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O MUNDO DAS
RADIAÇÕES QUENTES
Autor
CLARK DARLTON

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
O ano 2.4O2 está sob o signo do avanço dos terranos na
direção de Andrômeda. Ainda não foi inventado nenhum sistema
de propulsão que permita aos terranos superar o abismo imenso
que separa as galáxias, mas Perry Rhodan e seus homens já se
encontram na nebulosa Andro-Beta, situada nas imediações de
Andrômeda. O avanço arrojado tornou-se possível graças ao
sistema de transmissores dos misteriosos senhores da galáxia.
Quase se chega a ter a impressão de que a operação
cabeça-de-ponte é arriscada demais. Afinal de contas, a nave-
capitãnia de Rhodan, a Crest II, foi aprisionada pelos twonosers
durante um vôo de reconhecimento, e depois de uma luta
encarniçada Perry Rhodan e mais 2.OOO terranos tiveram que
trilhar o caminho amargo para a prisão.
A guerra das castas foi desencadeada, e não demorou que
os prisioneiros conseguissem abrir caminho para a liberdade.
Enquanto estes acontecimentos se verificavam no interior do
cadáver de um mobv, uma esquadra de abastecimento chegou à
periferia da nebulosa Andro-Beta. Tratava-se de seis gigantescas
naves de transporte acompanhadas por um cruzador pesado.
O inimigo desenvolve uma atividade febril no interior da
nebulosa Beta. Por isso Perry Rhodan e seus homens podem dar-
se por felizes por terem encontrado um bom esconderijo sob o
gelo eterno do planeta Arctis, onde poderão ficar até que as
frotas de reconhecimento do inimigo se retirem.
Mas será que realmente se trata de um esconderijo
seguro...? Por perto há um planeta chamado Destroy, que é o
misterioso Mundo das Radiações Quentes...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar e
chefe da expedição ao Mundo das Radiações Quentes.
Gucky — O rato-castor que faz uma viagem de exploração e
tem um encontro com alguns “velhos amigos”.
Atlan — O arcônida que salva a situação quando a mesma se
toma mais difícil.
Icho Tolot — O halutense que deve ser preparado para o gril.
Wuriu Sengu — O mutante-espia de Perry Rhodan.
Major Peanut — Comandante de uma nave-girino.
Sargento Tom Jones — Piloto de um carro voador.
1

A camada de gelo de vários quilômetros de espessura voltara a fechar-se.


