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O MUNDO DAS
RADIAÇÕES QUENTES
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
O ano 2.4O2 está sob o signo do avanço dos terranos na
direção de Andrômeda. Ainda não foi inventado nenhum sistema
de propulsão que permita aos terranos superar o abismo imenso
que separa as galáxias, mas Perry Rhodan e seus homens já se
encontram na nebulosa Andro-Beta, situada nas imediações de
Andrômeda. O avanço arrojado tornou-se possível graças ao
sistema de transmissores dos misteriosos senhores da galáxia.
Quase se chega a ter a impressão de que a operação
cabeça-de-ponte é arriscada demais. Afinal de contas, a nave-
capitãnia de Rhodan, a Crest II, foi aprisionada pelos twonosers
durante um vôo de reconhecimento, e depois de uma luta
encarniçada Perry Rhodan e mais 2.OOO terranos tiveram que
trilhar o caminho amargo para a prisão.
A guerra das castas foi desencadeada, e não demorou que
os prisioneiros conseguissem abrir caminho para a liberdade.
Enquanto estes acontecimentos se verificavam no interior do
cadáver de um mobv, uma esquadra de abastecimento chegou à
periferia da nebulosa Andro-Beta. Tratava-se de seis gigantescas
naves de transporte acompanhadas por um cruzador pesado.
O inimigo desenvolve uma atividade febril no interior da
nebulosa Beta. Por isso Perry Rhodan e seus homens podem dar-
se por felizes por terem encontrado um bom esconderijo sob o
gelo eterno do planeta Arctis, onde poderão ficar até que as
frotas de reconhecimento do inimigo se retirem.
Mas será que realmente se trata de um esconderijo
seguro...? Por perto há um planeta chamado Destroy, que é o
misterioso Mundo das Radiações Quentes...
Cinco minutos antes o Major Peanut resolvera abrir uma trincheira que ligasse o
abrigo às ruínas mais próximas. Estas poderiam protegê-los de todos os lados e, uma vez
fundido um nicho nas paredes externas, até mesmo para cima.
“Para cima é o mais importante”, pensou Peanut.
Colocou duas sentinelas fora do abrigo.
Tolot, o halutense incansável, pegou uma arma energética pesada e pôs-se a
trabalhar. A areia fundiu-se e entrou em ebulição sob o efeito do calor incrível. Tolot
modificou a estrutura molecular de seu corpo, fazendo com que o calor não pudesse
afetá-lo mais. Os outros recuaram para a extremidade oposta do abrigo.
Tolot conseguiu avançar rapidamente, mas dali a pouco uma nuvem escura cobriu o
abrigo e começou a deslocar-se para o norte. O Major Peanut começou a preocupar-se de
verdade. Será que não tinha levado muito ao pé da letra a ordem de construir uma
fortaleza, que fora dada por Rhodan?
Afinal, a nuvem poderia atrair novamente o inimigo desconhecido.
Este pensamento mal tinha atravessado a cabeça de Peanut, quando as duas
sentinelas deram o alarme. Tolot suspendeu imediatamente o trabalho e desligou a arma
energética. Descansou-a na borda do abrigo e corrigiu a distância do tiro. Se necessário, a
carabina energética poderia ser usada como canhão de grande alcance.
Cinco naves aproximaram-se, vindas do leste. Voavam muito baixo, em formação
de cunha. Eram das mesmas naves que tinham atacado e destruído a C-17.
Rhodan foi avisado às pressas.
Mas logo se viu que não havia motivo para tamanho nervosismo, pois as naves não
passaram diretamente ao ataque. Descreveram uma curva quando o carro voador de
Rhodan apareceu e apontou as armas energéticas para as mesmas. De repente o Dr.
Berger, que entrara apressadamente no abrigo e correra para junto de seus instrumentos,
agitou violentamente os braços, dando a entender que tinha uma informação importante.
Rhodan continuou no carro voador. Fez um sinal para Gucky.
O rato-castor teleportou para o abrigo e correu para perto de Berger.
— O que houve? Até parece que sua sogra...
— As naves esféricas! — interrompeu Berger em tom apressado. — Estão emitindo
uma espécie de radiação. É invisível e parece ser inofensiva. Está sendo derramada sobre
nós, mas não constatei nenhum efeito. É muito mais fraca e inofensiva que as radiações
normais deste planeta. O que significa isso? Ninguém procura afogar um homem que está
no mar com um balde de água.
Rhodan, que ainda se encontrava no veículo, acompanhara as palavras do físico
pelo intercomunicador.
— Radiações? Seria um absurdo...
— É claro que é um absurdo — exclamou Berger. — Eu compreenderia se eles
derramassem raios energéticos e raios da morte sobre nós. Afinal, a C-17 foi destruída
dessa forma. Mas estamos sendo atacados com raios completamente inofensivos. Quem
seria capaz de compreender uma coisa dessas?
Rhodan permaneceu impassível. Pôs o cérebro a funcionar, mas não chegou a
nenhum resultado. O comportamento das naves robotizadas era ilógico, e justamente dos
robôs seria de se esperar um pouco de lógica. As radiações deviam ter alguma finalidade.
Queriam conseguir alguma coisa com as mesmas. Se fossem inofensivas para o
organismo humano, logicamente não o deveriam ser para certas outras coisas.
Restava saber que coisas eram estas.
As cinco esferas voltaram a aproximar-se.
— Será que não deveríamos abrir fogo, senhor? — perguntou Peanut.
— Acho que não, major. Enquanto não nos atacarem com armas mortais, vamos
deixar que se divirtam. Aliás, já estão se afastando.
Era verdade.
As cinco esferas fizeram chover pela última vez as estranhas radiações sobre o
grupo de homens e voltaram a desaparecer para o leste. Os homens não se sentiam nada à
vontade enquanto as acompanhavam com os olhos.
Rhodan saiu do carro voador e dirigiu-se ao Major Peanut. Berger e os outros
cientistas também se aproximaram. Ainda discutiam e manifestavam sua opinião sobre a
natureza das radiações.
Rhodan logo se dirigiu a eles.
— Berger, procure descobrir de qualquer maneira que radiações são estas. Não se
esqueça de que fomos atacados por naves robotizadas. Devem ter sido unidades
pertencentes à frota de vigilância. Receberam uma tarefa não relacionada conosco, mas
com outros seres que já viveram ou ainda vivem aqui. É possível que as radiações sejam
mortais para esses seres desconhecidos. Para nós não são. É a única explicação.
Um homem ligeiramente encorpado com o crachá de físico adiantou-se. Empurrou
Berger para o lado e colocou-se no lugar do mesmo. Seus cabelos ruivos e curtos estavam
eriçados, e viam-se perfeitamente as bochechas vermelhas através do visor do capacete.
— Tive uma idéia, senhor — disse em tom exaltado. Rhodan olhou para ele com
uma expressão de curiosidade.
— É mesmo, Dr. Fuxer? Pois diga...
O físico pigarreou e lançou um olhar de triunfo para Berger.
— Nem sempre são as investigações rigorosamente científicas que levam ao
resultado que desejamos. Freqüentemente é o raciocínio lógico. Fomos atacados por
naves robotizadas. Acho que quanto a isso não existe dúvida. Dali se poderia concluir
facilmente que não se pretendia atacar seres orgânicos, mas outros robôs. Não acham?
Quer dizer que as naves robotizadas acham que somos robôs. As radiações devem ter
sido emitidas para prejudicar as funções motoras das máquinas. É por isso, e somente por
isso, que não nos faz mal. Não acham?
— Não acham? Não acham? — interrompeu Berger em tom furioso. — Caro
colega, não quero fazer pouco de sua imaginação, mas infelizmente estamos enfrentando
uma realidade dura e...
