não terminante.
— Será que possui inteligência? — perguntou Losar.
Redhorse sacudiu a cabeça.
— É impossível — respondeu. — Nenhum ser inteligente seria capaz de resistir a
isso sem enlouquecer. Trata-se de um animal levado a esse estado para algum fim
desconhecido.
Acompanhou os tubos que partiam do corpo do monstro. Todos eles levavam para o
interior da fortaleza. De vez em quando robôs aproximavam-se do recipiente e
derramavam um pó claro contido em grandes conchas.
Redhorse e seus companheiros caminharam pela galeria e chegaram ao lado oposto
do salão.
“Por que”, perguntou-se o capitão, “os habitantes da fortaleza mantinham vivo este
monstro?” Começou a ter suas dúvidas de que os robôs realmente eram os donos da
fortaleza.
Certamente Llalag era governada por outros seres. Redhorse acreditava que num
tempo não muito longo se encontrariam com os mesmos.
De repente um dos sete guardas parou subitamente à sua frente. Redhorse quase
chegou a esbarrar no mesmo. O robô foi cercado imediatamente pelas outras maquinas.
Os homens observaram atentamente quando a cabeça do robô foi retirada com todo o
cuidado da depressão existente no pescoço. Um dos guindastes aproximou-se. Os robôs
prenderam o corpo inutilizado do indivíduo de sua espécie ao suporte magnético do
guindaste e este foi saindo. Redhorse viu o corpo sem cabeça do robô ser descarregado
num recipiente. A cabeça foi carregada por outro robô.
Pela primeira vez o Capitão Don Redhorse teve a idéia de que a cabeça e o corpo
dessas máquinas poderiam ser duas coisas completamente diferentes. Os corpos
metálicos eram tratados sem a menor consideração, enquanto as cabeças quase chegavam
a ser veneradas.
Diante da relação entre o tamanho da cabeça e do corpo, deveria ser exatamente o
contrário.
Chegaram ao fim da galeria e foram obrigados a descer em outra plataforma. Mais
uma vez havia alguns robôs à sua espera. Tiveram de subir na plataforma de carga de um
carro elétrico, que aparentemente era dirigido por controle remoto. Mal estavam sentados,
quando o carro partiu com um forte solavanco. Um segundo veículo seguiu-os a dez
metros de distância, com oito robôs armados a bordo.
— Todo o conforto para os prisioneiros — disse Belchman numa espécie de humor
fúnebre.
Passaram por um portão e entraram num pátio amplo. Por ali não se via nenhum
sinal da decadência que reinava em torno. O chão era firme e as paredes dos diversos
edifícios pareciam limpas. Em toda parte viam-se tubos que ligavam os diversos
edifícios. A cortina sonora era parecida com a de uma grande fábrica. Chaminés baixas
expeliam fumaça.
Redhorse aspirou fortemente o ar.
— Óleo disse. — Parece que suas usinas de eletricidade são movidas a óleo que eles
devem ter encontrado em depósitos subterrâneos.
Passaram por um pavilhão aberto. Redhorse viu milhares de corpos de robôs
depositados no mesmo. Em sua maioria estavam enferrujados. Não viu uma única cabeça.
— É um cemitério de robôs — observou Sanchon em tom seco. — Quem sabe se
em breve não seremos também trazidos para cá?
Lope Losar lançou um olhar zangado para o carro que os seguia. Bateu na bota, em
cujo interior estava escondida a pistola.
— Há algo de errado por aqui — disse. — Parece que tudo está funcionando? Fico
me perguntando para quê, se por aqui só existem estes robôs?
— Não são robôs — disse Aybron com a voz calma.
Os outros fitaram-no com uma expressão de espanto.
— O que quer dizer com isso? — perguntou Redhorse, dirigindo-se ao astrônomo
que até então se mantivera em silêncio.
— O senhor diria que eu sou um robô, só porque minhas costas são de aço? —
perguntou Aybron.
— Nem pensamos nisso — disse Redhorse em tom calmo.
O veículo parou. Aybron não teve tempo para responder, pois o carro que vinha
atrás deles também tinha parado. O solavanco atirara um dos desajeitados robôs para fora
da plataforma de carga.
Seu corpo tombou. A cabeça bateu fortemente no chão e abriu-se. Os outros robôs,
que pareciam paralisados de susto, permaneceram em cima do carro elétrico.
Uma massa cinzenta saiu da cabeça rachada do robô. Redhorse teve um calafrio.
Ouviu Belchman soltar um gemido.
— Já compreende por que digo que eles não são robôs? — perguntou Aybron.
3

— Podemos admitir com uma razoável dose de segurança de que a máquina


pilotada por Redhorse caiu atrás dessas montanhas — disse Rhodan. — Dali se conclui
que o vale é controlado a partir de uma das montanhas. No momento a saída de outro
Oldtimer seria muito perigosa.
— Talvez os homens se tenham salvo saltando de pára-quedas — conjeturou o
Coronel Rudo. — O simples fato de não termos conseguido estabelecer contato pelo
rádio não nos deve levar a desistir. Caso estejam vivos, levarão algum tempo para chegar
do lado de cá da montanha. Só depois disso poderemos estabelecer contato de rádio com
os recursos de que dispomos no momento.
Logo aqui tiveram de encontrar-se com sobreviventes da guerra. Rhodan tinha suas
dúvidas de que na superfície de Horror ainda houvesse muitos sobreviventes da guerra
devastadora travada há tempos imemoriais entre os seres que habitavam a superfície e os
pensadores instalados no terceiro nível do mundo oco.
Atlan formulou uma pergunta que todos traziam na ponta da língua.
— O que vamos fazer? Aguardar a chegada da nave de suprimentos? De que forma
eles nos encontrariam aqui?
— No momento não vale a pena fazer outro teste de vôo. Precisamos esperar até
que saibamos quem atirou no Oldtimer. — Rhodan fez um gesto. — Parece que lá em
cima alguém só está esperando que alguma coisa se mexa no vale. Pouco importa que os
seres que dominam o vale também tenham sido submetidos ao processo de redução.
— A tripulação está cada vez mais nervosa — disse Mory. — Três homens já
sofreram uma depressão aguda e estão em tratamento.
— O número ainda aumentará — profetizou Melbar Kasom. — Nenhum ser
humano consegue conviver por muito tempo com a idéia de ter menos de dois milímetros
de altura. Podemos dar-nos por satisfeitos porque no momento não existe nenhuma base
de comparação. Assim que aparecerem os superseres que na verdade não passam de
criaturas humanas normais, a situação se agravará.
Rhodan sabia que o ertruso tinha razão. Lembrava-se perfeitamente do desespero
que sentira quando Atlan, Tolot e Shenon atravessaram as montanhas em forma de
monstro. Um caos terrível devia dominar a mente dos homens. Era bem verdade que
estavam acostumados a confrontar-se com o incrível, mas tudo tinha seus limites.
Além disso havia a dúvida martirizante sobre se o processo de redução realmente
tinha chegado ao fim. Afinal, não se poderia excluir a possibilidade de a influência da
estação do pólo sul produzir uma diminuição ainda mais acentuada do tamanho dos
objetos e dos seres vivos.
Onde, perguntavam-se os astronautas terranos, poderia haver um fim no Universo
infinito?
Será que um homem poderia diminuir de tamanho, até ficar reduzido a um nada?
Será que a palavra nada era adequada para designar um ser capaz de pensar e sentir?
Rhodan sentiu as garras frias do pavor apoderar-se de sua mente. Levantou os olhos
e viu a figura enorme de Icho Tolot parada à sua frente.
A calma do halutense era uma coisa na qual a gente podia agarrar-se.
Há muito, muito tempo Rhodan sentia que também era somente uma criatura
humana, que de vez em quando precisava de um apoio.
4

A modificação no comportamento dos robôs manifestou-se assim que fizeram os


primeiros movimentos, depois do estado de rigidez em que subitamente tinham entrado
após o acidente.
Enquanto Redhorse ainda olhava todo atordoado para a massa cerebral que saía do
crânio arrebentado, os robôs saltaram de cima do carro.
— Cuidado! — gritou Belchman com a voz rouca.
Redhorse virou-se abruptamente. Sentiu que a confusão que lavrava em seu interior
cedeu lugar a uma atenção misturada de tensão. As armas dos robôs giraram, como que
em câmara lenta, mas com uma precisão infalível. Sanchon rugiu como um animal
acuado — e a pistola de Lope Losar descarregou-se com um rugido. Redhorse viu que o
coice da arma jogou a mão do mesmo para cima. Deu um salto enorme e atirou-se para
trás do carro elétrico. Alguma coisa chiou em cima de sua cabeça e uivou ao atingir a
parede do pavilhão mais próximo.
Redhorse viu os robôs entre as rodas. Seus corpos brilhavam à luz dos três sóis. Sua
mão desceu tateante em direção à bota. Logo sentiu o cabo da pistola entre os dedos. Era
uma porção de metal duro e frio. Alguém passou correndo atrás dele. Era Belchman, que
enquanto corria disparou uma série de tiros. Redhorse resmungou satisfeito ao ver um dos
robôs tombar para trás. Os braços desajeitados do habitante da fortaleza agarraram o
vazio.
As explosões dos minifoguetes ressoaram nos ouvidos de Redhorse.
“Acham que somos culpados pelo acidente”, pensou, furioso.
Sem a menor consideração pela própria segurança, os robôs aproximaram-se do
carro. Redhorse só via as pernas. Fez pontaria para as mesmas, com muito cuidado, como
se dispusesse de todo o tempo que existe no Universo. Um homem atirou-se ao chão bem
a seu lado. Fungava fortemente. Era Sanchon, que exibia um rosto coberto de suor e um
traço arrogante nos cantos da boca. Redhorse nunca teria pensado que o técnico fosse
capaz de mexer-se tão depressa.
Que diabo! Onde estava Aybron?
A roda dianteira direita do carro esfacelou-se bem à frente de Redhorse. Um
estilhaço penetrou na plataforma de carga bem em cima da cabeça do capitão. O cheiro
desagradável da madeira queimada encheu o ar. Os robôs desapareceram numa nuvem de
fumaça.
Redhorse saiu debaixo do veículo, rastejando para trás. Deu uma pancada no ombro
de Sanchon, fazendo sinal para que este o seguisse.
Zantos Aybron estava encostado à parede do edifício que ficava do outro lado.
Redhorse viu em torno dele os desenhos confusos dos ricochetes e dos estilhaços que
haviam aberto fendas profundas no material.
Aybron não podia levantar os braços para atirar. Era obrigado a disparar com os
braços caídos e a pesada pistola inclinada para a frente.
“Eu deveria ter-me lembrado disso”, pensou Redhorse enquanto corria para o lugar
em que estava Aybron.
— Aqui! — gritou Belchman, que se tinha retirado para trás do muro do edifício.
Redhorse correu através de uma chuva de projéteis. Surpreendeu-se por não ter sido
atingido, mas logo se lembrou que um homem que corre aos saltos através das nuvens de
fumaça era um alvo difícil para esses semi-robôs lerdos.
Redhorse arriscou um olhar por cima do ombro. Ficou apavorado ao notar que Lope
Losar estava calmamente agachado atrás do veículo dos robôs. O capitão não sabia
explicar como o encarregado de armamentos conseguira chegar lá.
Mas o que Redhorse viu depois deixou-o ainda mais preocupado. Um grande grupo
de robôs aproximava-se, vindo da direção de que tinham vindo nos dois veículos.
Redhorse não se deu ao trabalho de contar os atacantes.
Chegou perto de Aybron. Comprimiu-se contra a parede. Pedras e pedaços de
reboco choveram sobre sua cabeça. A respiração de Aybron era tranqüila e regular.
Olhava para os robôs com a expressão de quem se sente espantado porque uma coisa
dessas pode acontecer.
— Vamos dar o fora! — gritou Redhorse em tom de advertência.
Apontou a direção com o braço estendido.
O astrônomo saiu a contragosto do lugar em que se encontrava e correu para o lugar
em que Belchman se abrigara.
— Losar! — gritou Redhorse, mas sua voz foi abafada pelo matraquear de uma
arma pesada trazida pelos robôs.
O encarregado de armamento correu aos saltos em direção ao carro da frente.
Esguichos negros se levantavam à frente de seus pés.
A parede arrebentou ao lado de Redhorse. Um jato de ar quente passou chiando
sobre sua cabeça, quando a caldeira que, segundo parecia, ficava logo atrás da parede,
descarregou sua pressão. Redhorse olhou pelo buraco. Estava atordoado. Deu alguns
passos ao longo do edifício. Foi sua salvação. Um dos dois carros explodiu. A bateria
soltou a energia num chiado prolongado, que soava como um apito de vapor.
Redhorse arriscou um olhar na direção de Losar. O mesmo acabara de atingir o
centro da área livre que ficava entre os edifícios. Era um quadro estranho. Sacudia a arma
em uma das mãos, enquanto com a outra tentava apagar o fogo de seu uniforme. Não
havia sinal de Oleg Sanchon. Belchman e Aybron apareciam a intervalos regulares no
canto do edifício, disparando contra os perseguidores.
Os destroços do carro que acabara de explodir estavam em chamas. Uma cascata de
fogo saiu dos mesmos. Uma roda isolada, que por algum milagre tinha ficado intacta,
rolava pelo chão, até que finalmente se inclinou para um lado e passou a descrever
círculos cada vez mais achatados, até ficar deitada no chão.
Um tiro atingiu Redhorse de raspão no braço. Cambaleou. O mundo parecia
mergulhar no ruído das armas, no crepitar das chamas e nos gritos de Belchman, que
agitava os braços feito um louco, para que Redhorse se apressasse.
Pfiiu! Pfiiu! Uma série de tiros ricocheteou junto ao edifício.
Lope Losar chegou ao lugar em que estava Belchman. Redhorse viu que o
encarregado de armamentos estava puxando a perna. Caiu no abrigo mais do que
caminhou para o mesmo.
Finalmente Redhorse também chegou à extremidade do edifício.
O taque-taque regular dos minifoguetes parecia vir de muito longe.
Era Sanchon.
Ainda estava na área livre. O simples fato de que estava atirando provava que
continuava vivo.
Redhorse olhou atentamente em torno. Encontravam-se entre dois edifícios
compridos. O cheiene viu à sua esquerda um grande portão, que estava entreaberto. Por lá
não parecia haver nenhum perigo, Mas a idéia de fugir enquanto Sanchon não estivesse
em segurança repugnava a Redhorse.
Lope Losar rasgou a calça. A perna esquerda estava coberta por uma crosta de
sangue.
— Malditos cabeças-de-cúpula! — disse.
Dessa forma acabara de inventar um nome para os habitantes de Llalag. Redhorse
tirou uma pequena atadura de emergência de sua bolsa de suprimentos. Desinfetou a
ferida. O projétil tinha atravessado a perna de Losar.
— O senhor não poderá andar — disse Redhorse, tentando dar um tom
despreocupado à voz.
— Posso, sim — respondeu o encarregado de armamentos. — Até posso correr.
— Temos de apressar-nos — disse Belchman, que continuava no canto do edifício.
— Estão se aproximando rapidamente.
— Onde está Sanchon? — perguntou Redhorse.
— No telhado daquele edifício baixo — disse Belchman.
Redhorse olhou na direção indicada. Oleg Sanchon estava deitado sobre o telhado
de um pavilhão muito pequeno. Subira numa trepadeira.
Sanchon não estava atirando mais. Havia três robôs embaixo do lugar em que se
encontrava. Ao que parecia, só estavam à espera do momento em que pudessem ver o
inimigo.
— Será que ele está morto? — perguntou Redhorse em tom deprimido.
— Este elefante? — Belchman sorriu.
— Não vamos preocupar-nos com ele. Parece que no momento os cabeças-de-
cúpula estão mais interessados em nós.
De repente Sanchon levantou a cabeça e olhou para eles. Redhorse acenou com a
mão. O técnico fez um sinal ligeiro. Redhorse tentou comunicar-lhe para onde iriam.
Finalmente Sanchon acenou com a cabeça, dando a entender que tinha compreendido.
Os primeiros projéteis atingiram o chão à sua frente.
— Está começando! — gritou Belchman.
“Ele nem parece médico”, pensou Redhorse, espantado. “É um verdadeiro
combatente.”
Saíram correndo todos ao mesmo tempo em direção ao portão que ficava na
extremidade do edifício. Losar também correu, embora seu rosto estivesse desfigurado
pela dor. Mal tinham desaparecido atrás do portão, quando os primeiros perseguidores
saíram de trás do edifício.
Redhorse e seus companheiros viram-se num pavilhão mergulhado na penumbra;
parecia ser um depósito. Redhorse viu alguns objetos quadrados à luz mortiça.
Lope Losar gemeu baixinho. De repente uma torrente de emoções pouco definidas
irrompeu em Redhorse. Um pensamento provocado pelo gemido de Losar martelava
ininterruptamente em sua consciência. Você tem dois milímetros de altura! Você tem
dois milímetros de altura!
O setor do raciocínio de Redhorse que continuava a funcionar com a mesma
precisão ficou apavorado ao dar-se conta de que até então ele tinha reprimido este fato
em seu subconsciente. A idéia reprimida só ficara à espera de um momento de descuido
mental, para vir à tona com uma violência diabólica.
Por um instante, enquanto uma luta terrível era travada em seu interior, o cheiene
parecia uma estátua que estava parada há tempos imemoriais.
— Ei, capitão!
Foi a voz de Belchman, saída da escuridão.
Redhorse cambaleou ligeiramente — e deixou que a consciência de sua terrível
pequenez lhe penetrasse na mente, cuidadosamente dosada por um tremendo esforço da
vontade. Muito orgulhoso por estar protegido contra qualquer ataque de demência,
abandonou a atitude de rigidez. Já era capaz de conviver sem medo com sua pequenez.
“Yatahay!” pensou. “Tudo bem.”
Voltou à porta e olhou para fora.
Pelo menos trinta robôs se aproximavam. Um grupo de quatro cabeças-de-cúpula
arrastava uma arma maior. Não viu sinal de Sanchon.
— Vamos em frente! — gritou para os companheiros.
Saíram correndo, desviando-se na penumbra dos objetos empilhados em toda parte.