Brilhava à luz do sol vermelho-escuro, que se encontrava junto ao horizonte baixo.
Os raios incidiam obliquamente sobre a superfície, fazendo com que os blocos de gelo
lançassem sombras compridas. Para o leste estendia-se a escuridão negra. A cortina
estrelada deslumbrante da nebulosa de Andrômeda, que ficava bem perto, cobria tudo.
Cobria metade do firmamento e subia lentamente sobre o horizonte.
Não se via o menor movimento na superfície de Arctis, que era um planeta
completamente gelado. Até mesmo um observador muito atento teria chegado à
conclusão de que o mesmo não estava habitado. Se o mesmo resolvesse dar-se ao
trabalho de fazer a determinação da órbita do segundo planeta do sol Alurin, certamente
veria confirmada sua conclusão. Arctis percorria uma órbita fortemente elíptica, que o
levava para bem longe de seu sol. Levava quatorze anos para percorrer essa órbita, e o
inverno durava onze anos. Nestes onze anos a temperatura baixava para cinqüenta graus
abaixo de zero.
Em Arctis não havia vida. Percebia-se isso ao primeiro relance de olhos, e fora essa
circunstância que levara Rhodan a escolher esse mundo.
Os cinco supercouraçados dos terranos estavam guardados bem abaixo da superfície
gelada, cada um em seu próprio hangar. As enormes colunas de sustentação telescópicas
estavam apoiadas na rocha nua, mas o teto e as paredes dos hangares eram de gelo.
Corredores e galerias foram fundidas com as armas térmicas, a fim de abrir uma ligação
de uma nave para outra.
Ali poderiam ficar em segurança até que diminuísse o nervosismo provocado por
seu aparecimento na nebulosa Beta. As naves enviadas em sua perseguição se cansariam
de procurar. Acabariam voltando às bases. Até lá os terranos teriam uma pausa forçada,
que só lhes faria bem.
O caminho para Andrômeda estava cheio de obstáculos.
Naquele dia três de setembro do ano dois mil quatrocentos e dois reinava um
estranho silêncio a bordo da nave-capitânia, a Crest. A tripulação estava aproveitando a
pausa. Só os oficiais de plantão estavam sentados na sala de comando, olhando para as
telas dos rastreadores e observando a superfície do planeta gelado e o espaço cósmico que
se estendia sobre a mesma. Isso só se tornava possível porque os cabos de ligação com a
superfície tinham sido colocados antes que a mesma voltasse a congelar. Minúsculos
blocos de antena indicavam o lugar em que ficavam as pontas desses cabos.
As naves de reconhecimento ovais dos twonosers apareciam constantemente nas
telas dos rastreadores. Atravessavam o sistema de lado a lado, reunidas em esquadrilhas,
mas não encontraram sinal dos terranos, que continuavam desaparecidos. Parecia que
tinham sido devorados pelo Universo.
Ao acordar, Rhodan sentiu-se descansado e bem disposto. Mas sentia uma angústia
que no início não conseguia explicar. Saiu da cama e dirigiu-se à cabine de banho.
Quando entrou embaixo do chuveiro e a água quente correu sobre seu corpo, fazendo
com que a pele ficasse vermelha, descobriu de repente o que havia em seu subconsciente,
não o deixando em paz. Era o planeta Destroy!
O sol Alurin tinha dois planetas. O planeta exterior era o mundo gelado Arctis, no
qual tinham construído seu esconderijo. Já o planeta interior poderia ser tudo, menos
congelado. As análises realizadas às pressas revelaram a presença de uma atmosfera de
oxigênio e uma superfície selvática e completamente deserta, com montanhas
desmoronadas e mares evaporados. Havia numerosas cidades em ruínas, mas não se
encontraram sinais de vida. A radioatividade intensa levava à conclusão de que tinha
havido uma guerra atômica. Destroy não poderia ser usado como esconderijo.
Não poderia mesmo?
Rhodan enxugou-se e vestiu-se. De repente a lembrança de Destroy não o deixava
mais em paz.
Afinal, o que é que ele sabia a respeito desse planeta? Recapitulou os dados que
tinham sido colhidos às pressas.
Diâmetro, dezesseis mil e duzentos quilômetros.
Tempo de rotação, aproximadamente trinta e três horas.
Tempo de revolução em torno do sol, desconhecido.
Um inferno de radiações.
Era só. E era pouco, muito pouco.
Era pouco para que alguém pudesse sentir-se seguro nas proximidades desse
mundo.
Rhodan ajeitou o casaco e saiu do camarote. Olhou para o relógio. Tinham tido uma
pausa de vinte e quatro horas. Já bastava. Os oficiais e a tripulação estavam descansados.
Já estava na hora de fazerem uma operação de reconhecimento do primeiro planeta do
sistema de Alurin.
Rhodan entrou na sala de comando da Crest.
O oficial de plantão levantou de um salto e fez a apresentação.
— Nada de extraordinário, senhor. Algumas naves twonosers sobrevoaram Arctis,
mas voltaram a afastar-se.
— Obrigado, Richter — Rhodan sentou em uma das poltronas que ficavam à frente
dos controles. Parecia que estava refletindo. Depois de algum tempo voltou a falar. —
Peça a Atlan, Tolot e Kasom que compareçam ao meu camarote dentro de trinta minutos.
O Coronel Cart Rudo também deverá estar presente — voltou a levantar e ficou
caminhando de um lado para outro. — É só. Obrigado.
Saiu da sala de comando e voltou ao seu camarote.
***
Exatamente vinte e nove minutos depois de Rhodan ter dito estas palavras Gucky, o
rato-castor, apareceu no camarote de Rhodan.
Apareceu era mesmo a palavra adequada, pois Gucky não entrou pela porta como
teria feito qualquer criatura sensata, mas simplesmente materializou do nada. Isso se
tornava fácil para ele, pois era um exímio teleportador. Como além disso era telecineta e
telepata, Rhodan não tinha por que admirar-se. Mas ficou espantado.
— Ah, é você? Pensei que estivesse dormindo.
— Pois pensou errado, Perry — Gucky saiu arrastando os pés na direção em que
ficava a cama de Rhodan e sentou na mesma. — Por acaso estava acordado quando você
ficou pensando sobre Destroy. Pretende fazer uma operação de reconhecimento,
juntamente com os dois touros e mais alguns especialistas. Também chegou a pensar em
mim...
Rhodan deu uma risada.
— Não deixe que os touros ouçam isso, senão farão de você uma bola de futebol.
Principalmente o halutense Icho Tolot é um pouco sensível.
Gucky sorriu. Pôs à mostra o dente roedor solitário.
— Pois que seja! O importante não é o tamanho, mas a qualidade do cérebro. E
neste ponto levo vantagem.
— Meu querido amiguinho — observou Rhodan. — Parece que você se esqueceu
de que Tolot tem dois cérebros.
Gucky acenou com a cabeça. Parecia triste.
— Você tem razão. Quase esqueci.
A porta abriu-se. Um dos touros entrou com o corpo inclinado. Era o halutense
Tolot, seguido por Kasom, que tinha apenas dois metros e meio de altura. Atlan entrou
por último. Cumprimentaram Rhodan e sentaram. Kasom apontou com o polegar para
Gucky e perguntou.
— O que esse baixinho está fazendo aqui? Será que os adultos nunca podem
conversar à vontade? Sempre há crianças por perto.
Gucky entesou o corpo.
— O importante não é o tamanho — repetiu em tom solene. — A ciência já chegou
à conclusão de que os seres pequenos são mais inteligentes que os gigantes. Basta pensar
no cérebro dos sáurios, meu caro Kasom.
— Que bobagem é essa? — perguntou Kasom com um sorriso.
— Não me interrompa! — exclamou Gucky, furioso, e certificou-se de que Rhodan
não tinha a intenção de pôr fim à discussão. — Estou fazendo uma preleção muito sábia.
Preste atenção e veja se aprende alguma coisa. Isto também vale para Tolot. Onde é que
eu estava?
— Nos sáurios.
— Isso mesmo; no cérebro dos sáurios. O mesmo só representava um punhado de
massa num corpo gigantesco. A fera não sabia o que fazer com isso. O cérebro era
comandado pelo corpo gigantesco, quando deveria ser o contrário. Os seres pequenos
sempre tiveram um cérebro maior em relação ao tamanho do corpo. É o que acontece
conosco. Sou pequeno, mas meu cérebro funciona muito bem. Você é grande, e seu
cérebro precisa de uma boa revisão. Se é que no seu caso a revisão ainda resolve —
acrescentou em tom sarcástico.
Kasom levantou a mão enorme. Olhou para Rhodan.
— Posso levantá-lo e deixar que morra de fome no alto? — perguntou em tom
amável. — Às vezes seu atrevimento chega a ser insuportável.
Gucky saiu caminhando em sua direção. Exibia um sorriso cativante.
— Que é isso? — perguntou. — Vai fazer uma coisa dessas com seu melhor amigo?
Kasom baixou a mão.
— Estou preocupado com o primeiro planeta do sistema — disse Rhodan. —
Afinal, não sabemos quase nada sobre ele. Trata-se de um inferno de radiações cheio de
cidades arruinadas. É o que sabemos, mas não é bastante. Não me sinto seguro em Arctis.
Logicamente, só posso propor uma expedição.
— Uma expedição para Destroy? — perguntou Atlan em tom de espanto, mas
acabou acenando com a cabeça. — Bem, você já manifestou essa intenção. Quer fazer a
expedição com a Imperador?
— Pensei em ir numa nave-girino — confessou Rhodan.
— Não chamaria tanto a atenção. Trata-se de uma nave-girino relativamente
pequena, com a qual poderíamos atravessar o sistema sem que ninguém notasse. Afinal, a
distância não é muito grande.
— Será ainda menor se tentarmos percorrer o trecho em vôo linear.
O Coronel Rudo olhou para Rhodan com uma expressão de espanto.
— Em vôo linear, senhor? Numa distância tão pequena isso se tomaria muito
arriscado.
— É um risco que temos de assumir. Tolot e Kasom irão comigo. Bem como Gucky
e Wuriu Sengu, o espia — fez um gesto de recusa. — Sinto muito, Rudo, mas o senhor
terá de ficar na Crest. Atlan assumirá o comando supremo. Não posso dispensar os dois
ao mesmo tempo. Além de mim e das quatro pessoas que já mencionei, a nave-girino terá
uma tripulação de trinta homens. Será gente escolhida entre cientistas e membros dos
comandos de desembarque. Ainda darei os detalhes. Só queria avisá-los antes de dar
ordem para preparar a expedição. Alguma dúvida?
Atlan pigarreou.
— Tenho muitas — disse. — Mas acho que se ficarmos embaixo do gelo, fazendo o
papel de avestruz, o risco será maior.
— É exatamente o que penso — reconheceu Rhodan. — Só poderemos planejar e
começar a executar os passos seguintes quando tivermos certeza de que neste sistema não
existe nada que possa tornar-se perigoso. Além disso tenho uma sensação esquisita.
Parece que alguma coisa me previne...
Não demorariam a descobrir que de vez em quando se deve dar um pouco de
atenção aos sentimentos.
***
A nave-girino de prefixo C-17 encontrava-se no hangar, ao lado da Crest. Estava
preparada para decolar. Com seus sessenta metros de diâmetro parecia um anão perto da
gigantesca nave de guerra. Os tripulantes já se encontravam a bordo. O Comandante
Peanut era o único que estava parado ao lado da nave, vigiando a operação de fusão do
gelo para abrir uma passagem. Os vapores de água eram sugados por um campo
gravitacional. Um poço largo foi avançando em direção à superfície.
Rhodan e Atlan saíram da Crest e ficaram parados ao lado de Peanut.
— Será que vai dar certo, major?
Peanut acenou com a cabeça. Parecia muito calmo.
— Acho que não há problema, senhor. O principal é que os técnicos voltem a fechar
imediatamente a cobertura de gelo, para que o hangar não seja descoberto.
— Não se preocupe, major. Ninguém descobrirá a Estação do Louvre. Não
demorará mais de cinco minutos. Está todo mundo a bordo?
— Estamos preparados para decolar, senhor.
Rhodan fez um sinal para Atlan.
— Vejo que está quase na hora. Espere três dias no máximo, Atlan. Se até lá não
tiver notícia de que pousamos e não houver contato pelo rádio, vá buscar-nos com a
Imperador. Não se esqueça de que as comunicações pelo rádio devem ser reduzidas ao
mínimo, para não aumentar o risco de sermos localizados pelos goniômetros. Isso
também vale para vocês.
Gucky e Sengu aproximaram-se.
— Os touros já estão a bordo? — perguntou o rato-castor.
— Você se refere a Kasom e Tolot? — perguntou Atlan em tom delicado.
Gucky acenou com a cabeça.
— Isso mesmo.
— Vocês são os últimos — informou Rhodan, com o que ficou respondida a
pergunta de Gucky. — Subam logo a bordo. Iremos em seguida.
Os técnicos informaram que a cobertura de gelo sobre o poço só tinha dez metros de
espessura. Rhodan bateu no ombro de Atlan.
— Até breve, aqui ou em Destroy — disse e saiu andando em companhia do Major
Peanut.
Atlan seguiu-os com os olhos, até que desaparecessem na escotilha inferior.
Depois voltou à Crest, para dirigir-se ao seu posto de observação.
Rhodan foi à sala de comando da C-17.
Dali a dois minutos o pequeno veículo espacial subiu na vertical. As paredes lisas
do poço fundido pelas armas energéticas foram ficando para trás cada vez mais depressa.
Dois, três, cinco quilômetros.
Finalmente a C-17 disparou para o espaço.
Era noite. A nebulosa de Andrômeda, não muito distante, derramava bastante luz
sobre o gelo para que a superfície brilhante ficasse mergulhada numa luminosidade
leitosa até a linha do horizonte.
Não se via nada nas telas dos rastreadores da nave-girino.
Rhodan estava sentado ao lado de Peanut, que cuidava pessoalmente dos controles.
— Parece que não há ninguém por perto — disse. — Passe à velocidade máxima o
mais depressa possível. Quando estivermos no espaço linear, não haverá mais perigo de
sermos detectados pelos rastreadores.
O planeta Arctis parecia mergulhar na nebulosa de Andrômeda quando a C-17
mudou de rota, voando em direção ao sol que voltara a aparecer. O computador de
navegação funcionava ininterruptamente, fornecendo as correções que se tomavam
necessárias. Qualquer erro poderia significar a morte.
A C-17 atingiu e ultrapassou a velocidade da luz.
A nave estava fazendo um vôo cego. Contava com a orientação do computador, mas
os dados introduzidos no mesmo tinham sido colhidos por seres humanos. Rhodan
confiava na exatidão dos mesmos.
Dali a dez minutos a C-17 voltou a desacelerar. As estrelas apareceram nas telas. O
sol vermelho continuava a brilhar, desta vez na tela de popa. Tinham passado por ele.
Arctis tinha desaparecido.
O planeta Destroy aparecia na tela frontal, nítido e ameaçador. Era o destino da
perigosa viagem.
As análises espectrais foram iniciadas, enquanto o Major Peanut deixava a nave
passar em alta velocidade perto do planeta, para depois descrever uma curva ampla e
aproximar-se do outro lado.
Destroy era um inferno. Os exames preliminares já tinham mostrado isso. Era de
admirar que ainda houvesse uma atmosfera de oxigênio. Mas a mesma estava
contaminada pelas radiações. Seria impossível permanecer na mesma sem traje protetor.
As análises revelaram que qualquer ser humano seria morto dentro de algumas horas.
A nave-girino passou em vôo baixo sobre a superfície desgastada pelo tempo e
pelas intempéries. Não havia montanhas íngremes nem desfiladeiros profundos. Só se
viam planícies onduladas e largos vales, nos quais já deviam ter corrido rios grandes e
pequenos. Mas naquele momento não havia mais nada disso. Destroy era um planeta
ressequido.
Avistaram a primeira cidade — ou aquilo que já tinha sido uma cidade. Rhodan fez
um sinal para que o Major Peanut reduzisse a velocidade. Desceram mais.
— Deve ter sido uma cidade grande — disse Kasom em tom de espanto.
Rhodan acenou com a cabeça.
A paisagem coberta de ruínas cobria uma área de muitos quilômetros quadrados. Na
periferia ia se confundindo com o deserto. Na altura em que estavam não viam
nitidamente as ruas. Pouco sobrara dos antigos edifícios: eram apenas colinas
arredondadas, que só chamavam a atenção graças à regularidade com que estavam
espalhadas pela área. Era possível que algumas delas fossem um pouco mais altas ou
largas, mas no fundo todas se pareciam. Não havia dúvida de que lá embaixo já existira
uma cidade gigantesca.
— Há quanto tempo deve ter acontecido isso? — perguntou o Major Peanut em voz
baixa.
— Vamos descobrir — prometeu Rhodan. — Talvez seja importante sabermos
disso. Dificilmente haverá sobreviventes, mas talvez encontremos alguma indicação de
quem foram os habitantes.
— Acho isso bastante desanimador — disse Gucky com uma seriedade que não se
estava acostumado a ver nele. — Onde quer que ponhamos os pés, sempre encontramos
os sinais da guerra. Será que não pode existir civilização sem guerra? Não pode haver
vida inteligente sem morticínio? Os animais de mente simplória só matam quando são
obrigados ou quando precisam de alimento. As inteligências matam porque sentem prazer
nisso. E quando resolvem matar, matam para valer. É assim em nossa Via Láctea, e aqui,
nas proximidades da nebulosa de Andrômeda, não é diferente. Será que isso nunca
mudará?
Rhodan virou a cabeça. Colocou a mão sobre o ombro do rato-castor.
— Já andamos conversando sobre isso, baixinho — disse em tom suave. — Existem
numerosas respostas à sua pergunta, mas nenhuma delas satisfaz. Devo confessar que às
vezes chego a sentir vergonha, embora acredite ser melhor que os outros. Acho que no
fundo não sou, mas ao menos tento. Muitas vezes as guerras só começam porque alguém
se sente ameaçado e resolve defender-se; são as guerras evitáveis. Mas também existem
os agressores; quanto a isso não existe dúvida. E são mais numerosos que os outros. A
diferença entre estes e os animais consiste no fato de que eles destroem a vida de forma
metódica e inteligente — apontou para as telas com a mão livre. — O planeta que vemos
lá embaixo foi destruído e despovoado de forma metódica. Desde logo posso afirmar que
não foi uma guerra travada pelos nativos. Foi uma guerra vinda do espaço, que pegou a
população praticamente desprevenida...
— Por que chegou a essa conclusão? — perguntou Kasom.
— É simples. Basta ver as destruições. Todas as cidades foram arrasadas segundo o
mesmo método. Até mesmo a capacidade dos meios de destruição empregados deve ter
sido a mesma. Portanto, este mundo foi destruído por um único atacante. Logo, este só
pode ter vindo do espaço.
— Parece lógico. — Kasom ficou calado por algum tempo e perguntou: — Em sua
opinião, quem poderia ter feito isto?
Rhodan deu de ombros.
— Como vou saber? Talvez seja mais fácil descobrir qual foi o objetivo do ataque
— fez um sinal para Peanut. — Dê mais uma volta em torno do planeta, major. Depois
vamos pousar. Perto de uma cidade.
Dali em diante falaram pouco.
A cidade já tinha ficado bem para trás, quando um dos cientistas entrou. Trouxe os
primeiros resultados dos exames mais detalhados e da medição das radiações. Rhodan já
o conhecia do tempo em que trabalhava na Crest.
— Já descobriu alguma coisa, Dr. Berger?
— Muita coisa, senhor — entregou um bilhete a Rhodan. — Fiz um resumo.
Rhodan passou as mãos pelas linhas escritas e levantou os olhos.
— Acha que foi há trezentos anos?
— Pode ser que tenha sido menos.
Rhodan recostou-se na poltrona e olhou para o bilhete. Parecia pensativo.
— Pode-se dizer que foi no nosso tempo. Sabe o que quero dizer, não sabe? Pelos
padrões cósmicos, trezentos anos são um espaço de tempo bem reduzido. Quando isso
aconteceu, estávamos construindo nosso império galáctico. Faz pouco menos de trezentos
anos que arriscamos o primeiro avanço pelo espaço vazio, para o grande abismo
intergaláctico.
Rhodan disse estas palavras num tom tão estranho que Kasom perguntou em tom
nervoso:
— Acha que existe uma ligação entre uma coisa e outra?
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Não, Melbar. Não quero ser presunçoso. Só quis mencionar a coincidência.
Quando estávamos dando o primeiro passo na direção de Andrômeda, por aqui foi
destruído um mundo. Mas não se pode negar que este tipo de coincidência existe. Estou
apenas fazendo uma constatação — voltou a olhar para o bilhete. — As radiações
remanescentes são intensas, extremamente intensas. São absolutamente mortais. —
Depois de uma pequena pausa acrescentou: — Ao menos na superfície.
— As investigações ainda não foram concluídas — disse o Dr. Berger. — Quando
tivermos pousado, podemos trabalhar mais intensamente. Meus colegas e eu acreditamos
que teremos uma oportunidade de examinar inclusive os meios empregados para destruir
este mundo. Isto talvez permita uma conclusão sobre quem foram os atacantes.
— Obrigado, Dr. Berger. Pousaremos dentro de aproximadamente duas horas. Até
lá procure descansar um pouco.
O cientista retirou-se. Kasom fitou-o com uma expressão pensativa, até que
desapareceu.
— Trezentos anos — disse em voz baixa. — E este planeta ainda emite radiações
como se fosse de cobalto radioativo. Fossem quem fossem os atacantes, eles não
quiseram assumir nenhum risco. E os seres que habitavam este planeta devem ter sido
muito perigosos.
— Até certo ponto — disse Rhodan. — Se realmente fossem perigosos, não teriam
sido destruídos num ataque de surpresa.
Ficaram calados.
Enquanto isso a C-17 prosseguia em seu vôo junto à superfície do planeta.
Os homens não tiravam os olhos da tela, mas o quadro não mudava. Eram sempre as
cidades arrasadas, os morros desmoronados, as depressões muito extensas e pouco
profundas, formadas pelos mares evaporados, e o deserto ressequido. Nenhum sinal de
vida.
Quando a próxima cidade grande apareceu no meio do deserto, Rhodan deu ordem
de pousar.
***
As colunas telescópicas de sustentação penetraram profundamente no solo antes de
encontrar alguma coisa em que apoiar-se. A areia e a poeira contaminada com radiações
formavam uma camada de cerca de cinco metros sobre a rocha que constituía a superfície
propriamente dita, mas era bastante firme para suportar o peso de uma espaçonave.
Rhodan deu ordem para que o Major Peanut ligasse o sistema geral de
intercomunicação, que permitia que uma pessoa que falasse da sala de comando fosse
ouvida em todos os pontos da nave.
— É bem provável que não exista mais vida neste planeta, mas não vamos deixar de
lado as precauções estabelecidas por nós mesmos. Sairei com cinco homens para fazer
um reconhecimento preliminar. Se o resultado for positivo para os fins que temos em
vista, algumas equipes de cientistas nos seguirão para realizar os exames finais. Por
enquanto ficarão na nave, em estado de rigorosa prontidão. Se houver um ataque, o Major
Peanut decolará imediatamente para voltar mais tarde.
Rhodan desligou o intercomunicador.
— Talvez estejamos sendo cuidadosos demais — disse Kasom, desconfiado. —
Mas nunca ouvi dizer que isso tivesse feito mal a alguém. Quem irá com o senhor?
Rhodan sorriu.
— O senhor, naturalmente, e Tolot. Além de Sengu e Gucky. Quanto ao quinto
homem... Talvez seria conveniente levarmos um piloto de carro voador.
— Vamos num carro voador?
— O senhor pretere ir a pé?
O carro voador era um veículo blindado com capacidade para voar e poderia abrigar
confortavelmente seis homens. A cabine era pressurizada e permitia uma visão ampla
para todos os lados. O veículo desenvolvia alta velocidade na superfície. Era o que havia
de melhor para explorar um planeta desconhecido.
— Acho que devemos ir num carro voador — resmungou Gucky.
Kasom fitou-o prolongadamente e sorriu.
— Compreendo perfeitamente, com as pernas curtas que você tem... E, se quiser
saber, ainda são tortas.
Gucky respirava com dificuldade. Prendeu a respiração por um instante, para depois
soltá-la ruidosamente, num gesto de desprezo.
— Acontece que você é preguiçoso demais para dar um passo.
— Vamos no carro voador, porque eu não tenho vontade de andar pela areia —
decidiu Rhodan, pondo fim à discussão. — Usaremos os trajes de combate leves com o
respectivo equipamento. No carro voador há mantimentos para algumas semanas. Além
disso não devemos esquecer o equipamento normal de uma expedição. Será que o senhor
está disposto a carregar tudo isso, Kasom?
Gucky lançou um olhar de triunfo para o ertrusiano e saiu andando de cabeça
erguida, para ir ao camarote e pegar o traje especialmente feito para ele.
O carro voador estava estacionado no hangar da C-17.
O piloto, Tom Jones, já concluíra os preparativos e estava à espera dos passageiros.
Alisou o uniforme quando viu Rhodan e seus companheiros entrar no hangar. Gucky
caminhava na frente, balançando o corpo num caminhar aparentemente desajeitado.
— Carro voador preparado para partir, senhor — informou Jones.
Gucky plantou-se à sua frente e exibiu o brilhante dente roedor.
— Como o senhor é solene! Aprendeu isso na Academia?
— Perfeitamente, Guck... aan... Tenente Gucky...
— Tem alguma coisa atravessada na garganta? — perguntou Gucky em tom
condescendente e acrescentou: — O senhor está perdoado, sargento. Afinal, não é todos
os dias que a gente se encontra com o Salvador do Universo.
Dito isto, saiu caminhando todo empertigado e entrou na cabine do carro voador.
O sargento Jones seguiu-o com os olhos. Estava com o queixo caído.
Rhodan bateu em seu ombro.
— Posso dar-lhe um conselho? Não mostre muito sua admiração. Mas em hipótese
alguma faça o contrário.
Tom Jones não sabia muito bem o que queria dizer isso, mas resolveu seguir o
conselho na medida do possível. Sua tarefa será guiar o carro voador. E era exatamente o
que de faria.
Foi o último a entrar. Fechou a escotilha hermética. O sistema de abastecimento de
oxigênio do veículo começou a funcionar automaticamente. Rhodan e seus companheiros
usavam um modelo aperfeiçoado dos trajes de combate dos velhos arcônidas. Eram mais
leves, mas nem por isso menos eficientes. Numa pequena mochila estavam guardados
vários equipamentos, que faziam verdadeiros milagres. Geravam pequenos campos
energéticos, que formavam verdadeiras campânulas em cujo interior a pessoa que usava o
traje estava protegida contra qualquer tipo de radiação, por mais mortífera que fosse a
mesma. Um sistema sofisticado de renovação garantia o ar respirável por pelo menos cem
horas. Havia projetores antigravitacionais que davam à pessoa que usava o traje a
capacidade de voar, além dos projetores de deflexão que a tomavam invisível.
Rhodan usou o rádio para entrar em contato com o Major Peanut.
— Tudo conforme o combinado, senhor. Pode confiar em nós.
— Muito bem. Envie uma mensagem condensada a Atlan. Informe-o sobre o que
encontramos por aqui. Use o hiper-rádio. Comunique-lhe ainda que voltaremos a chamar
dentro de vinte e quatro horas.
— Perfeitamente, senhor.
— Muito bem — desligou o transmissor e dirigiu-se ao sargento Jones. — Agora é
sua vez, sargento.
Tom Jones acenou calmamente com a cabeça. Apertou um botão, com o qual
transmitia o respectivo sinal ao pessoal do hangar. A escotilha abriu-se deixando entrar as
radiações mortíferas. Mas não havia mais ninguém no hangar, além da tripulação do
carro voador, que estava bem protegida.
O veículo não muito potente saiu lentamente, rolou pela escotilha e começou a
deslocar-se pelo deserto, suspenso sobre os campos antigravitacionais. Desceu
lentamente e acabou pousando de forma suave. Jones desligou os campos
antigravitacionais que gastavam quantidades enormes de energia que podia ser guardada
para uma emergência.
A cobertura e as paredes da cabine eram transparentes, permitindo uma visão ampla
para todos os lados.
O carro voador saiu rolando em baixa velocidade em direção aos montes de
destroços de formato regular que marcavam o início da cidade destruída. O deserto
estendia-se para todos os lados, mas o mesmo revelava que por ali também houvera
edifícios, se bem que os mesmos não ficavam tão próximos como na cidade propriamente
dita. O planeta devia ter sido altamente industrializado. Rhodan tentou em vão imaginar
quem fora a raça infeliz que tinha sido destruída por um inimigo muito mais perigoso.
Nem imaginava as surpresas que lhe estavam reservadas.
***
As ruas eram largas e bem retas. Naturalmente já não eram ruas, mas vales pouco
profundos que se abriam no solo e atravessavam montes de areia dispostos em linha reta.
Rhodan pôs-se a refletir, tentando descobrir de onde tinha vindo toda essa areia. Era
possível que dali a pouco o Dr. Berger encontrasse uma resposta a essa pergunta.
— A camada de areia deve ter alguns metros de espessura — constatou Kasom
quando alcançaram uma praça circular situada no centro da antiga cidade. — Quase
chegou a compensar as elevações das velhas ruínas. Mas não conseguiu apagar
completamente os contornos.
Tom Jones fez parar o carro voador. Seus ocupantes olharam atentamente para os
lados.
— Acho que deveríamos pegar uma pá e começar a cavar — disse Gucky. — Só
assim poderemos saber a quantas andamos.
— Pois pegue uma pá — recomendou Kasom em tom bonachão. — Você vai suar
um bocado.
— Você não deixa de ter razão — confessou Gucky e resolveu ficar quieto.
Via-se que não tinha muito interesse por esse tipo de trabalho, mesmo quando podia
executá-lo por via telecinética. Fora apenas uma sugestão. Não para ele. Afinal, Kasom
era muito mais forte, e além disso...
— A gente deveria dar um jeito de entrar num dos edifícios — sugeriu Tolot. —
Não deve ser muito difícil. Não podem ter afundado tanto na areia. Devem ser apenas
alguns homens.
Rhodan não disse absolutamente nada. Limitava-se a olhar para os lados.
Parecia que tinham parado em pleno deserto. Não havia nenhuma vegetação no
planeta, ao menos no lugar em que se encontravam, onde já devia ter havido uma cidade.
Certamente fora tudo queimado pelas radiações. As fachadas das antigas casas
destacavam-se como pequenas elevações contra o horizonte distante. E isso de todos os
lados.
— Embaixo do chão também não encontraremos nada — disse Rhodan depois de
algum tempo. — Aqui em cima não existe vida. E de que poderia alimentar-se alguém
que vivesse embaixo da superfície?
— Não estava pensando em sobreviventes. Esperava encontrar alguma indicação de
quem foram os habitantes do planeta — observou Tolot. — Acho que é o que mais
importa no momento.
— O senhor não deixa de ter razão — respondeu Rhodan. — Mandaremos uma
escavadeira para cá. Ou será que Gucky ainda insiste em usar a pá...?
Gucky não insistiu.
Rhodan estava prestes a dar o sinal de partida, quando o sinal de chamada se fez
ouvir no receptor do veículo. O sargento Jones olhou para Rhodan antes de responder ao
chamado.
Era o Major Peanut.
— Temos alguma coisa na tela do rastreador — disse, nervoso. — Uma porção de
coisas. São naves. Vêm em nossa direção.
— Permaneça inativo — recomendou Rhodan. — Talvez não nos vejam.
— E se atacarem?
Rhodan hesitou.
— É um risco que temos de assumir. Se não abrirmos fogo e o campo defensivo
permanecer desligado, as chances de sermos descobertos são bem menores. Quanto ao
mais, o senhor tem plena liberdade de ação. Vamos andar depressa.
O sol vermelho chamado Alurin ainda ia bem alto no céu. Continuaria claro pelo
menos por mais sete horas, mas isso não tinha nada a ver com a data registrada no planeta
Terra. Havia uma escala de tempo para cada mundo do Universo.
— Vamos logo, sargento — disse Rhodan ao notar o olhar indagador de Jones. —
No momento não podemos arriscar-nos a voar. Na superfície não seremos localizados tão
depressa.
Partiram, mas não foram longe.
***
O Major Peanut teve bastante inteligência para informar a tripulação da C-17 sobre
a presença das naves desconhecidas. Como Rhodan lhe conferira plenos poderes,
resolveu tomar outra providência. Quando as telas dos rastreadores mostraram dez
objetos que vinham exatamente na direção da nave-girino, deu ordem para que a
tripulação se reunisse no hangar inferior. A eclusa foi aberta. Os homens usavam trajes
protetores e carregavam suas armas. O Dr. Berger entrou na sala de comando.
— O que é isso? — perguntou. — Por que não liga o campo defensivo e coloca a
nave em estado de prontidão para o combate? Acho que não seria difícil a gente se livrar
dos atacantes.
— Talvez — disse Peanut num tom que quase chegava a ser fleumático. —
Acontece que Rhodan deu ordem para que nos mantivéssemos inativos. Talvez suponha
que há outras forças por perto e não quer despertar a atenção das mesmas. De qualquer
maneira, se as naves desconhecidas abrirem fogo, o hangar será o lugar mais seguro.
Ficarei na sala de comando.
— Para mim não há nenhuma lógica em tudo isso.
— Nem para mim, meu caro doutor. Mas o senhor sabe tão bem quanto eu que seria
errado revelarmos nossa presença. Não se pode excluir a possibilidade de os twonosers
— ou seja lá quem forem os desconhecidos — irem embora se forem levados a acreditar
que a C-17 não está tripulada.
— Nem mesmo os mais burros entre os twonosers acreditariam numa coisa dessas.
— Por enquanto nem sabemos se realmente são twonosers. Dê o fora. As naves
desconhecidas encontram-se a menos de dez quilômetros. Certamente não demorarão a
dar a conhecer suas intenções.
O Dr. Berger saiu correndo. Deixou aberta a porta da sala de comando. Peanut até
gostou. Usou o intercomunicador para certificar-se de que todos os tripulantes estavam
reunidos no hangar inferior. Colocou a mão direita sobre os comandos automáticos dos
canhões energéticos e olhou para as telas dos rastreadores.
Em seguida olhou para as telas de imagem.
As naves inimigas — eram dez ao todo — apareciam nitidamente. Não eram ovais,
mas redondas. A julgar pela rota que seguiam, tinham descoberto a C-17. Voavam
exatamente na direção da espaçonave estacionada no deserto cheio de ruínas.
Peanut começou a compreender que teria sido preferível desobedecer às ordens de
Rhodan. Ainda estava em tempo. Continuou com a mão direita pousada sobre o botão do
controle automático de tiro. Bastaria apertar o mesmo, e o inimigo seria atingido por um
fogo mortífero. O receptor deu o sinal de chamada.
— Peanut falando.
— Rhodan. Como está a situação? Ainda estamos a dois quilômetros.
— As naves desconhecidas estão partindo para o ataque. Parece que não são
twonosers. Podem abrir fogo a qualquer momento.
— Muito bem. Ligue o campo defensivo. Já que foi descoberto, isso não importa...
— Receio que já seja tarde — disse Peanut, que não tirava os olhos das dez naves
esféricas. Cinco delas tinham mudado de rumo e vinham em direção à C-17, sem reduzir
a velocidade. — Estão abrindo fogo. É ligar o campo defensivo ou responder ao fogo,
senhor. Resolvi responder ao fogo.
Peanut comprimiu violentamente o botão do controle automático de tiro.
A mira automática fez a determinação da posição do inimigo, apontou os canhões e
acionou o mecanismo de disparo. Foi tudo uma questão de segundos — mas justamente
estes segundos foram demais.
Peanut viu que subestimara o inimigo. Nenhum ser racional atacaria um inimigo em
situação de superioridade abertamente e sem qualquer proteção, como estavam fazendo
as naves esféricas. Tinham descoberto o gigante — e em comparação com eles a C-17 era
um gigante — e aproximavam-se do mesmo. Passaram ao ataque e abriram fogo com a
mesma determinação.
“Nenhum ser racional...”, pensou Peanut enquanto se levantava e saía às pressas
para o corredor. A tentativa de ligar o campo energético falhara, já que os canhões que
disparavam ininterruptamente consumiam toda a energia disponível.
Se as naves atacadas não estavam sendo pilotadas por seres racionais, quem as
estaria dirigindo?
Entrou correndo no hangar. Os homens fitaram-no com uma expressão de
curiosidade. Não compreendiam por que tinham de render-se tão depressa a um inimigo
desconhecido. Se o campo defensivo tivesse sido ligado em tempo, nada lhes poderia
acontecer. Mas nesse caso teria sido dado o alarme. Mas do jeito que estavam as coisas...
Quem sabe...
Peanut tinha algumas hipóteses, mas não sabia qual delas era a verdadeira. De
qualquer maneira achava pouco provável que Rhodan resolvesse sacrificar a nave-girino
somente para enganar o inimigo.
Uma terrível explosão sacudiu a nave. Uma fumaça ardente entrou no hangar.
Houve outra explosão. A C-17 tombou. As naves desconhecidas certamente tinham
destruído uma das colunas de sustentação.
— Por que não fazemos nada? — perguntou um dos homens, furioso.
Peanut escorregou para perto de uma travessa e segurou-se. O piso do hangar
apresentava uma inclinação de quarenta e cinco graus. A escotilha aberta levava às areias
do deserto. Felizmente todos os tripulantes usavam trajes protetores.
De repente Peanut ouviu a voz de Rhodan no receptor.
— O senhor me ouve, major? O que houve?
— Os desconhecidos estão atirando contra a nave-girino. A tentativa de
camuflagem não foi bem-sucedida. Já devem ter sabido que estamos aqui.
— Não é possível, major. Será que o senhor não revelou sua presença antes da
hora?
— Quanto a isso tenho certeza absoluta, senhor. Não liguei o campo defensivo. Só
abri fogo por meio do equipamento automático depois que tínhamos sido atingidos. Estão
nos destruindo.
— Abandone a nave, major. Procure abrigar-se entre as ruínas. Talvez consigamos
enganá-los.
— Enganá-los, senhor...?
— Mais tarde explicarei. Ande logo. Abandone a C-17 e trate de fugir. Esperamos o
senhor na cidade.
— Abandonar a nave...? — a simples idéia incomodava Peanut tanto que seu ser se
rebelava contra a ordem. Mas a confiança que dedicava a Rhodan acabou levando a
melhor. — Está bem, senhor. Logo nos veremos. Mas não estou gostando nem um pouco,
senhor...
— Nem eu, Peanut.
As dez naves esféricas, nenhuma das quais tinha mais de cinco metros de diâmetro,
afastaram-se, entraram em formação de cunha e voltaram. O fogo automático mortífero
continuava a ser disparado contra elas, e desta vez acertou o alvo. Seis esferas estouraram
e caíram ao chão. Os destroços espalharam-se por toda a área.
As quatro restantes prosseguiram obstinadamente, dispararam e voltaram a subir.
Peanut viu que estavam entrando novamente em mergulho. Já era tarde para ir à sala
de comando. O campo defensivo tornara-se ilusório. A C-17 fora sacrificada em vão.
— Abandonar a nave! — ordenou, embora tudo que havia nele se revoltasse contra
a ordem que parecia ser absurda. — Cada um tentará chegar à cidade. Uma vez lá, vamos
encontrar-nos com Rhodan.
Peanut saltou pela escotilha e saiu correndo em direção à cidade em ruínas. Viu
pelos cantos dos olhos as quatro esferas restantes precipitar-se sobre a C-17 que nem aves
de rapina famintas. Duas delas explodiram sob o fogo da nave-girino ferida de morte,
antes que esta sofresse mais um impacto.
Trinta homens correram pelo deserto. Atrás deles surgiu um verdadeiro inferno, mas
não foram perseguidos. Peanut registrou o fato com um ligeiro espanto, mas não pensou
mais nisso. Parecia que queriam destruir a nave, mas não os homens. Não era mesmo de
admirar. Afinal, não poderiam mesmo sobreviver nesse planeta infernal por mais de
alguns dias ou horas...
Uma terrível explosão arrebentou a C-17. Uma bola de fogo formou-se, e a onda de
calor passou por cima dos homens em fuga.
— Ligar equipamento de vôo! — ordenou Peanut e foi subindo. Passou sobre a
areia do deserto a baixa altitude. A cidade aproximou-se rapidamente. Viu que os homens
o seguiam. Mais atrás a nave-girino desmanchou-se numa depressão formada por areia
derretida.
As duas esferas desconhecidas descreveram mais um círculo em torno da nave
destroçada, mudaram de rumo e afastaram-se. Agiam como se não tivesse havido
sobreviventes. Era estranho, mas esse comportamento não deixava Peanut mais calmo.
Pelo contrário. Só nesse instante começou a preocupar-se de verdade.
Viu um ponto escuro na areia bem mais à frente. Devia ser o carro voador de
Rhodan. Estava parado entre dois montes de areia que provavelmente cobriam as ruínas
de antigos edifícios. Peanut corrigiu a rota e voou na direção do carro. Os homens
seguiram seu exemplo. Os transmissores embutidos em seus trajes transmitiam os
comentários nada agradáveis. Os homens estavam zangados porque a nave-girino fora
perdida. Em sua opinião não teria sido difícil enfrentar as dez naves inimigas.
“Eles têm razão”, pensou Peanut. “Têm até muita razão. Mas quem sabe o que teria
acontecido se tivéssemos ligado o campo defensivo. Mais dez, ou até cem naves inimigas
poderiam ter aparecido. Ou outra coisa...”
Pousou perto do carro voador. Rhodan, que tinha descido, recebeu-o.
— Houve perdas? — perguntou imediatamente. Para ele uma vida humana valia
mais que uma nave que custava milhões de solares. — Seria lamentável se...
Peanut apressou-se em responder.
— Não houve perdas, senhor. Só a nave.
— Graças a Deus! — Rhodan respirou aliviado. — Talvez tenha valido a pena
sacrificarmos a C-17. Acho que não existe a menor dúvida de que nós a sacrificamos. O
inimigo deve sentir-se mais tranqüilo. Destruiu o intruso, e por isso já não é necessário
dar o alarme geral.
Cumprimentou com um aceno de cabeça os homens que iam pousando e desligando
seus equipamentos de vôo.
— Conseguiu identificar as naves? Foram twonosers? Peanut sacudiu lentamente a
cabeça.
— Não foram naves twonosers, senhor. Eram redondas. Não tinham nenhuma
semelhança com as naves ovais com aletas na popa.
Rhodan mordeu os lábios.
— Se não foram twonosers... o que foram? Peanut sentou num pequeno monte de
areia.
— Não sei, senhor. Outra coisa que deve ser mencionada é seu comportamento
estranho durante o ataque. Atacaram sem contemplação e sem incomodar-se com as
perdas que sofriam.
Rhodan levantou os olhos.
— Davam a impressão de não se importarem que fossem destruídas?
— Mais ou menos, senhor.
Rhodan olhou para a areia solta em que estavam apoiados seus pés e levantou os
olhos para o céu verde-azulado de Destroy.
— Com isso o problema torna-se mais difícil. Receio que os atacantes tenham sido
robôs, major.
— Robôs? — Peanut arregalou os olhos de susto. — Robôs? Bem... isso explicaria
suas reações, a forma da aproximação, seu comportamento coerente... Deve ser isso
mesmo. Robôs!
Rhodan apontou na direção da nuvem de fumaça que cobria os destroços da nave-
girino.
— Em sua maioria os atacantes foram derrubados. Vamos examinar os destroços
para ter certeza. Irei pessoalmente em companhia de alguns especialistas. Os outros
ficarão perto do carro voador. Tente construir um alojamento de emergência. Um simples
buraco na areia basta. Talvez seria conveniente fundir as paredes, para que não desabem.
Rhodan escolheu alguns especialistas, inclusive o Dr. Berger. Ligaram os
equipamentos de vôo e dentro de alguns minutos pousaram perto de uma cratera no fundo
da qual se encontrava uma das esferas — ou o que tinha sobrado da mesma.
Não se via mais nada da forma primitiva, já que a nave fora arrebentada numa
explosão. Rhodan fez um reconhecimento da área, enquanto os técnicos trabalhavam às
pressas com os destroços. Não dispunham do equipamento necessário, mas não
demoraram a obter um resultado. Dali a dez minutos, quando Rhodan voltou,
informaram:
— É uma liga estranha, senhor — o Dr. Berger deu de ombros. — Para dizer a
verdade, não conseguimos determinar sua composição exata. É bem resistente. Dos
controles não sobrou praticamente nada. Pelo que constatamos, tudo funcionava
automaticamente, por meio de computadores. O sistema de propulsão é atômico. Os
maquinismos e geradores de pressão da luz devem ter sido uma maravilha técnica, até
mesmo por causa do tamanho reduzido. Quanto ao armamento, parece que o mesmo
consiste em armas energéticas comuns alimentadas por geradores atômicos. Portanto,
nada de novo. Se com base nisso quiser tirar uma conclusão sobre a origem da nave,
senhor...
— Será difícil — respondeu Rhodan, pensativo. — O senhor disse que os controles
eram automáticos, por meio de computadores?
— Exatamente.
— Então o senhor admite a possibilidade de que as naves não eram tripuladas?
— Quer dizer que se tratava de simples robôs? — Berger olhou demoradamente
para Rhodan. — Talvez. É perfeitamente possível, senhor. Isso explicaria o sistema de
comando inteiramente automatizado.
— E mais alguma coisa, doutor. Como a forma do ataque e o comportamento das
naves. Elas não se preocupam nem um pouco com a própria sorte. Um ser vivo, seja qual
for sua espécie, sempre tem essa preocupação.
— Cada um se agarra à própria vida — disse Berger e acenou com a cabeça. — A
gente percebe consigo mesmo.
— Por enquanto não é tanto — retificou Rhodan. — Quando a situação se toma
perigosa, a preocupação talvez seja maior — apontou para a cratera. — Descobriu mais
alguma coisa? Sobre a espécie das radiações ou a origem das naves?
— Nada, senhor. As radiações existem de qualquer maneira. Não há nenhum meio
de verificar se surgiram outras. Mas bem que gostaria de, em outra oportunidade,
examinar os destroços da C-17, senhor...
— O senhor não vai encontrar muita coisa — a voz de Rhodan parecia áspera. —
Pelo menos não encontrará muita coisa aproveitável. Afinal, temos o carro voador.
Teremos de arranjar-nos com ele até a chegada de Atlan.
— O senhor acha que ele virá?
— Isso foi combinado, Berger.
Voltaram ao esconderijo provisório. Neste meio tempo tinha sido cavado um abrigo.
As paredes haviam sido endurecidas com os raios das armas energéticas. O carro voador
estava guardado na sombra de uma ruína. Gucky conversava com o Major Peanut, dando-
lhe bons conselhos sobre como a gente deve comportar-se durante um ataque, estando no
comando de uma nave-girino. Exagerou tanto que dali a pouco Peanut não o levou mais a
sério — e era exatamente o que queria Gucky, que lia nos pensamentos do major que a
perda da nave lhe pesava na consciência.
— Quer dizer que as desvantagens também têm suas vantagens — filosofou em tom
consolador, caminhando de um lado para outro do abrigo, com o peito estufado. —
Interessei-me desde o início por esta cidade em ruínas. Finalmente teremos tempo para
examiná-la melhor. O que acha, major?
— Nunca me interessei por ruínas — confessou Peanut.
— O senhor é um analfabeto, um analfabeto em matéria de arte — disse o rato-
castor, indignado. — Todas as ruínas são obras de arte. Quanto mais antigas, mais
artísticas são. Quanto mais grossa a poeira, maior é o valor das coisas que são cobertas
pela mesma. Certa vez conheci um professor que criou fama simplesmente cavando o
chão. O senhor sabe onde ele costumava cavar, major?
O Major Peanut não chegou a saber em que lugar o tal do professor fizera suas
escavações, pois Rhodan interrompeu o diálogo promissor.
— Major Peanut, transforme este buraco numa fortaleza. Ficaremos aqui enquanto
não encontrarmos um alojamento melhor. Irei à cidade com cinco homens para fazer o
reconhecimento da área.
— Temos um hipertransmissor, senhor. O senhor não acha que deveríamos enviar
uma mensagem para Arctis a fim de informar Atlan sobre a situação em que nos
encontramos?
— É melhor esperar, major. Combinei com Atlan de ele nos procurar se não receber
notícias. Não quero que o Inimigo desconhecido tenha a possibilidade de localizar-nos
por meio da transmissão. Não se esqueça de que fomos atacados por naves robotizadas.
Os seres que as enviaram têm certeza de que fomos mortos. Quero que continuem a
acreditar nisso. Quando Atlan chegar com a Imperador, não precisaremos temer mais
nada. Mas no momento...
Apontou para o abrigo e deixou que o Major Peanut tirasse suas conclusões do
gesto.
O sargento Jones estava esperando no interior do carro. Além dele, o Dr. Berger,
Wuriu Sengu, Kasom e Gucky acompanharam Rhodan. Tolot ficou para cuidar da base.
Jones regulou os campos antigravitacionais de tal maneira que o carro voador
deslizou alguns centímetros acima da superfície, continuando protegido atrás das ruínas.
Seguiram em direção ao centro da antiga cidade.
Rhodan olhava fixamente para a frente. Estreitava os olhos, dando a impressão de
que se sentia ofuscado pela luz avermelhada do sol. Começou a arrepender-se de ter feito
a expedição para Destroy. A mesma já lhe custara uma boa nave, se bem que felizmente
não houvera vidas humanas a lamentar. Mas se o inimigo resolvesse atacar de novo...
— O senhor já notou — perguntou o sargento Jones de repente — que as ruínas
sobressaem mais da areia que antes? Existe uma explicação para isto — a não ser a de
que alguém está removendo a areia para deixar livre alguma entrada?
— É possível que a areia tenha sido levada pelo vento — disse o Dr. Berger ao
notar que Rhodan não dava resposta. — Quem poderia ter interesse em fazer aparecer as
ruínas?
— Podem ser os seres que destruíram nossa nave — respondeu Kasom em tom
calmo.
— Eles não podem ter interesse nisso — disse Rhodan sem tirar os olhos das ruínas.
— Jones tem razão. A areia não foi simplesmente levada pelo vento. A areia está
protegida contra o mesmo. Alguém deve tê-la levado de um lugar para outro. Alguém que
quis entrar nas ruínas — virou o tosto para Wuriu Sengu. — Qual é sua opinião, Sengu?
Sengu sabia que Rhodan queria que ele utilizasse sua faculdade especial. Seu rosto
largo abriu-se num sorriso. Era um mutante capaz de ampliar à vontade seu raio de visão
e modular as ondas luminosas que atingiam sua retina. O resultado era surpreendente.
Enxergava através de qualquer espécie de matéria. Bastava adaptar-se à mesma.
— Vamos parar um pouco. Preciso concentrar-me pediu.
Rhodan fez um sinal para Jones, cuja reação foi imediata.
Estavam parados numa rua larga, entre ruínas que apareciam pela metade. Havia
grandes montes de areia nas ruas laterais. Os raios do sol vermelho vinham obliquamente
de cima, envolvendo o cenário num crepúsculo fantástico.
Sengu concentrou-se numa ruína alta, e seu olhar varou as paredes sólidas.
— Está muito escuro — informou. — Há espaços vazios, mas não vejo nada. Deve
haver enormes espaços livres embaixo da ruína, mas não consigo apalpar os limites dos
mesmos. Estão vazios. E sem iluminação.
Gucky mexia nervosamente em seu assento.
— Se você me ajudasse eu poderia teleportar, Sengu.
— Você não vai — decidiu Rhodan. — Pelo menos por enquanto.
Gucky resmungou alguma coisa, mas não fez nenhum comentário.
De repente o som estridente do sinal de chamada do rádio-receptor rompeu o
silêncio. Uma voz nervosa que parecia atropelar-se se fez ouvir.
— As naves esféricas... estão atacando. Encontram-se perto do horizonte e
aproximam-se velozmente em formação cerrada. Senhor... está ouvindo...?
Sengu caiu no assento.
O sargento Jones bateu violentamente na tecla de partida.
O carro voador subiu na vertical e saiu voando baixo em alta velocidade na direção
em que ficava a base.
2