— Espere aí! — disse Rhodan, impedindo a discussão que se esboçava. — Todo
mundo tem direito de manifestar sua opinião, e além disso as idéias do Dr. Fuxer nem são
tão absurdas.
Fuxer ficou radiante. Mas deixou cair o queixo quando Rhodan prosseguiu:
— O senhor tem os dados fornecidos pelos instrumentos, Fuxer. Procure chegar a
uma conclusão concreta. Precisamos descobrir mais alguma coisa sobre estas radiações,
para conhecer melhor as esferas robotizadas e o provável inimigo que as mesmas
pretendiam combater. Quero um resultado rápido.
O Dr. Fuxer acenou com a cabeça e recolheu-se a um canto. Berger mostrou um
sorriso de deboche. Mas o sorriso desapareceu quando viu o olhar de Rhodan pousado
nele. Foi atrás de Fuxer e os dois físicos se puseram a interpretar em conjunto os dados
armazenados.
Jones tinha escondido o carro voador. Uma espécie de garagem capaz de abrigar o
precioso veículo foi fundida no chão, com o auxílio de Tolot. Jones e Tolot voltaram para
junto dos outros.
— Nossas reservas de ar dão para mais oitenta ou noventa horas — disse Rhodan.
— Até lá Atlan terá de buscar-nos. Para termos certeza, vamos transmitir um pedido de
socorro exatamente dentro de três dias. Se necessário, a Imperador poderá estar aqui
dentro de algumas horas. Quer dizer que não existe nenhum perigo iminente. Mas não
podemos admitir que a C-17 tenha sido sacrificada em vão. Precisamos descobrir o que
foi feito neste mundo — e o que continua sendo feito. A presença das esferas robotizadas
é a melhor prova de que por aqui ainda existe alguma coisa de que nem desconfiamos.
Nossa tarefa mais urgente será descobrir isso.
Gucky não agüentou mais. Ficara todo o tempo num canto, cochichando ao ouvido
de Sengu. Os dois tinham tido bastante inteligência para reduzir o volume de seus
transmissores ao mínimo, para que ninguém pudesse compreender o que diziam.
Voltaram a regulá-los para o volume normal.
— Tenho uma sugestão — disse a voz estridente de Gucky, superando as palavras
dos outros. — Ouçam!
Rhodan parecia um tanto irritado, mas não disse nada. O Major Peanut fez de conta
que receava o pior. Berger e Fuxer não deixaram que as palavras de Gucky os
perturbassem. Não tinham nada a ver com isso. Sua tarefa era descobrir a natureza das
radiações.
— Diga logo — disse Kasom em tom bonachão.
Gucky estufou o peito e apontou para Sengu.
— Sengu e eu faremos um reconhecimento nas ruínas — disse com um gesto
dramático, para em seguida apontar para o carro voador estacionado. — Com isso não
iremos muito longe. Um calhambeque como este chamará a atenção em toda parte,
especialmente num lugar em que uma coisa dessas nem deveria existir. Poderei teleportar
com Sengu para qualquer lugar e, sempre que necessário, poderemos ir a um lugar seguro
sem qualquer demora. E temos nossos trajes de combate. Podemos tornar-nos invisíveis.
Em resumo: Sengu e eu poderemos dar resposta a todas as perguntas, desde que nos dêem
uma ou duas horas.
Kasom soltou uma estrondosa gargalhada.
— Sugiro que me levem.
— Você só representaria uma carga adicional — observou Gucky em tom áspero.
Kasom ficou quieto.
— Eu não seria nenhuma carga — disse Tolot.
Gucky mediu-o com os olhos.
— Você pesa mais algumas centenas de quilos que Kasom — argumentou em tom
amável. — Representaria um obstáculo.
— Gucky não quis ofender ninguém — disse o japonês. — E não posso deixar de
concordar com ele. Se formos sós, nossa mobilidade será a maior possível.
Rhodan estava de pé perto do grupo. Encostou-se à parede.
— Concordo que você faça a operação de reconhecimento, Gucky, mas você tem de
prometer que voltará assim que o chamarmos. Além disso terá de comunicar
imediatamente qualquer coisa que descobrir. Enquanto estiverem fora, evitem sempre que
possível o contato pelo rádio. Encostem os capacetes um ao outro, quando quiser dizer
alguma coisa a Sengu. Em sentido contrário as coisas serão mais fáceis, já que você pode
ler seus pensamentos. Entendido?
— Entendido — disse Gucky. — Mas posso garantir desde logo que não
encontraremos muita coisa. O mundo em que nos encontramos é morto e abandonado. Se
houver alguém vivo por aqui além de nós, ele será encontrado. Será que alguém me
poderia emprestar uma boa lanterninha de bolso?
Sengu pegou uma arma energética leve e Gucky uma lanterna muito forte.
Em seguida os dois teleportaram para dentro da cidade em ruínas.
***
A longa tarde foi chegando ao fim. O sol vermelho encontrava-se junto à linha do
horizonte. As naves robotizadas não tinham aparecido mais. Os homens acomodaram-se
da melhor forma possível no seu abrigo, mas com o tempo os trajes protetores
começavam a incomodar. Rhodan dera ordem para que constantemente ficassem seis ou
sete homens no carro voador, onde ao menos podiam abrir os capacetes e comer como
pessoas normais.
Gucky e Sengu ainda não tinham dado notícias.
Rhodan começou a ficar preocupado de verdade com a sorte dos dois mutantes.
— Não deve ter acontecido nada — disse Peanut, que se encontrava no carro voador
juntamente com Rhodan. — Faz quatro horas que saíram. Quem sabe quantas casas e
subterrâneos existem nesta cidade. Se estiverem em perigo, poderão estar aqui dentro de
alguns segundos.
— Acontece que estou preocupado, major. Gucky não costuma deixar-me na
incerteza por tanto tempo. Mas acho que o senhor tem razão. Se tivesse descoberto
alguma coisa, já estaria aqui.
Comeram com muito apetite alguma coisa tirada das provisões abundantes.
— Daqui a pouco vai escurecer, senhor. A noite durará mais de dezesseis horas.
Tem alguma objeção a que eu organize a escala das sentinelas?
— Pelo contrário. Já ia pedir que o fizesse.
Rhodan continuava calado. Mesmo depois que voltou ao abrigo, manteve-se
afastado dos outros. Kasom e Tolot estavam dormindo. Deitaram no chão e ligaram o
sistema de aquecimento de seus trajes protetores. Se surgisse um perigo, poderiam entrar
em ação dentro de alguns segundos e, se necessário, se transformariam em terríveis
máquinas de guerra. Quanto a isso Rhodan não tinha a menor dúvida.
O sol desapareceu. Escureceu muito depressa.
Gucky e Sengu ainda não tinham voltado.
***
Depois de alguns saltos de teleportação Gucky e Sengu foram parar numa área da
cidade que ainda não conheciam.
As ruínas estavam de pé e livres de areia. As paredes ainda mostravam sinais da
onda de calor que tinha destruído a cidade. Eram lisas e vitrificadas.
— Foi uma destruição atômica — cochichou Sengu. Gucky não precisava do rádio
para entendê-lo. — Alguém simplesmente apagou esse mundo com recursos
ultramodernos. Quem terá sido?
Gucky encostou o capacete ao de Sengu.
— Quem? Tenho um palpite de que foram os senhores da galáxia.
Sengu acenou com a cabeça. Era da mesma opinião. Restava esclarecerão motivo, o
que não seria possível enquanto não se soubesse quem tinha sido destruído.