Aybron tropeçou e esbarrou em Belchman. Seguraram-se um no outro e prosseguiram na
fuga. Redhorse olhou para trás. O portão entreaberto era uma fresta luminosa, na qual as
silhuetas dos robôs poderiam aparecer a qualquer momento.
Redhorse bateu com a canela em alguma coisa. Uma onda de dor atravessou seu
corpo. Atingiram uma pilha de objetos semelhantes a caldeiras e tiveram de rastejar por
dentro de tubos estreitos. Seus corpos produziram um som lúgubre ao roçar no metal. Um
zumbido agudo penetrou no ouvido de Redhorse. Saltou para a borda da caldeira, deixou
balançar as pernas e saltou. Produziu um som oco ao tocar o chão. Belchman foi parar a
seu lado. Losar protegeu a perna, usando as pontas dos tubos como escada. Praguejava a
cada passo que dava. Redhorse olhou pelos tubos e viu os primeiros robôs. Era como se
estivesse espiando pela lente de uma câmara.
Saíram correndo com o corpo abaixado.
Um único tiro foi disparado. Redhorse ouviu o impacto do projétil. Era como uma
peça de cristal que se esfacelasse ruidosamente. Finalmente o projétil ricocheteou,
produzindo um miado.
Havia uma nesga de claridade mais adiante. Era uma passagem sem porta, que
estava coberta. Bem embaixo da passagem havia um guindaste, guarnecido por um
cabeça-de-cúpula. O habitante da fortaleza não possuía nenhuma arma de fogo, mas
quando os quatro terranos se aproximaram, baixou o braço magnético e o fez pendular,
obrigando-o várias vezes a avançar e recuar. O pesado braço bateu ruidosamente contra
algumas pilhas de tubos. Os tubos debaixo foram escorregando. Os tubos de cima saíram
rolando como uma torrente negra. Redhorse engoliu em seco.
Atirou para a plataforma do guindaste, mas o robô — ou fosse lá o que fosse — era
apenas uma sombra confusa atrás do revestimento.
Belchman foi atingido na perna por um tubo que se aproximava vertiginosamente.
Acabou derrubado. Transformou-se numa figura que descrevia movimentos convulsivos,
e da qual só se viam as pernas.
Um dos tubos caiu de ponta e bateu nas costas de Aybron. Houve um rangido, que
provocou um calafrio em Redhorse. O guindaste aproximou-se em alta velocidade. O
braço executou movimentos amplos na direção de Redhorse. O oficial abaixou-se. O
braço do guindaste chiou e quebrou três travessas que ficavam logo atrás de Redhorse.
Logo voltou, feito uma ave de rapina num mergulho mortal. Belchman, que acabara de
erguer-se, tirou a pistola e disparou uma série de tiros.
Losar atirou para a plataforma do guindaste. Redhorse quase desmaiou com o ruído
da explosão.
O braço do guindaste aproximou-se. Redhorse estava com o corpo preso entre os
tubos que rolavam. Fez um movimento desesperado e atirou-se para o lado. Alguma coisa
roçou seu braço e o fez girar.
Tombou para trás e viu o cabeça-de-cúpula cair da plataforma do guindaste com os
braços abertos. Houve um baque quando o robô tocou o chão. Alguma coisa passou por
cima do braço de Redhorse. Este fez um esforço desesperado para subir entre os tubos.
Com um movimento que quase chegava a ser desleixado Losar guardou a arma na bota
que cobria a perna que não estava ferida. Aybron encontrava-se perto de Belchman e
estava apalpando o peito do médico. Redhorse foi para junto dos companheiros.
— Está muito machucado? — perguntou, dirigindo-se a Belchman.
O astronauta esboçou um sorriso.
— Não, capitão — respondeu.
O braço magnético do guindaste continuava a balançar, e o motor emitiu um
zumbido quando o carro que corria sobre trilhos esbarrou num objeto.
De repente ouviram o taque-taque dos minifoguetes bem perto. Uma figura cujo
rosto estava coberto de fuligem apareceu na passagem que ligava os dois pavilhões.
— Estamos cercados! — gritou Oleg Sanchon para os quatro companheiros.
Redhorse quase chegou a ver os robôs que vinham atrás de Sanchon caminharem
com as pernas duras pela área livre. Pôs-se a refletir febrilmente sobre o que poderiam
fazer.
— Para cá! — gritou a voz estridente de Sanchon, que se atirou para o lado para
escapar a uma chuva de projéteis. Redhorse viu a figura corpulenta do técnico rastejando
pelo chão — em direção ao outro pavilhão.
Olhou para trás e viu que os perseguidores estavam cada vez mais perto. Os pés
metálicos dos robôs martelavam as caldeiras que estavam espalhadas por toda parte.
Sanchon desapareceu na penumbra do outro pavilhão. Por um instante a passagem
vazia tinha um aspecto pacífico. O capitão fez um sinal para os três companheiros.
Saíram correndo atrás de Sanchon um após o outro. Redhorse parou pouco antes de
chegar à passagem e inclinou-se para a frente. Os atacantes vinham da esquerda.
Eram seis cabeças-de-cúpula. Os canos de suas armas apontavam na direção em que
Sanchon tinha desaparecido. Os robôs estavam a apenas vinte metros de distância.
Redhorse retirou-se e fez um sinal para explicar aos outros o que tinha visto. A um
comando seu saltaram para a passagem banhada pela luz solar. Losar foi o primeiro que
atirou; seu rosto parecia anunciar uma desgraça. Quando as armas dos cabeças-de-cúpula
começaram a girar, Aybron e Belchman também atiraram. Três robôs vergaram,
cambalearam para trás e saíram rastejando apressadamente.
— Procurem atingir as cabeças! — berrou Redhorse.
Um calor escaldante atingiu sua face. Redhorse levantou a arma. Puxou o gatilho.
Apalpou a face com a mão livre. Mais uma vez tivera sorte. O tiro que o atingira de
raspão só tinha arranhado a pele.
Sanchon também começou a atirar de novo. O caminho que levava ao outro
pavilhão ficou livre. Por um instante os sóis atingiram os olhos de Redhorse, mas o
mesmo logo se viu na sombra do outro edifício. Ouviu um estalido, vindo não sabia de
onde. Fora disso estava tudo em silêncio.
Redhorse fungou e encostou-se a uma caldeira. Apoiou-se com uma das mãos num
tubo morno. Sanchon saiu da escuridão. Fungava e soprava o ar como quem acaba de sair
da água. Losar aproximou-se mancando, ajudado por Belchman sempre que tinha de
passar por cima de um tubo mais grosso. O último a chegar foi Aybron, cujo uniforme
continuava impecável como se tivesse saído do armário naquele momento.
Redhorse pôs-se a escutar atentamente.
— Parece que por enquanto não estão com vontade de perseguir-nos — disse.
— Eles voltarão assim que chegarem os reforços — conjeturou Belchman.
Redhorse dirigiu-se ao encarregado de armamentos.
— Como vai a ferida?
— Dá para agüentar — respondeu Losar. — Ninguém precisa preocupar-se comigo,
senhor.
O índio cheiene olhou em torno.
— Aqui não podemos ficar. Deve haver um centro de comando. Precisamos tentar
chegar lá.
Sanchon levantou o braço.
— Acho que o centro de comando fica ali, senhor. Quando estava no telhado, vi a
parte superior de um edifício grande que parece ser o centro da fortaleza.
Redhorse empertigou-se. Uma ruga profunda apareceu em sua testa.
— É para lá que vamos! — exclamou.
***
O centro de comando — se é que realmente era — consistia em duas partes. O
edifício principal era um cubo com paredes escuras. Em seu telhado havia uma figura
esférica, da qual saíam inúmeras antenas.
Não se via nenhuma janela ou viseira. Do ponto de vista arquitetônico esta parte da
fortaleza era muito feia.
— Parece que não existe nenhuma entrada — observou Lope Losar, enquanto se
mantinham abaixados na sombra de um portão, observando o centro de comando. Em
torno deles reinava um silêncio total. Não se via o menor sinal dos perseguidores.
— É possível que nem seja o centro de comando — conjeturou Belchman em tom
pensativo. — Pode ser uma usina ou um depósito de energia.
— Vamos descobrir — disse Redhorse com a voz tranqüila.
Aybron empurrou-se da parede na qual estivera encostado.
— Assim que sairmos deste portão, seremos vistos do centro de comando — disse.
— Se houver alguma posição de tiro, não precisaremos preocupar-nos mais com nosso
futuro.
— Talvez não deveríamos ir todos ao mesmo tempo — sugeriu Sanchon. — Posso
fazer o começo. Que tal, capitão?
— Não serve — respondeu Redhorse. — Os cabeças-de-cúpula sabem que somos
em cinco. Esperarão até que todos apareçam. Por isso sairemos todos ao mesmo tempo.
Losar acariciou a pistola como se fosse uma velha amiga.
— Julgo-me capaz de acertar qualquer cabeça-de-cúpula, seja qual for o abrigo atrás
do qual ele se esconda.
Na boca de Losar estas palavras não soavam como uma manifestação de arrogância;
antes pareciam uma simples constatação. Redhorse olhou para os rostos dos
companheiros. Lembrou-se das horas que antecederam a partida. Na oportunidade só
contara com problemas psíquicos.
— Quanto mais esperarmos aqui, maior será o perigo de que os perseguidores nos
alcancem — disse.
Sentiu-se como um alvo de tiro quando saiu do portão à frente do pequeno grupo. A
qualquer momento esperava ouvir o estrondo de uma explosão ou ver um lampejo, que
seria a única coisa que perceberia em sua vida. Mas não aconteceu. Seguiram por uma
trilha estreita, em direção ao centro de comando, sem encontrar qualquer obstáculo. À sua
esquerda havia sebes mal cuidadas, enquanto à direita o caminho era limitado por um
muro que em certos trechos tinha desabado.
Redhorse teve a impressão de que até mesmo o rangido das botas seria capaz de
trair sua presença. Pisava cuidadosamente, para evitar qualquer ruído.
Belchman, que ia atrás dele, deu-lhe uma palmadinha no ombro.
Redhorse parou e olhou para o lado. No fim da sebe um feixe de tubulações saía do
pavilhão dividido em três partes que já haviam visto do lado de dentro, levando para o
edifício feio que na opinião de Sanchon devia ser o centro de comando.
— Está vendo estas tubulações, senhor? — perguntou Belchman em voz baixa.
Redhorse parou.
— Talvez seja mesmo uma usina de energia — cochichou.
Belchman puxava nervosamente o uniforme esfarrapado. Com a outra mão alisou a
cabeleira rala que ainda lhe restava.
— É possível que as tubulações sirvam ao transporte de materiais dos centros de
produção para o centro de comando — disse.
Redhorse lançou um olhar indeciso para o portão do qual tinham saído. Não estava
gostando do repentino silêncio. Onde estavam seus perseguidores? Será que tinham
desistido? Ou tinham certeza de que os cinco forasteiros correriam para a desgraça?
— Podemos voltar e tentar sair da fortaleza — disse em tom pensativo. — Mas com
isso perderíamos a única chance de evitar que os cabeças-de-cúpula derrubem mais um
avião de teste.
— Ninguém está falando em voltar, capitão — resmungou Lope.
Redhorse acenou com a cabeça e saiu andando de novo. Por mais que forçasse a
vista, não descobriu qualquer entrada para o edifício em que acreditava ficar o centro de
comando. Era possível que as entradas ficassem do outro lado. O edifício sombrio
produziu uma impressão apavorante em Redhorse.
Atingiram o fim da sebe. O cheiene agachou-se embaixo das tubulações. Alguns
dos tubos estavam tão quentes que o calor chegou a atravessar o uniforme de Redhorse. O
oficial encostou a cabeça a um dos tubos. De início só ouviu um arranhar, mas finalmente
um som borbulhante chegou ao seu ouvido. Era difícil dizer se algum líquido estava
sendo transportado nos tubos, ou se o ruído apenas era conduzido pelo metal.
— Hum! — fez Sanchon. — Se rastejarmos embaixo dos tubos, acabaremos
entrando no edifício.
Os tubos entravam lado a lado por uma parede lateral do edifício. No lugar em que
penetravam no centro de comando a abertura era suficientemente grande para permitir a
passagem de um homem.
Redhorse viu nuvens de vapores claros que saíam da abertura. Logo pensou na
possibilidade de existirem gases venenosos. Lamentou que não estivessem mais bem
equipados.
— Olhe os cabeças-de-cúpula! — chiou Belchman.
Redhorse virou abruptamente a cabeça. Um grupo formado por mais de vinte robôs
estava atravessando o portão. Estavam todos armados. Redhorse cerrou os dentes. O
aparecimento dos perseguidores foi o fator decisivo.
— Rápido! — disse. — Vamos tentar entrar no centro de comando.
Antes que acabasse de pronunciar a última palavra, rastejou para o lado oposto das
tubulações. Os outros seguiram-no. Saíram correndo em direção ao grande edifício. Sem
dúvida os cabeças-de-cúpula os estavam vendo, mas nenhum dos perseguidores atirou.
— Estão com medo de atingir um dos tubos — exclamou Redhorse. — Para nós
isso representa mais algum tempo. — Colocou-se à frente do grupo. À medida que se
aproximavam da parede externa do centro de comando, a sensação do perigo iminente
tornava-se cada vez mais forte.
A abertura pela qual passavam os tubos soltava fumaça ininterruptamente. As
tubulações estavam úmidas por causa dos vapores condensados. Redhorse aspirou o ar
assim que atingiu a abertura. A fumaça era inodora.
— Vapor de água! — constatou Losar em tom lacônico e esfregou a perna ferida.
— Tomara que não acabemos por entrar numa caldeira de alta pressão.
Num movimento resoluto, Redhorse enfiou o corpo na abertura. No início o vapor
quente deixou-o atordoado. Recuou tossindo fortemente. Seus olhos lacrimejavam. Não
disse uma palavra. Partiu para a segunda tentativa. Foi avançando entre os tubos. Seu
corpo ficou comprimido entre os mesmos.
A voz abafada de Belchman, vinda do lado de fora, era quase imperceptível.
— Está vendo alguma coisa, senhor?
Redhorse espirrou.
— Não — respondeu. — Está muito escuro. Mas o ar parece ser suportável.
Sentiu um movimento na altura dos pés. Concluiu que pelo menos um dos homens o
estava seguindo. Numa questão de segundos suas vestes ficaram encharcadas de
umidade. Os cabelos ficaram grudados no rosto. Apesar de tudo Redhorse continuou a
rastejar pela escuridão. Seus pés produziam ruídos surdos sempre que escorregava
lateralmente, batendo com os saltos das botas em um dos tubos.
— Caramba! — gritou Sanchon atrás dele. — Esta sauna vai fazer bem à minha
figura.
Redhorse não pôde deixar de sorrir. No mesmo instante escorregou, passando entre
dois tubos. Procurou desesperadamente um apoio para as mãos-, mas o metal molhado
não oferecia nenhuma resistência. Bateu fortemente com as costas.
— Que houve, capitão? — gritou Belchman.
— Onde está o senhor? — perguntou Losar.
— Escorreguei — respondeu Redhorse. — Aqui embaixo não está tão escuro. Pode-
se ficar em pé.
— Vamos para aí — anunciou o encarregado de armamentos.
Redhorse ouviu os ruídos produzidos por eles. Eram quatro homens que não
recuavam diante de nada, e que o seguiriam para qualquer lugar ao qual ele resolvesse ir.
— Está muito quente — observou Sanchon.
Redhorse viu uma figura confusa sair da fumaça e aproximar-se.
— Losar? — perguntou.
— Sou eu — respondeu Aybron e parou ao lado de Redhorse. — Parece que lá
adiante está ainda mais claro.
Redhorse também viu o lugar em que os vapores pareciam dissolver-se aos poucos.
Não demorou, e Belchman e Sanchon também apareceram. Losar foi o último a chegar.
Mancava fortemente.
Redhorse olhou em torno. Em toda parte viam-se sombras escuras no meio dos
vapores, mas era impossível reconhecer os detalhes. De todos os lados vinha o ruído da
água.
O capitão tirou a pistola que estava guardada na bota e prosseguiu. Quando tinha
caminhado apenas alguns metros, encontrou uma rede. Por pouco não caiu na mesma.
Tratava-se de um trançado irregular de material macio, que cedeu sob as mãos de
Redhorse. Estava pendurado do teto. Pingava com a umidade. Redhorse puxou-a
levemente, depois com mais força, para verificar a resistência do material. Belchman, que
estava a seu lado, também examinou a estranha cortina.
— Que será isso? — perguntou Sanchon. — Uma armadilha?
— Não acredito — respondeu Redhorse. Deu mais alguns passos, mas a rede estava
em toda parte. As malhas da mesma eram um pouco maiores que a mão de Redhorse. O
capitão agachou-se e constatou que a rede estava firmemente presa ao chão. Tirou uma
faca pequena do bolso e tentou cortar alguns fios, mas o material resistiu aos seus
esforços. Também não conseguiu desprender a rede do chão.
O cheiene pôs-se a refletir. Fosse qual fosse a finalidade da rede, a mesma os
impediria de prosseguir. Sanchon puxou-a furiosamente.
— Acho que é uma barreira — disse Belchman. — Provavelmente nunca
descobriremos quem deveria ser detido por ela.
Redhorse segurou-se com ambas as mãos e subiu alguns metros. Naquele momento
nem se lembrou de que realmente só estava vencendo uma altura de alguns milímetros. A
rede balançou, mas não cedeu.
— Tentaremos passar por cima — disse.
Continuou a subir. Quanto mais subia, mais escuro ficava. Finalmente atingiu uma
trave à qual estava presa a rede. Passou para o outro lado e esperou que os outros
chegassem perto dele. A trave estava tão úmida que Redhorse teve de fazer um grande
esforço para não escorregar. Qualquer passo em falso resultaria numa queda mortal.
Os cinco homens desceram do outro lado da rede e finalmente voltaram a pisar o
chão. Quando tinham dado mais alguns passos, atingiram uma parede ligeiramente
abaulada que possuía numerosas reentrâncias em forma de nicho. Redhorse caminhou
junto à parede. Estava cada vez mais claro. A neblina cinzenta agitava-se em toda parte.
Por mais de uma vez o capitão levantou a arma engatilhada, quando uma nuvem de vapor
se aproximava e o envolvia.