Cinco minutos antes o Major Peanut resolvera abrir uma trincheira que ligasse o
abrigo às ruínas mais próximas. Estas poderiam protegê-los de todos os lados e, uma vez
fundido um nicho nas paredes externas, até mesmo para cima.
“Para cima é o mais importante”, pensou Peanut.
Colocou duas sentinelas fora do abrigo.
Tolot, o halutense incansável, pegou uma arma energética pesada e pôs-se a
trabalhar. A areia fundiu-se e entrou em ebulição sob o efeito do calor incrível. Tolot
modificou a estrutura molecular de seu corpo, fazendo com que o calor não pudesse
afetá-lo mais. Os outros recuaram para a extremidade oposta do abrigo.
Tolot conseguiu avançar rapidamente, mas dali a pouco uma nuvem escura cobriu o
abrigo e começou a deslocar-se para o norte. O Major Peanut começou a preocupar-se de
verdade. Será que não tinha levado muito ao pé da letra a ordem de construir uma
fortaleza, que fora dada por Rhodan?
Afinal, a nuvem poderia atrair novamente o inimigo desconhecido.
Este pensamento mal tinha atravessado a cabeça de Peanut, quando as duas
sentinelas deram o alarme. Tolot suspendeu imediatamente o trabalho e desligou a arma
energética. Descansou-a na borda do abrigo e corrigiu a distância do tiro. Se necessário, a
carabina energética poderia ser usada como canhão de grande alcance.
Cinco naves aproximaram-se, vindas do leste. Voavam muito baixo, em formação
de cunha. Eram das mesmas naves que tinham atacado e destruído a C-17.
Rhodan foi avisado às pressas.
Mas logo se viu que não havia motivo para tamanho nervosismo, pois as naves não
passaram diretamente ao ataque. Descreveram uma curva quando o carro voador de
Rhodan apareceu e apontou as armas energéticas para as mesmas. De repente o Dr.
Berger, que entrara apressadamente no abrigo e correra para junto de seus instrumentos,
agitou violentamente os braços, dando a entender que tinha uma informação importante.
Rhodan continuou no carro voador. Fez um sinal para Gucky.
O rato-castor teleportou para o abrigo e correu para perto de Berger.
— O que houve? Até parece que sua sogra...
— As naves esféricas! — interrompeu Berger em tom apressado. — Estão emitindo
uma espécie de radiação. É invisível e parece ser inofensiva. Está sendo derramada sobre
nós, mas não constatei nenhum efeito. É muito mais fraca e inofensiva que as radiações
normais deste planeta. O que significa isso? Ninguém procura afogar um homem que está
no mar com um balde de água.
Rhodan, que ainda se encontrava no veículo, acompanhara as palavras do físico
pelo intercomunicador.
— Radiações? Seria um absurdo...
— É claro que é um absurdo — exclamou Berger. — Eu compreenderia se eles
derramassem raios energéticos e raios da morte sobre nós. Afinal, a C-17 foi destruída
dessa forma. Mas estamos sendo atacados com raios completamente inofensivos. Quem
seria capaz de compreender uma coisa dessas?
Rhodan permaneceu impassível. Pôs o cérebro a funcionar, mas não chegou a
nenhum resultado. O comportamento das naves robotizadas era ilógico, e justamente dos
robôs seria de se esperar um pouco de lógica. As radiações deviam ter alguma finalidade.
Queriam conseguir alguma coisa com as mesmas. Se fossem inofensivas para o
organismo humano, logicamente não o deveriam ser para certas outras coisas.
Restava saber que coisas eram estas.
As cinco esferas voltaram a aproximar-se.
— Será que não deveríamos abrir fogo, senhor? — perguntou Peanut.
— Acho que não, major. Enquanto não nos atacarem com armas mortais, vamos
deixar que se divirtam. Aliás, já estão se afastando.
Era verdade.
As cinco esferas fizeram chover pela última vez as estranhas radiações sobre o
grupo de homens e voltaram a desaparecer para o leste. Os homens não se sentiam nada à
vontade enquanto as acompanhavam com os olhos.
Rhodan saiu do carro voador e dirigiu-se ao Major Peanut. Berger e os outros
cientistas também se aproximaram. Ainda discutiam e manifestavam sua opinião sobre a
natureza das radiações.
Rhodan logo se dirigiu a eles.
— Berger, procure descobrir de qualquer maneira que radiações são estas. Não se
esqueça de que fomos atacados por naves robotizadas. Devem ter sido unidades
pertencentes à frota de vigilância. Receberam uma tarefa não relacionada conosco, mas
com outros seres que já viveram ou ainda vivem aqui. É possível que as radiações sejam
mortais para esses seres desconhecidos. Para nós não são. É a única explicação.
Um homem ligeiramente encorpado com o crachá de físico adiantou-se. Empurrou
Berger para o lado e colocou-se no lugar do mesmo. Seus cabelos ruivos e curtos estavam
eriçados, e viam-se perfeitamente as bochechas vermelhas através do visor do capacete.
— Tive uma idéia, senhor — disse em tom exaltado. Rhodan olhou para ele com
uma expressão de curiosidade.
— É mesmo, Dr. Fuxer? Pois diga...
O físico pigarreou e lançou um olhar de triunfo para Berger.
— Nem sempre são as investigações rigorosamente científicas que levam ao
resultado que desejamos. Freqüentemente é o raciocínio lógico. Fomos atacados por
naves robotizadas. Acho que quanto a isso não existe dúvida. Dali se poderia concluir
facilmente que não se pretendia atacar seres orgânicos, mas outros robôs. Não acham?
Quer dizer que as naves robotizadas acham que somos robôs. As radiações devem ter
sido emitidas para prejudicar as funções motoras das máquinas. É por isso, e somente por
isso, que não nos faz mal. Não acham?
— Não acham? Não acham? — interrompeu Berger em tom furioso. — Caro
colega, não quero fazer pouco de sua imaginação, mas infelizmente estamos enfrentando
uma realidade dura e...
— Espere aí! — disse Rhodan, impedindo a discussão que se esboçava. — Todo
mundo tem direito de manifestar sua opinião, e além disso as idéias do Dr. Fuxer nem são
tão absurdas.
Fuxer ficou radiante. Mas deixou cair o queixo quando Rhodan prosseguiu:
— O senhor tem os dados fornecidos pelos instrumentos, Fuxer. Procure chegar a
uma conclusão concreta. Precisamos descobrir mais alguma coisa sobre estas radiações,
para conhecer melhor as esferas robotizadas e o provável inimigo que as mesmas
pretendiam combater. Quero um resultado rápido.
O Dr. Fuxer acenou com a cabeça e recolheu-se a um canto. Berger mostrou um
sorriso de deboche. Mas o sorriso desapareceu quando viu o olhar de Rhodan pousado
nele. Foi atrás de Fuxer e os dois físicos se puseram a interpretar em conjunto os dados
armazenados.
Jones tinha escondido o carro voador. Uma espécie de garagem capaz de abrigar o
precioso veículo foi fundida no chão, com o auxílio de Tolot. Jones e Tolot voltaram para
junto dos outros.
— Nossas reservas de ar dão para mais oitenta ou noventa horas — disse Rhodan.
— Até lá Atlan terá de buscar-nos. Para termos certeza, vamos transmitir um pedido de
socorro exatamente dentro de três dias. Se necessário, a Imperador poderá estar aqui
dentro de algumas horas. Quer dizer que não existe nenhum perigo iminente. Mas não
podemos admitir que a C-17 tenha sido sacrificada em vão. Precisamos descobrir o que
foi feito neste mundo — e o que continua sendo feito. A presença das esferas robotizadas
é a melhor prova de que por aqui ainda existe alguma coisa de que nem desconfiamos.
Nossa tarefa mais urgente será descobrir isso.
Gucky não agüentou mais. Ficara todo o tempo num canto, cochichando ao ouvido
de Sengu. Os dois tinham tido bastante inteligência para reduzir o volume de seus
transmissores ao mínimo, para que ninguém pudesse compreender o que diziam.
Voltaram a regulá-los para o volume normal.
— Tenho uma sugestão — disse a voz estridente de Gucky, superando as palavras
dos outros. — Ouçam!
Rhodan parecia um tanto irritado, mas não disse nada. O Major Peanut fez de conta
que receava o pior. Berger e Fuxer não deixaram que as palavras de Gucky os
perturbassem. Não tinham nada a ver com isso. Sua tarefa era descobrir a natureza das
radiações.
— Diga logo — disse Kasom em tom bonachão.
Gucky estufou o peito e apontou para Sengu.
— Sengu e eu faremos um reconhecimento nas ruínas — disse com um gesto
dramático, para em seguida apontar para o carro voador estacionado. — Com isso não
iremos muito longe. Um calhambeque como este chamará a atenção em toda parte,
especialmente num lugar em que uma coisa dessas nem deveria existir. Poderei teleportar
com Sengu para qualquer lugar e, sempre que necessário, poderemos ir a um lugar seguro
sem qualquer demora. E temos nossos trajes de combate. Podemos tornar-nos invisíveis.
Em resumo: Sengu e eu poderemos dar resposta a todas as perguntas, desde que nos dêem
uma ou duas horas.
Kasom soltou uma estrondosa gargalhada.
— Sugiro que me levem.
— Você só representaria uma carga adicional — observou Gucky em tom áspero.
Kasom ficou quieto.
— Eu não seria nenhuma carga — disse Tolot.
Gucky mediu-o com os olhos.
— Você pesa mais algumas centenas de quilos que Kasom — argumentou em tom
amável. — Representaria um obstáculo.
— Gucky não quis ofender ninguém — disse o japonês. — E não posso deixar de
concordar com ele. Se formos sós, nossa mobilidade será a maior possível.
Rhodan estava de pé perto do grupo. Encostou-se à parede.
— Concordo que você faça a operação de reconhecimento, Gucky, mas você tem de
prometer que voltará assim que o chamarmos. Além disso terá de comunicar
imediatamente qualquer coisa que descobrir. Enquanto estiverem fora, evitem sempre que
possível o contato pelo rádio. Encostem os capacetes um ao outro, quando quiser dizer
alguma coisa a Sengu. Em sentido contrário as coisas serão mais fáceis, já que você pode
ler seus pensamentos. Entendido?
— Entendido — disse Gucky. — Mas posso garantir desde logo que não
encontraremos muita coisa. O mundo em que nos encontramos é morto e abandonado. Se
houver alguém vivo por aqui além de nós, ele será encontrado. Será que alguém me
poderia emprestar uma boa lanterninha de bolso?
Sengu pegou uma arma energética leve e Gucky uma lanterna muito forte.
Em seguida os dois teleportaram para dentro da cidade em ruínas.
***
A longa tarde foi chegando ao fim. O sol vermelho encontrava-se junto à linha do
horizonte. As naves robotizadas não tinham aparecido mais. Os homens acomodaram-se
da melhor forma possível no seu abrigo, mas com o tempo os trajes protetores
começavam a incomodar. Rhodan dera ordem para que constantemente ficassem seis ou
sete homens no carro voador, onde ao menos podiam abrir os capacetes e comer como
pessoas normais.
Gucky e Sengu ainda não tinham dado notícias.
Rhodan começou a ficar preocupado de verdade com a sorte dos dois mutantes.
— Não deve ter acontecido nada — disse Peanut, que se encontrava no carro voador
juntamente com Rhodan. — Faz quatro horas que saíram. Quem sabe quantas casas e
subterrâneos existem nesta cidade. Se estiverem em perigo, poderão estar aqui dentro de
alguns segundos.
— Acontece que estou preocupado, major. Gucky não costuma deixar-me na
incerteza por tanto tempo. Mas acho que o senhor tem razão. Se tivesse descoberto
alguma coisa, já estaria aqui.
Comeram com muito apetite alguma coisa tirada das provisões abundantes.
— Daqui a pouco vai escurecer, senhor. A noite durará mais de dezesseis horas.
Tem alguma objeção a que eu organize a escala das sentinelas?
— Pelo contrário. Já ia pedir que o fizesse.
Rhodan continuava calado. Mesmo depois que voltou ao abrigo, manteve-se
afastado dos outros. Kasom e Tolot estavam dormindo. Deitaram no chão e ligaram o
sistema de aquecimento de seus trajes protetores. Se surgisse um perigo, poderiam entrar
em ação dentro de alguns segundos e, se necessário, se transformariam em terríveis
máquinas de guerra. Quanto a isso Rhodan não tinha a menor dúvida.
O sol desapareceu. Escureceu muito depressa.
Gucky e Sengu ainda não tinham voltado.
***
Depois de alguns saltos de teleportação Gucky e Sengu foram parar numa área da
cidade que ainda não conheciam.
As ruínas estavam de pé e livres de areia. As paredes ainda mostravam sinais da
onda de calor que tinha destruído a cidade. Eram lisas e vitrificadas.
— Foi uma destruição atômica — cochichou Sengu. Gucky não precisava do rádio
para entendê-lo. — Alguém simplesmente apagou esse mundo com recursos
ultramodernos. Quem terá sido?
Gucky encostou o capacete ao de Sengu.
— Quem? Tenho um palpite de que foram os senhores da galáxia.
Sengu acenou com a cabeça. Era da mesma opinião. Restava esclarecerão motivo, o
que não seria possível enquanto não se soubesse quem tinha sido destruído.
Os dois seguraram-se pelas mãos, para que Gucky os pudesse levar a qualquer
momento a um lugar em que estivessem em segurança. O olhar de Sengu varou as
paredes vitrificadas. Ainda havia janelas desimpedidas e a luz penetrava nas salas. Sengu
conseguia enxergar.
— Está tudo vazio. Não existe sinal de que isso tenha sido usado recentemente —
informou. — As salas são amplas. Geralmente o chão está coberto por destroços. Existem
poços que levam para baixo do chão, mas dentro deles está escuro. Será que os
elevadores ainda funcionam?
Gucky não fez nenhum movimento. Parecia que estava escutando. Os pêlos da nuca
arrepiaram-se ligeiramente. Sengu sentiu a mão do rato-castor tremer.
— Que houve? — perguntou, preocupado.
— Impulsos, Sengu. Impulsos mentais. Não sei de onde vêm, mas são preocupantes.
São impulsos estranhos; confusos e sem sentido.
— Não são os impulsos de nossa gente?
Gucky sacudiu a cabeça.
— Não se trata de impulsos mentais humanos, Sengu. Estavam parados no meio de
uma rua larga, olhando para os lados. O sol já tinha desaparecido. Logo ficaria escuro. As
ruínas estavam mergulhadas numa luz vermelha, na parte superior, onde ainda eram
atingidas pela luz do sol.
— Vamos voltar para junto de Rhodan — sugeriu Sengu.
— Nem pense nisso. Preciso descobrir primeiro o que está havendo por aqui. Não
gosto de apresentar resultados pela metade, Sengu. Preciso ter certeza. Os impulsos
provêm de seres orgânicos. Vivem nestas ruínas. Temos de encontrá-los. É provável que
a atividade das naves robotizadas tenha sido dirigida contra eles.
Teleportaram mais um pedaço. Gucky notou que os impulsos mentais dos
desconhecidos eram mais intensos. Concluiu que tinham saltado na direção certa. Dessa
forma aumentava o perigo de serem descobertos.
— Que edifício enorme lá adiante — constatou Sengu e Gucky não teve nenhuma
dificuldade em captar seus pensamentos. — E não está tão destruído. Espere aí... Que
coisa interessante...
— O que é?
— As salas foram... foram limpas. Não há escombros. Há uma escada que desce,
além de elevadores antigravitacionais. Parece tudo novo e dá a impressão de estar sendo
usado. Os subterrâneos... Luz, Gucky! Há luz acesa nos porões. Máquinas montadas...
— Proteja-se! — exclamou Gucky, mas Sengu não o compreendeu, porque tinham
esquecido de encostar os capacetes. No entanto, compreendeu o gesto de Gucky. Sem
teleportar, correram para o lado oposto da rua. Ali já houvera uma casa, mas a mesma
tinha desabado. Havia dezenas de bons esconderijos entre os escombros. Pararam atrás de
uma parede que continuava de pé. — Vi um movimento.
— Também vi — disse Sengu. — Mas só consegui distinguir uma sombra. Já está
muito escuro. Mas nos porões há luz. Luz, Gucky!
— Quer dizer que ainda existe energia. E sobreviventes.
— Não acha que já está na hora de avisarmos Rhodan?
— De forma alguma. É cedo. Se voltarmos, talvez não encontremos mais a casa. Ou
então os sobreviventes poderão mudar de alojamento. Não vejo a hora de descobrir o que
há neste mundo.
Sengu suspirou, mas não disse nem pensou nada.
Espiaram para o outro lado da rua, onde ficava o edifício relativamente intacto. O
japonês estava com a arma energética na mão. Seu cabo frio transmitia uma impressão
tranqüilizadora.
Não se via nenhum movimento, mas já estava escuro. Não havia sinal da luz que,
segundo dizia Sengu, estava acesa nos porões. O lugar em que Gucky tinha visto um
movimento estava envolto em sombras profundas. Os microfones externos não captaram
nenhum ruído. Havia um silêncio profundo.
A nebulosa de Andrômeda foi subindo no horizonte.
Gucky encostou o capacete ao de Sengu.
— Você me entende? — cochichou. O japonês fez que sim. — Vou acender a
lanterninha e dirigirei a luz para a casa. Não atire enquanto não formos atacados.
Sengu voltou a acenar com a cabeça.
Gucky ergueu a lanterninha e dirigiu-a aproximadamente para o lugar em que,
segundo acreditava, havia alguma coisa. Ligou a luz.
O feixe luminoso atravessou a rua. Era bastante amplo para derramar uma luz
ofuscante sobre quase dez metros da fachada. A entrada ficava exatamente no centro da
repentina torrente de luz.
As figuras que foram vistas de repente não faziam o menor movimento. Até parecia
que a surpresa as paralisara.
Eram figuras horríveis; Seria impossível dizer que fossem humanóides. Eram
monstros bizarros, figuras fantásticas saídas de um pesadelo, névoas de um mundo irreal
cujos contornos se tinham firmado.
A mão de Gucky tremeu. O feixe de luz caminhava de um lado para outro.
Quando voltou ao lugar em que estivera antes, os fantasmas tinham desaparecido.
Gucky desligou a lanterna.
— O que foi isso? — perguntou, atordoado. — Meu Deus, o que foi?
— Seres vivos — respondeu Sengu, com o dedo polegar encostado ao botão
acionador de sua arma. — Moram embaixo das ruínas. Que coisa terrível!
— Seres vivos? — Gucky sacudiu o corpo. — Foram fantasmas. Figuras
apavorantes, que não podem ser reais. Algumas não tinham cabeça, outras eram brancas,
sem cor, provavelmente albinos. Vi algumas com quatro e oito braços, outras não tinham
pernas e ainda outras possuíam duas ou três cabeças. Acho que andamos imaginando
coisas.
— Estas figuras são reais — disse Sengu em tom sério. — Não se esqueça dos
impulsos que você captou.
Gucky escutou para dentro de si mesmo e sacudiu a cabeça.
— Não estou captando mais nada. Devo estar louco, ou então estes seres são
capazes de bloquear seu cérebro. Você notou que nenhum desses seres se parece com os
outros? Até parece uma mistura de milhares de raças.
— Devem ser mutações — conjeturou Sengu. — É claro; só podem ser mutações.
Estão expostos às radiações há várias gerações. Isso tem de produzir alterações no código
genético. Por isso mesmo pareciam tão apavorantes e irreais.
— Precisamos conhecê-los mais de perto, Sengu. Tive uma idéia. O defletor.
Vamos tornar-nos invisíveis. Aí não nos encontrarão. Primeiro teleportamos e depois nos
tomamos invisíveis.
Sengu hesitou, mas acabou acenando com a cabeça e pegou a mão de Gucky.
O rato-castor sabia que estava fazendo um jogo muito arriscado. Mas o traje
espacial equipado com um campo energético poderia protegê-lo contra qualquer ataque.
E se a gente podia tomar-se invisível, o perigo de ser descoberto era ainda menor.
A mão que segurava a lanterninha procurou instintivamente o botão do defletor.
Bastaria girar o mesmo, e ele se tornaria invisível.
Concentrou-se no subterrâneo em cujo interior estavam guardadas as máquinas e
saltou, levando Sengu.
Quando voltou a enxergar, estava muito claro. Havia fileiras enormes de lâmpadas
acesas no teto. Os blocos das máquinas e geradores ficavam embaixo das mesmas,
também formando fileiras que pareciam não ter fim. Havia telas nas paredes. Estavam
escuras e cobertas de pó. Via-se que há tempo não eram usadas.
Havia figuras altas e magras na extremidade do corredor. Moveram-se lateralmente
e desapareceram.
— Eles nos viram — cochichou Gucky. — Vamos tornar-nos invisíveis.
Ligou o campo defletor e viu Sengu fazer a mesma coisa.
Mas Sengu não se tomou invisível. Ficou à vista no meio do corredor, embora
tivesse ligado o campo energético que desviava a luz.
Gucky assustou-se. O que tinha acontecido com o traje de Sengu? Nunca acontecera
que um equipamento destes falhasse. Que coincidência desagradável! Já se ouviam
perfeitamente os passos arrastados dos mutantes que se aproximavam.
Sengu fitou-o pelo visor do capacete e fazia gestos nervosos. Era claro. O japonês
se sentia nervoso porque continuava visível. Não era de admirar que... Gucky levou um
susto. Estava invisível... mas Sengu lhe fazia sinais. Quer dizer que Sengu o via.
Gucky colocou as mãos na frente dos olhos — e as viu. Não se tinha tornado
invisível, da mesma forma que Sengu.
Os dois defletores tinham falhado!
Não podia ser coincidência. Os mutantes deviam possuir recursos técnicos que lhes
permitiam desativar os defletores. Neste ponto eram mais avançados que a maioria das
raças civilizadas da Via Láctea.
Gucky nem se deu conta de que a idéia era absurda. Mesmo que os desconhecidos
dispusessem desses recursos, sua reação não poderia ter sido tão rápida. Afinal, os
mutantes não poderiam saber que os intrusos possuíam defletores.
Fosse como fosse, Sengu e Gucky ficaram perplexos no meio da sala de máquinas,
expostos à luz forte das lâmpadas. Os monstros mais horríveis que já tinham visto
aproximaram-se, vindos de todos os lados. A fuga rápida seria a única salvação.
Mas Gucky resolveu esperar mais um pouco.
Recuou para junto da parede e esperou que Sengu se colocasse a seu lado. Estavam
com as costas protegidas e podiam concentrar-se no corredor principal, sem terem de
prestar atenção ao que acontecia nos corredores laterais. Se alguém quisesse atacá-los,
este alguém só poderia vir de uma direção. Mais precisamente, do lado que Gucky estava
vigiando.
A telecinesia!
O cérebro de Gucky absorveu o comando e conduziu-o ao setor que tinha sofrido a
mutação. Numa questão de segundos formou-se a parede invisível e móvel, que tantas
vezes salvara a vida de Gucky. Era ainda mais segura que os campos energéticos de seus
trajes especiais, que felizmente ainda estavam funcionando.
Gucky ligou o rádio. Sengu fez o mesmo. Não importava que fossem descobertos
através do mesmo.
— Perry, responda! Você ou outra...
— Gucky! — foi a voz de Tolot, que soava aliviada e surpresa ao mesmo tempo. —
Já estávamos preocupados...
— Não deve ter sido comigo! — interrompeu Gucky em tom apressado. — Se bem
que estamos numa situação estranha e difícil. Posso teleportar, mas primeiro quero saber
quem são eles e...
— Não fale tanto! Onde estão?
— Embaixo das ruínas. Estamos cercados por mutantes. Infelizmente nossos
defletores não funcionam. Não podemos tornar-nos invisíveis. Vou experimentar a
telecinesia. Talvez possamos levar pelo menos um prisioneiro.
Ouviu-se um murmúrio no fone de ouvido. Finalmente Rhodan disse:
— Voltem imediatamente, Gucky. Entendido? Nada de experiências!
— Eu só queria...
— Você ouviu. Voltem imediatamente. Aliás, todos os defletores estão falhando.
Talvez isso faça com que você compreenda que não devemos subestimar o inimigo. É
possível que também acabem pondo fora de ação os campos energéticos e os
equipamentos de vôo.
Gucky respirava com dificuldade. Estava assustado. Viu pelos cantos dos olhos
várias figuras que se aproximavam. Pareciam empertigadas. Ouviu Sengu dar um grito.
Sua arma energética emitiu um zumbido. Até parecia um marimbondo enfurecido.
— Já vamos! — gritou para dentro do microfone e segurou a mão livre de Sengu.
— Pare de atirar, Sengu. Você acaba estragando tudo.
Dois dos mutantes tinham caído ao chão. Os outros continuaram a avançar, mas
Gucky conseguiu atingi-los com a energia telecinética e atirou-os para trás. Desta forma
conseguiu algum espaço.
Dali a dois segundos Sengu e Gucky encontravam-se na rua escura. Havia um
brilho avermelhado no poente, que permitiu que Gucky se orientasse. Deu mais três
saltos de teleportação e chegou ao acampamento.
3