Os dois seguraram-se pelas mãos, para que Gucky os pudesse levar a qualquer
momento a um lugar em que estivessem em segurança. O olhar de Sengu varou as
paredes vitrificadas. Ainda havia janelas desimpedidas e a luz penetrava nas salas. Sengu
conseguia enxergar.
— Está tudo vazio. Não existe sinal de que isso tenha sido usado recentemente —
informou. — As salas são amplas. Geralmente o chão está coberto por destroços. Existem
poços que levam para baixo do chão, mas dentro deles está escuro. Será que os
elevadores ainda funcionam?
Gucky não fez nenhum movimento. Parecia que estava escutando. Os pêlos da nuca
arrepiaram-se ligeiramente. Sengu sentiu a mão do rato-castor tremer.
— Que houve? — perguntou, preocupado.
— Impulsos, Sengu. Impulsos mentais. Não sei de onde vêm, mas são preocupantes.
São impulsos estranhos; confusos e sem sentido.
— Não são os impulsos de nossa gente?
Gucky sacudiu a cabeça.
— Não se trata de impulsos mentais humanos, Sengu. Estavam parados no meio de
uma rua larga, olhando para os lados. O sol já tinha desaparecido. Logo ficaria escuro. As
ruínas estavam mergulhadas numa luz vermelha, na parte superior, onde ainda eram
atingidas pela luz do sol.
— Vamos voltar para junto de Rhodan — sugeriu Sengu.
— Nem pense nisso. Preciso descobrir primeiro o que está havendo por aqui. Não
gosto de apresentar resultados pela metade, Sengu. Preciso ter certeza. Os impulsos
provêm de seres orgânicos. Vivem nestas ruínas. Temos de encontrá-los. É provável que
a atividade das naves robotizadas tenha sido dirigida contra eles.
Teleportaram mais um pedaço. Gucky notou que os impulsos mentais dos
desconhecidos eram mais intensos. Concluiu que tinham saltado na direção certa. Dessa
forma aumentava o perigo de serem descobertos.
— Que edifício enorme lá adiante — constatou Sengu e Gucky não teve nenhuma
dificuldade em captar seus pensamentos. — E não está tão destruído. Espere aí... Que
coisa interessante...
— O que é?
— As salas foram... foram limpas. Não há escombros. Há uma escada que desce,
além de elevadores antigravitacionais. Parece tudo novo e dá a impressão de estar sendo
usado. Os subterrâneos... Luz, Gucky! Há luz acesa nos porões. Máquinas montadas...
— Proteja-se! — exclamou Gucky, mas Sengu não o compreendeu, porque tinham
esquecido de encostar os capacetes. No entanto, compreendeu o gesto de Gucky. Sem
teleportar, correram para o lado oposto da rua. Ali já houvera uma casa, mas a mesma
tinha desabado. Havia dezenas de bons esconderijos entre os escombros. Pararam atrás de
uma parede que continuava de pé. — Vi um movimento.
— Também vi — disse Sengu. — Mas só consegui distinguir uma sombra. Já está
muito escuro. Mas nos porões há luz. Luz, Gucky!
— Quer dizer que ainda existe energia. E sobreviventes.
— Não acha que já está na hora de avisarmos Rhodan?
— De forma alguma. É cedo. Se voltarmos, talvez não encontremos mais a casa. Ou
então os sobreviventes poderão mudar de alojamento. Não vejo a hora de descobrir o que
há neste mundo.
Sengu suspirou, mas não disse nem pensou nada.
Espiaram para o outro lado da rua, onde ficava o edifício relativamente intacto. O
japonês estava com a arma energética na mão. Seu cabo frio transmitia uma impressão
tranqüilizadora.
Não se via nenhum movimento, mas já estava escuro. Não havia sinal da luz que,
segundo dizia Sengu, estava acesa nos porões. O lugar em que Gucky tinha visto um
movimento estava envolto em sombras profundas. Os microfones externos não captaram
nenhum ruído. Havia um silêncio profundo.
A nebulosa de Andrômeda foi subindo no horizonte.
Gucky encostou o capacete ao de Sengu.
— Você me entende? — cochichou. O japonês fez que sim. — Vou acender a
lanterninha e dirigirei a luz para a casa. Não atire enquanto não formos atacados.
Sengu voltou a acenar com a cabeça.
Gucky ergueu a lanterninha e dirigiu-a aproximadamente para o lugar em que,
segundo acreditava, havia alguma coisa. Ligou a luz.
O feixe luminoso atravessou a rua. Era bastante amplo para derramar uma luz
ofuscante sobre quase dez metros da fachada. A entrada ficava exatamente no centro da
repentina torrente de luz.
As figuras que foram vistas de repente não faziam o menor movimento. Até parecia
que a surpresa as paralisara.
Eram figuras horríveis; Seria impossível dizer que fossem humanóides. Eram
monstros bizarros, figuras fantásticas saídas de um pesadelo, névoas de um mundo irreal
cujos contornos se tinham firmado.
A mão de Gucky tremeu. O feixe de luz caminhava de um lado para outro.
Quando voltou ao lugar em que estivera antes, os fantasmas tinham desaparecido.
Gucky desligou a lanterna.
— O que foi isso? — perguntou, atordoado. — Meu Deus, o que foi?
— Seres vivos — respondeu Sengu, com o dedo polegar encostado ao botão
acionador de sua arma. — Moram embaixo das ruínas. Que coisa terrível!
— Seres vivos? — Gucky sacudiu o corpo. — Foram fantasmas. Figuras
apavorantes, que não podem ser reais. Algumas não tinham cabeça, outras eram brancas,
sem cor, provavelmente albinos. Vi algumas com quatro e oito braços, outras não tinham
pernas e ainda outras possuíam duas ou três cabeças. Acho que andamos imaginando
coisas.
— Estas figuras são reais — disse Sengu em tom sério. — Não se esqueça dos
impulsos que você captou.
Gucky escutou para dentro de si mesmo e sacudiu a cabeça.
— Não estou captando mais nada. Devo estar louco, ou então estes seres são
capazes de bloquear seu cérebro. Você notou que nenhum desses seres se parece com os
outros? Até parece uma mistura de milhares de raças.
— Devem ser mutações — conjeturou Sengu. — É claro; só podem ser mutações.
Estão expostos às radiações há várias gerações. Isso tem de produzir alterações no código
genético. Por isso mesmo pareciam tão apavorantes e irreais.
— Precisamos conhecê-los mais de perto, Sengu. Tive uma idéia. O defletor.
Vamos tornar-nos invisíveis. Aí não nos encontrarão. Primeiro teleportamos e depois nos
tomamos invisíveis.
Sengu hesitou, mas acabou acenando com a cabeça e pegou a mão de Gucky.
O rato-castor sabia que estava fazendo um jogo muito arriscado. Mas o traje
espacial equipado com um campo energético poderia protegê-lo contra qualquer ataque.
E se a gente podia tomar-se invisível, o perigo de ser descoberto era ainda menor.
A mão que segurava a lanterninha procurou instintivamente o botão do defletor.
Bastaria girar o mesmo, e ele se tornaria invisível.
Concentrou-se no subterrâneo em cujo interior estavam guardadas as máquinas e
saltou, levando Sengu.
Quando voltou a enxergar, estava muito claro. Havia fileiras enormes de lâmpadas
acesas no teto. Os blocos das máquinas e geradores ficavam embaixo das mesmas,
também formando fileiras que pareciam não ter fim. Havia telas nas paredes. Estavam
escuras e cobertas de pó. Via-se que há tempo não eram usadas.
Havia figuras altas e magras na extremidade do corredor. Moveram-se lateralmente
e desapareceram.
— Eles nos viram — cochichou Gucky. — Vamos tornar-nos invisíveis.
Ligou o campo defletor e viu Sengu fazer a mesma coisa.