A parede terminou de repente. Redhorse parou abruptamente. Viu diante de si um
pavilhão extenso, que estava muito bem iluminado, apesar da neblina.
Redhorse viu uma gigantesca banheira no centro do pavilhão. A mesma estava cheia
de um líquido em ebulição. Vapores saíam dela. Em torno do recipiente havia inúmeras
cabinas ovais. Tubos de diversos tamanhos entravam em cada uma das cabinas. Cabeças
de robôs estavam enfileiradas no chão, junto à banheira. Alguns cabeças-de-cúpula
andavam cautelosamente entre as cabeças. Redhorse viu que os crânios estavam
banhados por uma luz vermelha. Havia pelo menos mil cabeças, e igual número de
lâmpadas. O quadro deixou Redhorse chocado. Teve uma impressão instintiva de que por
ali estava acontecendo uma coisa que ultrapassava sua capacidade de compreensão.
Continuou a lançar os olhos pelo pavilhão. Atrás das cabinas havia uma série de
máquinas grandes. Todas pareciam estar em funcionamento. Por ali também havia alguns
robôs. Finalmente viu uma prateleira com metades de crânios. As mesmas enfileiravam-
se feito conchas ocas. Nenhum dos cabeças-de-cúpula parecia desconfiar da presença dos
cinco forasteiros. Redhorse estremeceu ao ver a porta de uma das cabinas abrir-se e um
cabeça-de-cúpula sair da mesma. O robô desapareceu na neblina. Dali a pouco outro robô
entrou na cabina.
— Isso é fantástico — observou Belchman, que se encontrava bem ao lado de
Redhorse. — Que acha, capitão?
— Preciso olhar de perto — respondeu Redhorse.
Mandou que seus companheiros ficassem onde estavam.
— Para o senhor sozinho é muito perigoso — protestou Losar.
— Se prosseguirmos juntos, a probabilidade de sermos descobertos aumentará. Se
continuarem aqui e ficarem de olho em mim, sempre terão a possibilidade de ajudar se os
cabeças-de-cúpula notarem minha presença.
Não esperou que seus companheiros formulassem novas objeções. Saiu correndo
abaixado. A neblina cobriu seu rosto como se fosse um véu úmido. As cabines estavam
dispostas em semicírculo em torno do recipiente. Redhorse procurou ficar entre as
máquinas. Sempre que via um robô, deitava no chão e esperava até que o habitante da
fortaleza desaparecesse.
Quando ainda se encontrava a dez metros da cabina mais próxima, Redhorse
agachou-se ao lado de um pedestal. Não havia nenhum esconderijo entre ele e o lugar ao
qual pretendia ir. Os vapores que subiam constantemente talvez pudessem protegê-lo no
momento em que saísse correndo em direção à cabina. Teve a precaução de olhar para os
lados. Não havia nenhum robô nas imediações.
— Vamos! — disse Redhorse em voz baixa a si mesmo.
Saiu silenciosamente. A qualquer momento esperava um ataque, mas chegou são e
salvo à parede dos fundos da cabina. Havia algumas fendas e viseiras por onde saía luz.
Redhorse girou em torno do próprio eixo e olhou para o interior da construção oval. O
quadro que viu revoltou seu estômago. Um robô estava sentado num banco baixo,
separado de Redhorse apenas por uma parede fina. Não trazia a cabeça na depressão do
pescoço. O crânio estava aberto numa depressão do centro da mesinha. Uma massa
cinzenta pulsava no interior das duas metades do crânio. Algumas mangueiras que saíam
da parede oposta iam ter diretamente à massa.
Ao que tudo indicava, tratava-se de uma substância orgânica que no momento
estava absorvendo alimentos transportados para dentro da cabine através das tubulações.
Redhorse teve de fazer um grande esforço para desprender o olhar do crânio aberto.
“Uma ameba”, pensou apavorado. No mesmo instante sua inteligência lhe disse que
aquilo era uma coisa impossível. Sem dúvida a substância orgânica que acabara de ver
era a parte mais importante dos cabeças-de-cúpula. Era seu cérebro. Tudo que o capitão
já tinha visto em matéria de máquinas confirmava que em Llalag nunca ninguém fora
capaz de construir um robô semelhante aos pos-bis, que continham porções de plasma. A
massa que pulsava embaixo da lâmpada devia ser outra coisa. De repente Redhorse deu-
se conta de que os cabeças-de-cúpula eram os únicos habitantes de Llalag. Aquilo que
eles carregavam no interior da cabeça eram os restos orgânicos dos seres que antigamente
tinham habitado a fortaleza. O povo que vivia na superfície de Horror tinha degenerado.
No intuito de conservar a capacidade de locomoção, alguns cientistas previdentes tinham
criado em certa época aqueles robôs rudimentares, cuja finalidade consistia unicamente
em transportar as cabeças tão importantes com a matéria viva.
Os corpos transportadores mecânicos não poderiam ser complicados, pelo simples
motivo de que muitas possibilidades de erro tinham de ser eliminadas. Quanto mais
simples sua estrutura, menor seria a possibilidade de uma falha de funcionamento.
Os remanescentes de um povo desconhecido viviam no interior de conchas
metálicas. Provavelmente tratava-se somente dos cérebros que tinham passado por um
processo de mutação e haviam obtido uma chance de conservar a vida por meio do
suprimento de um alimento líquido.
Redhorse sentiu-se mal ao lembrar-se do animal gigantesco que vira num grande
pavilhão. Um pressentimento vago dizia-lhe de onde os cabeças-de-cúpula recebiam seus
alimentos.
Com a descoberta que Redhorse acabara de fazer, o nome que Losar dera àqueles
seres obtinha uma confirmação macabra. Podia-se perfeitamente imaginar como deviam
ter sido os habitantes primitivos da fortaleza.
O capitão viu as duas metades do crânio fecharem-se lentamente. As mangueiras
saíram de dentro da substância orgânica. A lâmpada apagou-se. O robô sem cabeça
estendeu os braços e levantou o crânio até a altura da depressão que havia no pescoço. As
mãos metálicas colocaram a cabeça-de-cúpula cuidadosamente nesse lugar.
Provavelmente era o único movimento que o corpo podia executar sem o cérebro
pensante. Mas assim que o mesmo carregava sua cabeça, estabelecia-se uma
comunicação entre o cérebro e a máquina. Na opinião de Redhorse, esta comunicação era
feita por meio de simples comandos eletrônicos. Era perfeitamente possível que os
cérebros dirigissem as máquinas que os carregavam por meio de impulsos elétricos.
Apesar da repugnância que o fenômeno causou a Redhorse, o mesmo sentiu pena. O
que não deveria ter sofrido este tempo? Certamente lutara desesperadamente pela própria
vida atrás das muralhas de Llalag. Centenas de milhares deviam ter morrido, antes que o
resto se escondesse na cidade das montanhas, para levar uma vida triste no interior dos
corpos robotizados muito deficientes.
Redhorse tinha certeza quase absoluta de que muitos dos cérebros que ainda
estavam vivos tinham enlouquecido, pois não suportavam esse estado com a consciência
desperta.
Redhorse afastou-se. Sentia-se profundamente abalado.
Uma sombra saltou sobre ele, vinda de dentro de uma nuvem de vapores. A reação
de Redhorse, que ainda estava sob o impacto do que acabara de ver, foi muito lenta.
Alguma coisa atingiu violentamente a parte traseira de seu crânio. Redhorse soltou um
gemido e dobrou os joelhos. A luta para não perder os sentidos só durou alguns instantes.
Seu tronco balançou e caiu pesadamente no chão liso.
5

“Daqui a pouco alguém vai enlouquecer por aqui”, pensou Oleg Sanchon, bastante
irritado.
Quem seria esse alguém? Losar? Este não, pensou o técnico. Lope Losar, o técnico
em armamentos, suportava seu ferimento com tamanha indiferença que dava a impressão
de não ser capaz de abalar-se por nada deste mundo. Com Belchman as coisas eram
diferentes. Na opinião de Sanchon, o assistente médico estava falando demais. Para ele,
toda pessoa que tem de manifestar a cada passo sua opinião sobre qualquer assunto tem
algo a esconder. Tornava-se muito difícil fazer uma avaliação correta de Zantos Aybron.
Dele se poderia esperar qualquer coisa.
Sanchon franziu a testa. Talvez Aybron fosse o elo mais fraco da corrente. Será que
os germes da loucura já tinham sido lançados em sua mente?
Sanchon lançou um olhar zangado para as nuvens de vapores. Quanto tempo fazia
que o capitão tinha desaparecido? Ninguém poderia afirmar que o capitão costumasse ser
arrojado demais ou fosse dado a assumir riscos desnecessários. Diante da descendência
de Redhorse, Sanchon esperara que ele fosse assim, mas logo verificara que suas
preocupações eram infundadas.
— Os robôs que nos perseguiram já sabem que entramos neste edifício — disse
Belchman. — Por que não estão à nossa procura? Há algo de errado nisso.
Aybron deu uma risada sarcástica.
— Até parece que o senhor faz votos de que os cabeças-de-cúpula nos ataquem.
— Ainda seria melhor que esta incerteza — retrucou Belchman em tom irritado.
— Bem que eu gostaria que Redhorse voltasse logo — observou Sanchon. —
Deveríamos ter combinado um prazo para isso. É possível que alguma coisa lhe tenha
acontecido sem que nós saibamos.
— Acho que ele é muito cuidadoso para deixar que lhe aconteça algo observou
Lope Losar. — Sabe perfeitamente o que deve fazer. Fico satisfeito porque é o chefe do
nosso grupo.
— Este maldito barulho do caldo quente abafa todos os outros ruídos — disse
Belchman em tom zangado. — Se quisesse comunicar-se conosco, Redhorse teria de
escrever.
Sanchon começou a sentir-se aborrecido. Por que Belchman não podia deixar de
reclamar a toda hora? Se continuasse assim, acabaria por contaminar os outros com seu
nervosismo.
— Veja se cala a boca! — gritou o médico. — Não demoraremos a saber o que está
havendo com o capitão.
Belchman virou-se abruptamente. Abriu os dedos. Pingos de suor apareceram em
sua cabeça calva.
— Falo o que quero — disse com a voz zangada. — E quando quero.
Sanchon surpreendeu-se com a reação violenta. Não queria briga.
— Está bem — disse em tom contemporizados — Estamos todos nervosos.
Belchman parecia interpretar a atitude conciliadora de Sanchon como um sinal de
medo, pois saiu caminhando lentamente na direção do técnico.
— Não façam bobagens — resmungou Losar.
— Este sujeito acredita que quando Redhorse não está pode bancar o chefe — chiou
Belchman. — Não admito uma coisa dessas.
— Fique quieto, Belchman — disse Aybron.
Não falou muito alto, mas havia um tom de advertência em sua voz, que não
escapou a Sanchon.
— Não vou brigar com o senhor — disse Belchman em tom de desprezo, dirigindo-
se ao astrônomo.
No mesmo instante a figura robusta do técnico de armamentos se colocou entre
Sanchon e Belchman. Mas de qualquer maneira Sanchon tinha certeza de que foi graças à
intervenção de Aybron que Belchman recuou para junto da parede, praguejando baixinho.
A tensão diminuiu um pouco, mas Sanchon não conseguiu livrar-se da impressão de que
Belchman o observava ininterruptamente. O médico devia estar preocupado com o perigo
iminente, ou então não podia conviver com a idéia de ter menos de dois milímetros de
altura. Desde o momento em que tinham penetrado na fortaleza, Sanchon teve suas
dúvidas de que seu tamanho realmente sofrerá tamanha redução. Tudo parecia normal. Só
tinham diante dos olhos, como ponto de referência, objetos que tinham sofrido a mesma
redução.
O tempo foi passando e Redhorse não voltou. Sanchon começou a preocupar-se de
verdade. O que fariam se alguma coisa tivesse acontecido ao capitão? Os quatro
tripulantes da Crest II estavam agachados junto à parede, lado a lado. Até mesmo
Belchman ficou em silêncio. O único ruído vindo de suas fileiras era a batida que se fazia
ouvir toda vez que Losar batia com o cabo da pistola no chão.
De repente ouviram uma pancada seca. Sanchon estremeceu. Viu Belchman tombar
lentamente para a frente, com os olhos muito arregalados e os braços abertos.
— Protejam-se! — gritou Losar, que foi o primeiro a recuperar-se da surpresa. Só
então Sanchon compreendeu que alguém disparara um tiro. Sanchon deixou-se cair no
chão. Olhando para todos os lados, rastejou na direção em que estava Belchman, que
permanecia completamente imóvel. Aybron desapareceu atrás da parede. O técnico de
armamentos deu alguns saltos para colocar-se em segurança atrás de uma máquina.
Sanchon estendeu a mão e tocou o braço de Belchman. A cabeça do médico caiu
para o lado. Sanchon aproximou-se mais um pouco. Os lábios de Belchman tremiam.
Numa raiva impotente, o técnico agachou-se ao lado de Belchman. Teve a
impressão de que teria que dizer alguma coisa, mas só conseguiu segurar o braço do
companheiro.
— Fui atingido — cochichou Belchman.
Virou-se, para que Sanchon pudesse ver o ponto de penetração do projétil no peito.
Sanchon fechou os olhos por um instante, de tão apavorado que ficou.
— Vamos tirá-lo daqui — disse em tom zangado. Naquele momento acreditava no
que estava dizendo, embora outra parte de sua mente já estivesse convencida de que o
médico iria morrer.
Mais um tiro foi disparado. Sanchon encolheu a cabeça. Olhou para além de
Belchman, mas não viu nenhum inimigo. O robô que estava atirando neles devia estar
muito bem escondido.
— Dê o fora — disse Belchman com a voz apagada.
— O senhor não pode ficar aqui — respondeu Sanchon em tom resoluto. — Vou
levá-lo a um lugar seguro.
Enfiou o corpo embaixo das pernas do médico. O chão era escorregadio, e por isso
conseguiu arrastar Belchman, que não era pesado, sem fazer muito esforço. Belchman
gemia. Sanchon atingiu a parede juntamente com a carga que estava arrastando e parou.
Belchman fez um grande esforço e conseguiu tirar a pistola. Estava tão debilitado
que deixou cair a arma sobre a coxa. Seu rosto magro estava muito pálido e havia um
brilho febril nos olhos.
O tiro seguinte atingiu a parede bem perto de Sanchon. Belchman ergueu
abruptamente a arma e puxou o gatilho. Depois caiu de encontro a Sanchon. O técnico
afastou-o. Percebeu que Belchman estava morto. Por um instante a dor apagou todos os
outros sentimentos. Sentou junto à parede, ao lado do morto. Não se via o menor sinal do
atirador traiçoeiro. Com um movimento que quase chegava a ser hesitante Sanchon
pegou a arma de Belchman. Levantou-se de um salto e saiu correndo na direção em que
estava Losar. Dois projéteis assobiaram em cima de sua cabeça. O sangue martelava em
suas têmporas. O vapor exercia uma pressão surda em sua cabeça.
Losar lançou um olhar triste para Belchman.
— Está morto — disse Sanchon antes que Losar perguntasse.
Preferia não falar sobre a morte de Belchman. O técnico de armamentos parecia
perceber.
— Onde está Aybron? — perguntou Losar depois de algum tempo.
Sanchon fez um gesto vago.
— Vi-o desaparecer atrás da parede.
— Precisamos continuar juntos — resmungou Losar. — Se nos separarmos, não
teremos a menor chance de deter os robôs.
— Por que será que Redhorse não voltou? — perguntou Sanchon. — Devia ter
ouvido os tiros; quanto a isso não havia a menor dúvida. Será que tinha tido o mesmo
destino que Belchman?
Losar encostou-se à parede e observou o espaço que ficava entre o fim da parede e o
grande recipiente. Não se via nenhum cabeça-de-cúpula. Sanchon se sentiria bem mais
seguro se os habitantes de Llalag marchassem em sua direção em fileira cerrada. Nesse
caso teria a possibilidade de defender-se. Mas na situação em que se encontrava tinha de
ficar inativo, à espera do momento em que fosse atingido por um tiro disparado de tocaia.
— Temos de procurar Redhorse — disse Losar. — Vamos ver se conseguimos
avançar até as cabinas.
— E se o capitão voltar para cá e não nos encontrar? — objetou Sanchon.
Lope Losar fez um gesto na direção de Belchman.
— Se aparecer, será capaz de imaginar o que aconteceu por aqui.
A firme resolução de Sanchon, que pretendia sair vivo da fortaleza das montanhas,
estava entremeada de dúvidas sobre a exeqüibilidade do plano de Losar. Os robôs podiam
estar espreitando em qualquer lugar, à espera do momento em que um dos humanos
aparecesse desprotegido.
Do outro lado da parede foram disparados vários tiros numa seqüência rápida.
Sanchon olhou para Losar.
— É Aybron — constatou o técnico de armamentos em tom lacônico.
Saltaram quase ao mesmo tempo para fora do abrigo. Sanchon teve a impressão de
ver um movimento nas imediações de uma cabina mais distante. Disparou um tiro, sem
saber no que estava atirando.
Quando contornaram a parede, viu Aybron ajoelhado junto ao recipiente. O
astrônomo estava sendo atacado por sete robôs, que vinham caminhando em sua direção
através do líquido que enchia o recipiente. O líquido estava em ebulição. Bolhas do
tamanho de um punho humano estouravam na superfície. Aybron agachava-se
constantemente atrás da banheira gigante, para não ser atingido.
Um cabeça-de-cúpula saiu da cabina que ficava logo atrás de Aybron. Não estava
armado, mas corria com os braços estendidos na direção em que estava o astrônomo. Este
não desconfiava de nada. Sanchon parecia paralisado diante do quadro. Losar disparou
um tiro contra o inimigo recém-aparecido, mas só o atingiu no pescoço.
O robô foi mais rápido do que Sanchon esperara. Segurou Aybron pelos quadris e
levantou-o abruptamente. Sanchon não se arriscou a atirar, pois agora que estava
recuperado da surpresa compreendeu que correria perigo de atingir Zantos Aybron.
O rosto de Aybron não mostrava nenhum susto ou medo; antes exprimia uma
obstinação indomável. Os braços metálicos do cabeça-de-cúpula levantaram Aybron por
cima da borda da banheira.