O Dr. Berger concluiu sua preleção.


— Isto esclarece tudo. As estranhas radiações que as naves robotizadas lançaram
sobre nós não são tão inofensivas como acreditávamos. Foram inofensivas para nosso
organismo, pelo menos mais inofensivas que as radiações encontradas neste planeta. Mas
afetaram a unidade energética de nossos defletores. Não sabemos se foi por acaso ou de
propósito. É possível que mais tarde consigamos chegar a uma conclusão sobre isso. É
só.
O dia estava raiando. Ao leste o céu parecia arder num fogo vermelho. Para o lado
do oeste a nebulosa de Andrômeda estava ficando cada vez mais pálida. Não se viam
outras estrelas. Rhodan e seus companheiros estavam espalhados pelo abrigo escavado,
de pé ou sentados. Havia um homem de sentinela no carro voador. O receptor de hiper-
comunicação fora guardado no mesmo. Por enquanto não tinha sido transmitida nenhuma
notícia para Atlan.
— Talvez fosse de propósito — disse Rhodan em tom pensativo. — Por que
atingiram justamente os defletores? Os seres que enviaram as naves robotizadas não
sabiam que possuíamos este equipamento. Ou será que sabiam?
— Talvez soubessem — observou o Dr. Fuxer. — Talvez o ataque nem foi dirigido
contra nós — sorriu; parecia embaraçado. — É apenas uma suposição, senhor. Afinal, a
memória dos robôs é muito comprida. Não esquecem nada, nem que faça cem ou mil
anos, não é mesmo?
— E a guerra que destruiu este planeta foi travada há trezentos anos — completou
Rhodan com um gesto de aprovação. — Talvez o senhor tenha razão. Acho que
realmente existe uma ligação entre as naves robotizadas e os mutantes que vivem
embaixo das ruínas. Todavia... por que os defletores foram inutilizados?
— Os mutantes não podem ser atingidos pelas radiações, por mais duras que sejam.
Do contrário não poderiam sobreviver neste mundo — Berger apontou na direção em que
ficava a cidade. — Quem vive lá precisa das radiações que para nós são mortais. Se as
mesmas deixarem de existir, os habitantes do planeta provavelmente morrerão. Por isso
tentam atacar os mutantes com outros meios. É bem verdade que não consigo
compreender por que usam raios que desativam os defletores.
— Por aqui há muita coisa que a gente não compreende — confirmou Rhodan. —
Mas assim que for dia procuraremos lançar um pouco de luz sobre isso. Bem que eu
imaginava que havia algo de errado em Destroy.
— Se você visse esses mutantes...! — disse Gucky, sacudindo o corpo. — Sua
forma atual não permite qualquer conclusão sobre as características da raça que habitava
este planeta e acabou sendo destruída. Em sua maioria são altos e magros e possuem
muitas pernas e braços, que quase chegam a ser tentaculares. A pele é branca. Seus
movimentos são desajeitados. Aposto qualquer coisa de que nunca os vimos antes.
— Uma mutação realiza verdadeiros milagres, em sentido negativo ou positivo —
disse Rhodan. — Tentaremos entrar em contato com eles. Ainda temos dois dias. Acho
que conseguiremos.
— Sugiro que usemos o carro voador — disse Peanut.
— Naturalmente — respondeu Rhodan. — Deve ser uma expedição de verdade,
senão não adianta. Se nossas suposições forem verdadeiras, os mutantes devem acreditar
que somos inimigos mortais deles. Atacarão com todas as armas de que dispõem —
olhou para Tolot. — O senhor fica aqui e assume o comando, Tolot. É possível que os
mutantes tenham ficado nervosos e tentem localizar-nos. Se atacarem, procure defender-
se. Nesse caso avise-nos imediatamente.
Tolot não parecia sentir-se muito bem num papel passivo, mas não fez nenhuma
objeção. Afinal, sabia que no carro voador ocuparia o lugar de três homens.
Rhodan escolheu dez homens, entre eles o Major Peanut, Kasom, Sengu e o Dr.
Fuxer. É claro que Gucky também foi.
O carro voador foi saindo lentamente do abrigo e subiu a três metros de altura.
Gucky estava sentado ao lado do sargento Jones e tentava explicar a direção em que
devia seguir. Foi mais difícil do que o rato-castor imaginara. Todas as ruínas se pareciam,
e ele tinha percorrido o trecho em alguns saltos de teleportação.
— Deve ser mais ou menos na direção do centro da cidade — disse Gucky, que da
mesma forma que os outros se sentia muito feliz por poder abrir o capacete. — Por lá as
ruínas são mais altas e estão mais bem conservadas. Suba mais um pouco, para termos
uma visão melhor.
— Isso aumenta o perigo de sermos descobertos.
— Não importa. Queremos mesmo entrar em contato com eles.
O carro voador subiu, passando cinqüenta metros acima dos contornos das antigas
ruas. O sol vermelho chamado Alurin já estava dois palmos acima da linha do horizonte.
O céu era um mar de chamas rosado entremeado de algumas nuvens verdes. As ruínas
pareciam estar em fogo.
— Siga mais para o oeste — disse Gucky de repente. — Lá embaixo fica o edifício
grande em cujo porão chegamos a entrar. Na rua mais larga. Desça, Jones.
— Está captando impulsos mentais? — perguntou Rhodan, que olhava atentamente
para as ruínas, mas não via sinal de vida. — Vamos pousar, sargento. Bem ao lado deste
monte de areia.
O carro voador tocou o solo. Jones colocou-o numa posição tal que a janela
principal e a parte da frente ficaram voltadas para o edifício comprido do qual Gucky não
tirava mais os olhos.
— É este? — perguntou Rhodan ao japonês.
Sengu fez que sim.
— Não tenho a menor dúvida. Reconheci a entrada. Os mutantes estavam lá. Agora
que está claro a gente não poderia deixar de vê-los.
Rhodan pôs-se a refletir por alguns instantes.
— Se não vierem a nós, teremos de ir para onde estão eles — decidiu depois de
algum tempo. — Gucky, você acha que eles têm armas energéticas?
— Ontem não vi nenhuma. Investiram contra nós de punhos erguidos, se é que têm
punhos.
— Quer dizer que estavam desarmados — Rhodan olhava fixamente para o portal
de entrada. Não havia batentes. O portal era apenas um buraco negro na parede clara e
lisa. — Tenho a impressão de que alguém nos observa.
— Não estou captando nenhum impulso — disse Gucky, insistindo na observação
que já fizera.
— Isso não quer dizer nada. Você mesmo disse que eles sabem bloquear o cérebro.
Não se esqueça de que são mutantes.
Kasom começou a fechar o capacete.
— Quer que dê uma olhada, senhor? — perguntou. — Se necessário, o carro voador
poderá dar-me cobertura com sua artilharia. Mas não acredito que isso aconteça. Se esses
mutantes lendários me virem...
— ...o senhor vai sentir-se mal — interrompeu Gucky.
Rhodan balançou a cabeça.
— Não será muito arriscado, Kasom? Leve alguém. Pode escolher.
Gucky nem aguardou a decisão de Kasom. Começou a fixar o capacete.
— Já tenho alguém — disse Kasom com um sorriso. — E ainda por cima um
voluntário.
Imediatamente os outros homens começaram a fechar os capacetes. Rhodan não
concordou.
— A idéia não foi esta. Só mais uma pessoa pode acompanhar Kasom, além de
Gucky. O senhor, Dr. Fuxer. Concorda, Kasom?
— A mim ninguém pergunta — gritou Gucky, furioso, e investiu com seu
punhozinho contra a região do corpo do físico em que acreditava ficassem as costelas. —
O que vamos fazer com um cabeça de ovo?
Fuxer bateu na arma energética que trazia consigo.
— Na última competição de que participei na Terra tirei o primeiro lugar...
— Está certo. Acontece que o senhor atirou em coelhos robotizados — lembrou
Gucky em tom de desprezo. — Foi um tal de bangue-bangue. Ninguém atirava de volta.
O senhor terá uma surpresa quando vir os fantasmas.
— Por enquanto ninguém vai atirar — disse Rhodan em tom enfático. — Quero
estabelecer contato. Não estou interessado num banho de sangue. Aos meus olhos o herói
será aquele de vocês que iniciar a conversa com os mutantes. Entendido, Kasom? Fuxer?
Fuxer confirmou com um gesto.
— Se é que são mutantes — disse.
Saíram do veículo, passando pela escotilha inferior, o que não foi nada fácil. Jones
foi obrigado a fazer o carro voador subir dois metros, pois só assim Kasom conseguiu
sair.
Rhodan sentou atrás dos controles do canhão e não tirava os olhos da entrada do
edifício que ficava do outro lado da rua. Da mesma forma que os outros homens que se
encontravam no interior da espaçosa cabine, deixou de dedicar a necessária atenção às
outras ruínas.
Assim que Kasom teve a felicidade de ficar novamente em pé, olhou atentamente
para os lados. Os rádios estavam ligados. Cada um compreendia todos os outros e podia
falar com eles. Isso exigia certa disciplina, do contrário nenhum dos numerosos
interlocutores entenderia uma única palavra.
Não se via nada.
Kasom atravessou a rua e dirigiu-se à entrada do edifício. Gucky e Fuxer seguiram-
no a um metro de distância. Desviavam-se cautelosamente dos escombros gigantescos
que lhes barravam o caminho — e naturalmente impediam a visão.
Desta forma o fator surpresa favoreceu os mutantes.
Saíram correndo de uma rua transversal e atacaram os três homens.
Dentro de algum tempo estavam tão próximos que Rhodan não podia abrir fogo
com o canhão. Gucky poderia colocar-se em segurança por meio de um salto de
teleportação, mas a idéia de fugir não lhe agradava. Além disso teria de abandonar os
companheiros.
Kasom puxou a arma energética, mas não chegou a atirar.
Os mutantes estavam armados somente com pedras e barras de metal. Precipitaram-
se em silêncio e numa raiva incontida contra aqueles que acreditavam ser seus inimigos
mortais. Via-se pelo seu comportamento que estavam confundindo Kasom, Fuxer e
Gucky com alguém.
Foi o que fez com que Kasom hesitasse em usar a arma.
Os campos defensivos de seus trajes de combate bastariam para protegê-los.
Os mutantes esbarraram no obstáculo invisível e ficaram parados por algum tempo,
perplexos.
— Tudo bem — disse Kasom com a voz tranqüila. — Não conseguem chegar perto
de nós. Não há motivo para preocupações. Vamos ver o que fazem em seguida.
O primeiro ataque dos mutantes fora rechaçado, mas o segundo veio dentro de
alguns segundos. A tática empregada mostrou que os mutantes descendiam de uma raça
que tinha alcançado um elevado nível técnico. Conheciam a estrutura de um campo
defensivo energético e sabiam que conforme as circunstâncias o mesmo funcionava que
nem uma porção de matéria sólida. Com todas as vantagens e desvantagens que isso
trazia.
Eram cerca de cinqüenta mutantes. Eram monstros horríveis, que voltaram a
precipitar-se sobre Kasom, Fuxer e Gucky. Desta vez não tentaram atacar os mesmos,
mas procuraram empurrar os campos defensivos, juntamente com os seres protegidos
pelos mesmos.
O grupo numeroso saiu caminhando lenta, mas seguramente, em direção à grande
entrada do edifício.
— Eles nos carregam — disse Kasom, estupefato. — Vão levar-nos ao seu
esconderijo, juntamente com os campos defensivos.
— O que esperam conseguir com isso? — gritou Fuxer, furioso, mexendo na arma.
— No máximo poderão fazer com que morramos de fome... Por que não nos
defendemos? Até poderíamos sair voando.
— Vamos esperar — decidiu Kasom, sentindo-se grato porque Rhodan não
interferia na conversa. — Não podem fazer-nos nada. Talvez consigamos descobrir o que
querem e o que pretendem conosco...
— Que bela companhia — conseguiu dizer Gucky, sentindo-se satisfeito por estar
protegido por um campo defensivo. Os rostos apavorantes estavam a menos de um metro
do seu. Teve a impressão de que sentia sua respiração. — Quer que os faça passear um
pouco pelo ar?
— Vamos esperar mais um pouco — resmungou Kasom. — Se as coisas ficarem
sérias, você ainda lhes poderá mostrar que é um grande combatente.
Gucky leu a ironia nos pensamentos de Kasom, mas preferiu não responder. Estava
ocupado com a observação dos mutantes.
Os mutantes foram entrando no hall do edifício juntamente com seus prisioneiros,
formando como que um gigantesco cacho de uvas. Rhodan perguntou pelo
telecomunicador
— Tudo bem?
— Não se preocupe, senhor — respondeu Kasom. — Se a situação ficar difícil,
avisaremos. Não acredito que os mutantes possuam recursos técnicos que lhes permitam
abrir um campo defensivo.
— Não quero que eles me abram — gritou Fuxer numa raiva impotente. — Não sou
nenhuma noz.
— É uma noz podre — chiou Gucky, exibindo o dente roedor no momento em que
um dos mutantes olhava bem para seu rosto.
A criatura horrível recuou. Parecia assustada.
Foram empurrados para cima de um poço e começaram a descer. O campo
antigravitacional ainda estava funcionando. Havia energia na cidade em ruínas!
Escureceu, mas depois voltou a ficar claro. Gucky começou a imaginar que dali a
pouco estaria no mesmo lugar em que estivera na noite anterior, juntamente com Sengu.
Mais precisamente, na sala de máquinas.
Enquanto desciam, ouviam o que diziam os homens que se encontravam no carro
voador. Geralmente faziam suposições. O sargento Jones sugeriu que entrassem no
edifício e virassem a mesa. Sengu informava constantemente o que via através das
paredes. E foi quem salvou a vida dos três amigos. Viu uma coisa que ninguém mais
podia ver ou sequer imaginar.
— É esquisito — disse em voz baixa. — Na sala de máquinas está claro, muito
claro. Até parece uma fogueira atômica. Não vejo nada. Não há mutantes por lá. Acho
que não é na sala de máquinas propriamente dita, mas no lugar em que termina o poço do
elevador. Esperem... vejo uma parede que separa a extremidade do poço e a sala de
máquinas. Na sala de máquinas, ao que parece, não há nenhuma modificação. Mas no
lugar em que termina o poço...
— Uma fogueira atômica? — perguntou Rhodan, desconfiado. — O que quer dizer
com isso, Sengu?
— Até parece que estou vendo o interior de um reator — disse o japonês em tom de
dúvida. — Mas não há nenhum reator por lá. Pelos meus cálculos o poço deve terminar
nesse lugar.
Kasom, que acompanhara atentamente a conversa, olhou para baixo.
— Qual é o comprimento do poço, Sengu? — perguntou.
— É difícil de calcular. Devem ser uns cinqüenta metros.
— Já descemos perto de trinta metros. Quer dizer que são mais vinte metros —
ficou calado por um instante. — Está escuro. Não vejo nada.
— Há uma placa no fundo do poço. Será retirada no último instante, quando
estiverem perto dela. Depois... Kasom! Quando a placa for retirada, vocês irão parar no
reator atômico! Tratem de sair daí imediatamente!
Kasom empalideceu. Fuxer pôs-se a praguejar em voz alta, sem mostrar nenhuma
consideração pelos ouvidos sensíveis de Gucky.
— Liguem o equipamento de vôo! — ordenou Rhodan. — Depressa! Subam logo!
Com toda força, pois só assim espalharão os mutantes que se encontram em cima do
poço. Andem depressa, ou será que querem ficar torrados?
— Irei na frente — disse Kasom e girou os controles do equipamento de vôo. A
queda foi interrompida e Kasom começou a subir, primeiro devagar e depois cada vez
mais depressa. Gucky e Fuxer seguiram-no sem dizer uma palavra. Por acaso olharam
para baixo e viram a placa desaparecer. A luz forte deixou-os ofuscados.
Se Sengu não os tivesse prevenido, teriam entrado diretamente no inferno atômico.
Talvez os campos defensivos os teriam protegido por algum tempo contra as tremendas
quantidades de energia, mas certamente até lá seria fechada a chapa de cobertura. Isto até
que Gucky teleportasse.
Saíram do poço com a força de projéteis. Alguns mutantes mais curiosos, que
estavam olhando para dentro do poço, foram atirados para longe. Os campos defensivos
amortizaram o impacto da colisão com o teto alto.
Desta vez Kasom não perdeu tempo. Pegou a arma energética que trazia no cinto e
abriu fogo contra os monstros. Fuxer também se recuperou do choque.
Gucky usou a telecinesia para atirar alguns mutantes para dentro do poço, o que no
resultado final não podia ser considerado muito humano. Mas a raiva dos três amigos era
perfeitamente compreensível. Só voltaram a acalmar-se quando ouviram a ordem de
Rhodan.
Chegaram à rua sãos e salvos e dentro de alguns minutos se colocaram em
segurança no interior do carro voador.
Neste exato momento Tolot, que se encontrava no acampamento, fez uma ligação.
— Estamos sendo atacados — exclamou. — Vêm às centenas. Não podemos repeli-
los mais com as armas portáteis. Respondam, por favor...
Rhodan lançou um olhar obstinado para o receptor.
— Jones — disse finalmente em tom calmo. — Pegue o carro voador e lance um
contra-ataque. Depressa!
4

O guarda postado na ruína próximo à base foi o primeiro a descobrir os mutantes.