Mas Sengu não se tomou invisível. Ficou à vista no meio do corredor, embora
tivesse ligado o campo energético que desviava a luz.
Gucky assustou-se. O que tinha acontecido com o traje de Sengu? Nunca acontecera
que um equipamento destes falhasse. Que coincidência desagradável! Já se ouviam
perfeitamente os passos arrastados dos mutantes que se aproximavam.
Sengu fitou-o pelo visor do capacete e fazia gestos nervosos. Era claro. O japonês
se sentia nervoso porque continuava visível. Não era de admirar que... Gucky levou um
susto. Estava invisível... mas Sengu lhe fazia sinais. Quer dizer que Sengu o via.
Gucky colocou as mãos na frente dos olhos — e as viu. Não se tinha tornado
invisível, da mesma forma que Sengu.
Os dois defletores tinham falhado!
Não podia ser coincidência. Os mutantes deviam possuir recursos técnicos que lhes
permitiam desativar os defletores. Neste ponto eram mais avançados que a maioria das
raças civilizadas da Via Láctea.
Gucky nem se deu conta de que a idéia era absurda. Mesmo que os desconhecidos
dispusessem desses recursos, sua reação não poderia ter sido tão rápida. Afinal, os
mutantes não poderiam saber que os intrusos possuíam defletores.
Fosse como fosse, Sengu e Gucky ficaram perplexos no meio da sala de máquinas,
expostos à luz forte das lâmpadas. Os monstros mais horríveis que já tinham visto
aproximaram-se, vindos de todos os lados. A fuga rápida seria a única salvação.
Mas Gucky resolveu esperar mais um pouco.
Recuou para junto da parede e esperou que Sengu se colocasse a seu lado. Estavam
com as costas protegidas e podiam concentrar-se no corredor principal, sem terem de
prestar atenção ao que acontecia nos corredores laterais. Se alguém quisesse atacá-los,
este alguém só poderia vir de uma direção. Mais precisamente, do lado que Gucky estava
vigiando.
A telecinesia!
O cérebro de Gucky absorveu o comando e conduziu-o ao setor que tinha sofrido a
mutação. Numa questão de segundos formou-se a parede invisível e móvel, que tantas
vezes salvara a vida de Gucky. Era ainda mais segura que os campos energéticos de seus
trajes especiais, que felizmente ainda estavam funcionando.
Gucky ligou o rádio. Sengu fez o mesmo. Não importava que fossem descobertos
através do mesmo.
— Perry, responda! Você ou outra...
— Gucky! — foi a voz de Tolot, que soava aliviada e surpresa ao mesmo tempo. —
Já estávamos preocupados...
— Não deve ter sido comigo! — interrompeu Gucky em tom apressado. — Se bem
que estamos numa situação estranha e difícil. Posso teleportar, mas primeiro quero saber
quem são eles e...
— Não fale tanto! Onde estão?
— Embaixo das ruínas. Estamos cercados por mutantes. Infelizmente nossos
defletores não funcionam. Não podemos tornar-nos invisíveis. Vou experimentar a
telecinesia. Talvez possamos levar pelo menos um prisioneiro.
Ouviu-se um murmúrio no fone de ouvido. Finalmente Rhodan disse:
— Voltem imediatamente, Gucky. Entendido? Nada de experiências!
— Eu só queria...
— Você ouviu. Voltem imediatamente. Aliás, todos os defletores estão falhando.
Talvez isso faça com que você compreenda que não devemos subestimar o inimigo. É
possível que também acabem pondo fora de ação os campos energéticos e os
equipamentos de vôo.
Gucky respirava com dificuldade. Estava assustado. Viu pelos cantos dos olhos
várias figuras que se aproximavam. Pareciam empertigadas. Ouviu Sengu dar um grito.
Sua arma energética emitiu um zumbido. Até parecia um marimbondo enfurecido.
— Já vamos! — gritou para dentro do microfone e segurou a mão livre de Sengu.
— Pare de atirar, Sengu. Você acaba estragando tudo.
Dois dos mutantes tinham caído ao chão. Os outros continuaram a avançar, mas
Gucky conseguiu atingi-los com a energia telecinética e atirou-os para trás. Desta forma
conseguiu algum espaço.
Dali a dois segundos Sengu e Gucky encontravam-se na rua escura. Havia um
brilho avermelhado no poente, que permitiu que Gucky se orientasse. Deu mais três
saltos de teleportação e chegou ao acampamento.
3
Era a décima vez dentro de cinco minutos que Rhodan olhava para o relógio.
— As duas horas passaram — disse, nervoso. — Acho que devemos fazer alguma
coisa.
Estavam sentados no carro voador, com os capacetes espaciais abertos. Kasom
ajeitou o corpo enorme.
— É claro que devemos — disse sem olhar para ninguém.
— Posso dar uma olhada — sugeriu Kasom.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Vamos no carro voador. Dentro dele praticamente somos imunes a qualquer
ataque. Os outros ficam aqui. Temos de esperar por Berger e Fuxer.
Berger e Fuxer tinham feito uma expedição nos arredores. Queriam verificar se
alguém tinha andado pelo fundo do mar depois da evaporação das águas do oceano.
Rhodan sabia que era apenas um pretexto, mas fez-lhes o favor de aceitar a sugestão.
Estavam com mais dois cientistas e fazia mais de uma hora que tinham saído.
— Os quatro encontrarão o caminho de volta — disse Kasom. — Não podemos
abandonar Gucky. Ele ficou de entrar em contato conosco dentro de duas horas. Já faz
mais de duas horas que saiu.
— É verdade — disse Rhodan e olhou para o relógio.
— Já faz mais de duas horas. Kasom e Tolot irão comigo. Além disso...
O alto-falante do carro voador emitiu um forte estalo. A voz de Berger se fez ouvir.
Soava rouca e um pouco nervosa.
— Mutantes! Eles nos viram e nos perseguem... Vocês nos ouvem?
— Rhodan falando. O que houve?
— Mutantes; uma horda deles — Berger fungava fortemente, dando a impressão de
que era obrigado a correr.
— Temos de correr que nem uns loucos, senão seremos alcançados. Será que
devemos liquidá-los?
— Nem pensar. Ainda estão muito longe do carro voador?
— Já podemos vê-lo. Abra a eclusa, para que possamos entrar depressa. Os
mutantes, cerca de quarenta, estão a menos de trezentos metros. Possuem armas
energéticas.
— Andem depressa! Vamos esperar.
Rhodan olhou para Kasom.
— Acha que devemos modificar nossos planos? — perguntou o gigante.
— Naturalmente. Vamos recolher Berger e seus companheiros e damos o fora.
Vamos à montanha. Os mutantes levarão três ou quatro horas para chegar lá, porque o
terreno é muito acidentado. Ainda bem que não possuem veículos.
Berger, Fuxer e mais dois cientistas apareceram ao oeste, desceram correndo uma
colina suave e chegaram ao carro voador. Entraram pela eclusa inferior e deixaram-se
cair ao chão, exaustos. A escotilha foi fechada e o veículo subiu lentamente.
Eram mesmo quarenta mutantes. Ficaram parados e olharam para o carro voador
que lhes arrancara a presa que já parecia segura. Mostravam uma raiva impotente.
— Pobres diabos — disse Rhodan com a voz amargurada. — Alguém os deve ter
maltratado bastante, ou pelo menos seus antepassados. Só podem odiar-nos. Têm de odiar
qualquer ser que seja normal. Prefiro fugir a matá-los, embora para eles isso talvez
pudesse ser uma bênção. Mas quem pode julgar isso?
Um tema velho, uma pergunta antiqüíssima, que ainda continuava sem resposta.
O carro voador seguiu em direção à montanha.