Numa questão de segundos o astrônomo cairia no líquido em ebulição. Losar voltou
a atirar. Nesse momento decisivo conseguiu controlar os nervos para fazer boa pontaria.
O robô que estava levantando Aybron cambaleou. Aybron debatia-se em suas mãos, mas
não conseguiu libertar-se. Os sete robôs que tinham parado por um instante
aproximaram-se mais rapidamente.
Nesse instante Aybron caiu. Por um terrível instante escorregou sobre a borda do
recipiente, mas acabou batendo violentamente no chão fora do mesmo. O cabeça-de-
cúpula tombou de vez.
Nesse instante Oleg Sanchon sentiu alguma coisa deslizar levemente por sua
cabeça. Olhou para cima. Um líquido malcheiroso estava pingando nele. Este líquido
produzia uma coceira na pele. Sanchon compreendeu que um dos tiros causara
vazamento em um dos inúmeros canos.
Losar chegou perto de Aybron e ajudou-o a levantar. Sanchon colocou-se fora do
alcance do chuvisco. Admirou-se porque os cabeças-de-cúpula não estavam atirando
nele. Será que eles hesitavam porque ele se encontrava nas imediações de uma cabina?
Nesse instante Sanchon ouviu uma forte batida. Quase no mesmo momento uma
rede envolveu-o e o derrubou com seu peso. Sanchon deu um grito e lutou para defender
sua liberdade, mas só conseguiu enlear-se cada vez mais fortemente no trançado. Mas
conseguiu abrigar-se atrás de uma cabina. Dali a pouco apareceram Losar e Aybron e
puxaram nas amarras.
— Isso vai me cortar em pedaços — disse Sanchon com a voz rouca.
Sentiu-se dominado pelo pânico. Seus músculos entesaram-se, mas nem assim
conseguiu evitar que a rede se estreitasse cada vez mais em torno de seu corpo. Ficou
jogado ao chão, completamente amarrado, enquanto Losar e Aybron tentavam libertá-lo
usando apenas as mãos.
Respirar tornava-se cada vez mais difícil. O sangue não circulava bem. O material
de que era feita a rede possuía uma resistência incrível, resistindo a todos os esforços de
Losar e Aybron.
— Levem-me para dentro de uma cabina — disse Sanchon, ofegante.
Não sabia como teve essa idéia, só sabia que morreria dentro de alguns minutos se
não acontecesse alguma coisa que detivesse a ação da rede.
Lope Losar não costumava discutir muito. Pegou Sanchon embaixo dos braços e
arrastou seu corpo pesado em direção à entrada de uma das cabinas. Aybron mexeu na
fechadura, mas a porta só se abriu quando ele a despedaçou com um tiro. Um robô sem
cabeça veio cambaleante ao seu encontro.
Losar arrastou o corpo enlaçado de Sanchon para dentro da cabina. O técnico viu
empurrar para fora da mesa a metade inferior de um crânio de robô.
— Fechem a porta — conseguiu dizer Sanchon.
Losar colocou-o cuidadosamente no chão. Sanchon respirava com dificuldade. De
repente sentiu que as amarras se soltavam. Dentro de pouco tempo a rede dividiu-se em
várias partes, que permaneceram imóveis. Sanchon esforçou-se para sorrir. Quando
começava a recuperar paulatinamente o controle do corpo, a porta da cabina abriu-se
repentinamente.
Uma horda de cabeças-de-cúpula armados, envoltos em nuvens de vapores, se
comprimia do lado de fora.
***
Redhorse recuperou os sentidos tão de repente que teve a impressão de estar
acordando de um pesadelo.
Com o fim do estado de inconsciência começaram as dores na parte posterior do
crânio. Abriu os olhos e viu um oceano de círculos coloridos, que pareciam girar
lentamente. Levou alguns segundos para compreender que esses círculos eram reais.
Pertenciam a um quadro móvel que, quando Redhorse virou a cabeça, apareceu como
uma tela oval, que cobria a parede a uns dez metros do lugar em que ele estava. Os
círculos mudaram, assumindo formas diferentes. Don Redhorse gemeu. Tateou com as
mãos e sentiu que estava deitado numa base macia, com a cabeça levantada, para que
pudesse ver a tela. As dores violentas fizeram com que o raciocínio de Redhorse fosse
lento. A memória foi voltando. Não se encontrava a bordo da Crest II, como chegara a
acreditar no momento em que estava despertando, mas no interior de uma fortaleza nas
montanhas, à qual ele mesmo tinha dado o nome de Llalag.
Redhorse ergueu-se abruptamente — somente para descobrir que estava amarrado à
cama. Um trançado em forma de rede estava pendurado em cima dele, restringindo sua
liberdade de movimentos.
Redhorse notou que se encontrava num recinto quadrado. Cápsulas cilíndricas
estavam suspensas sob o teto, bem em cima de sua cabeça. Em cima dos cilindros
estavam penduradas luminárias que iluminavam o recinto. Redhorse viu duas entradas,
uma das quais situada bem ao lado da estranha tela.
Voltou a recostar-se no leito e procurou relaxar. Não sentia medo, pois a criatura
que o tinha trazido para cá não parecia ter a intenção de matá-lo — ao menos por
enquanto. O quadro projetado na tela mudou. Uma série de contornos sombreados
transformou-se numa imagem que parecia familiar a Redhorse. Percebeu que se tratava
de uma paisagem na superfície de Horror. A câmara tinha sobrevoado amplos vales e
captara o panorama de grandes cidades. Redhorse viu edifícios brancos, parques extensos
e lagos que refletiam os raios do sol. Tudo isso não existia mais. Tinha desaparecido
antes que os terranos chegassem ao planeta.
A imagem mudou abruptamente, apresentando a guerra, a destruição e o caos.
Redhorse testemunhou a pulverização de cidades inteiras. Cogumelos atômicos
precipitaram-se para a atmosfera, nuvens luminosas deslizaram sobre a paisagem,
lançando raios fulgurantes para a superfície. As cidades transformaram-se em cinzas e
escombros. A guerra gigantesca entre os habitantes da superfície e os pensadores do
terceiro nível tinha começado. O capitão conhecia o resultado do conflito. Os dois povos
praticamente se haviam exterminado mutuamente.
Os desconhecidos que portavam as câmaras tinham filmado as estações polares,
surgidas durante a guerra. Redhorse compreendeu que as duas estações tinham sido
construídas pelos pensadores. No último estágio da guerra os mesmos tinham usado uma
arma terrível contra os habitantes da superfície. Tratava-se do condensador potencial.
Concluía-se que os responsáveis pelo processo de redução não eram os senhores da
galáxia, mas os pensadores que com as duas estações polares tinham alcançado um
resultado favorável da guerra.
As fotografias seguintes deixaram claro o que tinha acontecido depois da guerra.
Como Redhorse supusera, os raros sobreviventes que permaneceram na superfície tinham
degenerado. Sucessivas mutações produziram neles alterações tamanhas que só podiam
viver sob a proteção de envoltórios especiais, transportados por robôs muito simples.
Redhorse tentou compreender por que lhe mostravam estas imagens. Talvez
quisessem comunicar-se com ele. Ou então — um sorriso triste surgiu no rosto de
Redhorse — esperavam que eles os auxiliassem.
O quadro projetado na tela desmanchou-se, sendo substituído novamente pelos
círculos coloridos. Redhorse teve dificuldade em fazer uma idéia, mesmo vaga, da
mentalidade desses seres que viviam como produtos dependentes de uma degeneração no
interior de conchas metálicas. Seria impossível a um terrano compreender as reações
mentais desta forma de vida. Nem mesmo o filme que o capitão acabara de ver fornecia
qualquer esclarecimento sobre os cabeças-de-cúpula, pois os seres que tinham feito as
filmagens certamente eram bem diferentes.
Será que os cabeças-de-cúpula eram capazes de compreender de onde vinham
Redhorse e seus companheiros? Uma criatura de dois milímetros de altura seria capaz de
entender alguma coisa de astronáutica e astronomia? Não, pensou Redhorse. Eles
certamente tinham esquecido essas coisas. O oficial conscientizou-se de forma dolorosa
da tragédia que representava o desaparecimento desse povo.
De repente Redhorse foi arrancado de suas reflexões. A porta que ficava ao lado da
tela abriu-se e três cabeças-de-cúpula entraram. Pararam bem ao lado da cama em que
Redhorse estava deitado. Suas cabeças não possuíam olhos, mas Redhorse tinha certeza
de que estes seres eram capazes de observá-lo através de algumas das muitas lentes
existentes neles. Era desagradável não saber de que lado alguém estava olhando para a
gente.
Um dos cabeças-de-cúpula apontou para a tela.
Redhorse acenou fortemente com a cabeça. Compreendera o gesto. Levantou a mão,
com o dedo polegar voltado para dentro, e estendeu os quatro dedos restantes para os
seres que se encontravam ao lado de sua cama. Talvez os mesmos compreendessem que
estava pedindo informações sobre seus companheiros.
Um dos cabeças-de-cúpula pulverizou um pouco de líquido sobre a rede que
prendia Redhorse. Este logo ficou livre. Ergueu-se bem devagar, para não levar os três
desconhecidos a cometerem um ato precipitado. Sua pistola tinha desaparecido. Seria
inútil tentar defender-se.
Os três robôs levaram Redhorse para fora da sala. Entraram num recinto sombrio,
iluminado por umas poucas lâmpadas. Redhorse acreditava que se encontravam bem
embaixo da fortaleza. Em toda parte descia água do teto. O ar era viciado. Redhorse teve
a impressão de que estava ouvindo o ruído de uma máquina. Talvez fosse uma bomba. Os
cabeças-de-cúpula pararam à frente de uma grade metálica. Neste ponto o teto abaulado
alargou-se, terminando num poço em forma de funil. Redhorse sentiu um cheiro de
carniça. Por um instante horrível acreditou que seria atirado para dentro do poço, mas os
cabeças-de-cúpula abriram a grade e aproximaram-se do buraco, caminhando à frente de
Redhorse.
O capitão seguiu-os numa atitude hesitante. Os cabeças-de-cúpula esperaram
pacientemente que ele se aproximasse. De repente ouviu-se um rugido que fez tremer o
chão. Redhorse recuou meio atordoado. Os cabeças-de-cúpula deitaram no chão e
pareciam remar com os braços. Ainda confuso, Redhorse aproximou-se do poço. Seu
pulso batia furiosamente. Esticou bem o corpo, para arriscar um olhar para dentro do
poço.
Os cabeças-de-cúpula pareciam ter enlouquecido. Redhorse começou a desconfiar
que seu comportamento representava uma forma de veneração. O capitão teve a
impressão de estar sofrendo um pesadelo. De início não viu nada além da parede cinzenta
do outro lado do poço. Mas de repente viu o monstro. Era enorme; o capitão só enxergava
parte dele. Estava deitado no fundo do poço, com metade do corpo mergulhado num
líquido verde. Para Redhorse devia ter mais de dez metros de comprimento. Possuía
quatro pernas que terminavam em garras bem afiadas. Os pêlos tinham caído quase todos,
pondo à mostra a pele nua. Um mau pressentimento surgiu na mente de Redhorse. Aquilo
era o sucessor da pobre criatura que Redhorse e seus companheiros tinham visto no
grande pavilhão. Era o alimento dos cabeças-de-cúpula. A vida orgânica tornara-se uma
coisa tão rara que os habitantes de Llalag quase lhe chegavam a dedicar uma certa
devoção. Mas nem por isso se sentiam impedidos de comer aquilo que para eles era uma
divindade.
De repente o Capitão Don Redhorse compreendeu por que tinha sido levado para lá.
Os cabeças-de-cúpula queriam viver. E os alimentos que continham proteína tinham-se
tornado muito escassos.
***
Oleg Sanchon sentiu a mão de Losar, que pousou de forma tranqüilizadora em seu
braço.
— Deixe essa arma onde está — cochichou o técnico de armamentos. — Será que o
senhor deseja que façam explodir esta cabina conosco?
A voz de Losar não exprimia nenhuma resignação. Pelo contrário. Sanchon sentiu o
espírito resoluto desse homem, que estava decidido a aguardar a oportunidade adequada
para entrar em ação.
Um dos cabeças-de-cúpula aproximou-se e pegou a cabeça que Aybron acabara de
atirar ao chão. Sanchon esperava ser atingido a qualquer momento por um tiro.
— Estamos numa armadilha — disse. — Esses caras têm todos os motivos para não
ser delicados conosco.
O rosto de Losar com seus poros grandes continuou impassível, até mesmo quando
entrou outro inimigo e lhes tirou as pistolas.
Finalmente explicaram-lhes que deveriam retirar-se do recinto em que se
encontravam. Quando saíram da cabina, constataram que pelo menos trinta cabeças-de-
cúpula se haviam reunido nas proximidades. Estavam todos armados.
Sanchon notou que a ferida na perna de Losar estava sangrando de novo. O técnico
de armamentos puxava um pouco da perna ferida, mas não deu o menor sinal de estar
sentindo dores.
A massa dos cabeças-de-cúpula formou uma espécie de beco. Os três terranos não
tiveram outra alternativa senão prosseguir. Sanchon olhou para trás e viu que três
cabeças-de-cúpula os seguiam. As armas dos inimigos estavam ameaçadoramente
apontadas para as costas dos astronautas.
Passaram por uma série de máquinas enfileiradas. Os vapores não eram tão densos.
Sanchon percebeu que se aproximavam de uma parede. Os três cabeças-de-cúpula
deixaram a fixação da velocidade por conta dos terranos. Atingiram a parede e por algum
tempo caminharam junto à mesma. Atingiram uma porta e foram obrigados a parar. A
porta foi aberta por um dos cabeças-de-cúpula e os terranos foram empurrados para
dentro de uma sala escura. A porta voltou a fechar-se ruidosamente. Sanchon enxugou o
suor do rosto. O ar que respirava estava impregnado do cheiro de mofo e podridão. Bem
que gostaria de ver alguma coisa. Ouviu Losar e Aybron se movimentarem na escuridão.
Sanchon avançou às apalpadelas em direção ao lugar em que, segundo acreditava,
ficava a entrada. Suas mãos estendidas tocaram a parede úmida. Ouviu o ruído de pingos
de água vindo de vários lugares. O técnico estava decidido a encontrar uma saída da
prisão em que se encontravam. Restava saber se essa decisão seria suficiente.
— Atingi a outra parede — disse Zantos Aybron nesse instante. — A sala tem
exatamente sete metros de largura.
“São sete milímetros!” pensou Sanchon. Mas logo reprimiu este pensamento. Para
eles eram mesmo sete metros.
Dali a pouco Lope Losar constatou que a prisão tinha nove metros de comprimento.
Não tiveram meios de determinar a altura. Nem mesmo subindo nas costas de Losar,
Sanchon conseguiu tocar o teto. A sala estava completamente vazia. Nas proximidades da
entrada o chão era menos úmido que no resto do recinto. Os três homens sentaram ali.
Sanchon comeu um pouco dos alimentos concentrados que trazia consigo. Ofereceu a
Losar e Aybron, mas os dois recusaram.
Sanchon teve a impressão de que os olhos sem vida de Belchman o fitavam na
escuridão. O chão em que estavam sentados parecia vibrar ligeiramente. Isso podia
significar que embaixo deles havia uma sala com grandes unidades energéticas.
À medida que esperavam, a autoconfiança de Oleg Sanchon foi-se desvanecendo.
Sabia perfeitamente que se não dispusessem de recursos técnicos não teriam a menor
chance de fugir.
Sanchon não sabia quanto tempo já tinha passado quando Zantos Aybron disse:
— Losar, desparafuse a placa das minhas costas.
***
O cérebro de Redhorse transformou-se numa máquina de alta precisão, que reprimiu
qualquer influência emocional. O motivo por que tinha sido levado ao subterrâneo era tão
apavorante que o capitão resolveu entrar em ação imediatamente.
Sabia que qualquer demora o exporia irremediavelmente à desgraça. Recuou alguns
passos, sem tirar os olhos dos três cabeças-de-cúpula. Os três desconhecidos estavam
deitados a apenas um metro do poço. Mais uma vez o rugido do monstro fez tremer as
paredes. Naquele momento Redhorse não teve tempo para refletir por que o animal que
se encontrava lá embaixo tinha escapado ao processo de redução. Lembrou que na
verdade o monstro só tinha um centímetro de comprimento e, portanto, era inofensivo.
Don Redhorse deu um salto que o fez parar entre os três cabeças-de-cúpula, que
continuavam a agitar os braços numa atitude de enlevo. O capitão pôs fim à cerimônia,
agarrando um dos três pelas pernas e empurrando-o para dentro do poço. O corpo bateu
no fundo do poço, produzindo um grande baque. O monstro pôs-se a berrar. Esguichos de
água passaram por cima da borda do poço. Um mal cheiro insuportável encheu o ar.
Redhorse estava segurando as pernas do segundo cabeça-de-cúpula. Mas este já estava
prevenido e procurou desesperadamente firmar-se no chão com os braços. Redhorse sabia
que, se o terceiro inimigo interviesse na luta, estaria perdido. Empurrou com toda força,
para fazer com que o pesado corpo metálico caísse no poço. O cabeça-de-cúpula tentou
fazer girar o corpo. Redhorse perdeu o equilíbrio e caiu. Foi obrigado a soltar o
adversário. Quando se encontrava bem perto do poço, Redhorse conseguiu agarrar um
dos braços do robô. Nesse momento o terceiro inimigo aproximou-se e fez menção de
precipitar-se sobre Redhorse. Este só tinha uma vantagem — a rapidez dos movimentos
— e não perdeu tempo em utilizá-la. Desviou-se rapidamente para o lado. Os dois corpos
metálicos bateram ruidosamente um no outro. Redhorse deitou de costas e empurrou os
cabeças-de-cúpula enrascados com ambos os pés.
Desta forma conseguiu impeli-los para o fundo do poço.