Viu um movimento entre os escombros, mas não deu o alarme. Talvez fosse um
sobrevivente solitário do planeta infernal, que não representasse nenhum perigo para a
base.
Mas logo viu outras figuras correrem de um abrigo para outro — figuras que
pareciam ter saído de um pesadelo. O sentimento recusava-se a admitir que os fantasmas
eram reais, mas felizmente isso não o impediu de avisar os companheiros.
Tolot levou apenas alguns segundos para organizar a defesa.
Os mutantes não possuíam armas energéticas, mas a simples superioridade
numérica fazia com que sua força fosse superior à dos defensores do acampamento.
Quando viram que sua aproximação fora notada, não procuraram esconder-se mais.
Apareceram praticamente em toda parte ao mesmo tempo. Alguns deles encontravam-se
a poucos metros da escavação usada como abrigo.
Passaram ao assalto.
Tolot avisou Rhodan e deu ordem de abrir fogo.
Os terranos não tinham alternativa. Eram obrigados a atirar nos atacantes, pois do
contrário seriam esmagados. Teriam de usar todas as armas de que podiam lançar mão.
O fogo terrano abriu claros enormes na frente dos mutantes, que deviam sentir um
ódio incrível pelo objetivo do ataque. Era um ódio tão forte que não poderia ter surgido
no curso de alguns minutos, horas ou até dias. Só mesmo seres que tivessem sido
humilhados e subjugados por anos ou séculos a fio pelo inimigo eram capazes de um ódio
tão intenso.
Novos atacantes passavam constantemente por cima dos montes dos cadáveres dos
mutantes.
De repente o carro voador apareceu sobre as ruínas, foi-se aproximando e pousou
entre as bases e as fileiras dos mutantes.
A frente deteve-se.
Mas somente por alguns segundos.
Depois voltou a avançar em direção à base.
— Tolot — disse Rhodan, falando para dentro do intercomunicador. — O senhor
me ouve?
— Muito bem, senhor. O que houve?
— Abandone a base. Cada um carregará o que puder. Faça o possível para chegar
ao carro voador.
— E o equipamento, senhor...?
— Terá de ser carregado.
— Saberemos defender-nos dos mutantes. Se eu me levantar e correr para seu lado,
eles fogem. Nossas armas de fogo...
— Já houve muitos mortos entre os mutantes, Tolot. O senhor ainda não percebeu
que não somos o verdadeiro inimigo deles? Os inimigos dos mutantes também devem ser
nossos inimigos, mas procure explicar isso aos infelizes. Então. Que diz?
— Está bem, senhor. Chegaremos dentro de alguns minutos. Não poderia chegar um
pouco mais perto da base?
— Vamos pousar junto à escavação.
— Obrigado, senhor.
Jones fez o veículo blindado passar pouco acima da cabeça dos atacantes e atracou
na borda da escavação. Abriu a escotilha lateral. Os primeiros homens saltaram para
dentro da cabine.
— Desçam para o porão de carga — ordenou Jones. — Aqui em cima não há lugar
para todos. Depressa!
Tolot foi o último a entrar. Despejou uma salva contra os mutantes que se tinham
aproximado a alguns metros e obrigou-os a recuar. Depois desligou o campo defensivo e
saltou para dentro do veículo.
Jones fechou a escotilha.
— Decolar! — gritou Rhodan.
Os mutantes foram ficando para trás. Precipitaram-se para dentro do abrigo, à
procura de objetos esquecidos, mas não encontraram nada além de alguns magazins de
energia e latas de conserva vazias. Deram curso à decepção por meio de um grito, que
chegou a ser captado perfeitamente pelos microfones externos do carro voador.
— Pobres diabos — disse Rhodan como quem sente pena, mas desta vez seus
sentimentos não foram compartilhados por Gucky.
— Ah, é? Você acha que eles são uns pobres diabos? Só porque queriam me assar?
Se fosse Kasom, eu compreenderia, pois ele tem boas carnes. Mas o que adiantaria usar-
me em forma de carne grelhada?
— Arranjariam pelo menos uma dor de barriga — respondeu Rhodan em tom seco.
— Pois em minha opinião sofreriam uma intoxicação — disse o Dr. Fuxer em tom
sarcástico para acrescentar em seguida: — De qualquer maneira, não posso deixar de
concordar com Gucky. Não simpatizo com estes mutantes. O senhor compreende, não
compreende?
— Pouco importa que sejam simpáticos ou não sejam, files têm um motivo para
atacar seus inimigos e pensam que nós estamos entre eles. Não podemos deixar de tomar
isso em consideração. Em nosso próprio interesse devemos descobrir quem é o grande
desconhecido.
— É impossível estabelecer contato com os mutantes — disse Sengu em tom
convicto. — Foram cegados pelo ódio e atacam tudo que não é como eles. Como
poderíamos entrar em contato com seres dessa espécie? Como explicar-lhes que estão
enganados?
O Dr. Berger, que até então se mantivera em silêncio, disse:
— Tenho certeza de que em outras cidades e continentes também há sobreviventes.
Acho que devemos suspender as buscas nesta área e tentar em outro lugar. Acho que
nesta altura não existe mais nenhuma dúvida de que não há como estabelecer um
relacionamento com os mutantes daqui. Se encontrarmos sobreviventes que continuem no
estado em que estavam antes, talvez possamos comunicar-nos com eles.
Rhodan acenou lentamente com a cabeça.
— Talvez Berger tenha razão. Qual é sua opinião, Tolot e Kasom?
— Não vejo por que haveria uma diferença entre esta cidade e qualquer outra —
Tolot deu de ombros, fazendo balançar o carro voador, dando a impressão de que o
mesmo iria cair. Afinal, Tolot tinha seus três metros e meio de altura e pesava algumas
toneladas. — Mas não tenho nenhuma objeção. Quem sabe se em outra parte deste
planeta não temos mais sorte? Aliás, eu bem que gostaria que Atlan viesse logo. O que
espera descobrir aqui, senhor?
— Eu mesmo não sei — confessou Rhodan. — Mas que por aqui existe um
segredo. Talvez seja um segredo perigoso, talvez seja um que dá a resposta a milhares de
perguntas sem solução. O senhor não acha que vale a pena assumir certo risco em troca
disso?
— Sem dúvida — respondeu Tolot. — Desde que realmente seja assim.
— Quanto a isso não tenho a menor dúvida — garantiu Rhodan.
— Estamos atrás de um segredo — disse Kasom.
— Isto é certo. O mundo em que nos encontramos foi destruído. Até hoje alguns
robôs tentam acabar com os raros sobreviventes. Usam meios que parecem ser
inofensivos. É ódio que encontramos aqui. Não sei por quê, mas não consigo livrar-me da
impressão de que por aqui existe uma coisa que terá muita importância para o futuro.
— Ou para o passado — disse Gucky.
Rhodan fitou-o prolongadamente.
— O que quer dizer com isso?
O rato-castor parecia embaraçado ao ver que algumas palavras largadas ao acaso
estavam sendo levadas a sério.
— Ora... nada... Sabe? Faz quase trezentos anos que foi travada a guerra que
destruiu este planeta. Foi certamente nessa época que se verificou o acontecimento
decisivo, não no presente. Quer dizer que o segredo só pode encontrar solução no
passado, porque só no passado teve alguma importância. Os mutantes que se encontram
aqui são remanescentes deste passado. Se eles nos contassem o que aconteceu e por quê...
— Se eles fizerem isso — interrompeu Rhodan — também saberemos quem são
eles... ou quem foram. Tem alguma sugestão de como conseguir isso?
Gucky acenou com a cabeça.
— Tenho. Precisamos de um prisioneiro. Só isto. Sei quem de nós é o personagem
capaz de conseguir aquilo que poderia parecer impossível. Teria de ser uma pessoa sobre
cuja bravura e capacidade não existe nenhuma dúvida, cuja fama já se espalhou por toda
a Galáxia e que faz tremer os inimigos do planeta Terra quando seu nome é pronunciado.
Uma pessoa que luta pelo direito e pela liberdade, um vingador intimorato dos
deserdados da sorte e dos fustigados pelo destino, o justo entre os justos, o grande amigo
dos pobres e dos desamparados...
— Em resumo — interrompeu Rhodan abruptamente. — seria você.
Gucky respirou profundamente e acenou com a cabeça.
— Muito bem pensado — reconheceu.
Tolot deu uma estrondosa gargalhada e segurou os quadris. Kasom lançou-lhe um
olhar de advertência, mas o gigante não lhe deu atenção. Parecia divertir-se a valer com
os auto-elogios de Gucky.
Gucky pôs as mãos nos quadris. Parecia furioso.
— Sua posta de carne! — gritou sem ligar para os sinais de Rhodan. — Você pode
dar-se por feliz de que eu precise ter consideração pelos outros, senão eu o prepararia
para ser grelhado.
Era um quadro esquisito. O rato-castor, que não tinha mais de um metro de altura,
parado em atitude ameaçadora à frente do gigante halutense, que quase ficou sem fôlego
de tanto que estava rindo. Os homens que se encontravam na cabine não demonstraram
nenhuma simpatia por qualquer lado.
A idéia de que Gucky pudesse preparar Tolot para ser grelhado era tão grotesca que
até mesmo Rhodan não pôde deixar de sorrir. Deu algumas instruções ao sargento Jones.
O carro voador mudou de rota. Subira tanto que a cidade não passava de um monte de
escombros regularmente espalhados pelo deserto. A mancha escura formada pela nave-
girino destruída ficava bem ao lado.
— Ora veja! — disse Tolot e inclinou o corpo. Por pouco o carro voador não perde
o equilíbrio. — Onde já se viu um anão como você querer transformar-me em bife?
Cuidado! Se eu respirar com força, você irá parar dentro do meu nariz.
Gucky fez cara de nojo.
— Só assim ele fica limpo — respondeu. — Mas deixemos de lado as brincadeiras.
Vamos cuidar das coisas sérias. Você concorda que eu vá buscar um prisioneiro lá
embaixo? E vai parar de rir? É só olhar no espelho, e você verá que não tem motivo para
ficar alegre.
Tolot ficou quieto, pois notou o olhar de Rhodan.
— Será que você perdeu a fala? — perguntou Gucky em tom sarcástico.
— Grande combatente e vingador dos inocentes — disse Rhodan, que se encontrava
atrás de Gucky, com a calma de sempre. — Que tal conversarmos sobre a sugestão que
você acaba de fazer? Quer trazer um prisioneiro? Ótimo. Como pretende fazer isso?
Gucky esqueceu Tolot.
— É simples. Salto para a cidade que fica lá embaixo e... — olhou pela escotilha e
interrompeu-se. — Onde ficou a cidade?
— Vamos pousar longe da mesma, para que os mutantes nos deixem em paz.
Afinal, para você as distâncias não representam nada.
— Isso também não deixa de ser verdade — resmungou Gucky. — Podem pousar
onde quiserem. Mesmo que seja no fundo do mar.
— Grande coisa! — disse Kasom. — Num planeta em que nem existem mares.
— Mas já existiram — disse Rhodan. — A sugestão de Gucky nem é tão má.
Pousaremos numa depressão em que antigamente havia um mar. Por lá não deve haver
mutantes.
Gucky ficou caminhando todo empertigado entre os homens sentados, deleitando-se
com a admiração dos mesmos. Parou à frente de Rhodan.
— Você é o único — disse, emocionado — que soube dar o devido valor à minha
capacidade. Em sinal de gratidão, trarei um lindo prisioneiro. O mais bonito que você já
teve.
— Estou curioso para ver — disse Rhodan com um sorriso.
Não imaginava que mais uma vez Gucky tinha razão.
***
O carro voador estava parado entre as colinas baixas e suaves que havia no interior
de uma depressão pouco profunda. O céu verde-azulado com uma estranha tonalidade
avermelhada cobria tudo. O fundo do mar seco era duro. Quase não havia areia. Em
certos lugares havia reentrâncias e desfiladeiros estreitos. A alguma distância do lugar em
que se encontrava o veículo erguia-se uma montanha de topo plano, que talvez já tivesse
sido uma ilha. Ao pé da mesma havia cavernas, que provavelmente tinham sido lavadas
pela água.
A atmosfera estava contaminada de radiações, tal qual nos outros lugares do
planeta.
— A visão não é boa — observou o sargento Jones. — Por aqui os mutantes
certamente não nos surpreenderão. É verdade que em cima da montanha estaríamos ainda
mais seguros.
— É meio-dia — Rhodan levantou os olhos para o sol vermelho. — Talvez
convenha esperar até que seja noite. Na escuridão a missão de Gucky terá mais chance de
ser bem-sucedida.
— Saio imediatamente — respondeu Gucky. — Na hora do café vocês terão seu
prisioneiro. Até logo.
Antes que alguém pudesse formular uma objeção, Gucky teleportou para o topo da
montanha, da qual tinha uma vista grandiosa para a paisagem primitiva do antigo oceano.
As reservas de ar de seu traje de combate ainda dariam para sessenta horas. Além disso
trazia consigo alimentos concentrados, além de uma arma leve. Mas o maior trunfo era a
autoconfiança e o sentimento de superioridade diante de outras criaturas. Era bem
verdade que Gucky gostava de exagerar perante os companheiros, mas no fundo do
coração era um modesto rato-castor. Só achava que seria errado confessar isso.
O carro-voador era apenas um pontinho na planície. Gucky ouvia pelo
telecomunicador o que dizia Rhodan e os outros. Até chegou a captar seus impulsos
mentais.
— Que moleque! — disse Tolot em tom bonachão. — Não se consegue ficar
zangado com ele, por mais que se gabe.
Gucky sorriu e reduziu o volume do telecomunicador.
O topo achatado era um pouco mais alto do que aquilo que já fora a terra firme.
Via-se a cidade em ruínas junto ao horizonte. Devia estar a uns vinte quilômetros. Para o
rato-castor essa distância não representava nada.
Começou a preparar-se para o salto de teleportação, mas deteve-se de repente e
permaneceu imóvel. Desligou o rádio com um movimento rápido, para concentrar-se
melhor.
Não havia dúvida!
Estava captando impulsos mentais.
Mas não era somente isso que o deixava tão espantado. Era o fato incontestável de
que conhecia o modelo dos impulsos.
Em algum lugar do planeta pensavam seres com os quais já se tinha encontrado há
muito tempo.
Voltou a concentrar-se e começou a fazer a determinação do ponto de partida dos
impulsos mentais. Para sua surpresa vinham de baixo, de dentro da montanha. O ponto de
origem ficava exatamente embaixo de seus pés.
Havia seres vivos no interior da antiga ilha, dentro de seu sistema de cavernas.
Captava seus pensamentos, mas os mesmos eram tão numerosos que Gucky não
conseguiu isolar e identificar qualquer impulso.
Esqueceu a promessa de capturar um mutante.
O que acabara de encontrar era muito mais interessante.
Precisava descobrir quem eram os seres que habitavam a ilha rochosa.
Pôs-se a refletir por algum tempo e teleportou para o pé da ilha, onde deviam ficar
as montanhas. Se havia uma entrada para o reino subterrâneo, seria neste lugar.
Pôs-se a refletir.
Se teleportasse às cegas, nunca poderia saber em que lugar iria rematerializar.
Como não conhecia o terreno e as características internas da montanha, estaria em
desvantagem. Se avançasse que nem uma criatura normal poderia gravar na memória
cada passo que dava e orientar-se. Se necessário, poderia colocar-se em segurança a
qualquer momento, teleportando de volta.
Os impulsos mentais que captara provavam que havia vida no interior da montanha.
E os modelos desses impulsos mostravam que se tratava de seres com os quais já se tinha
encontrado. Devia ter sido hã muito tempo. Dessa forma não havia dúvida de que fora na
Via Láctea.
Isso era mais um motivo para ter muito cuidado.
Voltou a ligar o telecomunicador.
— Alô, Perry.
As vozes que se faziam ouvir no fone de ouvido de Gucky silenciaram de repente.
Rhodan respondeu sem demora.
— Gucky? O que houve? Onde se meteu? Descobriu alguma coisa?
— Quantas perguntas de uma vez, Perry...! É claro que descobri alguma coisa. Mas
não foi na cidade. Estou ao pé da montanha que vocês vêem daí. Fiquem onde estão. Vou
dar uma olhada nesta montanha. Há alguém morando lá dentro.
— Há alguém morando na montanha? Você não poderia ser mais claro?
— Impossível, Perry. Há alguém morando lá dentro. É só o que consegui descobrir
até agora.
— São mutantes?
— Ainda não sei. Só sei que conheço o modelo das vibrações cerebrais. E conheço-
os de antigamente. Não são daqui. Devem ser velhos conhecidos que habitam este buraco
de marmota. Talvez sejam bons conhecidos.
Houve uma pausa.
Finalmente Rhodan disse:
— Cuidado, Gucky. Não existem bons e velhos conhecidos da Via Láctea que
morem aqui. Será que você não está enganado?
— Tenho certeza que não. Já vou. Se não der notícias dentro de duas horas, venha
dar uma olhada.
— Por que não fica com o intercomunicador ligado?
— Não quero nada que me distraia. Entendido?
— Seja o que você quiser. Vamos esperar duas horas. Se até lá não tivermos
notícias de você, avançaremos. Esteja preparado para qualquer coisa, Gucky.
Gucky deu uma risadinha.
— Ainda bem que há uma força tão poderosa para me dar cobertura.
Desligou. O silêncio era terrível, mas de outro lado fazia bem. Ajeitou a arma
energética pequena mas de alta potência que trazia presa ao cinto e deu início à
caminhada para o desconhecido.
No lugar em que se encontrava o fundo do antigo mar era muito plano e limpo de
pedras. Os fossos largos cujos contornos ainda se reconheciam deviam ter sido
produzidos por correntes submarinas. A encosta da montanha de topo achatado era
íngreme. “Até parece uma grande coluna”, pensou Gucky e tentou imaginar como devia
ter sido a ilha.
Ficou parado, indeciso, no terreno desértico e desolado, sobre o qual se estendia o
céu contaminado de radiações. Os microfones externos não captavam nenhum ruído. No
tempo em que aquilo era o fundo do mar, o silêncio não poderia ter sido maior.
Mas naquele momento havia os impulsos mentais!
Gucky quis determinar a direção, mas não foi nada fácil. Os pensamentos vinham
de dentro da antiga ilha, mas das mais diversas direções. Era praticamente impossível
localizar pensamentos isolados. Às vezes conseguia identificar e interpretar por alguns
segundos um impulso mais forte. Mas os pensamentos não diziam quase nada.
“...consumo de ar anormal registrado perto de Xeresta... Foi advertido pelo órgão
supervisor.”
O pensamento não era muito claro, mas não deixava de ser razoável. Os habitantes
da montanha tinham problemas de abastecimento de ar. Isso não era de admirar num
mundo como este, mas mostrava que eram muito diferentes dos mutantes, que não eram
afetados pela atmosfera contaminada de radiações. No interior da ilha ainda viviam seres
cujo organismo dependia de um ar livre de radiações.
Concluiu que no interior da montanha não havia radiações.
Enquanto caminhava lentamente, começou a compreender que no interior da
montanha deviam viver os descendentes da população primitiva de Destroy, em sua
forma original e sem qualquer mutação. Era o que se concluía do único impulso mental
que fora captado de forma nítida.
De repente a encosta da montanha recuou, dando lugar a uma entrada de pelo menos
vinte metros de largura. A encosta continuava do outro lado da entrada. A reentrância
tinha cerca de cinqüenta metros de profundidade e terminava junto a outra parede lisa e
aparentemente contínua.
Gucky percebeu imediatamente que a reentrância não era natural. As três paredes
verticais eram lisas e uniformes demais. Até se tinha a impressão de estar no fundo de um
poço enorme.
Gucky interessou-se pela parede que fechava o caminho para o interior da
montanha. O mundo misterioso dos sobreviventes devia estar escondido atrás dessa
parede.
Se conseguisse abrir caminho através dessa parede talvez encontrasse a resposta às
inúmeras perguntas que tinham levado Rhodan a fazer a expedição. “Mais uma vez tudo
depende de mim”, pensou Gucky e sorriu com uma expressão compreensiva. Mas foi
bastante honesto para desejar que Sengu, o espia, estivesse perto dele. A vista do japonês
era capaz de varar a rocha e enxergar o que havia atrás dela.
“Que nada!”, pensou Gucky. Saiu andando devagar na direção da rocha interna.
“Vou descobrir sozinho quem mora atrás desta parede. Se necessário farei um salto às
cegas, dez ou vinte quilômetros para cima. Poderei orientar-me durante a queda e saltar
de novo. Nada me poderá acontecer.”
Estava parado à frente da parede lisa.
Não era espia que nem Sengu, mas a telecinesia o ajudou. O telecineta era capaz de
mover com a força do espírito os objetos com os quais não tinha nenhum contato físico.
Mas tocava neles em espírito, apalpava-os para depois movê-los.
Gucky apalpou a parede e constatou que não tinha mais de um metro de espessura.
Havia espaços vazios atrás da mesma. E um mecanismo que abria e fechava a parede.
Uns vinte metros atrás havia outra parede com um mecanismo semelhante. Portanto,
a entrada dos alojamentos dos sobreviventes passava por uma gigantesca eclusa de ar.
Era mais uma prova de que os mesmos não tinham nada a ver com os mutantes, e
mais um raio de esperança de que talvez fosse possível entrar em contato com os
mesmos.
Gucky refletiu se deveria avisar Rhodan. Resolveu que não. Preferia apresentar
fatos concretos, e não suposições e esperanças vagas.
Concentrou-se e teleportou para o outro lado da primeira parede.
No início não viu absolutamente nada, mas assim que seus olhos se adaptaram ao
ambiente viu uma luminosidade fraca que descia do teto alto. Apalpou o teto
telecineticamente e constatou que era liso e ficava pelo menos a trinta metros de altura.
Se aquilo era a entrada — e não havia dúvida de que era — a mesma dava passagem a
objetos enormes, como máquinas e veículos. Provavelmente fazia muito tempo que não
era usada.
Gucky sentiu uma vibração sob os pés. Havia máquinas funcionando. As instalações
existentes no mundo instalado no interior da montanha deviam ser semelhantes às de uma
gigantesca espaçonave, que também era independente do ambiente em que se encontrava.
As máquinas produziam calor, energia e ar respirável. Por enquanto não se sabia como
eram movidas.
Gucky saiu andando devagar em direção à segunda parede. Já enxergava muito
bem. O mecanismo que abria as paredes era desconhecido, mas Gucky era capaz de
imaginar como funcionava. Teve o cuidado de armazenar este dado em sua memória,
para, se necessário, poder acioná-lo telecineticamente, mesmo que não se encontrasse
mais no interior da eclusa.
Os impulsos mentais tomaram-se mais intensos e difíceis de identificar. Vinham de
todos os lados. Eram aos milhares. Se toda a ilha tivesse sido escavada e estivesse
habitada, seu número deveria ser bem maior.
Gucky concentrou-se na segunda parede e saltou. Enquanto materializava preparou-
se para fugir imediatamente, mas felizmente a cautela revelou-se desnecessária. O
gigantesco pavilhão estava mais bem iluminado que a eclusa, mas também estava vazio.
Vazio com exceção das máquinas e geradores que formavam fileiras compridas,
cobrindo as paredes. O zumbido incomodou os ouvidos sensíveis de Gucky, que reduziu
o volume dos microfones externos.
Havia condutos de quase um metro de diâmetro, que poderiam levar à conclusão de
que ali ficava o centro doa sistema de renovação de ar. Os condutos dividiam-se e
desapareciam no interior das paredes. Levavam ar fresco aos diversos setores do império
subterrâneo. Gucky já descobrira que o mesmo tinha sido racionado.
Ficou parado, gravando na memória todos os detalhes. Até parecia que o
conhecimento dos mesmos ainda lhe poderia ser útil. O princípio de funcionamento de
um sistema de renovação de ar devia ser semelhante em toda parte. Dificilmente haveria
grandes diferenças. Dessa forma as instalações que se encontravam à frente de Gucky não
podiam fornecer nenhuma indicação sobre a origem e a descendência dos seres que as
tinham construído.
Houve um movimento do outro lado da sala.
Foi um movimento ligeiro, que em virtude do volume reduzido dos microfones
externos não produziu nenhum ruído. Mas Gucky viu pelo canto dos olhos. Continuou no
mesmo lugar. Só se abaixou ligeiramente. Um bloco de máquina atravessado lhe forneceu
a proteção de que precisava.
Gucky tentou captar os impulsos mentais do ser que acabara de entrar no pavilhão.
Não deveria ser difícil, já que a direção e a distância eram conhecidas. Dessa forma
tornou-se possível eliminar os outros impulsos, concentrando-se exclusivamente naquele.
Nada.
O ser não estava pensando.
Gucky esperou quase dois minutos, mas não aconteceu nada. Apesar do ruído das
máquinas, resolveu aumentar o volume dos microfones. Pensou que os tímpanos iriam
estalar, mas acabou se acostumando.
De repente ouviu um ruído de metal arranhando em metal, que se aproximava
lentamente.
Era um ruído regular, que interrompia o concerto uniforme formado pelos outros
ruídos. Foi só por isso que Gucky, que esperava ansiosamente atrás da máquina,
conseguiu distingui-lo. Estava com a mão direita pousada sobre a arma energética. Não
tinha a intenção de simplesmente teleportar-se para um lugar seguro. Queria um
prisioneiro. Se o ser estranho resistisse, teria que subjugá-lo.
Gucky nem desconfiava da decepção que lhe estava reservada.
Os minutos foram se arrastando.
Gucky não se atrevia a fazer o menor movimento. O desconhecido devia estar a dez
metros no máximo. Gucky queria vê-lo antes de sair do seu esconderijo. O rato-castor
sabia que a visão inesperada de um ser estranho sempre provocava um choque, mesmo
em quem não tinha nenhum preconceito.
O ruído metálico cessou de repente. Ainda não havia impulsos mentais. Era uma
coisa estranha, que só permitia duas conclusões.
De repente Gucky sabia o que havia do outro lado da máquina. No início a
decepção que experimentou foi acompanhada de um sentimento de alívio. Ainda havia
tempo para capturar o prisioneiro. Por enquanto o mais importante era que não fosse
descoberto e que os seres que habitavam o interior da montanha não soubessem que ele
tinha penetrado na mesma.
Ergueu-se lentamente. Suas suposições tinham sido corretas. O desconhecido era
um robô.
Sua figura não era humana, e suas formas não permitiam nenhuma conclusão sobre
quem o tinha construído. Possuía três pés grosseiros, com os quais só podia locomover-se
bem devagar. Um corpo em forma de cubo estava apoiado sobre as grossas pernas. Desse
corpo saíam várias excrescências que podiam ser tentáculos ou braços. Cada um deles
tinha um formato diferente. Logo, desempenhavam várias finalidades. O robô não
possuía cabeça, mas sobre o tronco cúbico via-se uma esfera de dez centímetros de
diâmetro, que girava continuamente. Nessa cabeça havia quatro ou cinco lentes
cristalinas de um centímetro de diâmetro. O robô era capaz de enxergar de uma só vez
todo o campo visual de trezentos e sessenta graus. Viu Gucky imediatamente e parou. No
primeiro instante o rato-castor estivera decidido a impedir que o robô sinalizasse sua
presença aos donos, mas hesitou em pô-lo fora de ação. O robô não lhe tinha feito nada.
Não poderia destruí-lo sem mais aquela.
Gucky ficou mais descontraído e tirou a mão de cima da arma. Se necessário
poderia usar suas forças telecinéticas. O teto era muito alto. Bastaria fazer subir o robô e
deixá-lo cair para que ficasse inutilizado.
O robô fez meia-volta e saiu arrastando os pés na direção da qual tinha vindo.
Gucky seguiu-o com os olhos, estupefato. Finalmente animou-se. Saiu caminhando atrás
da estranha figura. Deu uma pancadinha no lugar em que devia ficar o ombro.
— Ei, você. Não tenha tanta pressa. Quero fazer-lhe uma pergunta...
O robô não tomou conhecimento do pedido. Prosseguiu em sua caminhada.
Gucky ficou furioso, mas conseguiu controlar-se. Alcançou a máquina que
avançava lentamente e pôs a perna na frente da mesma. Antes não tivesse feito isso. As
pernas do robô eram de metal e a força que as movimentava era maior que a do rato-
castor. Pelo menos enquanto ele se movimentava normalmente. Gucky sentiu uma dor e
perdeu o equilíbrio, caindo sentado no chão duro e liso.
O robô continuou como se nada tivesse acontecido.
O ruído provocado pelo arrastar dos pés parecia incomodar os nervos de Gucky, que
já tinham sido bastante maltratados. Sem levantar do chão, usou sua força telecinética,
concentrando-se no adversário.
O robô parou de repente, dando a impressão de que tinha esbarrado numa muralha
invisível. A parada foi tão abrupta que a máquina quase perdeu o equilíbrio. Foi Gucky
que o segurou. Se não tivesse feito isso, o robô certamente teria caído e talvez tivesse
perdido alguns parafusos — se é que possuía parafusos.
— Será que você já está disposto a abrir a boca, se tiver? — resmungou o rato-
castor, que já se tinha levantado e se aproximava do robô. — Você sabe falar?
O robô não mostrou nenhuma reação.
— Seu monte de lata imprestável! — gritou Gucky indignado. — Você deveria ser
transformado em sucata. Quem são seus donos? Quem construiu você? O que está
fazendo aqui? — Gucky fungou de desprezo. — Já sei; você é mudo. Acontece que robôs
mudos não existem. Aposto que se aparecesse um membro da raça que o construiu, você
falaria sem parar para me acusar. Não é isso mesmo? Pois vou estragar sua festa. Você
tem uma alavanca com a qual possa ser desligado?
E claro que Gucky não encontrou a alavanca. Perplexo, pôs-se a examinar o robô
desorientado, sem reduzir a força telecinética que o prendia. Acabou desistindo.
— O que vamos fazer com você? Não posso soltá-lo, pois você me trairia. Mas de
outro lado não gosto nem um pouco da idéia de destruir um ser indefeso, mesmo que seja
somente um robô. O que vamos fazer...?
Não teve alternativa.
Conhecia o pavilhão e sua situação no interior da montanha. Seria capaz de a
qualquer momento voltar às cegas.
Por isso não estaria arriscando nada se levasse o robô ao topo da montanha, onde
não poderia fazer mal a ninguém. Quando seus donos o descobrissem por lá, isso não
teria mais nenhuma importância.
Tocou o corpo cúbico com as mãos e teleportou para o topo da montanha. Foi um
salto bem-sucedido, que terminou numa queda de apenas alguns metros. O robô tilintou
fortemente quando os pés grosseiros tocaram com certa violência na rocha, mas ele logo
começou a sair arrastando os pés.
— Seu arrasta-pé — gritou Gucky atrás dele. — Você pelo menos poderia ter dito
obrigado. Da outra vez eu lhe ensino a dança da coruja. Você terá uma surpresa.
Seguiu o robô com os olhos e lembrou-se de certa coruja, mais precisamente, a
coruja-concha. Fazia muito tempo. Estava passando as férias de natal em Terrânia,
quando recebeu um embrulho. Havia um bilhete que dizia que dentro do embrulho havia
um ser vivo. Abriu-o cuidadosamente e tirou uma gaiolinha, em cujo interior havia uma
criatura pequenina, assustada e atordoada, que o fitava tristemente com seu único olho
negro.
No interior do embrulho havia outro bilhete no qual se lia que a estranha criatura era
uma coruja-concha trazida por um comandante espacial muito viajado do setor leste da
Galáxia. Ele a dera a seu melhor amigo, e este, que era quem tinha remetido o pacote,
também era um grande admirador de Gucky. Era ao menos o que dizia o bilhete.
Infelizmente o nome do remetente era ilegível, e por isso Gucky não teve oportunidade
de agradecer pela coruja-concha. E foi dessa coruja-concha que Gucky se lembrou neste
momento. A mesma sempre se mantinha num silêncio absoluto, mas possuía o dom da
telepatia. Levara muitas horas falando a Gucky sobre suas viagens pela Galáxia. Era um
animal inteligente, competente e praticamente imortal. Vivia do tempo e das recordações.
Quando estava bem-humorada, a coruja-concha dançava.
Era a dança de uma raça e ao mesmo tempo a dança de um indivíduo solitário, já
que aquela coruja-concha era o único exemplar existente no Universo.
De repente Gucky sentiu saudades da coruja-concha e da Terra, que ficava a uma
distância infinita. Eram quase um milhão e meio de anos-luz. Talvez nunca mais...
Se continuasse assim, com certeza nunca mais voltaria para lá.
O sonho se desvaneceu. A coruja-concha — bem, ela estaria à sua espera. Vivia em
sua casa junto ao lago de Goshun, dançava no jardim e ficava sentada toda sonolenta
sobre a estante de livros. Era possível que vez por outra se lembrasse do homem que a
tinha dado a Gucky.
“Um dia hei de descobrir seu endereço”, pensou Gucky, sentindo-se muito triste.
“Ou ele me escreve de novo, um dia...”
Sobressaltou-se, pois ouviu o ruído metálico com o qual já estava familiarizado.
O robô estava voltando. Duas de suas mãos seguravam um objeto brilhante e
alongado, que mantinha apontado para Gucky.
O rato-castor mal teve tempo para espantar-se de que o robô tivesse conseguido, em
alguns segundos, arranjar uma arma energética pesada. Ouviu o chiado do feixe
energético junto ao ouvido direito. Passou tão perto que chegou a sentir o calor.
Teleportou de volta para o hall do sistema de renovação de ar.
— Que robô safado! — disse, furioso, e certificou-se de que estava só. — A gente
poupa essa não-existência positrônica e quase acaba morrendo por isso. Vejo que a
ingratidão começa a espalhar-se até mesmo entre os robôs. Se eu me encontrar de novo
com ele, ensino-lhe como se voa.
Atravessou o pavilhão e chegou a uma porta que estava aberta. Devia ser a mesma
pela qual tinha entrado o robô. Atrás dela havia um corredor. A luz que iluminava o
mesmo era um pouco mais forte que a do pavilhão.
Outros corredores saíam de ambos os lados. Não se via ninguém, mas os impulsos
mentais o atingiam que nem um bando de mosquitos. Alguns deles eram mais fortes que
os outros. Pertenciam ao mesmo modelo, conhecido mas misterioso.
Já não se importava muito de que o descobrissem. O robô certamente tinha dado o
alarme. Além disso poderia fugir a qualquer momento. Por isso correu o mais depressa
que suas pernas curtas permitiam pelo corredor principal, penetrando cada vez mais
profundamente na montanha. Dali a pouco os impulsos mentais vieram de todos os lados,
até mesmo de cima e de baixo.
A luz ainda era relativamente fraca, embora fosse mais forte que na eclusa e na sala
de maquinas. O fato de não encontrar ninguém levou Gucky a concluir que por ali era
noite. Os habitantes da montanha não se orientavam pelo que acontecia na superfície.
Talvez já tivessem perdido o contato com a mesma, ao contrário do que tinha acontecido
com os mutantes.
— Trezentos anos são um tempo muito longo — disse Gucky enquanto parava para
observar a modificação que houvera no corredor. O mesmo terminava numa rua larga,
fortemente iluminada. — Onde será que eu fui parar? Uma rua, uma rua de verdade.
Viam-se trilhos-guias luminosos no centro da pista de rolamento, mas não havia
nenhum veículo. Viam-se lâmpadas instaladas a intervalos regulares. De ambos os lados
da rua havia largas esteiras transportadoras para pedestres, mas as mesmas estavam
paradas. As paredes da rua — ou do túnel — eram lisas que nem as paredes de uma casa.
Havia janelas e outras aberturas, mas nenhuma luz saía das mesmas.
Uma cidade adormecida, no oco de uma montanha que já tinha sido uma ilha num
oceano que secara há muito tempo... Lá fora estendia-se um mundo contaminado pelas
radiações, que teria apagado todas as formas de vida, exceto a dos mutantes, e dentro da
montanha um mundo no qual se dormia tranqüilo, um mundo sem...
Gucky olhou para o medidor de radiações embutido em seu traje protetor.
Isso mesmo. Um mundo sem radiações.
E um mundo cheio de ar que se podia respirar e de calor — de um calor bem
suportável.
Gucky abaixou-se instintivamente ao ver o veículo em forma de torpedo que se
aproximava em alta velocidade. O mesmo aparecera na escuridão da noite artificial e
vinha em sua direção. Havia uma luz forte, um holofote, na proa. A luz do mesmo
mergulhou toda a largura da rua numa claridade ofuscante.
No interior do veículo estava escuro. Gucky só conseguiu ver duas sombras
estreitas, mas não chegou a identificar sua forma. Seus pensamentos eram intensos e
fortemente concentrados. Os dois pensavam no forasteiro que tinha penetrado em seu
reino subterrâneo, e que tinha de ser morto, custasse o que custasse.
Eram pensamentos carregados de ódio e vingança, que nem os dos mutantes.
Neste ponto eram perfeitamente iguais.
O carro desapareceu dentro de alguns segundos. Gucky prosseguiu na caminhada.
Tinha esperança de encontrar um habitante solitário, que pudesse observar discretamente.
Era só o que queria. Não desejava outra coisa senão descobrir como eram os
desconhecidos que habitavam a montanha.
A ilusão de estar andando numa cidade de verdade, ao ar livre, era perfeita. Gucky
quase chegou a notar a falta de estrelas. As paredes das casas que ficavam de ambos os
dos da rua serviam para sustentar o teto que se estendia sobre a mesma. Todos os espaços
existentes no mundo subterrâneo tinham sido produzidos há muito tempo, fundindo a
rocha.
De repente Gucky ouviu um ruído, vindo da frente, um pouco ao longe.
No primeiro instante pensou em teleportar, mas acabou resolvendo outra coisa. A
poucos metros do lugar em que se encontrava havia um nicho numa parede. Saltou para
dentro dele e viu que a luz não penetrava em seu esconderijo. Dali podia observar toda a
extensão da rua sem ser visto.
Pôs-se a ouvir e ficou esperando, ansioso.
O ruído aproximou-se bem devagar. Era difícil de definir, mas não havia dúvida de
que não se tratava de um veículo. Parecia antes que era produzido por passos.
De repente Gucky viu cinco figuras que caminhavam no meio da rua, em fileira,
formando uma espécie de patrulha, com armas energéticas pesadas nas mãos.
Seus impulsos mentais eram nítidos e de grande intensidade. Estavam à procura do
intruso.
E os impulsos mentais eram conhecidos, tão conhecidos quanto os seres que os
emitiam.
Gucky viu-os, e no mesmo instante a lembrança surgiu em sua mente. Admirou-se
de que podia ver os conhecidos.
Eram muito magros e finos. Seus corpos antes pareciam estacas; eram incolores e
tinham certa semelhança com trombas muito finas. As três pernas, que podiam ser
dobradas em todos os pontos, também se pareciam com trombas. Possuíam dois braços
semelhantes a mangueiras com mãos finamente articuladas, que seguravam armas.
O pescoço era uma mangueira fina de trinta centímetros de comprimento. Na
extremidade do mesmo via-se uma cabeça do tamanho de um punho humano, na qual
brilhavam três olhos.
Laurins!
Gucky lembrou-se.
Os laurins eram os seres com os quais os terranos se tinham encontrado há trezentos
anos na periferia da Galáxia. Podiam tornar-se invisíveis graças ao chamado flexo-órgão,
por isso mesmo tinham recebido o nome de laurins. Também eram conhecidos como
sombras. Eram inimigos valentes e perigosos, e foi muito difícil enfrentá-los.
Desapareceram de repente. Nunca mais se tinha ouvido falar neles.
Até aquele momento.
Vegetavam como sobreviventes de uma catástrofe embaixo da superfície de um
planeta tornado inabitável há cerca de trezentos anos pela ação de seres desconhecidos.
O segredo não era maior nem menor que antes.
Gucky não fez nenhum movimento. Seguiu os laurins com os olhos e pôs-se a
refletir para encontrar um meio de aprisionar um deles.
5

