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A PRESCIÊNCIA DE DEUS ANULA O LIVRE ARBÍTRIO

HUMANO?[1]

Por Jack Cottrell [2]


PERGUNTA: Me parece que a presciência não elimina o livre
arbítrio, porém, várias pessoas que eu conheço acreditam que sim. Eles
argumentam que, se Deus conhece o que vai acontecer amanhã, isso significa
que é um fato estabelecido, removendo quaisquer escolhas de livre vontade
que se pode fazer amanhã. O que você diz sobre isto?
RESPOSTA: Esta objeção à presciência Divina vem, nos dias atuais,
especialmente do recente movimento teológico conhecido como “teísmo
aberto.” Ele vem ganhando força desde a década de 80; alguns dos seus
maiores representantes são Richard Rice, Clark Pinnock, John Sanders e
Gregory Boyd. A discussão que segue, deste assunto, vem do meu recente
livro, God Most High: What the Bible Says About God – Deus Altíssimo: O que
a Bíblia Diz Sobre Deus. (2012), páginas 99-101.
Uma das objeções do teísmo aberto contra a presciência declara ser
impossível que eventos contingentes futuros, incluindo escolhas livres, sejam
pré-conhecidos simplesmente porque eles ainda não existem. O futuro não
aconteceu ainda; não existe nada no futuro para ser conhecido. A
impossibilidade do pré-conhecimento não é uma fraqueza para Deus; ela é,
simplesmente, exigida pela natureza das coisas.
Como respondemos a esta objeção? Primeiro, notamos que a Bíblia
ensina a presciência Divina. Não podemos rejeitá-la, simplesmente, porque não
a entendemos. Segundo, devemos relembrar a distinção qualitativa, entre o
infinito Criador, transcendente, e nós, suas criaturas finitas. Não podemos
limitar Deus às coisas que estão dentro do reino da possibilidade humana.
Deus, em Sua natureza infinita, certamente, pode fazer coisas que não
podemos e não entendemos. Imaginar como Deus pode conhecer o futuro
ainda-para-acontecer, é uma questão legítima; porém, provavelmente nunca
seremos capazes de respondê-la satisfatoriamente. Assim, devemos estar
contentes em deixar, o “como” do pré-conhecimento, no reino do mistério e
aceitar sua realidade, simplesmente, porque a Bíblia o ensina. É o cúmulo da
arrogância rejeitar uma realidade tão gloriosa só porque não podemos envolver
nossas mentes finitas, insignificantes, em torno dela. (Veja Cottrell “A Visão
Arminiana Clássica da Eleição” em Perspectivas sobre a Eleição: Cinco Visões,
114-115).
A principal objeção do teísmo aberto contra a presciência divina,
levantada também pelos calvinistas, é que tal pré-conhecimento dos atos
humanos futuros é incompatível com o livre arbítrio. Isto é, se Deus sabe de
antemão, desde antes da Criação, cada escolha que todo o mundo ainda fará,
então, todas as escolhas humanas são fixas ou certas e, portanto, não podem
ser livres. O pré-conhecimento, dessa forma, exclui o livre arbítrio em qualquer
sentido (libertário) verdadeiro. Um calvinista diz: o pré-conhecimento Infalível
de um evento pressupõe a necessidade desse evento e, portanto, impede a
sua real liberdade” (Donald Westblade, em Still Sovereign – Ainda Soberano
[Baker 2000, 71]. Teólogos do teísmo aberto dizem a mesma coisa: Se o pré-
conhecimento de Deus é infalível, então, o que Ele vê não pode deixar de
acontecer… E, se o futuro é inevitável, então, a experiência aparente da livre
escolha é uma ilusão” (Richard Rice, em The Grace of God, the Wil of Man – A
Graça de Deus, A Vontade do Homem [Zondervan, 1989], página 127).
