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A Eucaristia

Por William Webster

A doutrina Católica Romana da eucaristia recebeu sua


primeira expressão dogmática no IV Concílio de Latrão em
1215, quando a Igreja formalmente adotou a doutrina da
transubstanciação como seu ensino oficial. Isso foi confirmado
pelo Concílio de Trento, que também asseverou que a Ceia do
Senhor era um sacrifício propiciatório pelo pecado. Esses são
os dois primários e mais importantes elementos do ensino da
Igreja sobre a eucaristia – transubstanciação e sacrifício.

A Igreja Católica Romana ensina que quando o sacerdote


profere as palavras da consagração, o pão e o vinho são
literalmente transformados no corpo e no sangue de Cristo.
Ele é então oferecido a Deus no altar como um sacrifício
propiciatório pelo pecado. O Concílio de Trento explicitamente
declara que “neste divino sacrifício, que se realiza na Missa,
está contido e imola-se incruentamente aquele mesmo Cristo,
que no altar da cruz uma vez se ofereceu a si mesmo
cruentamente...”. Existem assim dois aspectos nesta doutrina
romana: transubstanciação, que garante a “presença real” de
Cristo; e a missa, na qual Cristo, assim presente
corporalmente, é novamente oferecido a Deus como um
sacrifício. Esta, contudo, não é a única visão que foi expressa
de uma forma consistente ao longo da história da Igreja.
Desde os primórdios da Igreja, os Padres geralmente
expressavam a sua crença na presença real na eucaristia, na
qual eles identificavam os elementos com o corpo e o sangue
de Cristo, e também referiam-se à eucaristia como um
sacrifício. Porém, havia uma considerável diferença de opinião
entre os Padres sobre a precisa natureza destas coisas,
refletida no fato de que a Igreja antiga não produziu nenhum
dogma oficial sobre a Ceia do Senhor. A interpretação do
significado da eucaristia nos escritos dos Padres da Igreja
deve ser feita com muita cautela, pois é muito fácil tomar
uma teologia preconcebida da eucaristia e lê-la nos seus [dos
padres] comentários e ensinamentos.

O que eu acredito que uma análise objetiva revelará é que as


visões dos Padres são bem consistentes com as diferentes
visões representadas pela Igreja Católica Romana e aquelas
dos Reformadores Protestantes. Alguns dos Padres ensinaram
que os elementos são símbolos do corpo e do sangue de
Cristo e que a sua presença é espiritual, enquanto outros
sustentavam que os elementos eram transformados no corpo
e no sangue de Cristo e que a sua presença é física [1]. Os
seguintes exemplos dos escritos dos Padres da Igreja dos
primeiros quatro séculos revelam esta diversidade de opinião.

A Didaquê ou Ensinamento dos Doze Apóstolos, como é


chamada algumas vezes, está incluída na coleção de obras
conhecida como os “Padres Apostólicos” e é um dos
documentos mais antigos que possuímos da era pós-
apostólica. Ela é um antigo manual de disciplina da Igreja
datado entre o fim do século I e o ano 140 d.C., e ela
simplesmente refere-se à Ceia do Senhor como comida e
bebida espiritual. Não há indicação de que os elementos
sejam transformados de alguma forma. Inácio de Antioquia
(martirizado em cerca de 110 d.C.), por outro lado, fala da
eucaristia como o corpo e o sangue de Cristo que comunicam
vida eterna. Justino Mártir (100/110-165 d.C.) refere-se aos
elementos eucarísticos como sendo mais do que pão e vinho
comuns [2], os quais quando são consagrados tornam-se o
corpo e sangue de Jesus; todavia em seu Diálogo com Trifão,
ele escreveu que os elementos eram pão e vinho, os quais
foram instituídos por Cristo como um memorial e uma
recordação de seu corpo e sangue [3]. Portanto, enquanto
ele fala de uma mudança nos elementos, parece que em sua
concepção, os elementos ainda permanecem, em essência,
pão e vinho. Assim como Justino, Ireneu de Lyon (140-202
d.C.) claramente cria que o pão e o vinho tornavam-se o
corpo e sangue de Jesus na consagração [4], mas ele
também afirmou que os elementos eram compostos de duas
realidades – uma terrena e outra celestial, ou
espiritual [5]. Ele deu a entender que na consagração,
embora os elementos já não sejam mais pão e vinho comuns,
eles não perdem a sua natureza de pão e vinho.