***
Gucky esquecera o tempo. E uma ligação ligeira pelo telecomunicador teria sido
suficiente para esclarecer a situação e tomar decisões.
Seguiu os cinco laurins com os olhos.
Não adiantaria aparecer diante deles e tentar capturar um. O mesmo se tornaria
invisível e desapareceria. Era difícil segurar um inimigo invisível. Sem dúvida poderia
teleportar com ele para cima da montanha, mas o laurin não agüentaria mais de uma hora;
as radiações o matariam. Só se o levasse para dentro do carro voador...
Os laurins pararam. Parecia que estavam conversando. Tinham chegado ao lugar em
que Gucky tinha saído do corredor e entrado na rua. Por isso podia-se perfeitamente
supor que o robô tinha dado informações muito precisas a seus donos. Os laurins sabiam
mais ou menos onde estava o ser que procuravam.
Gucky saiu do esconderijo e foi chegando mais perto, aproveitando qualquer
esconderijo, por menor que fosse. Captava e compreendia cada vez melhor os impulsos
mentais dos laurins. Finalmente conseguiu estabelecer contato, se bem que no início o
mesmo só funcionou num sentido.
— Saiu do centro de climatização — disse um dos laurins.
— É possível que tenha fugido novamente para lá.
— Não é provável. Ainda deve estar na cidade. Será que é um mutante?
— As informações fornecidas pelo robô não são muito precisas. O forasteiro era
pequeno e usava traje protetor. Os mutantes não precisam de proteção para sobreviver no
mundo envenenado. Não são afetados pelo hálito da morte. Não podem sobreviver sem
ele. Portanto, o intruso não é um mutante.
— Acha que é um forasteiro?
Gucky chegara tão perto que os via perfeitamente. Estavam parados junto à entrada
do corredor, segurando descuidadamente as armas.
— Se ainda possuíssemos o mesmo dom de antigamente, nós o encontraríamos bem
depressa — disse um dos laurins. — Mas do jeito que estão as coisas ele nos vê e pode
fugir em tempo. Malditos senhores...
Gucky era todo ouvidos. Mal se atrevia a respirar.
O dom de antigamente... fora perdido?
Só podia ser a faculdade de tomar-se invisível. O flexo-órgão! Não funcionava
mais. Talvez tivesse sido por causa das radiações, talvez por causa de outra coisa.
E Destroy tinha sido destruído pelos senhores da galáxia.
Começou a clarear.
Gucky concentrou-se. Finalmente poderia capturar um prisioneiro e este não lhe
escaparia mais. Se os laurins não podiam tornar-se invisíveis, não teriam como fugir.
Esperou mais um pouco para ouvir o que diziam os laurins. Ficou sabendo que mais
de quinhentos mil laurins viviam no interior da montanha. Talvez seria mais apropriado
dizer que vegetavam. Era noite. O intruso não seria morto. Deviam prendê-lo, mas não
por motivos humanitários. Queriam saber quem era ele. Se bem que ninguém tinha
dúvida de que fora enviado pelos senhores da galáxia. Mais tarde seria morto.
“Vou estragar-lhes a festa”, pensou Gucky, furioso. “O ódio que sentem pelos
senhores da galáxia não tem limites. Talvez odeiem tudo que não é como eles. Essa
atitude não chega a ser uma novidade.”
Os cinco laurins resolveram entrar no corredor. Tinham certeza de que encontrariam
o intruso por lá, ou então no centro de climatização.
Gucky seguiu-os de perto, depois de esconder-se de outro veículo de patrulhamento.
Tinha certeza de que a cidade subterrânea tinha muitas ruas e que havia milhares de
laurins tentando capturá-lo.
No corredor estava mais escuro que na rua. Gucky chegou bem perto dos cinco
laurins. Já podia tocá-los com as mãos. Não desconfiavam de nada, pois não acreditavam
que o intruso estivesse lá. Acreditavam que teriam de andar depressa para pegá-lo.
Gucky sorriu. Deu um salto ligeiro que o colocou à frente dos laurins, barrando-lhes
o caminho. Ficou no meio do corredor e levantou as mãos.
— Meus cumprimentos, suas varas de pescar — disse em intercosmo. — Quem de
vocês quer vir comigo?
Era uma atitude extremamente leviana. De qualquer maneira, a pergunta seria inútil,
mesmo que os laurins entendessem a língua galáctica. Nenhum deles estaria disposto a
acompanhá-lo espontaneamente. Foi a predileção de Gucky pelas apresentações
dramáticas e pomposas que o levou a agir assim. Felizmente suas reações incrivelmente
rápidas salvaram-no mais uma vez da morte.
Os laurins não perderam tempo. Levantaram as armas.
Esqueceram que queriam o intruso vivo. Só havia um pensamento em suas cabeças.
Não havia lugar para outro.
Queriam matar!
A reação de Gucky foi instantânea.
Deu um salto e abraçou o tronco de um dos laurins. Com isso conseguiu duas coisas
ao mesmo tempo. Evitou que o laurin que estava abraçando e os outros pudessem usar
suas armas. Além disso estabeleceu o contato físico necessário à teleportação.
Dali a dois segundos desmaterializou juntamente com o prisioneiro.
Concentrou-se instintivamente no lugar em que estivera o carro voador no momento
em que falara pela última vez com Rhodan e os outros companheiros.
Materializou nesse lugar e com um movimento rápido tirou a pistola do laurin, mas
teve de constatar que se esquecera de verificar o tempo. Deveria ter entrado em contato
com o carro voador.
O veículo tinha desaparecido.
Estava só com seu prisioneiro, no fundo do oceano que secara.
***
O carro voador continuou a subir e chegou ao topo da montanha. Da última vez que
chamara Gucky se encontrava ao pé da ilha, mas isso não significava que ainda estava lá.
Era bem mais provável que estivesse no interior da montanha, tentando resolver o
problema à sua maneira.
— Vamos pousar — decidiu Rhodan. — Depois tentaremos entrar em contato com
Gucky. Talvez Sengu consiga ver alguma coisa.
O topo da montanha era plano e não havia vegetação. A rocha nua aflorava à
superfície, e em alguns lugares o chão parecia ter sido lavado. Mas não havia água.
Bem ao longe, na planície, os mutantes já tinham chegado ao lugar em que estivera
o carro voador. Espalharam-se, mas voltaram a reunir-se e saíram novamente em
perseguição ao veículo. Seguiram na direção da montanha.
O carro voador pousou. O sargento Jones desligou os propulsores.
Rhodan sabia que os mutantes levariam algumas horas para chegar ao lugar em que
se encontravam. Mesmo então não estariam em perigo, pois Rhodan teve a impressão de
que os mutantes não teriam como subir na montanha.
Aumentou o volume do telecomunicador e chamou Gucky.
O rato-castor não respondeu.
— Deve ter acontecido alguma coisa — disse Kasom.
— Esse baixinho não pode ter esquecido que deveria ter chamado dentro de duas
horas.
— Com ele não se pode duvidar de nada — disse Rhodan, o que até certo ponto não
deixava de ser verdade.
— Na euforia do combate...
— Há alguma coisa por ali — exclamou Berger, apontando para fora do veículo
blindado. — Atrás dessa rocha.
— O que é?
— Não sei. Vi um movimento. Foi lento, dando a impressão de que quem o fez
estava meio indeciso, mas sempre foi um movimento.
Olharam na direção indicada. Sengu olhou através da rocha e disse:
— Se a combinação molecular estiver certa, deve ser um robô. De qualquer
maneira, é uma coisa metálica. E a coisa está armada. Cuidado!
