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1 Introdução
Certamente, qualquer intelectual que analisar a construção histórica da teoria
da evolução, há de concordar que existe um mundo antes e um depois de Charles
Robert Darwin. Enganosamente, no imaginário comum, as pessoas atribuem a
ele o crédito de ter descoberto a evolução, o que está longe de ser verdade.
Entretanto, o crédito de ter pensando em como a evolução de fato ocorre, é
fenomenal. Perceber que o motor da evolução das espécies funciona através
de um mecanismo demasiadamente simples, chamado seleção natural, foi o seu
diferencial, além é claro, das suas outras quatro teorias - [I] ancestralidade co-
mum; [II] as espécies se multiplicam; [III] a evolução é lenta e gradual; [IV] as
espécies não são constantes - organizadas pelo célebre Ernst Mayr.
Darwin não tinha noção de genética e, quando as ideias de Gregor Mendel
surgiram, passaram-se alguns anos até que, emergencialmente, o estatı́stico e
geneticista Donald Fisher e os geneticistas Haldane e Wright fundaram o que
conhecerı́amos como a Teoria da Sı́ntese Moderna, a teoria da evolução com as
ideias de Darwin e Mendel unidas com um formalismo matemático e biológico
impecável. Tempos depois, o zoólogo Mayr, o botânico Stebbins, o geneticista
Dobzhansky e o paleontólogo Simpson também colaboraram com a teoria. Pode-
mos listar os pilares da sı́ntese como: [I] Mutação e recombinação; [II] Seleção
natural e deriva genética são o filtro da evolução; [III] Evolução é mudança na
frequência gênica; [IV] A evolução é lenta e gradual; [V] A quebra do fluxo
gênico leva a especiação; [VI] A especiação vela a radiação adaptativa; [VII]
Tempo suficiente geram grandes mudanças.
O corpo teórico e experimental da sı́ntese é formidável, agrupa os avanços da
genética com as ideias revolucionárias da evolução darwiniana. Todavia, as cinco
teorias de Darwin obviamente não foram completamente aceitas no começo. O
gradualismo, por exemplo, sofreu forte resistência por se contrapor ao salta-
cionismo, principalmente pelos paleontólogos que trabalham diretamente com
saltos no registro fóssil. Demorou mais de 80 anos para Darwin triunfar e passar
pelo seu eclipse, tanto que, na sı́ntese moderna, suas idéias persistiram como
pilares fortalecidos pela genética. Não obstante, sempre houve e sempre haverá
contrastes e aversões ao darwinismo.
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Formulei uma organização simples das formas de contrastes a teoria vigente:
[I] Os dissimulados, [II] Os alternativos, [III] E os expansionistas. Os dissimu-
lados são aqueles que negam a evolução e propõem aberrações, como o design
inteligente; os alternativos são aqueles que, dentro do rigor cientı́fico e biológico,
propõem teorias como o neolamarckismo, ortogênese e o saltacionismo, por ex-
emplo; já os expansionistas, não abdicam do darwinismo, defendendo seu corpo
teórico com adição de novos aspectos, como é feito na Sı́ntese Estendida.
Plasticidade fenotı́pica
Definida como a habilidade do organismo em produzir reações ao ambiente
(como uma mudança morfológica ou uma taxa de atividade), bem como, at-
ualmente, há um interesse na plasticidade como uma causa e não apenas como
uma consequência da evolução fenotı́pica. A plasticidade do desenvolvimento,
ou plasticidade fenotı́pica, é tradicionalmente entendida como caracterı́stica ge-
neticamente determinada em indivı́duos, que podem evoluir sob seleção natu-
ral ou deriva genética. Nessa perspectiva, a plasticidade seria uma condição
que promove, em ambientes variáveis, a evolução adaptativa em comparação
aos organismos com fenótipos não plásticos (CESCHIM, B.; BENETTI, T.;
CALDEIRA, A). Todavia, para a Sı́ntese Estendida, a descrição da plasticidade
como uma mera caracterı́stica genética é considerada insuficiente e reducionista,
uma vez que há no quadro teórico da Sı́ntese Estendida um interesse na pos-
sibilidade de evolução adaptativa e na introdução de novidade fenotı́pica por
meio da plasticidade (LALAND et al. 2015).
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Herança inclusiva
Para a Teoria Sintética, a herança é genética e, dessa forma, os genes constituem
o único sistema geral de herança, uma vez que caracteres adquiridos não são
herdados. Para a Sı́ntese Estendida, formas de herança extragenéticas são con-
sideradas. A herança extragenética é definida como mecanismos de variação
hereditária que não são provenientes de variantes dos ácidos nucleicos parentais
(GILBERT, BOSCH e LEDON-RETTIG, 2015). Pode-se dizer que a Sı́ntese
Estendida abrange uma “herança inclusiva”. Trata-se de uma herança que se
estende para além de genes, uma vez que integra, por exemplo, herança epi-
genética (transgeracional), herança ecológica, herança social (comportamental)
e herança cultural. Na perspectiva da herança inclusiva, os caracteres adquiri-
dos também desempenham papéis evolutivos por contribuir com a origem de
variantes fenotı́picas (CESCHIM, B.; BENETTI, T.; CALDEIRA, A).
Construção de nicho
Todos os organismos vivos influenciam o próprio ambiente, no que diz respeito
tanto a fatores bióticos quanto abióticos. Na teoria de construção do nicho, tais
influências são entendidas como modificações ambientais realizadas por organ-
ismos que engendram alterações de pressões de seleção de modo a influenciar
a trajetória evolutiva de populações de seres vivos (MATTHEWS et al., 2014).