Tertuliano (155/160-240/250 d.C.) falou do pão e do vinho da


eucaristia como símbolos ou figuras que representam o corpo
e o sangue de Cristo. Ele especificamente declarou que esses
elementos não eram o corpo e o sangue literais do Senhor.
Quando Cristo disse: “Isto é o meu corpo”, Tertuliano
sustentava que ele estava falando figurativamente e que
consagrou o vinho “em memória de seu sangue” (Contra
Marcião 3.19). Alguns teólogos têm alegado que o uso antigo
das palavras “figura” e “representam” sugeriam que os
símbolos de uma forma misteriosa tornavam-se o que
simbolizavam. Mas Tertuliano usa a palavra “representam”
diversas vezes em outros lugares onde ela possui um
significado figurativo. Por exemplo, em Contra Marcião 4.40
ele diz: “Ele representa a condição de sangramento de sua
carne sob a metáfora de vestes tingidas de vermelho”. Sua
interpretação de João 6 similarmente indica que quando ele
fala do pão e do vinho como figuras e símbolos do corpo e
sangue de Cristo, é exatamente isso o que ele quer
dizer [6]. Ele diz que Cristo falou em termos espirituais
quando se referiu a “comer de sua carne” e “beber de seu
sangue” e não quis que isso fosse entendido de forma literal.
Ele sustentava que comer da carne de Cristo e beber de seu
sangue significava apropriar-se dele pela fé: “Ele igualmente
chamou sua carne pelo mesmo apelido; uma vez que,
também, o Verbo se fez carne, devemos, portanto, desejá-Lo
a fim de que possamos ter vida, e devorá-Lo com os ouvidos,
e ruminar sobre Ele com o entendimento, e digeri-Lo pela
fé” [7]. Claramente ele não ensinou o conceito de
transubstanciação.

Clemente de Alexandria (150-211/216 d.C.) também chamou


o pão e o vinho de símbolos do corpo e sangue de Cristo e
ensinou que o comungante recebia não a vida física, mas a
vida espiritual de Cristo [8]. Orígenes (185-253/254 d.C.),
igualmente, fala em termos distintivamente alegóricos e
espirituais quando se refere à eucaristia.

Eusébio de Cesareia (263-340 d.C.) identificou os elementos


com o corpo e sangue de Cristo mas, à semelhança de
Tertuliano, via os elementos como sendo simbólicos ou
representativos de realidades espirituais [9]. Ele
especificamente afirma que o pão e o vinho são símbolos do
corpo e sangue do Senhor e que as palavras de Cristo em
João 6 devem ser entendidas espiritualmente e
figurativamente em oposição a um sentido físico e literal.
Com o passar do tempo, descrições mais claras da eucaristia
como a transformação dos elementos no corpo e sangue
literais de Cristo emergiram nos escritos de Padres como
Cirilo de Jerusalém, Gregório de Nissa, Gregório Nazianzeno,
Crisóstomo e Ambrósio. Gregório de Nissa, por exemplo,
ensinou que a eucaristia era a perpetuação da encarnação e
similarmente Cirilo de Jerusalém adotou uma abordagem
altamente literal:

“Uma vez, então, que ele próprio declarou e disse do Pão:


“Isto é o meu corpo”, quem ainda ousará duvidar? E uma vez
que Ele afirmou e disse: “Isto é o meu sangue”, quem
hesitará, dizendo, que isto não é o Seu sangue? Ele, certa
vez, transformou água em vinho, em Caná da Galileia, por
sua própria vontade, seria então inacreditável que
transformasse vinho em sangue?... Então, tendo nos
santificado por estes Hinos espirituais, clamamos a Deus
misericordioso que envie o seu Santo Espírito sobre os dons
dispostos diante d`Ele; que Ele possa tornar o pão o Corpo de
Cristo, e o vinho o Sangue de Cristo; pois tudo o que o
Espírito Santo toca, é santificado e transformado” [10]. 

Ao mesmo tempo, havia uma representação contínua por


muitos Padres dos elementos eucarísticos como figuras ou
símbolos do corpo e sangue do Senhor, embora também
acreditassem que o Senhor estava espiritualmente presente
no sacramento. O Papa Gelásio I (492-496 d. C.), por
exemplo, acreditava que o pão e o vinho, em substância,
durante a consagração, não cessava de ser pão e
vinho [11], uma visão compartilhada por Eusébio, Teodoreto,
Serapião, Jerônimo, Atanásio, Ambrosiastro, Macanus do
Egito, e Eustácio de Antioquia [12].

Contudo, o grande teólogo que forneceu a mais exaustiva e


influente defesa da interpretação simbólica da Ceia do Senhor
foi Agostinho [13]. Ele deu instruções e princípios muito
claros para determinar quando uma passagem da Escritura
deve ser interpretada literalmente ou figurativamente. As
passagens da Escritura devem sempre ser interpretadas à luz
da inteira revelação da Escritura, concluiu ele, e usou João 6
como um exemplo específico de uma passagem que deveria
ser interpretada figurativamente [14].