Nós, aqui, negamos de forma categórica a validade desta afirmação
e declaramos que a presciência, de modo algum, nega a contingência ou a
liberdade das escolhas livres. A presciência não causa nem determina
quaisquer dos eventos pré-conhecidos, assim como o testemunho de um
observador de eventos atuais ? os quais estão se desenrolando diante dele ?
não tem qualquer influência causativa sobre estes eventos. Pelo contrário, são
os eventos que causam o conhecimento, tanto o conhecimento presente
quanto o conhecimento prévio.
Além do mais, uma vez que o evento ocorreu, ele torna-se um
evento passado e, portanto, torna-se “fixo” ou “certo” no sentido de que ele não
pode ser mudado. Porém, isto não significa que todas as escolhas livres
envolvidas nesse evento são, de alguma forma, roubadas de sua liberdade só
porque o evento assumiu a característica de certeza. Aqui está um exemplo.
Digamos que eu peço a você para assistir comigo um vídeo de um sermão que
eu já assisti antes. Então, eu digo em um determinado ponto do vídeo: “eu sei
exatamente o que o pregador vai dizer em seguida. Não há dúvida sobre isso.
Ele vai dizer isso e aquilo.” E, assim, no vídeo, as palavras são ditas conforme
eu predisse. Será que o meu “pré-conhecimento” destas palavras, de alguma
maneira, afetou a liberdade do pregador quando as proferiu? Nem um pouco.
Minha certeza, quanto ao que acontecerá no vídeo, de maneira nenhuma afeta
a integridade do sermão conforme originalmente pregado. Na verdade, minha
certeza é dependente do sermão conforme pregado. O pré-conhecimento de
Deus funciona de maneira similar, exceto, que Ele vê a realidade dos eventos
antes que eles aconteçam, ao invés de ver após o acontecimento. Porém, o
pré-conhecimento de Deus não afeta a contingência dos eventos mais do que o
meu conhecimento, após-o-fato, afeta um evento passado.
É um fato verdadeiro que todos os eventos futuros, incluindo as
escolhas do livre arbítrio, são certas de acontecer, conforme pré-conhecidas;
porém, não é o pré-conhecimento que as torna certas; elas apenas são certas.
Então, o que os tornam certas? Os próprios atos, conforme previstos por Deus,
da Sua perspectiva da eternidade. Todos concordariam que os eventos
passados são certos. O que os tornam certos? O simples fato de que eles já
aconteceram; da maneira como aconteceram. Os próprios atos os tornaram
assim. Este mesmo princípio estabelece a certeza dos eventos futuros pré-
conhecidos. Sua certeza não é definida pelo pré-conhecimento de Deus; pelo
contrário, o pré-conhecimento de Deus é definido pela realidade dos próprios
eventos. O fato de que Deus os vê “antes do tempo”, da Sua perspectiva de
eternidade, significa que eles vão acontecer conforme Deus os vê; porém, eles
vão acontecer por causa das genuínas escolhas livres dos sujeitos envolvidos.
Mas o cético ainda pergunta: se as escolhas futuras são certas,
como elas podem ser livres? A fonte da confusão parece ser que, tanto o
Calvinismo quanto o Teísmo Aberto, estão indo muito fundo no conceito de
certeza, erroneamente, equiparando-o com necessidade. Este erro é visto na
afirmação de Westblade, de que, “o pré-conhecimento infalível de um evento
pressupõe a necessidade desse evento” (página 71, itálicos adicionados).
Porém, até mesmo Agostinho argumentou que o pré-conhecimento não nega o
livre arbítrio, chamando tal idéia de, “uma estranha tolice”![3] Armínio disse
que, somente o decreto de Deus torna algo necessário, no sentido de que ele
deve acontecer; Seu conhecimento, simplesmente, torna o evento certo, no
sentido de que o evento vai acontecer.[4] A distinção adequada é entre “deve
ocorrer” e “certamente vai ocorrer”.