Ouviu seu impacto no chão e ficou deitado por algum tempo, trêmulo e lutando com
o enjôo e a falta de ar. Se alguém o atacasse nesse instante, não teria possibilidade de
defender-se. Sabia perfeitamente que estava combatendo seres que lutavam
desesperadamente por qualquer coisa que pudesse garantir sua sobrevivência, ainda mais
que levavam uma vida antinatural, que mal podia ser considerada uma forma de vida. Os
cabeças-de-cúpula eram uma monstruosidade, uma forma de vida que em condições
normais já teria sido extinta. Mas os habitantes de Llalag agarravam-se com toda força ao
que lhes restava de vida, embora isso os condenasse a serem carregados de um lado para
outro por robôs rudimentares.
Redhorse só tinha um desejo: sair quanto antes de Llalag. Quando finalmente se
levantou sentiu frio, embora no interior do subterrâneo fizesse tanto calor como no resto
da fortaleza. Sabia que não poderia ficar ali, pois outros cabeças-de-cúpula acabariam por
aparecer. A pergunta sobre os motivos por que lhe haviam mostrado o filme certamente
ficaria sem resposta. Será que tinham a intenção de deixá-lo informado, antes que fosse
entregue ao terrível destino que lhe reservavam? Redhorse imaginava que também seria
venerado, caso os cabeças-de-cúpula tivessem encontrado um meio de conservá-lo.
Talvez a apresentação dos filmes já fizesse parte da cerimônia.
O capitão ficou muito preocupado ao lembrar-se dos quatro companheiros. Tinha de
voltar para junto deles, custasse o que custasse. Devia preveni-los, para que não tivessem
o mesmo destino ao qual Redhorse mal e mal conseguira escapar.
“Escapar por enquanto”, pensou, zangado, pois ainda não estava em segurança.
Aos poucos foi recuperando a capacidade de refletir calmamente. No interior do
poço estava tudo em silêncio. Redhorse não teve nenhuma vontade de olhar mais uma
vez para dentro do mesmo. Voltou para o recinto abobadado. Não sabia em que parte da
fortaleza se encontrava, e por isso tinha de ser cauteloso, para não cair nas mãos dos
cabeças-de-cúpula. Seria inútil refletir para tentar descobrir para onde tinha sido levado
depois que ficara inconsciente.
Redhorse voltou à sala em que despertara. Sentiu-se aliviado ao notar que estava
vazia. Entrou e fechou a porta. Mas ali também não podia ficar. Precisava tentar escapar
usando a outra entrada.
O terrano deu alguns passos amplos e atingiu a segunda porta. Não teve nenhuma
dificuldade em abri-la. Espiou cautelosamente para fora. Viu um pavilhão extenso cheio
de maquinas. Uma lufada de ar frio atingiu seu rosto. Não viu sinal de vapores ou
umidade. Redhorse concluiu que o pavilhão que se encontrava à sua frente devia ser
muito importante. Talvez fosse o centro de comando de Llalag.
Vários cabeças-de-cúpula caminhavam entre as máquinas. Redhorse achava que
seria capaz de chegar ao outro lado do pavilhão sem que sua presença fosse notada. Nada
escapava ao seu olhar atento. Havia telas luminosas penduradas sobre vários
maquinismos. Um dos aparelhos ficava tão perto que Redhorse viu perfeitamente uma
paisagem montanhosa projetada na tela. A imagem mudou. O capitão viu o vale em que
estava pousada a Crest II. Redhorse conseguiu reprimir a exclamação que estava para sair
de seus lábios. A suposição de que o recinto era o centro de comando parecia confirmar-
se. Dali os cabeças-de-cúpula podiam observar o vale. Redhorse acreditava que as armas
com as quais o Oldtimer tinha sido derrubado também eram controladas a partir dali.
Diante disso o terrano alterou seus planos.
Devia encontrar um meio de destruir as bases lança-foguetes dos cabeças-de-cúpula,
ou ao menos paralisá-las por algum tempo. Só depois disso outro avião poderia decolar
da Crest.
Redhorse não seria capaz de superestimar sua capacidade. Sabia que sozinho não
poderia fazer muita coisa. Só teria uma chance de atingir seu objetivo se agisse em
conjunto com os outros homens. Redhorse certificou-se de que a saída da sala de
projeção não estava sendo observada por nenhum cabeça-de-cúpula e saiu correndo em
direção a duas colunas. Quando atingiu as mesmas e olhou para trás, constatou que
acabara de cometer um grande erro. As solas de suas botas ainda estavam cheias de lama
úmida. Uma pista desenhava-se nitidamente no chão limpo.
Com uma expressão tensa, Redhorse contemplou os sinais da própria imprudência.
Não tinha tempo para auto-recriminações. Tinha que dar o fora antes que um dos
cabeças-de-cúpula descobrisse a pista e tirasse suas conclusões.
Tirou rapidamente as botas e limpou as solas na calça. Não podia permitir que o
inimigo simplesmente seguisse sua pista. Só voltou a calçar as botas quando teve certeza
de que as solas não poderiam traí-lo mais. Mesmo nessa altura dos acontecimentos
Redhorse não agiu precipitadamente. Mesmo que fosse descoberto, ainda haveria tempo
para sair correndo. O capitão passou entre as colunas. Havia duas máquinas pesadas bem
à sua frente. Atrás delas Redhorse viu um quadro de comando com inúmeros controles.
Teve de fazer um esforço para resistir ao desejo de rasgar os cabos dos controles. Isso
não adiantaria nada. A destruição teria de ser bastante ampla para que os cabeças-de-
cúpula fossem impedidos por algum tempo de atirar em qualquer coisa que se
encontrasse no vale. E para isso não bastaria impedir por algum tempo o funcionamento
de certo número de controles.
Redhorse era mestre na arte da locomoção silenciosa. E não era só isso. Possuía um
instinto seguro, que lhe permitia reconhecer instantaneamente o significado de qualquer
ruído, permitindo-lhe que esboçasse a reação adequada ao caso. O treinamento por que
passara na Academia Espacial voltara a despertar as velhas capacidades de seu povo. Don
Redhorse era conhecido como um tipo extremamente arrojado. Mas nunca teria chegado
ao posto de oficial se não soubesse controlar seu arrojo, para utilizá-lo somente nos casos
em que isso se tornava recomendável. Redhorse era uma das pessoas que antes de agir
costumava fazer uma avaliação dos riscos. Mesmo quando entrava em ação, a
inteligência continuava a funcionar sem ser afetada pelos acontecimentos. E o capitão
poderia ser tudo, menos um tipo pobre em emoções.
Quando viu dois cabeças-de-cúpula aparecerem junto à parede em que ficava o
quadro de comando, Redhorse compreendeu que teria de esperar até que se retirassem,
embora com isso corresse o risco de suas pistas serem descobertas.
Redhorse pôs-se a esperar, com o corpo encostado ao revestimento traseiro de uma
máquina, até que os donos orgânicos dos corpos carregadores lhes dessem um comando
para se deslocarem em outra direção. Os ruídos que atingiam o ouvido de Redhorse
revelaram-lhe o que os dois cabeças-de-cúpula estavam fazendo. Finalmente o silêncio
começou a reinar nas imediações. Redhorse saiu de seu esconderijo. O caminho estava
livre. O terrano conseguiu chegar ao centro do pavilhão. Lá teve de esconder-se de novo,
já que dois cabeças-de-cúpula apareceram à sua frente. Arrastou-se para baixo do
revestimento inferior de uma máquina, enquanto os robôs passavam junto dele. Os
pensamentos de Redhorse estavam na Crest e sua tripulação. Fazia votos de que Rhodan
não cometesse o erro de enviar logo um segundo avião. Isto só poderia acarretar a morte
inevitável de alguns homens.
Quando pôde abandonar novamente seu esconderijo, Redhorse sentiu-se
reconfortado por uma nova segurança. Teve certeza de que não demoraria a encontrar os
quatro companheiros.
***
A idéia de que os ruídos metálicos vinham das costas de Aybron fez com que Oleg
Sanchon estremecesse. Ao que parecia, o técnico de armamentos não conhecia este tipo
de inibição, pois Sanchon ouviu que estava trabalhando com movimentos seguros.
— Não quer contar o que significa isso? — resmungou Losar.
— Assim que tiver tirado a placa, o senhor poderá pôr a mão num espaço oco —
disse Aybron. — Seus dedos apalparão os contornos de um pequeno aparelho. Tire todos
os contatos que levam para dentro do meu corpo e retire o aparelho.
Sanchon ouviu Losar soltar um assobio.
— O senhor não pode viver sem esta maquinazinha — disse em tom áspero. — Para
nós ela não adiantará muito.
Aybron deu uma risada seca.
— Acham que pretendo levá-los a pôr fim à minha vida? — perguntou. — É claro
que o senhor tem razão ao dizer que preciso deste aparelho. Mas posso garantir que o
brightor nos ajudará.
— Isso talvez possa controlar e estimular a atividade de alguns dos seus órgãos —
admitiu Losar. — Mas é só.
Sanchon ficou curioso para ouvir a voz de Aybron. Nunca ouvira um homem falar
com tamanha indiferença na própria morte.
— Como técnico de armamentos o senhor deveria saber como funciona um brightor
— disse Aybron sem elevar a voz. — Não é possível construir um aparelho destes de tal
modo que também possa funcionar como bomba?
— Sem dúvida — respondeu Losar. — Acontece que não estamos em condições de
fazer isso.
— Pois meu brightor já é uma bomba — disse Aybron em tom calmo.
Depois destas palavras todos ficaram em silêncio. Sanchon só ouvia a respiração
pesada de Losar. Bem que gostaria de saber o que estava em jogo. Só sabia que nas
costas de prata de Aybron tinha sido colocada uma pequena máquina, que além de
conservar sua vida podia ser utilizada como bomba.
— Vá para o inferno com seu brightor! — gritou Losar em tom exaltado. Era a
primeira vez que este homem taciturno parecia ter perdido o autocontrole. — Não
acredito que o senhor o tenha mandado construir para preencher uma dupla finalidade.
Por que iria carregar uma bomba por aí?
— Sou um homem mortalmente enfermo — respondeu Aybron com a calma de
quem explica uma fórmula matemática. — Acabaria morrendo um dia com dores
horríveis. Me transformaria numa criatura chorosa e indefesa. Não quero que as coisas
cheguem a este ponto. Por isso mesmo o brightor explicará antes que chegue este dia.
Sanchon engoliu em seco. Que homem era este, que carregava uma bomba para um
dia fazer-se explodir?
— Quanto tempo pode viver sem o brightor? — perguntou Losar.
— Não sei — respondeu Aybron. — Talvez conseguisse chegar à Crest.
— Não! — Losar gritou. — Nunca farei uma coisa dessas, Zantos Aybron. Não
sacrificarei sua vida para que os outros alcancem a liberdade.
Uma risada irônica saiu da escuridão.
— Está com medo, meu caro técnico de armamentos?
Dirigir uma pergunta destas a Lope Losar era um absurdo tamanho que Sanchon
chegou a duvidar das faculdades mentais do astrônomo. Sanchon estreitou os lábios. Será
que a pergunta era tão absurda assim? Ou só serviu para provocar Losar?
Sanchon ouviu Losar mexer novamente na placa que Aybron trazia nas costas.
— Vou trancar a placa — disse Losar. — Ouça bem, Aybron. Vou trancá-la.
— Desta vez o senhor não vai conseguir nada com sua teimosia — asseverou
Aybron. — Se não tirar o brightor, irei até a porta e detonarei a bomba. Não acredito que
o poder explosivo da mesma seja suficiente, mas não custa tentar.
Ele seria capaz disso, pensou Sanchon, atordoado. Este maluco se mataria, somente
para abrir-lhes um caminho para fora da prisão.
— Nunca me deixei levar por ameaças — disse Losar com a voz insegura.
Zantos Aybron levantou. Sanchon teve a impressão de ver o brilho de seus olhos
grandes no meio da escuridão.
— Não mesmo? — perguntou em tom irônico.
Saiu caminhando em direção à porta. Sanchon ouviu perfeitamente os movimentos
irregulares com que Aybron se aproximava da mesma. Por causa do espartilho de prata, o
astrônomo se acostumara a um andar abrupto.
— Não faça tolices! — fungou Losar.
— Já estou perto da porta — anunciou Aybron. — Quando acionar o detonador, não
haverá mais como voltar atrás. Decida logo.
Sanchon começou a transpirar. Esperava que um dos dois cedesse. No mesmo
instante ouviu a própria voz.
— Volte, Aybron. Eu removerei o brightor.
— O senhor não pode fazer isso — constatou Aybron, — O serviço tem de ser feito
por Losar, pois do contrário o aparelho será danificado.
— Isso é um blefe! — gritou Losar.
Aybron não deu resposta. Sanchon esperava ser ofuscado a qualquer momento por
um lampejo. A respiração de Lope Losar era pesada.
— Está bem — disse. — Venha cá, Aybron.
— O senhor é um homem cheio de truques, meu caro técnico de armamentos —
disse Aybron em tom sarcástico. — Certamente pensou num meio de enganar-me.
— Quer mais alguma coisa? — perguntou Losar em tom zangado.
— O que quero é dizer-lhe que ficarei com o dedo no gatilho enquanto estiver perto
do senhor. Se quiser bancar o salva-vidas contra minha vontade, não terei a menor dúvida
em executar o movimento decisivo.
Sanchon nunca seria capaz de acreditar que um homem calado como Aybron fosse
capaz de falar tanto. Não se atreveu a fazer o menor movimento quando o astrônomo
voltou para junto de Losar. As juntas deste estalaram. Sanchon ouviu o ruído do tecido.
— Pode começar — disse Aybron em tom calmo.
Losar pôs-se a trabalhar em silêncio. Sanchon sentiu-se satisfeito porque estava
completamente escuro, pois dessa forma não via Aybron.
— Já retirei a placa — disse Losar depois de algum tempo. — Não fique nervoso
quando eu puser a mão no brightor, Aybron.
— Não se preocupe — respondeu Aybron. — Quando tirar o cabo, terá de ser muito
rápido.
Dali a pouco Sanchon ouviu o astrônomo dar um gemido. Losar pôs-se a praguejar
furiosamente.
— Já conseguiu? — perguntou Aybron com a voz desfigurada.
— Já — respondeu Losar. — Antes não tivesse feito isso.
— Pois leve o brightor para junto da porta — disse Aybron. — Ligue os dois cabos
de cima com os debaixo. Há uma pequena tecla de um dos lados do brightor. Aperte-a
para baixo. A explosão se verificará cinco segundos depois disso.
— Como é que o senhor pretendia alcançar essa tecla? — perguntou Losar.
Aybron ensaiou uma risada. Devia sentir dores terríveis.
— Um certo movimento com um dos músculos das costas e...
Lope Losar dirigiu-se à porta. Sanchon retirou-se para o canto mais afastado da sala.
O teto era muito alto, e por isso esperava que a pressão do ar não fosse muito alta.
— Não troque os cabos — advertiu Aybron. Caminhou pesadamente para junto de
Sanchon e encostou-se à parede.
Lope Losar só gastou alguns minutos na operação. No momento em que Sanchon o
ouviu sair correndo, ele começou a fazer a contagem mental.
“Um”, pensou. “Dois, três...”
***
Into Belchman, um dos assistentes médicos da clínica de bordo da Crest II, estava
deitado numa caixa metálica aberta. Redhorse percebeu imediatamente que estava morto.
O capitão se deparara subitamente com o morto, o que por pouco não o levara a soltar um
grito. A caixa em cujo interior estava Belchman encontrava-se à frente de uma máquina
gigantesca de trás da qual Redhorse acabara de sair.
O capitão ficou parado em silêncio a frente de Belchman. Por um instante esqueceu
os cabeças-de-cúpula. Não tinha a menor dúvida de que Belchman só fora levado a este
lugar depois de morto. O astronauta morrera num lugar diferente. Ninguém sabia onde.
Redhorse levantou a cabeça. Inconscientemente esperava ver por perto outro
companheiro, também morto. Seria impossível tirar Belchman da caixa para sepultá-lo.
“Fui eu que o escolhi”, pensou Redhorse, muito triste.
Mas no mesmo instante disse a si mesmo que outro homem estaria deitado ali, se
Belchman não tivesse sido escolhido para o teste de vôo. Em momentos como este a
responsabilidade de oficial sempre pesava muito em Redhorse.
Desprendeu os olhos do morto.
Don Redhorse encontrava-se a apenas alguns metros de uma grande porta, que era o
acesso principal do pavilhão. Se quisesse orientar-se, teria que sair. Em nenhum dos
edifícios que Redhorse tinha visto havia janelas. Redhorse teve a impressão de que por
algum motivo desconhecido os cabeças-de-cúpula não gostavam de entrar em contato
com a luz do sol. Talvez fossem tão sensíveis que as radiações dos três sóis eram capazes
de prejudicá-los.
Redhorse chegou são e salvo ao portão principal. Estava fechado. Redhorse não
tinha a intenção de abri-lo, pois nesse caso os inimigos certamente sairiam em sua
perseguição. Enquanto estivera parado no centro do pavilhão, a porta se abrira uma vez.
Redhorse tinha certeza quase absoluta de que isso se repetiria a intervalos regulares.
Quando isso acontecesse, teria de aproveitar a oportunidade para sair do pavilhão.
Por enquanto não tinha outra alternativa senão ficar escondido bem perto da
entrada.
***
O brightor detonou num lampejo fulgurante. A força da explosão foi tamanha que
Sanchon cambaleou. Teve a impressão de que o edifício estava desabando em cima deles.
A porta voou para o lado de fora. Uma poeira densa agitava-se na luz que penetrava pela
abertura.
Sanchon estava completamente atordoado. Tossindo fortemente, saiu caminhando
em direção à entrada. De repente a abertura criada à força escureceu. Sanchon levou
algum tempo para compreender que era a figura larga de Losar que se havia colocado à
sua frente. Os destroços da porta estavam espalhados à sua frente. Lope Losar não perdeu
tempo: passou por cima dos mesmos. Sanchon olhou para trás e viu que Zantos Aybron
se encontrava logo atrás dele. Sob a luz que entrava pela porta o rosto do astrônomo
parecia pálido como um fantasma, e a poeira parecia formar um véu à frente do mesmo.
A primeira coisa que ouviu foi o crepitar das chamas e a voz impaciente de Losar,
vinda do lado de fora.
— Saia logo, Sanchon!