Agostinho argumentava que os sacramentos, incluindo a


eucaristia, são sinais e figuras que representam ou
simbolizam realidades espirituais. Ele fez uma distinção entre
o corpo físico e histórico de Cristo e a presença sacramental,
sustentando que o corpo físico de Cristo não pode
literalmente estar presente no sacramento da Eucaristia
porque ele está fisicamente à direita de Deus no céu, e lá
estará até que venha novamente. Mas Cristo está
espiritualmente com o seu povo [15]. Agostinho via a
eucaristia em termos espirituais e interpretou o verdadeiro
significado de comer e beber como sendo um ato de fé:
“Acreditar nele é comer o pão vivo. Aquele que crê, come; ele
está saciado invisivelmente, porque invisivelmente ele nasceu
de novo” [16].

Estas ideias de Agostinho estão obviamente em oposição


àquelas do concílio de Trento. De fato, ensinamentos tais
como os dele sobre a eucaristia foram anatematizados por
esse concílio. Isso realça mais uma vez a falta de consenso
patrístico sobre o ensino desta importante doutrina da Igreja
Católica Romana. A ideia da transformação dos elementos no
corpo e sangue literais de Cristo por fim triunfou dentro da
Igreja, mas não sem consistente oposição. Houve duas
grandes controvérsias nos séculos IX e XI entre as visões
literais e mais espiritualistas e mesmo no período Escolástico
houve muitos teólogos proeminentes que rejeitavam a
doutrina da transubstanciação [17].

Numa tentativa de dar a impressão de que houve um


consenso unânime ao longo da história da Igreja para a
interpretação Católica Romana da eucaristia, Karl Keating faz
a seguinte declaração:

“Seja o que for que se diga, é certo que a igreja primitiva


tomava João 6 e as palavras da última ceia literalmente. Não
há nenhum registro nos primeiros séculos de qualquer cristão
duvidando da interpretação católica. Não existe nenhum
documento no qual a interpretação literal seja rejeitada e a
metafórica aceite” [18].
À luz dos fatos apresentados acima, podemos ver que tal
alegação é errônea. A verdade dos fatos é que os pontos de
vista da Igreja antiga sobre o significado da eucaristia e a sua
relação com a pessoa de Cristo são muito similares àqueles
que encontramos hoje e nos dias da Reforma quando se
compara os diferentes pontos de vista Protestantes e Católico
Romano.

Há a visão literal da transubstanciação que poderia ser


expressa por Crisóstomo; a visão Luterana da
consubstanciação que poderia ser atribuída a Ireneu ou
Justino Mártir; a visão espiritual de Calvino, que está
estreitamente alinhada com Agostinho; e a visão estritamente
simbólica de Zwinglio, que é similar à que foi expressa por
Eusébio.

Uma similar falta de consenso existiu sobre outras


características importantes da posição Católica Romana sobre
a eucaristia – que este sacramento é em si mesmo um
sacrifício propiciatório. De acordo com este ensino, na missa,
Cristo está presente fisicamente através da consagração
sacerdotal e ele torna-se então a vítima divina que é imolada
sobre o altar. A palavra “imolar” especificamente significa
“massacrar” ou “matar” e este sacrifício é eficaz como um
pagamento pelo pecado para satisfazer a justiça de Deus.

Nos dias atuais, há alguns escritores católicos romanos que


negam que a Igreja Católica Romana ensine que a missa é a
repetição do sacrifício de Cristo, mas as palavras do Concílio
de Trento são bem claras quanto ao seu significado:

“E como neste divino sacrifício, que se realiza na Missa, se


encerra e é imolado incruentamente aquele mesmo Cristo
que uma só vez cruentamente no altar da cruz se ofereceu a
si mesmo... Pois uma e mesma é a vítima: e aquele que
agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que,
outrora, se ofereceu na Cruz, divergindo, apenas, o modo de
oferecer... Se alguém disser que o sacrifício da Missa é
somente de louvor e ação de graças, ou mera comemoração
do sacrifício consumado na cruz, mas que não é
propiciatório... e que não se deve oferecer pelos vivos e
defuntos, pelos pecados, penas, satisfações e outras
necessidades — seja anátema” [19].