Assim, concluímos que, as objeções contra a presciência não são
válidas. Mesmo antes da Criação, Deus tinha o verdadeiro pré-conhecimento
(conhecimento prévio, presciência), de todos os eventos futuros, incluindo,
todas as escolhas livres. Não obstante, este pré-conhecimento signifique que
todos os eventos futuros são, na verdade, certos de acontecer, conforme pré-
conhecidos; o pré-conhecimento, por si só, não torna, qualquer evento futuro,
necessário; e, portanto, não nega o livre arbítrio.
Tradução: Cloves Rocha dos Santos
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[1]Nota do tradutor: Este artigo foi publicado por Jack Cottrell no dia
09 de junho de 2014, no seu site, aonde ele, de forma fraterna, responde a
várias perguntas relacionadas à vida cristã e também às dificuldades bíblicas,
por parte daqueles que visitam a sua página e se interessam pela sua opinião,
nos assuntos abordados. (Fonte: http://jackcottrell.com/…/does-gods-
foreknowledge-negate-m…/)
[2] Nota do tradutor: Jack Warren Cottrell é um autor e teólogo
cristão associado às Igrejas Cristãs Independentes / Igrejas de Cristo, às quais
fazem parte do Movimento de Restauração Stone-Campbell. Ele tem sido
professor de Teologia na Universidade Cristã de Cincinnati desde 1967. Ele é
autor de numerosos livros sobre a Doutrina e Teologia cristã. Jack Cottrell
nasceu em Kentucky e foi criado em Stamping Ground, Kentucky. Casou-se
com sua esposa, Barbara, em 1958. Cottrell recebeu um Bacharelado em Artes
(B.A.) em 1959 e um Bacharelado em Teologia (Th. B.) em 1960 do Seminário
Bíblico de Cincinnati. Em seguida, recebeu um Bacharelado em Filosofia da
Universidade de Cincinnati em 1962. A seguir, ele recebeu um Mestrado em
Divindade (M.Div.) do Seminário Teológico de Westminster em 1965 e, por
último, recebeu o doutorado em Filosofia (Ph. D.) em história de doutrina do
Seminário Teológico de Princeton em 1971. Cottrell retornou à Universidade
Cristã de Cincinnati, em 1967, como professor de Bíblia e Teologia. Desde
então, escreveu mais de 20 livros sobre Doutrina e Teologia Cristã. Os tópicos
freqüentes abordados por ele incluem a graça, fé, batismo, exatidão bíblica,
bem como a natureza de Deus. Ele também já abordou questões como
liderança e teologia feminista no cristianismo. Cottrell tem adicionalmente
escrito diversos comentários bíblicos. As visões teológicas de Cottrell são
semelhantes à opinião majoritária das Igrejas Cristãs Independentes / Igrejas
de Cristo. Ele crer na inerrância da Bíblia. Ele também crer que o batismo por
imersão é o momento, no qual, os pecados individuais são perdoados. Devido
à sua sólida formação dentro dos círculos reformados, Jack Cottrell tem sido
um crítico convicto do Calvinismo. Cottrell está casado com sua bela esposa
Barbara por mais de 50 anos. Eles ministram na Igreja Cristã da cidade de
Bright, no estado de Indiana, nos EUA, e residem na cidade de Lawrenceburg,
Indiana. Ele e Bárbara têm três filhos e quatro netos.
(Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Jack_Cottrell)
[3] Nota do tradutor: Agostinho, O Livre Arbítrio, [tradução,
organização, introdução e notas Nair de Assis Oliveira ; revisão Honório
Dalbosco]. — São Paulo: Paulus, 1995.— (Patrística), Seção 154, Livro III:
capítulo III, verbete 8, página 157.
[4] Nota do tradutor: The Works of James Arminius – As Obras de
Tiago Armínio, Vol. 1 (Christian Classics Ethreal Library, Grand Rapids, MI ),
Seção III, Artigo 7, resposta . (fonte:http://www.ccel.org/ccel/arminius/

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