Sanchon pôs a mão para trás e encontrou a de Aybron. Empurrou o astrônomo para
fora do recinto enfumaçado. Quase chegou a sentir-se grato ao notar que Aybron voltara
a cobrir com as vestes o buraco que se abrira nas suas costas. Quando saía rastejando pela
abertura, o reboco caiu lentamente sobre ele. Logo atrás algumas pedras caíram
ruidosamente ao chão. Parte dos destroços tinha caído para o lado de fora.
Lope Losar escolheu a direção em que seguiriam. A qualquer momento deveriam
chegar alguns cabeças-de-cúpula, para investigar a causa da explosão. Sanchon
acreditava que naquela altura não teriam mais compaixão por eles.
Losar conduziu-os através de fileiras de máquinas de aspecto grosseiro. As nuvens
de fumaça que saíam dos grandes recipientes chegavam até ali. Sanchon respirou aliviado
quando entraram num corredor lateral estreito que, segundo parecia, não era usado com
muita freqüência.
Aybron estava com falta de ar. Sanchon notou que a respiração do astrônomo era
ofegante. As conseqüências da perda do brightor já começavam a manifestar-se. Sanchon
perguntou-se se Aybron teria dito a verdade ao afirmar que não sabia quanto tempo
demoraria até que a falta do brightor causasse problemas mais sérios.
O corredor descreveu uma curva fechada. Dali a pouco Sanchon viu a luz do dia
que penetrava por uma porta aberta. Viu à sua frente um pátio da fortaleza. Losar
levantou o braço num gesto de advertência.
— Esperem aqui! — disse em voz baixa. — Vou dar uma olhada antes de sairmos
do corredor.
Lope Losar assumira o comando, para substituir Aybron, que se sentia debilitado
com a perda do brightor. O técnico de armamentos foi até a porta. Olhou para os lados e
saiu para o pátio. Aybron apoiou-se na parede. Sanchon olhou-o com uma expressão
triste.
— Será que ainda vai agüentar algum tempo? — perguntou.
— Naturalmente — respondeu Aybron. — Preciso adaptar-me.
A silhueta do corpo robusto de Losar voltou a desenhar-se no retângulo da porta.
Fez um sinal para os outros. Sanchon e Aybron saíram caminhando em sua direção. O
técnico sentia-se satisfeito por sair novamente para o ar livre.
Lope Losar esperou-os junto à porta.
— Encontramo-nos do outro lado do edifício — disse. — Ali fica a muralha externa
da fortaleza. É muito alta para passarmos por cima dela. Temos de voltar ao lugar em que
fomos trazidos para dentro da fortaleza.
Sanchon acenou com a cabeça e olhou em torno. Pôde acompanhar a muralha até
chegar a uma torre. O pátio era em forma de T. Os três homens encontravam-se na parte
inferior do mesmo.
— Vamos tentar rastejar por dentro das sebes que crescem entre a muralha externa
deste edifício — disse Losar, apontando em direção oposta à da torre. — Dessa forma
deveremos atingir o caminho pelo qual nos aproximamos do edifício.
Sanchon lançou um olhar desconfiado para as sebes. Eram tão densas que não se via
o outro lado. As raízes retorcidas estavam entrelaçadas. Parecia que Losar estava lendo os
pensamentos de Sanchon no rosto do mesmo.
— Temos de encontrar um lugar em que a sebe não é tão densa — disse em defesa
de seu plano. — Nas proximidades da torre não teríamos a menor chance de passar, e
ninguém vai querer voltar ao edifício enquanto estivermos desarmados.
— O senhor tem toda razão, meu caro técnico de armamentos — disse Aybron. —
Não existe outro caminho.
Quando atingiram as sebes, Sanchon constatou que os galhos estavam cheios de
espinhos. Seguiu Losar, que caminhou abaixado junto aos arbustos, à procura de um
lugar por onde pudessem passar. Finalmente o técnico de armamentos parou.
— É aqui — limitou-se a dizer.
Sanchon olhou para trás para ver se enxergava Aybron, mas o astrônomo tinha
desaparecido. Losar notou no mesmo instante.
— Aybron desapareceu! — gritou em tom nervoso. — O que será?
— Os cabeças-de-cúpula — conjeturou Sanchon.
Losar sacudiu a cabeça com uma expressão contrariada.
— Não; eles teriam atacado os três. Este sujeito tramou um plano maluco e voltou
para dentro do edifício.
Sanchon mordeu o lábio. Sentia-se satisfeito porque as decisões estavam a cargo de
Lope Losar.
— Vamos atrás dele? — perguntou.
Pela primeira vez parecia que Losar não sabia o que fazer. Seus olhos
desapareceram sob as espessas sobrancelhas.
— Não — disse depois de algum tempo. — Não vamos atrás dele.
Penetrou nas sebes com os braços estendidos para a frente. Sanchon seguiu-o com a
cabeça entre os ombros. Quando tinham percorrido alguns metros, Sanchon já estava todo
picado. Losar atravessava a vegetação densa como um tanque. Os galhos estalavam sob o
peso de seu corpo. Sanchon protegeu o rosto com os braços. Lope Losar deitou no chão,
para rastejar entre as raízes. O trançado dos galhos era cada vez mais denso. Sanchon
começou a praguejar contra a idéia de Losar. Tinham arriscado o avanço para a muralha
natural, sem conhecer a espessura da sebe. Os espinhos atravessavam com a maior
facilidade os uniformes dos dois.
Losar permaneceu em silêncio. Fez passar obstinadamente os ombros entre as
raízes. Seu uniforme estava esfarrapado. Sanchon sabia que seu aspecto não era muito
melhor, embora tivesse a vantagem de poder usar a trilha aberta por Losar.
Finalmente Losar atravessou toda a sebe. Ajudou Sanchon a levantar, assim que o
técnico saiu atrás dele.
Sanchon contemplou o técnico de armamentos e sorriu. Losar passou a mão pelo
rosto.
— Estamos lindos — disse. — A Frota Solar pode orgulhar-se de nós.
Losar parecia ter perdido todo senso de humor. Cobriu os olhos com uma das mãos,
a fim de protegê-los contra a claridade dos três sóis.
— Ali passam os tubos entre os quais entramos no edifício — disse. — Pelo menos
já sabemos onde estamos. Espero que nenhum cabeça-de-cúpula cruze nosso caminho
antes de chegarmos à saída.
Sanchon fitou-o com uma expressão de perplexidade.
— Quer sair de Llalag? — perguntou em tom de incredulidade.
— Naturalmente — disse Losar. Tirou alguns espinhos da coxa e atirou-os para
longe com os dedos.
— Mas... — principiou Sanchon. Engoliu em seco e acrescentou: — O que será de
Redhorse e Aybron?
O técnico de armamentos abriu os dedos. O olhar que lançou para Sanchon poderia
ser tudo, menos amável.
— Não temos armas — disse em tom paciente. — O que podemos fazer? Entrar ali
à força dos nossos punhos e sair gritando à procura do capitão?
Sanchon não se lembrava de que alguma vez já tivesse estado tão cansado como
naquele momento. Sabia que Losar tinha razão. Não poderiam fazer nada por Redhorse e
Aybron. Por enquanto nem sequer tinham certeza de que conseguiriam fugir da fortaleza.
O técnico fechou os olhos. Quando voltou a abri-los viu uma coisa que só poderia ser um
sonho.
Uma figura saiu rastejando entre os tubos junto aos quais tinham penetrado no
edifício. Sanchon abriu a boca, mas não conseguiu dizer uma palavra. Viu Zantos Aybron
fazer um grande esforço para pôr-se de pé junto às tubulações. Duas armas dos cabeças-
de-cúpula estavam penduradas sobre seus ombros aleijados.
Sanchon levantou o braço e apontou na direção de Aybron. Losar virou a cabeça.
— Zantos Aybron! — gritou.
Nesse momento Oleg Sanchon compreendeu que não estava sonhando.
***
A grande porta abriu-se. Dois carros elétricos, dirigidos por cabeças-de-cúpula,
entraram no pavilhão. Don Redhorse acompanhou atentamente os movimentos dos
corpos portadores. Entesou os músculos, para saltar no momento adequado.
Os carros desapareceram entre as máquinas. A porta voltou a fechar-se quase no
mesmo instante. Redhorse saltou para fora do esconderijo e saiu correndo em direção à
saída. Era uma competição com os rolos que movimentavam a porta. Quando se
encontrava a alguns metros do destino, teve medo de que poderia ser lento demais. A
abertura diminuiu com uma rapidez apavorante.
Finalmente Redhorse atingiu a porta. Deu mais um salto e atravessou a fresta que
ainda estava aberta. A porta que se ia fechando atingiu seu ombro com tamanha violência
que quase o atirou ao chão. Atrás dele os engates se fecharam ruidosamente. Redhorse
recuperou o equilíbrio e apressou-se em entrar na sombra da parede externa, para não ser
descoberto pelos cabeças-de-cúpula que pudessem estar por perto. Mas o pátio parecia
abandonado.
Redhorse saiu caminhando junto à parede. Não podia assumir mais nenhum risco.
Encontrara o cadáver de Belchman, e por isso não acreditava que os outros ainda
estivessem vivos. Redhorse estava decidido a sair da fortaleza e chegar à Crest. Dali
poderia voltar com um comando devidamente equipado para inutilizar os lança-foguetes
dos cabeças-de-cúpula. Sabia perfeitamente que alguns obstáculos insuperáveis se
opunham à realização de seu plano. Era bastante duvidoso que conseguisse chegar à
Crest.
Redhorse atingiu a extremidade do edifício. Viu a parte do pátio que já tinha visto
do outro lado. A sua direita havia uma escada que levava aos recintos subterrâneos. A
alguns metros de distância uma muralha baixa limitava o pátio dos fundos do edifício que
Redhorse acabara de sair.
Quando se encontrava entre a escada e a muralha, Redhorse voltou a ouvir o
zumbido fraco de um carro elétrico. Saiu correndo e suas mãos agarraram o topo da
muralha. Subiu num salto. Nesse momento os primeiros projéteis explosivos atingiram o
muro bem a seu lado. Fora descoberto. Redhorse não perdeu tempo. Sem escolher um
lugar do lado oposto, desceu do muro. Mal seus pés tocaram o chão, saiu correndo em
direção a um edifício baixo. Atrás dele os projéteis atingiam as pedras. No momento não
havia nenhum perigo. Redhorse teve o cuidado de conservar-se numa posição tal que a
muralha se interpunha entre ele e o atirador invisível. Contornou o edifício e viu à sua
frente o caminho que levava ao edifício que Belchman acreditara erradamente ser o
centro de comando.
Redhorse não tinha muita vontade de deixar-se levar novamente para esta área. Mas
de repente aconteceu uma coisa que modificou completamente seus planos.
Três figuras esfarrapadas apareceram entre os tubos que se viam no fim do
caminho. Para Redhorse eram o quadro mais lindo que poderia descortinar-se à sua
frente.
Lope Losar, o robusto técnico de armamentos, segurava duas armas estranhas.
Aybron dava a impressão de que iria cair a qualquer momento. Sanchon mantinha-se nas
proximidades do astrônomo, para poder apoiá-lo caso isso se tornasse necessário.
Redhorse foi saindo bem devagar de trás do edifício.
Enquanto os primeiros tiros de seus perseguidores atingiam o chão atrás dele, saiu
correndo em ziguezague na direção em que estavam os três homens.
6

Rhodan teve cada vez mais dificuldade em olhar para o relógio. A cada segundo as
chances de que o Capitão Don Redhorse e seus homens pudessem voltar tornavam-se
mais reduzidas. Isso o obrigava a tomar uma decisão difícil. Dependia exclusivamente
dele que outro teste de vôo fosse realizado ou não.
Já se sabia que nas elevações existentes ao norte havia posições de lança-foguetes
capazes de atingir qualquer ponto situado no vale. Dessa forma a saída de outros
astronautas representaria um grande risco.
Icho Tolot oferecera-se a fazer uma marcha forçada até o topo da montanha, mas
Rhodan tinha suas dúvidas se devia permitir que o halutense fosse. Não sabia quem era o
inimigo que estava à sua espreita por lá. E sem Tolot a situação dos micro-humanos se
tornaria ainda pior. Rhodan sabia perfeitamente que a simples presença de Tolot
contribuía para evitar o pânico entre a tripulação.
Já fazia quatorze horas que o avião que realizara o teste de vôo tinha partido. O
Oldtimer tinha se espatifado em algum lugar, do outro lado das montanhas. Restava saber
se os cinco ocupantes do mesmo tinham conseguido saltar de pára-quedas. Era possível
que os voluntários tivessem sido mortos ao se aproximarem da superfície, pendurados
nos pára-quedas. Mas era perfeitamente possível que naquele momento fossem
prisioneiros de seres desconhecidos. Rhodan quase não tinha nenhuma esperança de que
Redhorse conseguisse voltar à Crest II com seus próprios recursos.
Deu ordem para que as montanhas fossem vasculhadas ininterruptamente com
aparelhos de alta precisão, mas não havia o menor sinal de que os cinco astronautas
estivessem voltando.
O vale transformara-se numa armadilha para a nave-capitânia do Império Solar.
Qualquer passo que dessem para além do ângulo morto era observado por seres
desconhecidos. Além disso era de esperar que os senhores das montanhas acabariam por
descer ao vale a fim de atacar a Crest II.
A inatividade a que estavam condenados era uma carga pesada, não somente para
Rhodan. A calma reinava no interior da nave, mas Rhodan sentiu a tensão que estava
tomando conta da tripulação. Mais alguns homens sofreram distúrbios nervosos e tiveram
de ser levados à enfermaria. Rhodan sabia que estava forçando a paciência dos tripulantes
ao máximo. Conscientes de sua terrível pequenez, os homens achavam que já estava na
hora de agir, para modificar o destino a seu favor.
— São quatorze horas, bárbaro! — disse a voz de Atlan em meio aos pensamentos
de Rhodan. — Não podemos esperar para sempre. Em sua maioria os homens prefeririam
estar mortos a ter de viver neste estado.
— Vamos esperar mais uma hora — disse Rhodan em tom calmo. — Depois darei
ordem para dar início aos preparativos da saída de mais um Oldtimer.
— Isto significa que o novo grupo demoraria pelo menos cinco horas para partir —
constatou Mory Rhodan-Abro. — De qualquer maneira, os homens já terão alguma coisa
para preencher o tempo.
— Estamos com muito azar, senhor — observou o Coronel Cart Rudo. — Se as
capacidades paranormais dos dois ratos-castores não tivessem sido praticamente
eliminadas em virtude do processo de redução, dificilmente teríamos motivos para
preocupar-nos com os desconhecidos que derrubaram um Oldtimer.
— Uma desgraça quase nunca vem só — recitou Rhodan.
— Já pensou quem deverá pilotar o outro Oldtimer, senhor? — perguntou o Capitão
Sven Henderson, que era um dos melhores amigos de Redhorse.
— Naturalmente — respondeu Rhodan.
— Espero que não me tenha esquecido — disse o capitão.
— Perfeitamente — respondeu Rhodan. — O senhor irá comigo.
7

Os cabeças-de-cúpula saíram correndo de trás do muro como uma horda de ursos


desajeitados. Lope Losar dera a Sanchon uma das armas estranhas, e este estava passando
a mesma para Redhorse. Os homens não tiveram tempo para dizer muita coisa. Losar só
teve tempo de explicar ao capitão o mecanismo complicado da arma depois que Redhorse
os havia levado para trás de um galpão pequeno, mas sólido.
— Como conseguiu isso? — perguntou Redhorse.
Losar apontou para Aybron, que estava muito pálido.
— Foi ele que arranjou. Diz que no momento se sente muito fraco para explicar
como conseguiu. — Losar baixou a voz. — Aybron usava um brightor, senhor. Trata-se
de uma pequena má...
— Já sei — interrompeu Redhorse.
— Ele nos obrigou a usar o aparelho para fazer explodir uma porta — informou
Losar. — E agora está passando mal.
Redhorse não fez perguntas. Podia imaginar mais ou menos o que tinha acontecido.
No momento não tinham muito tempo para conversar. Redhorse sabia que, se ainda
queriam ter uma chance de ser bem sucedidos, teriam de arriscar um avanço rápido em
direção ao centro de comando. Sua única vantagem consistia no fato de que os cabeças-
de-cúpula não esperavam que os fugitivos fossem voltar justamente ao centro de
comando. Redhorse fazia votos de que os cabeças-de-cúpula resolvessem concentrar a
maior parte dos corpos carregadores empenhados na perseguição nas proximidades da
torre, que era a entrada e a saída de Llalag.
Redhorse fez um relato ligeiro de seus planos e descobertas, mas não disse que tinha
encontrado Belchman.
Quando chegaram ao fundo do barracão, Zantos Aybron caiu ao chão. Esforçou-se
em vão para ficar de pé de novo. Sanchon e Redhorse levantaram-no. O rosto do
astrônomo estava desfigurado pela dor.
Losar observou a frente do barracão, onde dentro de instantes surgiriam os
primeiros perseguidores.
— Sem o brightor as coisas são mais difíceis do que eu pensava — disse Aybron,
cerrando os dentes. Redhorse e Sanchon tentaram arrastá-lo, mas Aybron firmou os pés
no chão.
Sacudiu fortemente a cabeça.
— Ficarei aqui e cuidarei para que os robôs não os perturbem no trabalho — disse.
— Dê-me uma arma, Losar.
O técnico de armamentos fitou Redhorse, que lançava um olhar pensativo para o
moribundo.
— Dê-lhe a arma — ordenou Redhorse.
Aybron recebeu o estranho fuzil com as mãos trêmulas. Os primeiros cabeças-de-
cúpula apareceram do outro lado do barracão. Redhorse deitou Aybron no chão. O
astrônomo disparou um tiro, levando os cabeças-de-cúpula a se abrigarem atrás do
barracão. Aybron sorriu e ficou bem encostado ao chão.
— Ele sabia que não poderia viver muito tempo sem o brightor — disse Losar.
O tom amargurado em que proferiu estas palavras não parecia muito convincente.
Parecia que aquele homem taciturno queria disfarçar outros sentimentos. Redhorse fez
um gesto para que o técnico de armamentos e Sanchon se abrigassem atrás do galpão.
Feito isso, o capitão sentou ao lado de Aybron.
— O que está esperando? — resmungou este.