Trento ensina que assim como Cristo foi a vítima divina e foi
oferecido e imolado sobre a cruz como um sacrifício
propiciatório pelo pecado, assim também na missa, que é um
sacrifício distinto por direito próprio, ele é referido como a
vítima divina que é novamente oferecida e imolada como um
sacrifício propiciatório, assim como ele foi imolado na cruz. A
única diferença, de acordo com Trento, entre o sacrifício da
missa e o sacrifício da cruz é que um é cruento e o outro
incruento.

Há aqueles que se opõem à acusação de que o que Trento


entende por imolação se refere a um assassinato renovado de
Cristo. Historicamente, a palavra imolar foi usada pelos
Padres e teólogos da Igreja para se referir à Eucaristia como
uma comemoração do sacrifício de Cristo feito uma vez por
todas. Agostinho usou a palavra neste sentido e a sua
definição tornou-se normativa nos séculos
seguintes [20]. Por exemplo, Pedro Lombardo, no século XII,
em suas Sentenças expressou a visão agostiniana dessa
forma:

Podemos brevemente replicar que o que é oferecido e


consagrado pelo sacerdote é chamado de um sacrifício e uma
imolação porque é um memorial e uma representação do
verdadeiro sacrifício e santa imolação efetuada sobre o altar
da cruz. Cristo morreu uma vez, sobre a cruz, e lá ele foi
imolado em sua própria pessoa; e agora todos os dias ele é
imolado sacramentalmente, porque no sacramento há uma
evocação do que foi feito uma única vez [21].

O significado do termo como é expresso aqui é estritamente o


de uma comemoração sacramental, não era literal. No
entanto, o uso que Trento fez do termo acrescentou uma
nova dimensão de significado à palavra que difere daquela de
Agostinho, pois ele não via Cristo como estando fisicamente
presente no sacramento, nem a eucaristia como um sacrifício
propiciatório pelo pecado. Agostinho certamente não ensinou
que o sacrifício da eucaristia era o mesmo que o sacrifício do
Calvário.
Mas na teologia Romana a eucaristia não é meramente a
comemoração de um sacrifício, mas é, em si mesma, um
sacrifício igual ao do Calvário, e a imolação é literal. Na missa
Cristo está literal e fisicamente presente no altar. Ele é tido
como uma vítima e é literalmente oferecido e sacrificado da
mesma maneira como foi oferecido e sacrificado na cruz como
uma expiação e satisfação pelo pecado. Parece justo concluir
que o Concílio de Trento utilizou immolare para referir-se à
oferta de uma vítima em sacrifício a Deus, especificamente à
morte, uma vez que essa é a forma como Cristo foi oferecido
na cruz. O ensino de Trento sobre a natureza da missa é que
ela é uma repetição do sacrifício de Cristo porque ele é
oferecido novamente como uma propiciação pelo pecado.

Enquanto o significado exato do termo immolare como


empregado por Trento pode ser disputado, não há
ambiguidade sobre o fato de que o Concílio ensina que a
missa é um sacrifício propiciatório pelo pecado. Foi neste
ponto que os Reformadores universalmente desafiaram o
ensino Romano. Eles argumentavam que se a missa era
verdadeiramente um sacrifício propiciatório então Cristo
deveria morrer, mas isso contradiz a clara afirmação da
Escritura de que Cristo morreu de uma vez por todas e não
pode morrer novamente. E, por outro lado, se Roma ensina
que Cristo não morre, seu ensino de que a missa é
propiciatória pelo pecado é falso, pois não é um verdadeiro
sacrifício. O Vaticano II diz que a missa foi instituída com o
propósito de perpetuar o sacrifício de Cristo através dos
tempos. Mas se a sua morte foi de uma vez por todas não
pode ser perpetuada através dos tempos. Cristo não pode
morrer novamente. A propiciação foi consumada no Calvário.

A natureza propiciatória da eucaristia é o ensino oficial da


Igreja Católica Romana e esta alega que a sua interpretação
e prática é o cumprimento da profecia de Malaquias 1.11 que
um sacrifício puro e incruento seria oferecido em todo o
mundo, o qual seria agradável a Deus. Uma vez mais,
contudo, encontramos esta interpretação disputada pela
vasta maioria dos Padres na Igreja primitiva. A Igreja Católica
Romana quer nos fazer crer que o seu ensino particular do
sacrifício eucarístico foi a visão universal sustentada na Igreja
desde os seus primórdios. Mas, tal como acontece com o
ensino sobre a Presença Real, há uma situação
historicamente paralela com o conceito da eucaristia como um
sacrifício. Alguns dos Padres aproximam-se da interpretação
Católica Romana, mas a maioria não. Seus escritos revelam
que eles viam a Ceia do Senhor como um memorial de ação
de graças e louvor em comemoração ou recordação do
sacrifício expiatório de Cristo feito de uma vez por todas, e
não como um sacrifício propiciatório pelo pecado. Eles se
referiram à profecia de Malaquias e ensinaram que a
eucaristia era na verdade um cumprimento parcial desta
profecia, e até mesmo se referiram a ela como um sacrifício,
mas eles não interpretaram isso da mesma forma que a
Igreja de Roma fez. Tal como ao termo “tradição”, a Igreja
Romana deu à palavra “sacrifício” um certo conteúdo e
significado e o aplicou ao antigo uso da palavra pela Igreja
primitiva. O fato de os Padres usarem o termo “sacrifício”
para se referir à eucaristia não quer dizer que eles aceitassem
o significado dado pela Igreja Romana a esta palavra, como
uma breve pesquisa nos escritos dos padres revela.