Era a décima vez dentro de cinco minutos que Rhodan olhava para o relógio.
— As duas horas passaram — disse, nervoso. — Acho que devemos fazer alguma
coisa.
Estavam sentados no carro voador, com os capacetes espaciais abertos. Kasom
ajeitou o corpo enorme.
— É claro que devemos — disse sem olhar para ninguém.
— Posso dar uma olhada — sugeriu Kasom.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Vamos no carro voador. Dentro dele praticamente somos imunes a qualquer
ataque. Os outros ficam aqui. Temos de esperar por Berger e Fuxer.
Berger e Fuxer tinham feito uma expedição nos arredores. Queriam verificar se
alguém tinha andado pelo fundo do mar depois da evaporação das águas do oceano.
Rhodan sabia que era apenas um pretexto, mas fez-lhes o favor de aceitar a sugestão.
Estavam com mais dois cientistas e fazia mais de uma hora que tinham saído.
— Os quatro encontrarão o caminho de volta — disse Kasom. — Não podemos
abandonar Gucky. Ele ficou de entrar em contato conosco dentro de duas horas. Já faz
mais de duas horas que saiu.
— É verdade — disse Rhodan e olhou para o relógio.
— Já faz mais de duas horas. Kasom e Tolot irão comigo. Além disso...
O alto-falante do carro voador emitiu um forte estalo. A voz de Berger se fez ouvir.
Soava rouca e um pouco nervosa.
— Mutantes! Eles nos viram e nos perseguem... Vocês nos ouvem?
— Rhodan falando. O que houve?
— Mutantes; uma horda deles — Berger fungava fortemente, dando a impressão de
que era obrigado a correr.
— Temos de correr que nem uns loucos, senão seremos alcançados. Será que
devemos liquidá-los?
— Nem pensar. Ainda estão muito longe do carro voador?
— Já podemos vê-lo. Abra a eclusa, para que possamos entrar depressa. Os
mutantes, cerca de quarenta, estão a menos de trezentos metros. Possuem armas
energéticas.
— Andem depressa! Vamos esperar.
Rhodan olhou para Kasom.
— Acha que devemos modificar nossos planos? — perguntou o gigante.
— Naturalmente. Vamos recolher Berger e seus companheiros e damos o fora.
Vamos à montanha. Os mutantes levarão três ou quatro horas para chegar lá, porque o
terreno é muito acidentado. Ainda bem que não possuem veículos.
Berger, Fuxer e mais dois cientistas apareceram ao oeste, desceram correndo uma
colina suave e chegaram ao carro voador. Entraram pela eclusa inferior e deixaram-se
cair ao chão, exaustos. A escotilha foi fechada e o veículo subiu lentamente.
Eram mesmo quarenta mutantes. Ficaram parados e olharam para o carro voador
que lhes arrancara a presa que já parecia segura. Mostravam uma raiva impotente.
— Pobres diabos — disse Rhodan com a voz amargurada. — Alguém os deve ter
maltratado bastante, ou pelo menos seus antepassados. Só podem odiar-nos. Têm de odiar
qualquer ser que seja normal. Prefiro fugir a matá-los, embora para eles isso talvez
pudesse ser uma bênção. Mas quem pode julgar isso?
Um tema velho, uma pergunta antiqüíssima, que ainda continuava sem resposta.
O carro voador seguiu em direção à montanha.
***
Gucky esquecera o tempo. E uma ligação ligeira pelo telecomunicador teria sido
suficiente para esclarecer a situação e tomar decisões.
Seguiu os cinco laurins com os olhos.
Não adiantaria aparecer diante deles e tentar capturar um. O mesmo se tornaria
invisível e desapareceria. Era difícil segurar um inimigo invisível. Sem dúvida poderia
teleportar com ele para cima da montanha, mas o laurin não agüentaria mais de uma hora;
as radiações o matariam. Só se o levasse para dentro do carro voador...
Os laurins pararam. Parecia que estavam conversando. Tinham chegado ao lugar em
que Gucky tinha saído do corredor e entrado na rua. Por isso podia-se perfeitamente
supor que o robô tinha dado informações muito precisas a seus donos. Os laurins sabiam
mais ou menos onde estava o ser que procuravam.
Gucky saiu do esconderijo e foi chegando mais perto, aproveitando qualquer
esconderijo, por menor que fosse. Captava e compreendia cada vez melhor os impulsos
mentais dos laurins. Finalmente conseguiu estabelecer contato, se bem que no início o
mesmo só funcionou num sentido.
— Saiu do centro de climatização — disse um dos laurins.
— É possível que tenha fugido novamente para lá.
— Não é provável. Ainda deve estar na cidade. Será que é um mutante?
— As informações fornecidas pelo robô não são muito precisas. O forasteiro era
pequeno e usava traje protetor. Os mutantes não precisam de proteção para sobreviver no
mundo envenenado. Não são afetados pelo hálito da morte. Não podem sobreviver sem
ele. Portanto, o intruso não é um mutante.
— Acha que é um forasteiro?
Gucky chegara tão perto que os via perfeitamente. Estavam parados junto à entrada
do corredor, segurando descuidadamente as armas.
— Se ainda possuíssemos o mesmo dom de antigamente, nós o encontraríamos bem
depressa — disse um dos laurins. — Mas do jeito que estão as coisas ele nos vê e pode
fugir em tempo. Malditos senhores...
Gucky era todo ouvidos. Mal se atrevia a respirar.
O dom de antigamente... fora perdido?
Só podia ser a faculdade de tomar-se invisível. O flexo-órgão! Não funcionava
mais. Talvez tivesse sido por causa das radiações, talvez por causa de outra coisa.
E Destroy tinha sido destruído pelos senhores da galáxia.
Começou a clarear.
Gucky concentrou-se. Finalmente poderia capturar um prisioneiro e este não lhe
escaparia mais. Se os laurins não podiam tornar-se invisíveis, não teriam como fugir.
Esperou mais um pouco para ouvir o que diziam os laurins. Ficou sabendo que mais
de quinhentos mil laurins viviam no interior da montanha. Talvez seria mais apropriado
dizer que vegetavam. Era noite. O intruso não seria morto. Deviam prendê-lo, mas não
por motivos humanitários. Queriam saber quem era ele. Se bem que ninguém tinha
dúvida de que fora enviado pelos senhores da galáxia. Mais tarde seria morto.
“Vou estragar-lhes a festa”, pensou Gucky, furioso. “O ódio que sentem pelos
senhores da galáxia não tem limites. Talvez odeiem tudo que não é como eles. Essa
atitude não chega a ser uma novidade.”
Os cinco laurins resolveram entrar no corredor. Tinham certeza de que encontrariam
o intruso por lá, ou então no centro de climatização.
Gucky seguiu-os de perto, depois de esconder-se de outro veículo de patrulhamento.
Tinha certeza de que a cidade subterrânea tinha muitas ruas e que havia milhares de
laurins tentando capturá-lo.
No corredor estava mais escuro que na rua. Gucky chegou bem perto dos cinco
laurins. Já podia tocá-los com as mãos. Não desconfiavam de nada, pois não acreditavam
que o intruso estivesse lá. Acreditavam que teriam de andar depressa para pegá-lo.
Gucky sorriu. Deu um salto ligeiro que o colocou à frente dos laurins, barrando-lhes
o caminho. Ficou no meio do corredor e levantou as mãos.
— Meus cumprimentos, suas varas de pescar — disse em intercosmo. — Quem de
vocês quer vir comigo?
Era uma atitude extremamente leviana. De qualquer maneira, a pergunta seria inútil,
mesmo que os laurins entendessem a língua galáctica. Nenhum deles estaria disposto a
acompanhá-lo espontaneamente. Foi a predileção de Gucky pelas apresentações
dramáticas e pomposas que o levou a agir assim. Felizmente suas reações incrivelmente
rápidas salvaram-no mais uma vez da morte.
Os laurins não perderam tempo. Levantaram as armas.
Esqueceram que queriam o intruso vivo. Só havia um pensamento em suas cabeças.
Não havia lugar para outro.
Queriam matar!
A reação de Gucky foi instantânea.
Deu um salto e abraçou o tronco de um dos laurins. Com isso conseguiu duas coisas
ao mesmo tempo. Evitou que o laurin que estava abraçando e os outros pudessem usar
suas armas. Além disso estabeleceu o contato físico necessário à teleportação.
Dali a dois segundos desmaterializou juntamente com o prisioneiro.
Concentrou-se instintivamente no lugar em que estivera o carro voador no momento
em que falara pela última vez com Rhodan e os outros companheiros.
Materializou nesse lugar e com um movimento rápido tirou a pistola do laurin, mas
teve de constatar que se esquecera de verificar o tempo. Deveria ter entrado em contato
com o carro voador.
O veículo tinha desaparecido.
Estava só com seu prisioneiro, no fundo do oceano que secara.
***
O carro voador continuou a subir e chegou ao topo da montanha. Da última vez que
chamara Gucky se encontrava ao pé da ilha, mas isso não significava que ainda estava lá.
Era bem mais provável que estivesse no interior da montanha, tentando resolver o
problema à sua maneira.
— Vamos pousar — decidiu Rhodan. — Depois tentaremos entrar em contato com
Gucky. Talvez Sengu consiga ver alguma coisa.
O topo da montanha era plano e não havia vegetação. A rocha nua aflorava à
superfície, e em alguns lugares o chão parecia ter sido lavado. Mas não havia água.
Bem ao longe, na planície, os mutantes já tinham chegado ao lugar em que estivera
o carro voador. Espalharam-se, mas voltaram a reunir-se e saíram novamente em
perseguição ao veículo. Seguiram na direção da montanha.
O carro voador pousou. O sargento Jones desligou os propulsores.
Rhodan sabia que os mutantes levariam algumas horas para chegar ao lugar em que
se encontravam. Mesmo então não estariam em perigo, pois Rhodan teve a impressão de
que os mutantes não teriam como subir na montanha.
Aumentou o volume do telecomunicador e chamou Gucky.
O rato-castor não respondeu.
— Deve ter acontecido alguma coisa — disse Kasom.
— Esse baixinho não pode ter esquecido que deveria ter chamado dentro de duas
horas.
— Com ele não se pode duvidar de nada — disse Rhodan, o que até certo ponto não
deixava de ser verdade.
— Na euforia do combate...
— Há alguma coisa por ali — exclamou Berger, apontando para fora do veículo
blindado. — Atrás dessa rocha.
— O que é?
— Não sei. Vi um movimento. Foi lento, dando a impressão de que quem o fez
estava meio indeciso, mas sempre foi um movimento.
Olharam na direção indicada. Sengu olhou através da rocha e disse:
— Se a combinação molecular estiver certa, deve ser um robô. De qualquer
maneira, é uma coisa metálica. E a coisa está armada. Cuidado!
— Um robô? — Rhodan olhou fixamente para a rocha, que sua vista infelizmente
não podia varar. — Como é que um robô pode ter parado aqui? Os nativos moram
embaixo da superfície. Para que lhes poderia servir um robô aqui em cima? Isto se eles
possuem robôs...
— Talvez Gucky saiba a resposta — disse Fuxer. — Será que não?
— Quem sabe? — Rhodan olhou para Tolot. — Acho que seria uma tarefa para o
senhor...!
Tolot acenou com a cabeça. Sentia-se grato por ter um trabalho, mesmo que este
consistisse apenas em capturar um robô desconhecido. Examinou seu intercomunicador e
saiu andando cautelosamente na direção da escotilha inferior. Jones fez o carro voador
subir dois metros, para facilitar a saída.
O halutense fizera uma alteração em sua estrutura molecular, o que lhe permitia
suportar por algumas horas a ausência de uma atmosfera e as radiações mortais, mesmo
sem traje protetor.
Saiu pela escotilha e fez um sinal para Jones. O veículo blindado voltou a pousar. A
escotilha da eclusa ficou aberta.
Tolot saiu caminhando resolutamente em direção à rocha atrás da qual se
encontrava o robô.
— Ele sabe que o senhor está indo para lá — disse Sengu pelo intercomunicador. —
Destravou sua arma.
— Que bicho traiçoeiro — esbravejou Tolot, perplexo. — Um robô não costuma
fazer isso. Mostram suas verdadeiras intenções, em conformidade com seu pensamento
lógico. Vamos agarrá-lo...
Ligou o campo defensivo e contornou a rocha. Um feixe branco ofuscante saiu do
esconderijo e foi refletido pelo campo defensivo de Tolot. Mal e mal conseguiu ver o
pequeno robô atrás da torrente de luz. O mesmo não tinha mais de um metro de altura.
Em comparação com Tolot era um anão.
O robô levou uns dez segundos para esvaziar seu magazin energético. Começou
com toda calma a recarregar a arma. Era o que Tolot esperava. Deu um salto e ao mesmo
tempo desligou seu campo defensivo. Agarrou firmemente o robô, tirou-lhe a arma e
enfiou-o embaixo do braço.
— Consegui pegá-lo — informou. — Quer que o leve para dentro do carro?
— Isso não adiantaria muito — respondeu Rhodan. — Solte-o. Talvez ele nos leve
à entrada que dá para o interior da montanha. O importante é que não tenha mais arma.
Tolot hesitou. Não concordava muito com a decisão de Rhodan, mas teve de
reconhecer que no carro já era muito apertado. Além disso o robô já não poderia fazer
nenhum estrago.
Colocou-o no chão.
O cubo apoiado sobre três pernas virou-se e saiu arrastando os pés, como se nada
tivesse acontecido. Parecia ter esquecido o incidente.
Enquanto Tolot o seguia com os olhos, estupefato, o sinal de chamada do
telecomunicador soou e uma voz bem conhecida se fez ouvir. Superou os outros ruídos.
— Onde vocês se meteram? Será que não se pode confiar mais em ninguém? Fico
lutando com os laurins, e vocês...
— Gucky! — a voz de Rhodan exprimia um grande alívio. — Fomos atacados pelos
mutantes. Estamos no alto da montanha. E você?
— Estou tomando um banho no fundo do mar. Esperem por mim. Logo estarei aí.
Só nesse instante Rhodan parecia compreender o sentido da observação de Gucky.
— O que foi que você disse...? Laurins?
— Isso mesmo. Quase me esqueci de mencioná-los. Trago um prisioneiro. Não é
um mutante. Trata-se de um habitante primitivo deste mundo, que ainda não foi
contaminado pelas radiações. Um laurin.
Todos ficaram em silêncio. Gucky pigarreou.
— Perderam a língua? Bem que eu imaginava que seria uma surpresa para vocês.
Isto mesmo. Trago comigo um belo laurin, muito magro, que não pode tornar-se
invisível. Ele nos contará a história do planeta Destroy e de seus habitantes.
6