— Um robô? — Rhodan olhou fixamente para a rocha, que sua vista infelizmente
não podia varar. — Como é que um robô pode ter parado aqui? Os nativos moram
embaixo da superfície. Para que lhes poderia servir um robô aqui em cima? Isto se eles
possuem robôs...
— Talvez Gucky saiba a resposta — disse Fuxer. — Será que não?
— Quem sabe? — Rhodan olhou para Tolot. — Acho que seria uma tarefa para o
senhor...!
Tolot acenou com a cabeça. Sentia-se grato por ter um trabalho, mesmo que este
consistisse apenas em capturar um robô desconhecido. Examinou seu intercomunicador e
saiu andando cautelosamente na direção da escotilha inferior. Jones fez o carro voador
subir dois metros, para facilitar a saída.
O halutense fizera uma alteração em sua estrutura molecular, o que lhe permitia
suportar por algumas horas a ausência de uma atmosfera e as radiações mortais, mesmo
sem traje protetor.
Saiu pela escotilha e fez um sinal para Jones. O veículo blindado voltou a pousar. A
escotilha da eclusa ficou aberta.
Tolot saiu caminhando resolutamente em direção à rocha atrás da qual se
encontrava o robô.
— Ele sabe que o senhor está indo para lá — disse Sengu pelo intercomunicador. —
Destravou sua arma.
— Que bicho traiçoeiro — esbravejou Tolot, perplexo. — Um robô não costuma
fazer isso. Mostram suas verdadeiras intenções, em conformidade com seu pensamento
lógico. Vamos agarrá-lo...
Ligou o campo defensivo e contornou a rocha. Um feixe branco ofuscante saiu do
esconderijo e foi refletido pelo campo defensivo de Tolot. Mal e mal conseguiu ver o
pequeno robô atrás da torrente de luz. O mesmo não tinha mais de um metro de altura.
Em comparação com Tolot era um anão.
O robô levou uns dez segundos para esvaziar seu magazin energético. Começou
com toda calma a recarregar a arma. Era o que Tolot esperava. Deu um salto e ao mesmo
tempo desligou seu campo defensivo. Agarrou firmemente o robô, tirou-lhe a arma e
enfiou-o embaixo do braço.
— Consegui pegá-lo — informou. — Quer que o leve para dentro do carro?
— Isso não adiantaria muito — respondeu Rhodan. — Solte-o. Talvez ele nos leve
à entrada que dá para o interior da montanha. O importante é que não tenha mais arma.
Tolot hesitou. Não concordava muito com a decisão de Rhodan, mas teve de
reconhecer que no carro já era muito apertado. Além disso o robô já não poderia fazer
nenhum estrago.
Colocou-o no chão.
O cubo apoiado sobre três pernas virou-se e saiu arrastando os pés, como se nada
tivesse acontecido. Parecia ter esquecido o incidente.
Enquanto Tolot o seguia com os olhos, estupefato, o sinal de chamada do
telecomunicador soou e uma voz bem conhecida se fez ouvir. Superou os outros ruídos.
— Onde vocês se meteram? Será que não se pode confiar mais em ninguém? Fico
lutando com os laurins, e vocês...
— Gucky! — a voz de Rhodan exprimia um grande alívio. — Fomos atacados pelos
mutantes. Estamos no alto da montanha. E você?
— Estou tomando um banho no fundo do mar. Esperem por mim. Logo estarei aí.
Só nesse instante Rhodan parecia compreender o sentido da observação de Gucky.
— O que foi que você disse...? Laurins?
— Isso mesmo. Quase me esqueci de mencioná-los. Trago um prisioneiro. Não é
um mutante. Trata-se de um habitante primitivo deste mundo, que ainda não foi
contaminado pelas radiações. Um laurin.
Todos ficaram em silêncio. Gucky pigarreou.
— Perderam a língua? Bem que eu imaginava que seria uma surpresa para vocês.
Isto mesmo. Trago comigo um belo laurin, muito magro, que não pode tornar-se
invisível. Ele nos contará a história do planeta Destroy e de seus habitantes.
6
O carro estava parado no topo da montanha, numa área plana em que havia poucos
esconderijos. Rhodan tinha certeza de que nesse lugar não os pegariam de surpresa.
Adiara mais uma vez a transmissão do pedido de socorro para Arctis. Tinham ar para
mais algum tempo...
O laurin estava sentado numa das poltronas de controle, que fora girada na direção
da cabine. Parecia calmo e apático. Havia uma pequena tradutora sobre uma mesa. O
aparelho permitiria que se compreendesse a língua do estranho, e este por sua vez
entenderia o intercosmo. Gucky controlaria as palavras do prisioneiro, verificando se as
mesmas correspondiam à verdade. Investigava os pensamentos do laurin e detectaria
imediatamente qualquer mentira que o mesmo dissesse.
Apesar de tudo demorou quase uma hora até que conseguissem convencer o laurin
de que seu silêncio só poderia prejudicar sua raça. Os terranos ficaram espantados ao
descobrir que ele acreditava que eram os senhores da galáxia. Tiveram de argumentar
bastante para convencê-lo do contrário. Só depois disso abandonou o mutismo, e Rhodan
e seus amigos ouviram um relato vivo do destino de uma raça que servira a senhores que
nunca tinha visto de frente. Era o destino de uma raça perdida.
***
— O que lhes posso contar não passa de tradições, lendas e histórias transmitidas de
geração a geração. É possível que o conteúdo tenha mudado no correr do tempo, mas o
núcleo das histórias certamente se conservou. Não devemos esquecer que faz somente
trezentos anos que nossa civilização foi destruída.
“Sei que os senhores acham que os senhores da galáxia são responsáveis por isso, e
acho que têm razão. Foram eles que, levados por certos acontecimentos, resolveram
exterminar-nos. Mas não o fizeram pessoalmente.
“Naquela época já éramos um povo auxiliar dos seres que se consideravam senhores
da nebulosa de Andrômeda. Não existem registros de como são eles, pois fazem seus
contatos com outras raças exclusivamente através de embaixadores pertencentes a seus
povos auxiliares. Dessa forma os laurins foram escolhidos, por causa de uma faculdade
biológica sem igual, a servir de embaixadores da nebulosa de Andrômeda numa galáxia
estranha. Sabem a que faculdade estou me referindo — se bem que a mesma não existe
mais.
“O flexo-órgão nos permitia provocar uma flexão dos campos luminosos que nos
tomava invisíveis. Atravessamos o abismo e entramos na Via Láctea, onde nos
encontramos com os terranos e seus aliados. No início o fator surpresa fez com que
conseguíssemos alguns resultados positivos. Quase chegamos a executar a missão que
nos tinha sido confiada pelos senhores. Mas os terranos criaram uma nova arma.
Conseguiram tornar-nos visíveis. Perdemos a camuflagem. Fomos derrotados e expulsos
da Via Láctea.
“Até aqui a história já é conhecida dos senhores. Mas vejamos o que houve depois.
“Os senhores da galáxia viram frustradas suas esperanças. Não tínhamos
conseguido destruir o plasma central dos pos-bis, guardado no mundo dos cem sóis. Pelo
contrário. Retomamos à nebulosa de Andrômeda derrotados. Neste ponto os registros que
puderam ser salvos são muito precisos. Revelam a decepção terrível dos senhores e até
falam em sinais de medo apresentados pelos mesmos quando ouviram falar nos terranos.
Não sabemos qual é a causa desse medo. O fato é que nossos antepassados foram
ameaçados de sofrer o pior dos castigos.