Redhorse colocou a mão nas costas aleijadas do companheiro. Sentiu a abertura em
cujo interior estivera o brightor. As costas de Aybron eram duras e frias, feitas de aço
prateado.
“Não”, pensou Redhorse, “Aybron não é nenhum problema.”
O astrônomo atirou num cabeça-de-cúpula que se arriscara a sair do abrigo.
— Vá embora! — chiou Aybron. — Acha que seus deuses indígenas são capazes de
protegê-lo contra os ferimentos?
Redhorse mostrou um sorriso delicado.
— Passe bem, cacique — disse e levantou de um salto.
No momento em que estava contornando o canto do barracão, Aybron disparou
outro tiro. Losar e Sanchon não fizeram perguntas. Redhorse olhou para o muro baixo. Se
passassem por cima dele nesse lugar, teriam de sair perto dos recintos subterrâneos que
Redhorse já tinha visto. O capitão fazia votos de que a escada que levava para cima não
estivesse ocupada por cabeças-de-cúpula.
Aybron disparou duas vezes em seguida.
Redhorse olhou para a arma que trazia consigo.
— Quantos tiros se pode dar com isto? — perguntou, dirigindo-se a Losar.
— Cerca de quarenta — respondeu o técnico de armamentos. — Mas não posso
dizer quantos tiros já tinham sido disparados com a arma de Aybron antes que a mesma
chegasse às nossas mãos.
Redhorse sacudiu os ombros.
— Tentaremos passar por cima do muro — disse. — Do outro lado existe uma
escada que sobe ao lado do centro de comando.
Não disse aos companheiros que muito provavelmente se veriam diante de uma
porta fechada.
A extensão da área livre que separava o barracão e o muro não chegava a dez
metros. Redhorse esperava que Aybron mantivesse ocupados os perseguidores, evitando
que os mesmos prestassem atenção a esta área.
Os três avançaram juntos até a extremidade do galpão. O muro parecia ficar bem à
sua frente, mas na verdade estava a uma distância infinita, quando o capitão se lembrava
do que lhes poderia acontecer nesse trecho.
— Já! — ordenou Redhorse.
Lope Losar teve uma dificuldade maior de atravessar rapidamente a área livre, já
que estava ferido na perna. Apesar disso quase se manteve na mesma altura de Sanchon.
Redhorse virou abruptamente a cabeça quando saiu de trás do barracão. Não se via um
único cabeça-de-cúpula sobre o edifício. Várias armas foram disparadas ao mesmo
tempo. Quando já se encontrava em cima do muro, Redhorse viu que do outro lado o
chão ficava dois metros mais baixo. Deixou-se cair, amortecendo o impacto com um
movimento elástico dos joelhos. Ao que parecia, os cabeças-de-cúpula estavam partindo
para um ataque geral a Aybron, pois pelo menos dez armas estavam disparando
ininterruptamente. Sanchon apareceu em cima do muro, e depois o técnico de
armamentos. Ao ver que o chão do outro lado ficava muito baixo, Sanchon hesitou. Mas
saltou. Quando tocou o chão, quase perdeu o equilíbrio. Losar saltou para cima do muro e
pendurou-se do outro lado, com o que ganhou, mais de dois metros. Redhorse e Sanchon
prepararam-se para segurá-lo, mas Losar pousou em segurança ao lado deles.
— Para a escada! — ordenou Redhorse.
Subiram correndo lado a lado pela rampa de concreto. Os buracos que haviam no
chão não poderiam ter sido feitos para os pés metálicos dos robôs. Na opinião de
Redhorse tratava-se de uma escada destinada a uma geração que só tinha uma coisa em
comum com os cabeças-de-cúpula: os antepassados. Redhorse prestou atenção ao ruído
das explosões. Se os cabeças-de-cúpula continuavam a atirar, Aybron ainda estava vivo.
De repente um carro elétrico vazio passou mais em cima, perto da escada. Redhorse
reagiu instantaneamente. Este veículo certamente entraria no centro de comando.
— Precisamos alcançar o carro! — gritou ofegante. — Rápido.
Losar ficou um pouco para trás, assim que Redhorse e Sanchon correram mais
depressa. Chegaram ao topo da escada. O carro já tinha percorrido mais vinte metros e
aproximava-se da grande porta. Redhorse olhou para trás e viu os cabeças-de-cúpula
desaparecerem atrás do barracão. Aybron parará de atirar no momento exato,
provavelmente porque não podia mais. Redhorse cerrou os dentes e continuou a correr.
Aproximaram-se do carro elétrico, que estava sendo teleguiado não se sabia de onde.
As botas dos homens martelavam o chão firme. A parte traseira do carro já estava
mais perto. Redhorse retirou as últimas reservas do corpo cansado. Quando a porta se
abriu, ainda estava a três metros do veículo. Deu alguns saltos enormes e conseguiu subir
na plataforma de carga. As rodas emitiram um zumbido quando mudaram de direção,
rolando na direção da porta que se abria. Oleg Sanchon também alcançou o veículo e
puxou o corpo pesado para cima da plataforma. As roupas esfarrapadas deixavam à
mostra um corpo banhado em suor. Juntos, puxaram Losar para cima da plataforma, no
momento exato em que o carro estava entrando no centro de comando. Redhorse ficou de
olho na porta. Ergueu cuidadosamente a arma estranha e fez pontaria para um dos
grandes rolos sobre os quais a mesma deslizava. Ficou espantado ao acertar o primeiro
tiro. A porta parou com um rangido. Com isso o caminho de retirada ficou livre — se é
que conseguissem sair do edifício. A explosão do tiro certamente pusera em alarme todos
os cabeças-de-cúpula que se encontravam no interior do centro de comando.
O veículo parou. Os três terranos desceram e abrigaram-se atrás de uma máquina.
Redhorse perdeu um instante para orientar-se.
— Mais ou menos no centro desta sala estão concentrados todos os controles —
disse Redhorse. — Tentaremos destruir o maior número possível.
Foram avançando entre as máquinas. Um cabeça-de-cúpula apareceu atrás de uma
armação. Antes que se recuperasse da surpresa, Sanchon estava a seu lado e afastou-o
com um empurrão. A cabeça sensível caiu da depressão no pescoço e o corpo carregador
cambaleou completamente desorientado.
Os três astronautas atravessaram às pressas um corredor estreito que passava junto a
uma série de máquinas. Três cabeças-de-cúpula desarmados apareceram no fim do
corredor. Ao que parecia, não sabiam o que fazer. Redhorse teve dúvida de atirar neles,
pois não queria chamar a atenção dos outros inimigos.
Dois cabeças-de-cúpula estavam postados bem à frente das paredes de comando, a
fim de rechaçar os terranos. Redhorse viu as pernas dos robôs através dos buracos de uma
chapa de revestimento. O capitão avançou silenciosamente. Sanchon e Losar contornaram
os controles, para atacar do outro lado. Redhorse esperou pacientemente que seus
companheiros chegassem ao destino e saiu de seu abrigo. Os dois cabeças-de-cúpula não
possuíam armas de fogo. Ao que parecia, receavam danificar suas próprias máquinas.
Mas nem por isso estavam desarmados. Redhorse percebeu imediatamente que as redes
que os inimigos seguravam nas mãos eram muito perigosas. Lembrou-se de que ele
mesmo ficara preso numa rede desse tipo antes de voltar a si.
A primeira rede veio voando em sua direção. Ficou estendida no ar, dando a
impressão de que tinha sido arremessada por forças inconcebíveis. Redhorse virou-se
abruptamente e deixou-se cair contra o revestimento dianteiro de uma máquina. Levantou
a arma e puxou o gatilho, mas nenhum tiro saiu da mesma. A rede bateu no metal bem a
seu lado e caiu ao chão. Logo veio rastejando na direção em que estava o capitão. Tinha-
se a impressão de que centenas de serpentes se aproximavam de Redhorse. No mesmo
instante Sanchon e o técnico de armamentos deram início à sua faina destrutiva. Uma
parede de comando caiu ruidosamente dos suportes. Milhares de cabos foram arrancados.
Ouviu-se o ruído das descargas energéticas. A maior parte dos comandos queimou.
Redhorse deu um salto por cima da rede. Os cabeças-de-cúpula já não lhe davam
atenção. Tinham pressa em chegar ao outro lado.
— Cuidado com a rede! — gritou Redhorse para os companheiros.
Bateu na arma e fez mais uma tentativa de disparar. Não houve nenhuma explosão.
A rede rastejou apressadamente atrás dele, passando sobre os destroços dos controles.
Nesse momento mais uma parede de comando caiu. Atingiu os dois cabeças-de-
cúpula, que não conseguiram desviar-se e ficaram sepultados sob as montanhas de cabos.
Alguns fios de alta tensão entraram em contato com os corpos dos robôs. Foi o fim dos
dois seres. Cascatas de luz saíram dos crânios metálicos. Em toda parte houve curtos-
circuitos. Nos pontos mais distantes do pavilhão algumas máquinas deixaram de
funcionar. Quase todas as telas se apagaram.
Redhorse desviou-se de um feixe de cabos que balançava livremente no ar. Sanchon
e Losar estavam ocupados com alguns quadros de comando de grande tamanho.
O capitão chamou Losar e entregou-lhe a arma.
— Não está funcionando — disse. — Procure consertá-la.
O técnico de armamentos cuidou da estranha carabina. Redhorse ajudou Sanchon a
quebrar e derrubar os consoles de comando. Chamas azuis subiram entre as paredes de
comando destruídos. O cheiro dos isoladores queimados espalhou-se pelo pavilhão.
Nesse momento um projétil explosivo atingiu o chão bem ao lado de Redhorse. Ele
e Sanchon deitaram no mesmo instante. Alguns cabeças-de-cúpula saíram em marcha
forçada entre as máquinas. Losar também tinha se abrigado. Redhorse viu uma das redes
sair dos escombros de uma das paredes de comando e rastejar na direção do técnico de
armamentos. Soltou um grito de alerta. Os cabeças-de-cúpula pararam indecisos à frente
do que restava dos seus controles. Redhorse sabia o que a destruição devia significar para
esses seres desconhecidos, mas não estava ali para preocupar-se com a conservação dessa
forma de vida. Seu objetivo consistia em garantir a liberdade de ação para os dois mil
tripulantes da Crest II. Os habitantes de Llalag haviam desencadeado a guerra ao derrubar
o Oldtimer. Não havia a menor dúvida de que derrubariam qualquer objeto voador que se
colocasse ao alcance de suas armas. O que mais apavorava Redhorse era a idéia de que
alguns tripulantes da Crest pudessem cair vivos nas mãos desses seres. Seria pior que a
morte. Para ele, Losar e Sanchon esse perigo ainda existia.
Quando os cabeças-de-cúpula voltaram a movimentar-se, tentando contornar os
restos dos controles, Losar já tinha descoberto o motivo por que a arma desconhecida
tinha falhado. Disparando ininterruptamente, retirou-se para junto do capitão e de
Sanchon.
Redhorse apontou para as grandes telas, espalhadas por cima das máquinas. Losar
fez um sinal de que estava entendendo e disparou alguns tiros. Os perseguidores
responderam com um fogo violento, mas os projéteis bateram na máquina atrás da qual
os terranos tinham se abrigado. As telas foram arrebentadas e os tubos de vácuo
destruídos completaram a catástrofe.
— Acho que já chega — gritou Redhorse, tentando superar o barulho. — Está na
hora de darmos o fora.
Lope Losar devolveu o fuzil a Redhorse. Bastou um olhar para o rosto dos dois
homens para que o cheiene compreendesse que os mesmos estavam prestes a atingir o
limite de resistência. Já devia fazer mais de dez horas que tinham chegado à fortaleza. Os
alimentos concentrados que tinham trazido eram muito escasso e não bastavam para
restaurar as energias. Redhorse teve de fazer um grande esforço para pôr em ordem os
pensamentos.
— O caminho direto para a porta está fechado — disse. — Vamos contornar os
controles destruídos.
Nesse momento o fato de as máquinas dos cabeças-de-cúpula ficarem tão perto uma
da outra era uma vantagem, pois sempre ofereciam abrigo aos astronautas. Isso só
mudaria quando tentassem sair do pavilhão.
Os cabeças-de-cúpula pararam de disparar. Ao que parecia, esperavam que os
fugitivos aparecessem. O barulho provocado pelo incêndio que lavrava nas instalações
ainda era tão forte que Redhorse não podia ouvir se ainda estavam atirando do lado de
fora.
Redhorse levou os companheiros para o lado da porta, dando uma grande volta. Era
impossível que os cabeças-de-cúpula ficassem de olho em todos os esconderijos
existentes no pavilhão. O capitão teve o cuidado de manter-se sempre na proximidade das
máquinas. De vez em quando ouviam-se alguns tiros. Os cabeças-de-cúpula pareciam
dispostos a atirar em tudo que se mexesse. Redhorse resolveu poupar a munição até o
momento em que tentassem forçar a saída.
Quando ainda se encontravam a trinta metros da porta, Sanchon sentiu-se tão
exausto que teve de apoiar-se numa tampa de concreto. Seu rosto emitia um brilho
amarelado e a pele tinha um aspecto de cera. Os olhos de Losar também estavam muito
afundados nas covas. Apesar disso Redhorse teve a satisfação de constatar que os homens
continuavam animados por uma vontade inquebrantável.
Alguns inimigos que se encontravam nas imediações revistaram a área situada atrás
de uma máquina. Dentro em pouco desapareceram atrás de grandes chapas de
revestimento. Parecia que o incêndio que começara nos controles começava a espalhar-
se. Nuvens de fumaça escura subiram ao teto do pavilhão.
Redhorse saiu rastejando de trás de seu abrigo para observar a porta de entrada.
Respirou aliviado ao notar que só cinco cabeças-de-cúpula montando guarda no lugar. Os
outros mantinham-se ocupados tentando apagar o incêndio, ou então estavam à procura
dos intrusos. Redhorse voltou para junto de Losar e do técnico.
— Temos de liquidar cinco desses caras para sair daqui — disse o capitão,
levantando a mão. — Estão armados, mas estão de olho principalmente naquilo que
acontece no centro deste edifício — prosseguiu em tom pensativo: — Provavelmente
nem esperam que voltemos a aparecer por aqui.
Losar lançou um olhar deprimido para a única arma que possuíam, e que se
encontrava em poder de Losar. O capitão leu no rosto do homem como num livro aberto.
Conseguiu esboçar um sorriso.
— Ficarão surpresos quando aparecermos de repente — disse.
— Acho que se conseguirmos sair daqui, deveremos agradecer a Aybron —
observou Sanchon.
O técnico de armamentos confirmou com um gesto.
— É verdade, senhor. Os movimentos dos robôs são tão lentos que certamente
teremos uma chance.
Redhorse passou a mão pelo cabelo preto-azulado, que caía confusamente em sua
testa. Era claro que Losar tinha razão ao afirmar que os corpos robotizados que
carregavam os cérebros se movimentavam de forma relativamente desajeitada. Mas o
técnico de armamentos esquecia que as reações de um homem exausto também não
costumam ser muito rápidas.
Redhorse agarrou a arma com as duas mãos. Esta arma já pertencera a um inimigo.
Já sabia lidar com ela como se a mesma tivesse sido produzida numa fábrica terrana.
— Vamos forçar a saída — decidiu. — Irei na frente e abrirei fogo contra os cinco
cabeças-de-cúpula. Não sei se conseguirei pôr todos eles fora de ação. Assim que eu
começar a atirar, os senhores tentarão chegar à saída. Se alguém ficar para trás, não lhe
daremos nenhuma atenção. O importante é que pelo menos um de nós consiga chegar à
Crest para fornecer informações detalhadas a Rhodan.
— De acordo — disse Sanchon. Losar limitou-se a acenar com a cabeça.
O Capitão Redhorse levantou a mão.
— H'gun — disse. — Coragem.
***
No momento em que Redhorse saiu de dentro da depressão existente atrás de uma
máquina, as grandes cabeças dos robôs giraram quase ao mesmo tempo, dando a
impressão de que participavam de uma pantomima fantasmagórica. A consciência já não
acusava o cheiene pelo que ele estava fazendo aos habitantes da fortaleza. Não lutava
apenas em sua própria defesa, mas como representante de todos os indivíduos
pertencentes ao gênero humano que estavam presos na armadilha terrível do planeta
artificial chamado Horror. Tratava-se de um conflito de proporções muito mais amplas.
Se a Humanidade não quisesse interromper sua caminhada para a frente, teria de superar
os obstáculos que encontrasse na rota de Andrômeda.
Cada uma das armadilhas dos transmissores representava um tremendo desafio para
a Humanidade. Seria impossível vencer esse desafio se os homens permanecessem
inativos, à espera do passo seguinte do inimigo. Só aquele que lutasse resolutamente pelo
seu direito poderia sair vitorioso na grande batalha cósmica. Os senhores da galáxia —
era este o único nome que no momento tinham encontrado para designar os senhores de
Andrômeda — tinham provado com a simples construção do anel de posições de defesa
que não estavam dispostos a receber em boa paz os visitantes vindos da Via Láctea.
Os seres contra os quais Redhorse teria de lutar naquele momento pareciam ser
escravos ignorantes, que não sabiam mais nada a respeito de seus senhores. Redhorse
sentia raiva toda vez que se lembrava que os senhores da galáxia usavam sem escrúpulo
povos inteiros para alcançar seus objetivos.
No fundo os remanescentes dos habitantes da superfície do planeta Horror também
não passavam de instrumentos dos senhores de Andrômeda. Era bem verdade que há
muito tinham deixado de ser a forma de vida que fora largada em Horror, mas
continuavam a cumprir a finalidade para a qual tinham sido escolhidos de uma forma
bem pior que os seres desconhecidos que os tinham dominado talvez esperassem. O
condensador potencial, uma arma criada durante a guerra entre os seres do terceiro nível
e os atuais cabeças-de-cúpula, representava um reforço considerável da armadilha do
planeta Horror.
Estes pensamentos atravessaram a cabeça de Redhorse no momento em que
começou a disparar contra os cinco guardas postados junto à porta. Também se lembrou
de Zantos Aybron, que sacrificara a própria vida para ajudá-los.