O carro estava parado no topo da montanha, numa área plana em que havia poucos
esconderijos. Rhodan tinha certeza de que nesse lugar não os pegariam de surpresa.
Adiara mais uma vez a transmissão do pedido de socorro para Arctis. Tinham ar para
mais algum tempo...
O laurin estava sentado numa das poltronas de controle, que fora girada na direção
da cabine. Parecia calmo e apático. Havia uma pequena tradutora sobre uma mesa. O
aparelho permitiria que se compreendesse a língua do estranho, e este por sua vez
entenderia o intercosmo. Gucky controlaria as palavras do prisioneiro, verificando se as
mesmas correspondiam à verdade. Investigava os pensamentos do laurin e detectaria
imediatamente qualquer mentira que o mesmo dissesse.
Apesar de tudo demorou quase uma hora até que conseguissem convencer o laurin
de que seu silêncio só poderia prejudicar sua raça. Os terranos ficaram espantados ao
descobrir que ele acreditava que eram os senhores da galáxia. Tiveram de argumentar
bastante para convencê-lo do contrário. Só depois disso abandonou o mutismo, e Rhodan
e seus amigos ouviram um relato vivo do destino de uma raça que servira a senhores que
nunca tinha visto de frente. Era o destino de uma raça perdida.
***
— O que lhes posso contar não passa de tradições, lendas e histórias transmitidas de
geração a geração. É possível que o conteúdo tenha mudado no correr do tempo, mas o
núcleo das histórias certamente se conservou. Não devemos esquecer que faz somente
trezentos anos que nossa civilização foi destruída.
“Sei que os senhores acham que os senhores da galáxia são responsáveis por isso, e
acho que têm razão. Foram eles que, levados por certos acontecimentos, resolveram
exterminar-nos. Mas não o fizeram pessoalmente.
“Naquela época já éramos um povo auxiliar dos seres que se consideravam senhores
da nebulosa de Andrômeda. Não existem registros de como são eles, pois fazem seus
contatos com outras raças exclusivamente através de embaixadores pertencentes a seus
povos auxiliares. Dessa forma os laurins foram escolhidos, por causa de uma faculdade
biológica sem igual, a servir de embaixadores da nebulosa de Andrômeda numa galáxia
estranha. Sabem a que faculdade estou me referindo — se bem que a mesma não existe
mais.
“O flexo-órgão nos permitia provocar uma flexão dos campos luminosos que nos
tomava invisíveis. Atravessamos o abismo e entramos na Via Láctea, onde nos
encontramos com os terranos e seus aliados. No início o fator surpresa fez com que
conseguíssemos alguns resultados positivos. Quase chegamos a executar a missão que
nos tinha sido confiada pelos senhores. Mas os terranos criaram uma nova arma.
Conseguiram tornar-nos visíveis. Perdemos a camuflagem. Fomos derrotados e expulsos
da Via Láctea.
“Até aqui a história já é conhecida dos senhores. Mas vejamos o que houve depois.
“Os senhores da galáxia viram frustradas suas esperanças. Não tínhamos
conseguido destruir o plasma central dos pos-bis, guardado no mundo dos cem sóis. Pelo
contrário. Retomamos à nebulosa de Andrômeda derrotados. Neste ponto os registros que
puderam ser salvos são muito precisos. Revelam a decepção terrível dos senhores e até
falam em sinais de medo apresentados pelos mesmos quando ouviram falar nos terranos.
Não sabemos qual é a causa desse medo. O fato é que nossos antepassados foram
ameaçados de sofrer o pior dos castigos.
“Na mesma época nossos historiadores encontraram um relatório que alude a uma
expedição realizada há mais de vinte milênios. Na mesma usou-se um pequeno planeta
oco transformado em espaçonave. Um grande grupo de laurins viajou no mesmo,
tentando chegar à Via Láctea. Não estavam sós. Levaram tropas auxiliares formadas por
seres cujas características não eram menos extraordinárias que as nossas. Alimentavam-
se de energia pura e eram insaciáveis enquanto não fossem isolados. Soltos na Via
Láctea, estes seres investiriam contra qualquer espécie de energia para absorver a mesma,
quer a mesma proviesse de um sol, de um ser orgânico ou de uma máquina. Os sóis se
extinguiriam, as raças morreriam, as máquinas seriam paralisadas.”
O laurin fez uma pausa. Parecia que esperava uma reação às suas palavras.
— Os seres a que o senhor se refere são os luxides — disse Rhodan. — Foi o nome
que lhes demos. Encontramos o planetóide no espaço, num ponto não muito distante da
nossa galáxia. Os laurins que havia no interior do mesmo estavam mortos, mas os luxides
continuavam vivos. Conseguimos destruí-los. Quer dizer que, pelo que dizem os relatos
históricos, só foi realizada uma tentativa de conquistar ilhas cósmicas com o auxílio dos
luxides?
O laurin levou bastante tempo para recuperar-se da surpresa.
— Pelo que sabemos, só houve uma tentativa. Nunca mais ouvimos falar na
expedição dos luxides. Já sei o que aconteceu com eles.
— Continue — pediu Rhodan. — Por que os senhores da galáxia resolveram
exterminar a raça dos laurins...? E o que houve depois?
— Depois que nossa missão fracassou, voltamos à nebulosa de Andrômeda. A
recepção não foi muito amistosa. Houve a operação de transferência. Fomos expulsos de
nosso planeta. Mas isso já faz mais tempo. Depois do fracasso da missão os
remanescentes de nossa raça foram expulsos de forma violenta e obrigados a viver no
mundo do sol vermelho.
“Mais tarde ficamos sabendo o que os senhores queriam conseguir com isso.
“Enviaram a morte atrás de nós.
“Foi uma operação de extermínio que não se encontra igual. Os senhores
executaram a mesma usando a raça que vocês chamam de maahks. É bem verdade que
isso só aconteceu depois que fizemos mais uma tentativa de chegar à galáxia através da
ponte de transmissores. Queríamos fugir, mas a tentativa não foi bem-sucedida.
“Um dia o comando especial dos maahks apareceu em nosso sistema e atacou sem
aviso. É bem verdade que até certo ponto estávamos preparados. Nossos técnicos tinham
criado cidades subterrâneas às quais pudemos recolher-nos.
Mas o tempo fora escasso. Só uma parte pequena da população de nosso mundo
conseguiu colocar-se em segurança. Os maahks usaram bombas cujos raios mortíferos
permanecem ativos por muitos séculos. Qualquer pessoa que se encontrasse à superfície
morreria mais tarde, caso sobrevivesse ao ataque. Já aqueles que se tinham retirado para
as galerias que ligavam as cidades-abrigo à superfície sobreviveram, mas sofreram um
processo de mutação no curso das gerações seguintes. São nossos inimigos encarniçados,
pois naturalmente foram levados a acreditar que nossos antepassados agiram por motivos
egoísticos.
“É claro que os senhores da galáxia ficaram sabendo que havia sobreviventes.
Deram ordem para que os maahks instalassem postos de vigilância automáticos. Depois
disso qualquer espaçonave que pousar em nosso mundo é atacada por pequenas naves
robotizadas. É bem verdade que os seres vivos não são mortos. Isto também tem um
motivo que encontra sua explicação num passado remoto.
“A tarefa das naves robotizadas consistia exclusivamente em inutilizar o flexo-
órgão dos laurins. Para nós os efeitos dos raios emitidos pelas mesmas eram desastrosos.
Já não podíamos tomar-nos invisíveis. E a falha foi transmitida aos descendentes.
“Muitas vezes nos perguntamos por que os senhores não enviaram outra expedição
para acabar de vez conosco. A resposta é simples. Os senhores devem ser extremamente
cruéis. Mesmo depois de trezentos anos, ainda não se contentam com a vingança que
praticaram. Continuam a deleitar-se com nossa agonia. Realmente, nossa existência não
passa disso. Não podemos subir à superfície, porque seremos mortos pelos mutantes. E
embaixo da superfície somos consumidos pela doença. Um dia os laurins deixarão de
existir.”
Houve um silêncio prolongado e deprimente.
— Os luxides — disse Rhodan finalmente. — Onde vive esta raça?
O laurin pôs-se a refletir e respondeu, falando devagar.
— Ninguém pode dizer exatamente. Conforme já disse, os relatórios da expedição
se perderam. Acreditávamos que fosse uma lenda. O senhor veio confirmar que realmente
aconteceu. A lenda afirma que os seres luminosos fechados no interior do planeta oco
foram os últimos de sua espécie. Vocês os destruíram. Portanto, os luxides não existem
mais.
Rhodan recostou-se e respirou aliviado. O perigo dos planetas ocos, deslocando-se
em direção à Via Láctea cheios de luxides famintos, tinha desaparecido para sempre.
O perigo dos laurins também não existia mais. Os senhores da galáxia tinham
cometido um erro grave. Enfraqueceram-se a si mesmos. Privaram-se dos seus melhores
e mais perigosos aliados. Por quanto tempo ainda poderiam contar com os maahks, cujo
representante mais inteligente, Grek-1, se tomara amigo dos terranos?
Rhodan também ficara sabendo por que as radiações despejadas pelos robôs
atacantes depois de seu pouso em Destroy pareciam ser inofensivas. Sua finalidade
consistia exclusivamente em destruir os flexo-órgãos dos laurins. Como os defletores dos
trajes defensivos funcionavam com base num princípio semelhante, também tinham sido
inutilizados. Era uma explicação bem simples.
— Os senhores me matarão? — perguntou o laurin.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Quem lhe deu essa idéia? O senhor não nos fez nada, nem é responsável pelo que
aconteceu há trezentos anos em nossa galáxia. Até sentimos pena do senhor. Gostaríamos
de ajudar. Se não nos encontrássemos numa situação difícil, isto poderia ser feito logo. O
senhor terá de aceitar nossa promessa de que um dia voltaremos. Levá-los-emos a outro
mundo, que seja sadio. Tenho certeza de que lá sua raça sobreviverá — na superfície, sob
um sol azul e à luz de um sol que produz calor.
— Os senhores fariam isso por nós?
— Naturalmente. Mas antes de mais nada precisamos encontrar os senhores da
galáxia. Talvez se possa conversar com eles. Do contrário teremos de obrigá-los a
reconhecer que os membros de outras raças são seres independentes, que não podem ser
usados como escravos e destruídos quando isso lhes dá na cabeça. O senhor tem razão.
Deve ser uma raça muito cruel. Estou curioso para encontrar-me com eles um dia.
O sargento Jones, que se encontrava junto aos controles, disse:
— Os mutantes, senhor. Não os vejo mais. Devem estar ao pé da montanha. Se
tentarem entrar, haverá uma terrível carnificina.
Rhodan passou a dirigir-se ao laurin.
— Os mutantes já tentaram invadir sua cidade-abrigo? Acha que seriam capazes
disso?
— Infelizmente. Mas até hoje sempre conseguimos expulsá-los. Um dia nos
excederão em número e conseguirão armas mais eficientes. Ninguém sabe quando isso
acontecerá.
— Já nos encontramos com eles. Não parecem muito inteligentes. São dominados
por um ódio terrível. Será que esse ódio também se dirige contra os senhores, que afinal
são laurins que continuam normais?
— Dirige-se principalmente contra nós. A paz só voltará a reinar neste planeta
quando eles ou nós tivermos desaparecido.
Rhodan acenou lentamente com a cabeça. O destino dos laurins transformara-se
numa tragédia. Já tinham sido uma raça orgulhosa e inteligente, mas agora estavam
condenados a desaparecer. Os comandos de robôs não destruíam os sobreviventes, mas
prosseguiam nos ataques contra os flexo-órgãos, que já se tinham tornado supérfluos. Era
possível que os senhores da galáxia já os tivessem esquecido.
Rhodan nem desconfiava de que se deixara levar a uma conclusão precipitada. A
teoria dos laurins era verdadeira.
— Vamos libertá-lo — disse, dirigindo-se ao prisioneiro.
— Previna seus amigos contra o ataque dos mutantes. Em parte a culpa é nossa,
pois nós os atraímos para cá sem que o soubéssemos.
O laurin continuou sentado.
— Quer dizer que os senhores são os terranos que deveríamos ter atacado há
trezentos anos? Conseguiram atravessar o abismo? — Calou-se por um instante e
acrescentou:
— Acho que os senhores da galáxia finalmente encontraram um inimigo capaz de
enfrentá-los. É uma pena que nossos antepassados não soubessem disso.
— Infelizmente não sabiam — disse Rhodan. — Meu amiguinho o levará de volta à
cidade. Quer que os ajudemos caso os mutantes tentem invadir a cidade?
O laurin levantou-se.
— Não vou enganá-los. Acho que não adiantará tentarem ajudar-nos. Mesmo que
me libertem, nunca conseguirei convencer meu povo de que deve confiar nos senhores.
Os laurins lutam contra todos. Sempre agiram assim. Saiam de nosso mundo. É o único
conselho que lhes posso dar. Já conhecem nosso destino. Por que não se dão por
satisfeitos com isso? Sabem que nunca mais representaremos um perigo para os senhores.
Isto não basta? Não têm motivo para sentir-se gratos para conosco. Por que querem
ajudar-nos?
— Os senhores são os últimos sobreviventes de uma raça inteligente — disse
Rhodan em tom calmo. — O que aconteceu há trezentos anos não tem mais nenhuma
importância. Se quiséssemos condenar e vingar qualquer ato através das gerações, as
palavras paz e liberdade já teriam deixado de existir no Universo. Cada um teria alguma
coisa a vingar, e a vingança é uma coisa temível. Nós também teríamos. E os senhores.
— Obrigado — disse o laurin. — Assim mesmo peço-lhes que não se preocupem
com nossos problemas. Nosso desaparecimento já se tomou inevitável. A única coisa que
podemos fazer é retardá-lo. Um dia os mutantes nos derrotarão, ou os senhores da galáxia
enviarão um comando de extermínio. Isso acontecerá quando eles descobrirem que
entramos em contato com os senhores. É isso que o senhor deseja?
Rhodan respondeu que não.
Gucky aproximou-se e segurou a mão do laurin.
— Leve-o de volta ao lugar em que o encontrou — disse Rhodan.
— Direi a meus amigos o que aconteceu — prometeu o laurin. — Mas não se
admirem se forem atacados. Não será por ódio ou porque sejamos tolos, mas por causa da
vida que levamos. Desde que vivemos lá embaixo, não sabemos o que é ter amigos. Só
temos inimigos. Tente compreender, e retire-se de nosso mundo.
— Sairemos assim que pudermos — prometeu Rhodan.
Gucky e o laurin desmaterializaram.
***
Enquanto isso Tolot estava fazendo mais um passeio.
Contornou em alta velocidade a montanha, cujo platô não era muito grande. Não
encontrou mais nenhum robô, mas descobriu outra coisa que não era menos preocupante.
Quando voltou para junto do carro voador, Gucky ainda não tinha chegado.
— Parece que ele acha que sempre tem muito tempo — disse Kasom.
— Tomara que não demore demais — disse Tolot e sentou. — Dentro de meia hora
os mutantes estarão aqui. Os laurins talvez também. Descobri uma subida. Os mutantes
devem conhecê-la. Além disso descobri cinco acessos para a cidade subterrânea.
— Onde está Gucky? — perguntou Wuriu Sengu, que olhava fixamente para o
chão, tentando enxergar o que havia na cidade subterrânea. — Não vejo nada. Ruas
vazias, gigantescas salas de máquinas, algumas patrulhas e enormes blocos residenciais.
Nem sinal de Gucky.
— Deve ter-se metido novamente em aventuras — conjeturou Rhodan e chamou
Gucky pelo rádio, mas não obteve resposta. — Desta vez receberá uma bronca se não
vier logo.
Kasom sorriu, mas ficou quieto.
De repente o Major Peanut, que estava sentado à frente das telas, exclamou:
— Os mutantes! Vieram mesmo. Se formos a um lugar mais seguro, Gucky poderá
saltar para dentro de uma armadilha. De qualquer maneira voltará para cá.
Uma horda dos terríveis monstros veio correndo na direção do carro voador,
atravessando a planície rochosa. Desta vez não carregavam somente barras de metal e
outras armas primitivas; possuíam armas energéticas de verdade. Os primeiros feixes
luminosos passaram chiando por cima do carro voador.
O sargento Jones apontou as armas de bordo para os atacantes. Olhou para Rhodan,
mantendo o dedo encostado ao botão de disparo.
Rhodan sacudiu a cabeça.
Chamou Gucky, mas não houve resposta.
Jones ligou o campo defensivo do veículo. Era capaz de resistir aos tiros energéticos
isolados, mas se os mutantes tivessem a idéia de abrir fogo concentrado, o mesmo
poderia ser rompido.
Os mutantes pararam de repente e suspenderam o ataque. Logo se viu o motivo de
uma atitude tão surpreendente. Os laurins saíram de uma rocha que ficava à esquerda dos
mutantes. Não perderam tempo. Abriram um fogo energético fulminante contra os
monstros, que estavam desprotegidos na planície.
Houve uma luta selvagem. Ninguém interessou-se pelo carro voador e seus
ocupantes. Rhodan não poderia interferir na luta sem causar perdas graves a uma ou outra
das partes. Só lhe restava esperar.
Neste instante Gucky rematerializou.
Kasom surpreendeu-se ao ver que não estava levando a esperada bronca. Rhodan
recebeu-o com um enorme alívio.
— Por onde andou?
— Os laurins deram o alarme — explicou Gucky. — Tive de levar o prisioneiro a
um lugar em que estivesse em segurança, pois o mesmo não tinha como explicar às
patrulhas seu súbito desaparecimento e reaparecimento. Li o medo em seus pensamentos.
Por isso saltei varias vezes, até que o medo diminuiu e ele começou a sentir-se mais
seguro. Isso levou algum tempo — olhou pelo pára-brisa do veículo blindado. — O que
está havendo por aqui?
— Você está vendo — respondeu Rhodan e fez um sinal para Jones. — Vamos
decolar. As divergências entre os laurins e os mutantes não são da nossa conta.
Assim que o carro voador se ergueu do solo, os mutantes e laurins pareciam
esquecer a luta em que estavam empenhados. Até parecia que alguém dera ordem para
que apontassem suas armas para o veículo blindado e abrissem fogo. Felizmente para
Rhodan e seus companheiros, os tiros foram disparados sem muita precisão.
O campo defensivo resistiu.
O platô foi ficando para trás enquanto o carro voador subia na vertical e seguia na
direção da cidade em ruínas. Nesse instante aconteceu uma coisa em que Rhodan nem
pensava.
Ao ganhar altura, o carro voador ultrapassou certo limite.
Era o limite de segurança, que fazia soar o alarme das naves robotizadas.
Um relê estalou em algum ponto do planeta.
Um conjunto de máquinas de trezentos anos de idade entrou em funcionamento
automaticamente.
7