“Na mesma época nossos historiadores encontraram um relatório que alude a uma
expedição realizada há mais de vinte milênios. Na mesma usou-se um pequeno planeta
oco transformado em espaçonave. Um grande grupo de laurins viajou no mesmo,
tentando chegar à Via Láctea. Não estavam sós. Levaram tropas auxiliares formadas por
seres cujas características não eram menos extraordinárias que as nossas. Alimentavam-
se de energia pura e eram insaciáveis enquanto não fossem isolados. Soltos na Via
Láctea, estes seres investiriam contra qualquer espécie de energia para absorver a mesma,
quer a mesma proviesse de um sol, de um ser orgânico ou de uma máquina. Os sóis se
extinguiriam, as raças morreriam, as máquinas seriam paralisadas.”
O laurin fez uma pausa. Parecia que esperava uma reação às suas palavras.
— Os seres a que o senhor se refere são os luxides — disse Rhodan. — Foi o nome
que lhes demos. Encontramos o planetóide no espaço, num ponto não muito distante da
nossa galáxia. Os laurins que havia no interior do mesmo estavam mortos, mas os luxides
continuavam vivos. Conseguimos destruí-los. Quer dizer que, pelo que dizem os relatos
históricos, só foi realizada uma tentativa de conquistar ilhas cósmicas com o auxílio dos
luxides?
O laurin levou bastante tempo para recuperar-se da surpresa.
— Pelo que sabemos, só houve uma tentativa. Nunca mais ouvimos falar na
expedição dos luxides. Já sei o que aconteceu com eles.
— Continue — pediu Rhodan. — Por que os senhores da galáxia resolveram
exterminar a raça dos laurins...? E o que houve depois?
— Depois que nossa missão fracassou, voltamos à nebulosa de Andrômeda. A
recepção não foi muito amistosa. Houve a operação de transferência. Fomos expulsos de
nosso planeta. Mas isso já faz mais tempo. Depois do fracasso da missão os
remanescentes de nossa raça foram expulsos de forma violenta e obrigados a viver no
mundo do sol vermelho.
“Mais tarde ficamos sabendo o que os senhores queriam conseguir com isso.
“Enviaram a morte atrás de nós.
“Foi uma operação de extermínio que não se encontra igual. Os senhores
executaram a mesma usando a raça que vocês chamam de maahks. É bem verdade que
isso só aconteceu depois que fizemos mais uma tentativa de chegar à galáxia através da
ponte de transmissores. Queríamos fugir, mas a tentativa não foi bem-sucedida.
“Um dia o comando especial dos maahks apareceu em nosso sistema e atacou sem
aviso. É bem verdade que até certo ponto estávamos preparados. Nossos técnicos tinham
criado cidades subterrâneas às quais pudemos recolher-nos.
Mas o tempo fora escasso. Só uma parte pequena da população de nosso mundo
conseguiu colocar-se em segurança. Os maahks usaram bombas cujos raios mortíferos
permanecem ativos por muitos séculos. Qualquer pessoa que se encontrasse à superfície
morreria mais tarde, caso sobrevivesse ao ataque. Já aqueles que se tinham retirado para
as galerias que ligavam as cidades-abrigo à superfície sobreviveram, mas sofreram um
processo de mutação no curso das gerações seguintes. São nossos inimigos encarniçados,
pois naturalmente foram levados a acreditar que nossos antepassados agiram por motivos
egoísticos.
“É claro que os senhores da galáxia ficaram sabendo que havia sobreviventes.
Deram ordem para que os maahks instalassem postos de vigilância automáticos. Depois
disso qualquer espaçonave que pousar em nosso mundo é atacada por pequenas naves
robotizadas. É bem verdade que os seres vivos não são mortos. Isto também tem um
motivo que encontra sua explicação num passado remoto.
“A tarefa das naves robotizadas consistia exclusivamente em inutilizar o flexo-
órgão dos laurins. Para nós os efeitos dos raios emitidos pelas mesmas eram desastrosos.
Já não podíamos tomar-nos invisíveis. E a falha foi transmitida aos descendentes.
“Muitas vezes nos perguntamos por que os senhores não enviaram outra expedição
para acabar de vez conosco. A resposta é simples. Os senhores devem ser extremamente
cruéis. Mesmo depois de trezentos anos, ainda não se contentam com a vingança que
praticaram. Continuam a deleitar-se com nossa agonia. Realmente, nossa existência não
passa disso. Não podemos subir à superfície, porque seremos mortos pelos mutantes. E
embaixo da superfície somos consumidos pela doença. Um dia os laurins deixarão de
existir.”
Houve um silêncio prolongado e deprimente.
— Os luxides — disse Rhodan finalmente. — Onde vive esta raça?
O laurin pôs-se a refletir e respondeu, falando devagar.
— Ninguém pode dizer exatamente. Conforme já disse, os relatórios da expedição
se perderam. Acreditávamos que fosse uma lenda. O senhor veio confirmar que realmente
aconteceu. A lenda afirma que os seres luminosos fechados no interior do planeta oco
foram os últimos de sua espécie. Vocês os destruíram. Portanto, os luxides não existem
mais.
Rhodan recostou-se e respirou aliviado. O perigo dos planetas ocos, deslocando-se
em direção à Via Láctea cheios de luxides famintos, tinha desaparecido para sempre.
O perigo dos laurins também não existia mais. Os senhores da galáxia tinham
cometido um erro grave. Enfraqueceram-se a si mesmos. Privaram-se dos seus melhores
e mais perigosos aliados. Por quanto tempo ainda poderiam contar com os maahks, cujo
representante mais inteligente, Grek-1, se tomara amigo dos terranos?
Rhodan também ficara sabendo por que as radiações despejadas pelos robôs
atacantes depois de seu pouso em Destroy pareciam ser inofensivas. Sua finalidade
consistia exclusivamente em destruir os flexo-órgãos dos laurins. Como os defletores dos
trajes defensivos funcionavam com base num princípio semelhante, também tinham sido
inutilizados. Era uma explicação bem simples.
— Os senhores me matarão? — perguntou o laurin.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Quem lhe deu essa idéia? O senhor não nos fez nada, nem é responsável pelo que
aconteceu há trezentos anos em nossa galáxia. Até sentimos pena do senhor. Gostaríamos
de ajudar. Se não nos encontrássemos numa situação difícil, isto poderia ser feito logo. O
senhor terá de aceitar nossa promessa de que um dia voltaremos. Levá-los-emos a outro
mundo, que seja sadio. Tenho certeza de que lá sua raça sobreviverá — na superfície, sob
um sol azul e à luz de um sol que produz calor.
— Os senhores fariam isso por nós?
— Naturalmente. Mas antes de mais nada precisamos encontrar os senhores da
galáxia. Talvez se possa conversar com eles. Do contrário teremos de obrigá-los a
reconhecer que os membros de outras raças são seres independentes, que não podem ser
usados como escravos e destruídos quando isso lhes dá na cabeça. O senhor tem razão.
Deve ser uma raça muito cruel. Estou curioso para encontrar-me com eles um dia.
O sargento Jones, que se encontrava junto aos controles, disse:
— Os mutantes, senhor. Não os vejo mais. Devem estar ao pé da montanha. Se
tentarem entrar, haverá uma terrível carnificina.
Rhodan passou a dirigir-se ao laurin.
— Os mutantes já tentaram invadir sua cidade-abrigo? Acha que seriam capazes
disso?
— Infelizmente. Mas até hoje sempre conseguimos expulsá-los. Um dia nos
excederão em número e conseguirão armas mais eficientes. Ninguém sabe quando isso
acontecerá.
— Já nos encontramos com eles. Não parecem muito inteligentes. São dominados
por um ódio terrível. Será que esse ódio também se dirige contra os senhores, que afinal
são laurins que continuam normais?
— Dirige-se principalmente contra nós. A paz só voltará a reinar neste planeta
quando eles ou nós tivermos desaparecido.