Tradicionalmente entendida como um fenótipo estendido, a teoria de construção
do nicho no contexto da Sı́ntese Estendida passa não a negar a importância do
fenótipo estendido, mas a ampliar o entendimento do processo construtivo do
nicho por defender que o organismo influencia a própria evolução, principal-
mente por contribuir com a criação das condições da seleção. Segundo Kevin N.
Laland, Blake Matthews e Marcus W. Feldman (2016), a construção do nicho
não é simplesmente uma fonte de mudança ambiental, mas é um dirigente da
seleção uma vez que pode produzir novos resultados evolutivos. Os autores ex-
emplificam a afirmação com o exemplo da construção de um ninho por uma ave
parental: o organismo cria condições de seleção para o ninho que passa a ser
defendido, conservado e cuidado (CESCHIM, B.; BENETTI, T.; CALDEIRA,
A) .
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Figure 1: Paradigma na biologia
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apenas traços sob condições genéticas ou ambientais especı́ficas). Outros ainda
enfatizaram a importância da extinção, ou adaptação às mudanças climáticas,
ou a evolução do comportamento (GREGORY A.; HOPI, H. 2014). Além disso,
os fenômenos que interessam a Laland e colegas são apenas quatro entre muitos
que oferecem a promessa de futuros avanços na biologia evolutiva.
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Se analisarmos pelo menos diante do tchadensis, passando pelos Ardipithecus,
Australopithecus, Homo, e considerando que existiram mais de 20 espécies de
seres humanos, e pelo menos 4 delas coexistiram e coevoluiram juntas, pode ser
considerado uma radiação adaptativa [VI]. A tı́tulo de curiosidade, o curioso
caso do hı́brido de um pai Denisovano e uma mãe Neandertal (WARREN, M.
2018), que ilustram bem que tempo suficiente gera grandes mudanças [VII], para
homininios como o H. afarensis, que tinha uma bipedia facultativa, comporta-
mento de macaco não-humano, para os humanos arcaicos que descendem do H.
heidelbergensis, que dominaram tecnologias avançadas de ferramenta modo III,
IV e V, o fogo e todo o processo de encefalização e evolução do cérebro, da arte
e, claro, a linguagem articulada. Portanto, a sı́ntese moderna não está falhando,
ainda.
5 Conclusão
A quebra de paradigma nas ciências fı́sicas, quando a mecânica clássica passou
a apresentar problemas que, somente com a mecânica quântica foi-se possivel,
de fato precisou de uma teoria nova e revolucionária. Obviamente, por dois
motivos não posso usar este argumento. Primeiro, as ciências biológicas operam
de forma diferente, embora usem o mesmo método cientı́fico; segundo, a sı́ntese
moderna explica os fenômenos apontados por Laland, ela não está falhando. Se
ele deixou a biologia do desenvolvimento de fora, como alegam, não quer dizer
que ela está obsoleta.
Portanto, talvez a sı́ntese estendida que precisa ser repensada. Contudo, é de
extrema importância que debates como esses estejam acontecendo agora mesmo.
A sı́ntese evolutiva estendida está atualmente sendo testada por um grupo de
cientistas de oito instituições na Grã-Bretanha, Suécia e Estados Unidos. O
projeto de 7,7 milhões de libras é apoiado por uma doação de 5,7 milhões de
libras da Fundação John Templeton. O projeto é liderado por Kevin N. Laland,
na Universidade de St Andrews, e Tobias Uller, na Universidade de Lund.
Precisamos mesmo de uma nova Teoria Sintética? Acredito que no momento
não, porém depende. Depende, porque as hipóteses levantadas pelos defensores
da extensão, são razoáveis, e me falta muito arcabouço teórico para bater o
martelo de uma decisão tão importante. Viva a evolução!
Agradecimentos
Ao meu querido amigo e professor, Dr. Albert Ditchfield (Depto. Ciências
Biológicas - UFES), por me acolher com tanto entusiasmo nas disciplinas da
graduação em biologia de Genética Evolutiva, Evolução Humana e agora em
Macroevolução, na pós-graduação. Por possibilitar uma expansão exponencial
nos meus conhecimentos em evolução das espécies.
A minha querida amiga e companheira, Karine Martins (graduanda em Ciências
Farmacêuticas), pelo apoio e revisão ortográfica necessária.
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References
CARNEIRO, Guilherme. “O delı́rio da genialidade”, Evolutio Hominis, (2018).
ABDALLA, Maurı́cio. ”La crisis latente del darwinismo.” Asclepio 58.1 (2006):
43-94.
Ceschim, Beatriz, Thais Benetti de Oliveira, and Ana Maria de Andrade Caldeira.
”Teoria Sintética e Sı́ntese Estendida: uma discussão epistemológica sobre ar-
ticulações e afastamentos entre essas teoria.” Filosofia e História da Biologia
11.1 (2016): 1-29.
MATTHEWS, Blake; MEESTER, Luc de; JONES, Clive G.; IBELINGS, Bas
W.; BOUMA Tjeerd J.; NUUTINEN Visa; KOPPEL Johan Van de, ODLING-
SMEE, John. Under niche construction: an operational bridge between ecology,
evolution, and ecosystem science. Ecological Monographs, 84 (2): 245-263, 2014.
Laland, K., Uller, T., Feldman, M., Sterelny, K., Müller, G. B., Moczek, A.,
... Futuyma, D. J. (2014). Does evolutionary theory need a rethink?. Nature
News, 514(7521), 161.