Pousaram no mesmo lugar em que tinham estado antes. Os mutantes haviam


desaparecido. O veículo blindado foi guardado na “garagem” e um comando foi deixado
para vigiar o lugar. Rhodan resolveu fazer mais uma expedição antes de transmitir o
pedido de socorro pelo hipercomunicador.
Foi um erro que quase se tornou fatal.
Estavam reunidos na grande escavação usada como fortaleza, quando Jones, que se
encontrava no veículo, chamou pelo telecomunicador.
— Seis objetos apareceram nas telas dos rastreadores, senhor. Deslocam-se em alta
velocidade em nossa direção. Estão a cinco quilômetros de altura. Descem mais. Parece
que estão atrás de nós.
— As naves robotizadas — exclamou Tolot.
Rhodan deu suas ordens às pressas.
— Saia do carro, Jones! Rápido!
— Mas, senhor, posso usar os canhões e...
— Saia logo! Quando muito, poderá pôr fora de ação duas naves robotizadas.
Lembre-se da C-17. Se não nos defendermos, talvez tenhamos sorte. Do contrário...
Jones veio correndo a toda. Carregava uma arma energética pesada, que atirou ao
chão, cansado, assim que chegou ao abrigo.
Os seis pontinhos anunciados apareceram no horizonte. Sua velocidade era tão
elevada que levaram apenas alguns segundos para chegar. Eram seis naves esféricas
pequenas. Passaram em vôo baixo sobre o abrigo e abriram fogo contra o carro voador,
que o dispositivo automático certamente tinha identificado como sendo o inimigo. Os
aparelhos de alta sensibilidade localizavam as aglomerações de metal e provavelmente
também as radiações atômicas emitidas pelos jatos-propulsores.
O carro voador explodiu no primeiro ataque.
As naves robotizadas descreveram uma curva e desapareceram, subindo numa
trajetória íngreme.
Rhodan seguiu-os com os olhos. Parecia amargurado. Ergueu os punhos numa raiva
impotente e disse com uma terrível calma:
— Nosso hiper-rádio estava no carro. Não podemos avisar mais Atlan. Quem sabe
se não cometemos um erro?
***
Quando começou a anoitecer, suas reservas de ar davam para mais vinte horas.
Sabiam que as naves robotizadas não representavam mais nenhum perigo para eles.
O bombardeio rotineiro com os raios inofensivos foi iniciado poucas horas antes do pôr
do sol. O dispositivo automático não sabia que o tratamento estava sendo aplicado pela
segunda vez às mesmas pessoas.
Ficaram no abrigo. Um grupo de mutantes passou perto deles, mas não notaram a
presença de Rhodan e seus companheiros. Se tivessem notado, não seriam recebidos com
a mesma consideração de antes. Os terranos estavam dispostos a fazer com que os
atacantes pagassem um preço muito alto por suas vidas.
As horas foram passando. Havia constantemente dois homens de sentinela. Um
deles ficava no abrigo, enquanto o outro caminhava de um lado para outro, mantendo
ininterruptamente contato pelo intercomunicador. Gucky fez alguns saltos pelas
imediações, mas não encontrou nenhum mutante.
Quando o dia começou a raiar, os mutantes derrotados estavam voltando da
montanha. Eram os sobreviventes e deviam ter caminhado durante toda a noite.
As reservas de ar dos trajes de combate dos terranos ainda dariam para mais cinco a
oito horas.
Rhodan já transmitira mensagens de socorro para Arctis pelo rádio comum, mas
tinha suas dúvidas de que as mesmas tivessem chegado aos receptores da Estação Louvre.
Mas Atlan já devia estar preocupado com eles. Devia aparecer a qualquer momento,
conforme fora combinado.
O sol derramou um brilho quente e vermelho sobre a paisagem desolada. Um grupo
de mutantes feridos arrastou-se para dentro da cidade em ruínas. Não davam atenção ao
que acontecia em tomo deles e era bastante duvidoso que fizessem alguma coisa se
notassem a presença dos terranos.
— Droga! — resmungou o Major Peanut. — Primeiro perdemos nossa nave, e
agora o blindado com o transmissor também foi destruído. Estamos numa armadilha.
— Atlan sabe fazer contas — disse Rhodan. Estava sentado numa caixa,
examinando o magazin energético de sua arma. Fez isso com tamanho cuidado que não
se poderia ter nenhuma dúvida de que na próxima oportunidade usaria a arma sem a
menor contemplação. — Sabe que estamos em dificuldades. Deve chegar a qualquer
momento.
— E as naves robotizadas? Vão atacar a Imperador.
— Atlan saberá enfrentá-las. Kasom juntou-se aos dois.
— Quanto a isso não tenho dúvida. Mas haverá descargas energéticas muito fortes,
que não passarão despercebidas. Em algum lugar deve haver alguém capaz de detectá-las
e interpretá-las.
— Não podemos fazer nada para evitar que isso aconteça — Rhodan descansou a
arma no colo e fechou uma bolsa com magazins de reserva que trazia presa ao cinto. — A
fase de brincar de esconder está mesmo chegando ao fim. Temos nossa base em Arctis.
Tudo bem. Mas não podemos ficar eternamente escondidos embaixo do gelo, à espera de
uma oportunidade. Talvez os acontecimentos nos obriguem a entrar em ação.
O sol foi subindo. Os homens estavam todos acordados. Rhodan destacou um
número suficiente deles como observadores, pois queria ter certeza de que os mutantes
não os surpreenderiam com um ataque de surpresa. Aproveitou a oportunidade para
conversar com Gucky.
— Você deve ter visto muita coisa na cidade dos laurins, baixinho. O que acha?
Eles têm uma chance de sobreviver?
— Naturalmente. Produzem sinteticamente os alimentos e as outras coisas de que
precisam. O ar está racionado, mas é suficiente. Não existem radiações. Um dia
encontrarão um meio de fugir de sua prisão planetária e chegar a um mundo diferente. Se
não estou enganado, existe uma ligação entre a cidade construída na montanha e certas
instalações subterrâneas que ficam embaixo destas ruínas. Eles têm uma rede de estradas
de vários quilômetros. E gigantescos conjuntos geradores.
— Estes mutantes também têm. Um dia vai irromper a luta final pelo domínio do
planeta.
— Pelo domínio de um mundo sem vida? — Gucky sacudiu a cabeça. — Não
acredito. Ninguém quer ficar aqui. Lutarão para ver quem pode sair.
Rhodan acenou com a cabeça.
— Talvez você tenha razão — confessou.
De repente ouviram-se sinais de rádio muito fracos. O transmissor ainda estava
muito longe, mas a espécie dos sinais revelou do que se tratava.
Era uma localização por meio da goniometria.
Rhodan levantou-se de um salto. Correu para perto de Jones, que operava o rádio
juntamente com Berger. O mesmo transmitia os sinais à velocidade da luz, mas naquele
momento isso bastaria.
— Chame a Imperador em linguagem clara, sargento. Peça que indiquem sua
posição.
Dali a menos de três minutos a ligação foi completada. A Imperador estava
chegando.
— Atlan, prepare-se para ser atacado por pequenas naves robotizadas. Acho que
não representam nenhum perigo para a Imperador, mas lutam sem considerar suas
próprias perdas. A C-17 foi destruída por naves desse tipo. Venha buscar-nos. Nossas
reservas de ar só dão para mais algumas horas.
— Já sei — respondeu Atlan. Sua voz parecia tranqüila, mas revelava certo alívio.
— Você disse que a C-17 foi destruída?
— Foi. Derrube os robôs à medida que aparecerem. Faça isso antes de pousar, senão
as coisas ficarão perigosas para nós. Sabe onde estamos?
— Já os tenho na tela. Há uma cidade em ruínas perto de vocês. Vocês estão num
buraco.
— Este buraco já nos salvou a vida duas vezes, Atlan.
Atlan ficou quieto por algum tempo. Finalmente disse:
— Estamos exatamente em cima de vocês, a cinqüenta quilômetros de altura.
Vamos descer devagar. As tais das naves robotizadas já devem estar chegando.
— É possível que esperem até que o inimigo se encontre a certa altura. Só atacam
numa área determinada. Desçam mais.
Dali a dez minutos os homens que se encontravam no abrigo viram a Imperador. A
nave gigantesca era uma esfera cintilante parada no céu claro. O campo defensivo
brilhava à luz do sol vermelho.
— Estão chegando — disse Atlan de repente. — Formam um verdadeiro bando.
— Abra fogo — pediu Rhodan, impaciente. A idéia de só ter ar para mais uma ou
duas horas já começava a deixá-lo nervoso. — Não tenha nenhuma contemplação.
Atlan não respondeu.
Até mesmo do chão viam-se os pontos fulgurantes que eram as naves robotizadas.
Vinham aos bandos de todos os quadrantes e precipitaram-se sobre a Imperador. Mas
desta vez encontraram o inimigo preparado. Entraram num verdadeiro inferno de fogo e
energia.
Se as naves tivessem tripulações orgânicas, elas nunca teriam entrado numa luta
sem esperanças como esta. Mas as naves esféricas eram teleguiadas por um sistema
robotizado automático. Não conheciam outra coisa além da tarefa que deviam
desempenhar e não se interessavam pela própria existência. Isso as tornava perigosas e
dignas de confiança.
A Imperador atirou com todos os canhões.
As naves esféricas caíram, tornaram-se incandescentes pelo atrito com a atmosfera e
penetraram com um grande estrondo no chão arenoso de Destroy. Chovia destroços.
Rhodan sentia-se satisfeito porque os mesmos não caíam no seu abrigo.
A segunda onda de atacantes também foi destruída por Atlan. Depois dela não
apareceu mais nada nas telas dos rastreadores. Até parecia que as reservas de naves
robotizadas de vigilância se tinham esgotado.
Rhodan voltou a entrar em contato com Atlan.
— Faça a nave pousar perto do abrigo, Atlan. Abra a escotilha de carga inferior,
para que possamos ser recolhidos o mais depressa possível. Se os mutantes atacarem, dê-
nos cobertura com o fogo da nave...
— Se quem atacar?
— Os mutantes, Atlan. Vamos deixar as explicações para mais tarde. Se você vir
alguma coisa mexer-se que não sejamos nós, mantenha esta coisa afastada. É só.
A Imperador cresceu, transformando-se numa esfera gigantesca. Aproximou-se
rapidamente. Rhodan chegou a recear que Heske a fizesse pousar com muita violência.
Mas a queda foi amortecida no último instante. As colunas de sustentação saíram do
corpo da nave. A Imperador tocou o solo a menos de quinhentos metros do abrigo em que
se encontravam os terranos. A grande escotilha de carga que ficava entre as travessas
abriu-se no mesmo instante.
— Vamos! — disse Rhodan.
Os homens só esperavam essa ordem. Cada um carregava o que podia. Saltaram
para fora do abrigo e saíram correndo em direção à nave. Alguns viraram a cabeça
enquanto corriam, mas não viram ninguém que os perseguisse. Gucky não deu mais de
dez passos. Depois teleportou diretamente para a eclusa que ficava atrás da escotilha de
carga. Sentou na entrada e deixou as pernas penduradas gostosamente para fora. Nesta
pose de infinita superioridade esperou por Rhodan e seus companheiros.
O canhão de cima disparou alguns tiros energéticos. As sombras dos mutantes
desapareceram entre os ruídos,
Tolot e Kasom foram os primeiros a chegar à nave. Estavam exaustos. Esperaram
que os outros se aproximassem e entraram no raio de tração que os levou até a escotilha,
que ficava bem acima deles. Sua despedida de Destroy fora uma fuga — uma fuga de um
inimigo que não pretendiam matar.
Gucky sorriu para os homens que se aproximaram, flutuando no ar.
— Até que enfim — disse com uma risadinha. — Estão com as pernas tortas de
tanto correr?
Rhodan passou voando por ele, não sem bater com força em seu ombro.
— Não podem ficar mais tortas que as suas — disse e foi parar suavemente no
interior da eclusa.
O Dr. Fuxer não conseguiu conformar-se tão facilmente com a observação mordaz
do rato-castor. Praguejou, zangado, e disse:
— Está mais que provado, e a afirmação ridícula de que quem corre fica com as
pernas tortas é mais uma confirmação. Quem de nós corre menos? Não é Gucky? E quem
tem as pernas mais tortas...? Ai! Socorro...!
De repente o raio de tração o soltou. Foi ao menos o que pareceu. Caiu suavemente
na parte do corpo que costumava usar para sentar. Antes que começasse a manifestar sua
raiva, o rosto sorridente de Gucky apareceu perto dele. Foi bastante inteligente para não
fazer nenhuma observação. Limitou-se a resmungar alguma coisa em tom zangado.
A escotilha externa já estava fechada. O ar foi penetrando na câmara da eclusa.
Finalmente a escotilha interna se abriu. Atlan estava à sua espera no porão de carga.
A Imperador decolou enquanto ainda subiam pelo elevador, afastando-se
rapidamente de Destroy. Assim que chegaram à sala de comando, Rhodan deixou-se cair
numa poltrona. Atlan sentou a seu lado. Kasom, Tolot, Gucky e os outros homens que
tinham participado da expedição livraram-se dos trajes de combate e deleitaram-se com a
certeza de dispor de todo o ar que pudessem desejar.
— Mutantes? — perguntou Atlan depois de algum tempo.
Rhodan explicou.
Atlan ficou calado por muito tempo. Finalmente acenou com a cabeça.
— Quer dizer que são os laurins...! E andamos quebrando a cabeça durante
trezentos anos para descobrir por que não apareciam mais. Os senhores da galáxia não
esquecem nada — nem mesmo um serviço que lhes é prestado. Estou curioso para ver
nosso primeiro encontro com estes monstros repugnantes. O que podemos fazer pelos
laurins?
— No momento nada. Por enquanto o mais importante é cuidarmos para não sermos
descobertos. Infelizmente devemos contar com a possibilidade de que as descargas
energéticas da Imperador já tenham sido detectadas há algum tempo. As frotas dos
twonosers ou dos maahks logo estarão no nosso encalço. Mais tarde, quando nossa
situação for menos perigosa, poderemos cuidar dos sobreviventes de Destroy. Com isso
conseguiremos grande número de aliados nos quais poderemos confiar.
Heske Alurin, o epsalense, virou a cabeça e perguntou a Atlan:
— Vamos executar uma manobra linear, senhor?
— Será a mais rápida e breve possível. É importante que Arctis continue a não
provocar suspeitas. Avise a Estação de Louvre, para que abram o hangar no gelo. Só
vamos usar o rádio quando tivermos voltado ao universo einsteiniano.
Os minutos foram pingando. As telas dos rastreadores não mostraram ninguém que
os perseguisse. A Imperador entrou no espaço linear por um tempo muito curto, voltou ao
espaço normal e expediu a mensagem pelo rádio.
Quando avistaram a cobertura de gelo do planeta polar, reconheceram o buraco
negro da entrada do hangar. O couraçado espacial desceu e entrou na gigantesca galeria.
A capa de gelo fechou-se em cima da mesma, antes que atingisse o fundo de rocha
situado muitos quilômetros abaixo da superfície.
Assim que a Imperador tocou o solo, chegou uma mensagem do Coronel Rudo, cujo
texto dizia:
“Chamando Rhodan e Atlan! Nosso centro de rastreamento detectou uma frota
poderosa que se aproxima do sistema. Por enquanto não é possível fazer a identificação
exata. Fim da transmissão.”
Rhodan olhou para Atlan.
— Aí está — disse com a voz tranqüila.
— Nem poderíamos esperar outra coisa. Mas — acrescentou Atlan — não acredito
que eles pensem que estamos em Arctis. Tão depressa não nos descobrirão embaixo da
enorme camada de gelo. Devem estar interessados em Destroy. A atividade que
desenvolvemos nesse mundo não foi detectada e determinada. Receio que os últimos
laurins tenham problemas.
Rhodan fez um gesto, mas não disse nada.
Fugira. Quem sabe se não tinha abandonado os laurins? Mas estes tinham recorrido
às armas para recusar seu auxílio. Eram os únicos responsáveis pelo que estava para
acontecer. Os terranos se escondiam embaixo de uma camada de gelo de alguns
quilômetros de espessura — mesmo que isso não pudesse dar uma impressão muito
lisonjeira.
O planeta Arctis estava suspenso no espaço. Era um mundo branco em que não
parecia haver vida. O sol vermelho derramava seus raios sobre o mesmo. Rhodan calou-
se. Preferiu não responder.
Parecia que estava esperando alguma coisa.
Mais alguma coisa se aproximava, vinda do centro da nebulosa Beta, que as telas
dos rastreadores da Estação Louvre não conseguiam identificar. A distância ainda era
muito grande.
Aproximou-se depressa e em silêncio. Os terranos escondidos sob o gelo eterno já
começavam a imaginar que trazia a morte.
A morte vinda da distante nebulosa de Andrômeda...

***
**
*

Um perigo que já ameaçou a Galáxia deixou de existir


— e a expedição de Perry Rhodan ao planeta Destroy
desvendou o mistério do súbito aparecimento dos laurins.
Os terranos ficaram sabendo mais uma vez dos métodos
repugnantes usados pelos misteriosos senhores da galáxia
para eliminar um povo auxiliar que não conseguiu cumprir
as ordens que lhe tinham sido dadas.
Dali resulta urna conclusão evidente. Os andrômedas
preparam um novo lance, com o qual esperam eliminar os
terranos que penetraram na nebulosa Beta.
Na Porta do Inferno — próximo volume da série,
descreverá esta emocionante aventura...

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

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