Redhorse dava saltos ligeiros e atirava nos intervalos entre os mesmos. Atrás dele
Losar e Sanchon corriam em direção à entrada. O capitão pôs fora de ação dois dos
inimigos antes que os mesmos compreendessem de onde vinha o ataque. Os primeiros
tiros disparados pelos três cabeças-de-cúpula que restaram foram disparados a esmo e só
contribuíram para aumentar a destruição no interior do pavilhão.
Redhorse atingiu mais um inimigo, antes que Sanchon soltasse um grito e segurasse
o ombro direito com a mão esquerda. Redhorse viu pelo canto do olho que nem por isso
Sanchon ficou parado. Continuava a correr em direção à porta, com o rosto desfigurado
pela dor.
Dois, três projéteis passaram chiando por cima do capitão. O quarto cabeça-de-
cúpula tombou. Já se encontravam tão perto da porta que Redhorse não tinha como fazer
pontaria. Assim mesmo o último adversário continuava firmemente apoiado sobre as
próprias pernas. Redhorse sentiu que dois projéteis passaram bem perto dele. De repente
a cabeça do último inimigo caiu para o lado, como se não pesasse absolutamente nada. O
corpo que carregava a mesma cambaleou ao encontro dos homens.
Redhorse teve tempo para olhar na direção de Sanchon. O ombro do técnico estava
ensangüentado e caído.
Apesar disso Sanchon ainda teve energia suficiente para abaixar-se e pegar uma
arma. Também Losar apoderou-se de um fuzil dos cabeças-de-cúpula. Não viram um
único robô à frente do pavilhão. Certamente os remanescentes orgânicos dos mesmos já
mo eram capazes de uma ação coordenada. Este fato, aliado à lentidão dos corpos que
carregavam os cérebros, aumentavam as chances dos três homens, de sair vivos de
Llalag.
***
Redhorse, Losar e Sanchon atingiram a torre pela qual tinham entrado na fortaleza.
Já tinham conseguido livrar-se da maior parte de seus perseguidores. Como os três
estavam armados, os cabeças-de-cúpula eram obrigados a ser mais cautelosos. Tinham
atravessado separadamente o grande pavilhão industrial, evitando que os cabeças-de-
cúpula que trabalhavam por lá pudessem realizar uma operação concentrada de caça.
Os sofrimentos de Sanchon e Losar causava-lhe sofrimentos, mas Redhorse podia
ter certeza de que seus companheiros não desistiriam. Quando entraram juntos na torre,
Redhorse sentiu-se animado por novas forças. A liberdade estava próxima, e isso fez com
que ele se esquecesse do cansaço.
— O pátio da torre está vazio! — gritou. Sanchon abandonou seu posto de
observação e aproximou-se de Redhorse.
— Cheguei a ouvir os perseguidores — disse. — Parece que se uniram num grupo
maior.
O rosto de Redhorse assumiu uma expressão sombria. Até então sempre acreditara
que os cabeças-de-cúpula não gostavam de sair ao ar livre. Mas ao que parecia os homens
continuariam a ser perseguidos, mesmo depois que tivessem saído de Llalag.
Quando seus companheiros saíram da torre, Lope Losar já tinha atravessado o pátio
que se estendia à frente da mesma. Os primeiros tiros atingiram a parede junto à porta.
Redhorse fechou a mesma. Levantou os olhos para a torre.
Sanchon acenou com a cabeça, dando a entender que estava compreendendo.
— Se eles tiverem a idéia de atirar em nós lá de cima, as coisas ficarão perigosas —
disse.
— Sem dúvida — reconheceu Redhorse. — Basta que alguns inimigos que estejam
lá nos mantenham ocupados, enquanto os outros nos contornarem.
Losar já estava bastante impaciente enquanto os esperava fora da muralha.
— Isto é a porta do inferno — resmungou o técnico de armamentos. — Ninguém
mais me fará entrar lá vivo.
Redhorse passou os olhos pela muralha suja. Em toda parte viam-se os sinais da
decadência generalizada, mas alguns séculos ainda poderiam passar antes que as
muralhas de Llalag desabassem. Quando isso acontecesse, acreditava Redhorse, não
haveria mais um único cabeça-de-cúpula. Se a escassez de alimentos não os matasse, eles
se extinguiriam por não serem capazes de coordenar mutuamente suas ações.
Havia uma trilha estreita que levava às formações rochosas mais próximas.
Antigamente a mesma fora bem mais larga, pois fazia parte de uma estrada bem
construída. Mas agora estava quase totalmente coberta de entulhos de areia. Era possível
que, quando prenderam os homens que tinham saltado de pára-quedas, os cabeças-de-
cúpula estivessem empreendendo a primeira saída da fortaleza no curso de várias
décadas.
Assim que os astronautas atingiram as primeiras rochas, começaram a atirar atrás
deles. Os terranos abandonaram a trilha e prosseguiram entre as rochas, onde podiam
abrigar-se melhor. Redhorse ficou um pouco para trás a fim de observar os perseguidores.
Notou que mais de vinte cabeças-de-cúpula tinham saído em sua perseguição. Os corpos
robotizados não conseguiram avançar tão depressa como os homens, mas Redhorse
acreditava que deviam ser mais resistentes. Para os humanos as colinas de oito metros de
altura que formavam as montanhas Torta de Areia eram cumes gigantescos de oito mil
metros. Redhorse não tinha a menor dúvida de que ainda teriam de passar por muita coisa
antes de atingir o fundo do vale. Esperava que não fossem encontrar maiores obstáculos,
mas os ferimentos de Losar e Sanchon não permitiam que realizassem uma marcha
ininterrupta. Assim que fossem obrigados a escalar uma montanha, Redhorse teria de
cuidar dos outros dois.
Avançaram rapidamente e conseguiram aumentar a distância que os separava do
inimigo. Sanchon e Losar proferiam palavras confiantes, mas os rostos desfigurados pela
dor falavam uma linguagem diferente. Certamente chegaria a hora em que teriam de fazer
uma pausa mais prolongada.
Só se ouviam alguns tiros isolados. Os cabeças-de-cúpula acabaram por reconhecer
que no momento não representavam um perigo sério para os fugitivos. Apesar disso
Redhorse continuava a dedicar sua atenção ao grupo que os seguia, procurando orientar-
se pelo caminho que estava tomando. Não queria ser surpreendido por um inimigo que
conseguisse cortar seu caminho.
Um calor abafado reinava entre as rochas. O mesmo não contribuía para melhorar o
estado dos homens esgotado. Redhorse ansiava por uma brisa fresca, mas não parecia que
seu desejo seria cumprido. Por enquanto estavam avançando bem. Não tiveram de vencer
nenhuma encosta íngreme. O formato das rochas era tal que os homens pareciam subir
por escada.
Redhorse carregou as três armas, para aliviar os feridos. Pelos seus cálculos, já
deviam ter uma dianteira de mais de duzentos metros sobre seus perseguidores. A
fortaleza ficava a cerca de mil metros — tudo de acordo com os padrões de um homem
que só tinha dois milímetros de altura.
De repente Losar tropeçou numa pedra e ficou jogado no chão. Sanchon e Redhorse
pararam a seu lado.
— A perna ferida! — disse o técnico de armamentos com um gemido.
Sanchon olhou para a fortaleza. Losar tentou sorrir ao adivinhar os receios do
técnico.
— Descanse um pouco! — ordenou Redhorse em tom áspero. — Tentarei colocar
uma atadura na ferida.
Sanchon retirou-se em silêncio e sentou numa pedra. Redhorse examinou a ferida da
perna de Losar. O lugar de penetração do projétil estava sangrando de novo e a perna
estava cheia de sangue coagulado. Redhorse tirou a atadura suja e pegou outra que tinha
no bolso. A mesma não aliviaria as dores de Losar, mas talvez lhe desse certo conforto
moral.
Quando o capitão acabou de colocar a atadura, os perseguidores começaram a atirar.
Haviam-se aproximado a sessenta metros. Sanchon respondeu ao fogo.
Redhorse pôs o técnico de armamentos de pé.
— Pode andar?
Ouviu Losar ranger os dentes.
— Posso — disse o técnico de armamentos.
Redhorse pegou as duas armas que estavam no chão e mandou que Sanchon lhe
desse a terceira. Prosseguiram na fuga. Losar só conseguia avançar bem devagar. Toda
vez que surgia uma pedra maior pela frente, Redhorse tinha de apoiá-lo. O eco da
fuzilaria ressoava em seus ouvidos, mas no momento só poderiam ser atingidos
casualmente.
Redhorse surpreendeu-se com a obstinação que os cabeças-de-cúpula
demonstravam na perseguição. Não contara com isso. Era pouco provável que os
habitantes de Llalag fossem impelidos pelo desejo de vingança. Redhorse acreditava que
estavam atrás deles principalmente por causa de seus problemas de alimentação.
Quando tinham percorrido mais trezentos metros, Lope Losar disse:
— Acho que terei de ficar para trás. Redhorse percebeu que aquele era o momento
crítico que ele tanto receara. Losar estava tão exausto que não conseguia resistir mais às
dores. O técnico de armamentos preferia lutar contra um inimigo vinte vezes mais forte a
prosseguir na descida. Redhorse sabia que só havia um meio de levar Losar a realizar um
esforço final e sobre-humano. Fitou o técnico de armamentos com uma expressão de
desprezo.
— Bem que eu sabia que o senhor não conseguiria — disse em tom de escárnio. —
Soube desde o início que o senhor era o mais fraco do grupo.
A expressão de dor desapareceu do rosto de Losar, dando lugar a uma surpresa sem
limites. Se não estivesse tão esgotado e ainda fosse capaz de pensar claramente, teria
descoberto o truque psicológico de Redhorse. Mas Losar era um homem que tinha dado o
máximo de si, que não havia dado a menor demonstração de fraqueza — salvo neste
momento.
— Não diga isso, capitão! — exclamou em tom exaltado.
Sanchon também protestou. Redhorse não sabia se a indignação do técnico era
verdadeira ou só representava um meio de apoiar seu estratagema.
— O senhor nunca teve a intenção de lutar com os cabeças-de-cúpula — disse
Redhorse em tom calmo. — Quer entregar-se, somente para poupar-se à canseira da
descida.
Losar saiu mancando na direção de Redhorse. Tinha o rosto desfigurado por uma
raiva incontida. Levantou a mão para bater em Redhorse, mas o capitão abaixou-se e deu
uma risada de deboche. Saiu andando, sem dar atenção a Losar. Preferiu não olhar para
trás. Só poderia fazer votos de que Losar e Sanchon o seguissem.
Os cabeças-de-cúpula voltaram a atirar. Redhorse ficou apavorado ao notar que
Losar e Sanchon tinham ficado para trás. Não tinha outra alternativa senão largar no chão
as três armas que trazia consigo e prosseguir desarmado. De propósito passou a andar
mais devagar. Sabia o que estava arriscando, mas quando viu as pedras rolarem pela
encosta teve de fazer um esforço para não sorrir. Dali a pouco Sanchon e Losar o
alcançaram.
— Posso garantir que chegarei lá embaixo — disse Losar em tom amargurado. —
Quando o senhor não puder mais, ainda andarei mil milhas, Redhorse.
— Hookahey vasicun! — disse Redhorse em tom calmo. — Vamos andando,
homem branco.
***
A pressa com que o Capitão Sven Henderson entrou na sala de comando fez com
que Rhodan desconfiasse imediatamente que alguma coisa tinha acontecido. Aproximou-
se do capitão com uma expressão de curiosidade.
— Os homens encarregados de observar as encostas ao norte constataram a
presença de seres vivos — informou Henderson em tom nervoso. — Pelo que indicam os
aparelhos, parece que alguém se aproxima do fundo do vale.
Rhodan compreendeu o nervosismo do capitão, que era considerado um dos
maiores amigos de Redhorse.
— Já conseguiram distinguir detalhes? — perguntou Rhodan.
— Parece que são dois grupos — disse Henderson, enquanto vários oficiais se
acotovelavam em torno dele. — Três vultos movimentam-se cerca de cem metros de um
grupo maior, formado por mais de vinte seres.
Rhodan refletiu por um instante.
— A partida do segundo Oldtimer será adiada até que o assunto esteja esclarecido
— decidiu.
Atlan aproximou-se dele.
— Você acredita que eles pretendem atacar a Crest? — perguntou.
— A força combatente seria muito reduzida para isso — respondeu Icho Tolot no
lugar de Rhodan. — Parece mais provável que os três vultos que caminham na frente
sejam fugitivos que estão sendo perseguidos pelo grupo maior.
O halutense dirigiu-se a Rhodan.
— Que tal se eu for para as montanhas e der uma olhada?
A pergunta foi formulada em tom insistente. Rhodan sentiu-se grato porque Tolot
deixava a decisão por sua conta. Se os três seres que acabavam de ser descobertos
pertenciam ao grupo de Rhodan, certamente precisariam de auxílio. Mas não era
impossível que se tratasse de inimigos que tivessem a intenção de atacar a Crest.
— Pode ir, Tolot — disse Rhodan depois de algum tempo. — Mas peço-lhe que
volte assim que notar que haverá um ataque.
— Está bem — disse Tolot e retirou-se da sala de comando.
Henderson olhou atrás dele com uma expressão triste. Rhodan acreditava que o
capitão gostaria de acompanhar o halutense.
Rhodan deu ordem para que todas as carabinas automáticas fossem distribuídas
entre os tripulantes. Várias sentinelas foram colocadas. No interior da Crest foram
tomadas todas as providências para rechaçar um eventual ataque.
As guarnições dos postos de observação foram reforçadas. Era bem verdade que os
desconhecidos ainda estavam tão longe que era impossível distinguir os detalhes.
Naquele momento a tensão que se formara com o aparecimento dos desconhecidos
nas encostas do norte livrou Rhodan da preocupação com a saúde mental dos tripulantes.
Finalmente os homens tinham com que ocupar-se. Seus pensamentos voltariam a girar
em coisas diferentes da terrível redução de tamanho que tinham sofrido. Atlan parecia ser
da mesma opinião, pois dirigiu-se ao amigo terrano com estas palavras:
— No momento não poderíamos desejar coisa melhor, bárbaro.
Rhodan confirmou com um gesto.
— Se Tolot afirma que os três vultos que vão na frente são fugitivos, podemos ter
certeza quase absoluta de que tem razão. Seu cérebro programador tem a capacidade de
fazer o processamento instantâneo dos dados para alcançar um resultado logicamente
perfeito.
— Três fugitivos — disse Mory Rhodan-Abro em tom pensativo. — Isso pode
significar que dois dos homens pertencentes ao grupo de Redhorse não estão mais vivos.
Sem dizer uma palavra, Rhodan olhou para a tela panorâmica que, tal qual as outras,
não estava funcionando. Será que a armadilha planetária tinha exigido outras vítimas?
Rhodan fazia votos de que Redhorse e seus companheiros voltassem sem que faltasse um
único homem. Talvez os mesmos pudessem trazer informações que os ajudassem a sair
da situação em que se encontravam.
Rhodan pensou nos suprimentos que estavam a caminho. Teriam de descobrir uma
solução antes que chegasse o auxílio da Terra; do contrário não poderiam evitar que
outros seres humanos caíssem na armadilha do planeta Horror.
Mas como, pensou Perry Rhodan, um grupo de seres que tinha apenas dois
milímetros de altura poderia prevenir os homens que conservavam sua estatura normal?
O microcosmo e o macrocosmo eram mundos completamente diferentes. Quase se
poderia dizer que pertenciam a dimensões diversas.
Ninguém melhor que a tripulação da Crest II para saber disso.
***
O Capitão Redhorse estava tão exausto que nem mesmo o fato de os cabeças-de-
cúpula terem abandonado a perseguição podia provocar qualquer reação emocional nele.
Simplesmente prosseguiu em sua caminhada. Não era propriamente uma caminhada, mas
antes um cambalear estúpido, em que a percepção do tempo e do espaço estavam
ausentes. Mal notava a presença dos dois vultos que o seguiam cambaleantes atrás das
formações rochosas. Os três tinham alcançado o estado em que o ser humano perde a
capacidade de sentir dores. Prosseguiriam em sua caminhada até caírem inconscientes. Se
isso acontecesse, nunca mais se levantariam.
Um setor insignificante da inteligência de Redhorse ainda continuava a funcionar.
Um instinto oculto ajudou-o a contornar as rochas que não podia superar ou chegar são e
salvo ao outro lado de uma fenda no solo.
A língua inchada do capitão já não era capaz de umedecer os lábios quebradiços.
Redhorse teve a impressão de que no lugar do corpo estava carregando uma coisa oca por
dentro, em cujo interior cada passo provocava um abalo profundo.
Parou de repente e protegeu os olhos inflamados com a mão. Bem lá embaixo uma
esfera metálica aparecia em cima das rochas. Redhorse compreendeu que estava vendo
parte da Crest II. Ainda estava tão longe que Redhorse nunca seria capaz de alcançá-la.
Não se sentiu triste por isso, nem sequer decepcionado. Os dois companheiros
pararam a seu lado.
— Olhe a nave! — conseguiu dizer Sanchon.
No mesmo instante parecia compreender que a mesma ainda se encontrava a uma
distância terrivelmente longa, e emitiu um som estranho. Parecia um animal ferido. Nesse
instante uma enorme figura escura apareceu embaixo deles, entre as rochas. Era o
halutense Icho Tolot, que se aproximava numa velocidade incrível.
O corpo esbelto de Redhorse entesou-se. Parou ao ver Sanchon e o técnico de
armamentos passarem por ele para ir ao encontro do halutense.
— Woyuonihan! — Redhorse pôs a mão esquerda na testa, para reforçar um
antiqüíssimo cumprimento indígena.
— Hun-hun-he! — disseram seus lábios ressequidos. — Voltei para junto de meu
povo.

***
**
*

A situação de Rhodan e seus companheiros


não é muito brilhante, pois os mesmos tiveram seu
tamanho reduzido em mil vezes. Além disso todas
as instalações e armas atômicas e hiperfísicas
existentes a bordo da Crest II falharam por
completo.
E os micro-humanos com suas insignificantes
possibilidades de ação defrontam-se com Gigantes
no Pólo Sul
Os terranos lutam destemidamente com os
gigantes, embora o resultado da luta pareça mais
que duvidoso. Como continua a história? Leia no
próximo volume da série Perry Rhodan.

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