Rhodan acenou lentamente com a cabeça. O destino dos laurins transformara-se
numa tragédia. Já tinham sido uma raça orgulhosa e inteligente, mas agora estavam
condenados a desaparecer. Os comandos de robôs não destruíam os sobreviventes, mas
prosseguiam nos ataques contra os flexo-órgãos, que já se tinham tornado supérfluos. Era
possível que os senhores da galáxia já os tivessem esquecido.
Rhodan nem desconfiava de que se deixara levar a uma conclusão precipitada. A
teoria dos laurins era verdadeira.
— Vamos libertá-lo — disse, dirigindo-se ao prisioneiro.
— Previna seus amigos contra o ataque dos mutantes. Em parte a culpa é nossa,
pois nós os atraímos para cá sem que o soubéssemos.
O laurin continuou sentado.
— Quer dizer que os senhores são os terranos que deveríamos ter atacado há
trezentos anos? Conseguiram atravessar o abismo? — Calou-se por um instante e
acrescentou:
— Acho que os senhores da galáxia finalmente encontraram um inimigo capaz de
enfrentá-los. É uma pena que nossos antepassados não soubessem disso.
— Infelizmente não sabiam — disse Rhodan. — Meu amiguinho o levará de volta à
cidade. Quer que os ajudemos caso os mutantes tentem invadir a cidade?
O laurin levantou-se.
— Não vou enganá-los. Acho que não adiantará tentarem ajudar-nos. Mesmo que
me libertem, nunca conseguirei convencer meu povo de que deve confiar nos senhores.
Os laurins lutam contra todos. Sempre agiram assim. Saiam de nosso mundo. É o único
conselho que lhes posso dar. Já conhecem nosso destino. Por que não se dão por
satisfeitos com isso? Sabem que nunca mais representaremos um perigo para os senhores.
Isto não basta? Não têm motivo para sentir-se gratos para conosco. Por que querem
ajudar-nos?
— Os senhores são os últimos sobreviventes de uma raça inteligente — disse
Rhodan em tom calmo. — O que aconteceu há trezentos anos não tem mais nenhuma
importância. Se quiséssemos condenar e vingar qualquer ato através das gerações, as
palavras paz e liberdade já teriam deixado de existir no Universo. Cada um teria alguma
coisa a vingar, e a vingança é uma coisa temível. Nós também teríamos. E os senhores.
— Obrigado — disse o laurin. — Assim mesmo peço-lhes que não se preocupem
com nossos problemas. Nosso desaparecimento já se tomou inevitável. A única coisa que
podemos fazer é retardá-lo. Um dia os mutantes nos derrotarão, ou os senhores da galáxia
enviarão um comando de extermínio. Isso acontecerá quando eles descobrirem que
entramos em contato com os senhores. É isso que o senhor deseja?
Rhodan respondeu que não.
Gucky aproximou-se e segurou a mão do laurin.
— Leve-o de volta ao lugar em que o encontrou — disse Rhodan.
— Direi a meus amigos o que aconteceu — prometeu o laurin. — Mas não se
admirem se forem atacados. Não será por ódio ou porque sejamos tolos, mas por causa da
vida que levamos. Desde que vivemos lá embaixo, não sabemos o que é ter amigos. Só
temos inimigos. Tente compreender, e retire-se de nosso mundo.
— Sairemos assim que pudermos — prometeu Rhodan.
Gucky e o laurin desmaterializaram.
***
Enquanto isso Tolot estava fazendo mais um passeio.
Contornou em alta velocidade a montanha, cujo platô não era muito grande. Não
encontrou mais nenhum robô, mas descobriu outra coisa que não era menos preocupante.
Quando voltou para junto do carro voador, Gucky ainda não tinha chegado.
— Parece que ele acha que sempre tem muito tempo — disse Kasom.
— Tomara que não demore demais — disse Tolot e sentou. — Dentro de meia hora
os mutantes estarão aqui. Os laurins talvez também. Descobri uma subida. Os mutantes
devem conhecê-la. Além disso descobri cinco acessos para a cidade subterrânea.
— Onde está Gucky? — perguntou Wuriu Sengu, que olhava fixamente para o
chão, tentando enxergar o que havia na cidade subterrânea. — Não vejo nada. Ruas
vazias, gigantescas salas de máquinas, algumas patrulhas e enormes blocos residenciais.
Nem sinal de Gucky.
— Deve ter-se metido novamente em aventuras — conjeturou Rhodan e chamou
Gucky pelo rádio, mas não obteve resposta. — Desta vez receberá uma bronca se não
vier logo.
Kasom sorriu, mas ficou quieto.
De repente o Major Peanut, que estava sentado à frente das telas, exclamou:
— Os mutantes! Vieram mesmo. Se formos a um lugar mais seguro, Gucky poderá
saltar para dentro de uma armadilha. De qualquer maneira voltará para cá.
Uma horda dos terríveis monstros veio correndo na direção do carro voador,
atravessando a planície rochosa. Desta vez não carregavam somente barras de metal e
outras armas primitivas; possuíam armas energéticas de verdade. Os primeiros feixes
luminosos passaram chiando por cima do carro voador.
O sargento Jones apontou as armas de bordo para os atacantes. Olhou para Rhodan,
mantendo o dedo encostado ao botão de disparo.
Rhodan sacudiu a cabeça.
Chamou Gucky, mas não houve resposta.
Jones ligou o campo defensivo do veículo. Era capaz de resistir aos tiros energéticos
isolados, mas se os mutantes tivessem a idéia de abrir fogo concentrado, o mesmo
poderia ser rompido.
Os mutantes pararam de repente e suspenderam o ataque. Logo se viu o motivo de
uma atitude tão surpreendente. Os laurins saíram de uma rocha que ficava à esquerda dos
mutantes. Não perderam tempo. Abriram um fogo energético fulminante contra os
monstros, que estavam desprotegidos na planície.
Houve uma luta selvagem. Ninguém interessou-se pelo carro voador e seus
ocupantes. Rhodan não poderia interferir na luta sem causar perdas graves a uma ou outra
das partes. Só lhe restava esperar.
Neste instante Gucky rematerializou.
Kasom surpreendeu-se ao ver que não estava levando a esperada bronca. Rhodan
recebeu-o com um enorme alívio.
— Por onde andou?
— Os laurins deram o alarme — explicou Gucky. — Tive de levar o prisioneiro a
um lugar em que estivesse em segurança, pois o mesmo não tinha como explicar às
patrulhas seu súbito desaparecimento e reaparecimento. Li o medo em seus pensamentos.
Por isso saltei varias vezes, até que o medo diminuiu e ele começou a sentir-se mais
seguro. Isso levou algum tempo — olhou pelo pára-brisa do veículo blindado. — O que
está havendo por aqui?
— Você está vendo — respondeu Rhodan e fez um sinal para Jones. — Vamos
decolar. As divergências entre os laurins e os mutantes não são da nossa conta.
Assim que o carro voador se ergueu do solo, os mutantes e laurins pareciam
esquecer a luta em que estavam empenhados. Até parecia que alguém dera ordem para
que apontassem suas armas para o veículo blindado e abrissem fogo. Felizmente para
Rhodan e seus companheiros, os tiros foram disparados sem muita precisão.
O campo defensivo resistiu.
O platô foi ficando para trás enquanto o carro voador subia na vertical e seguia na
direção da cidade em ruínas. Nesse instante aconteceu uma coisa em que Rhodan nem
pensava.
Ao ganhar altura, o carro voador ultrapassou certo limite.
Era o limite de segurança, que fazia soar o alarme das naves robotizadas.
Um relê estalou em algum ponto do planeta.
Um conjunto de máquinas de trezentos anos de idade entrou em funcionamento
automaticamente.
7
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*