A Didaquê parece referir-se à eucaristia como o sacrifício


do crente, refletindo a ideia de autoentrega ao Senhor
através do oferecimento de louvores e ações de graças pela
obra consumada de Jesus Cristo. Não há menção dela como
sendo um sacrifício propiciatório. Apologistas romanos
frequentemente apelam para Clemente de Roma como um
apoio para a sua interpretação sacrificial da eucaristia, mas
isso é feito como resultado de um erro de tradução. Keating,
por exemplo, apresenta uma tradução de 1 Clemente 44,
onde Clemente menciona aqueles “do episcopado que
irrepreensível e santamente ofereceram os seus
Sacrifícios” [22]. O problema com essa tradução é que
Clemente não usa a palavra “sacrifícios” em sua carta
original, mas antes a palavra “dons”. Assim, o apelo a
Clemente de Roma é vazio.

Justino Mártir acreditava que a eucaristia era um sacrifício


espiritual de louvor e ação de graças que comemorava a
morte de Cristo por uma Igreja que agora contava Gentios
entre os seus membros [23]. Ireneu também se refere à
profecia de Malaquias e caracteriza a eucaristia como uma
ação de graças oferecida a Deus. Ele sustentava que o
sacrifício real pretendido dentro dela eram as orações de
crentes verdadeiros, que vinham de corações puros
totalmente rendidos a Deus e incontaminados pelo
pecado [24]. Similarmente, Tertuliano argumentava que os
verdadeiros sacrifícios oferecidos a Deus não eram de
natureza carnal ou física, mas o sacrifício espiritual de um
coração quebrantado e contrito diante de
Deus [25]. Orígenes e Clemente de Alexandria sublinharam
este mesmo tema: que o significado real do sacrifício
eucarístico era um memorial ou comemoração do sacrifício de
Cristo que exigiu a autoentrega da alma a Deus. Era um
sacrifício porque envolvia as orações e louvores do povo de
Deus; a autoentrega deles mesmos a Deus de corações
contritos e quebrantados; e a doação de ofertas materiais aos
pobres. Não há absolutamente nenhuma menção da
eucaristia como o sacrifício literal e renovado de Cristo como
uma oferta propiciatória pelo pecado.

Eusébio também afirma explicitamente que o cumprimento da


profecia de Malaquias de um sacrifício puro e incruento se
encontra nas orações e ações de graças dos verdadeiros
cristãos de corações contritos em todo o mundo [26].

Mas o mais influente defensor deste ponto de vista foi, mais


uma vez, Agostinho [27]. Ele foi inequívoco na sua crença de
que a Ceia do Senhor era um sacrifício de louvor e ação de
graças, uma comemoração da paixão de Cristo. A eucaristia é
simplesmente uma forma sacramental de relembrar o
sacrifício de Cristo feito de uma vez por todas. O sacramento
é chamado um sacrifício apenas porque é identificado com o
Calvário como um memorial ou comemoração desse sacrifício
único [28]. Não era Cristo que era oferecido neste memorial
mas a Igreja, que se oferecia a si mesma a Deus através de
Cristo como um sacrifício vivo de um coração contrito e
quebrantado. Ele também via isto como o cumprimento da
profecia de Malaquias [29].

Embora a Igreja primitiva geralmente visse a eucaristia em


termos espirituais, começou a emergir o conceito de um
sacrifício literal na eucaristia. Quase todos os historiadores
concordam que essa mudança começou a ocorrer no século
III com Cipriano, bispo do Norte da África e mártir. A Igreja
nesta época estava derivando da confiança na graça de Deus
em Jesus Cristo para uma teologia que incluía o conceito de
obras humanas para ganhar mérito diante de Deus e para
expiar pecados através de penitências, ascetismo e boas
obras. Assim, a eucaristia como um sacrifício começou
também a ser vista, por alguns, como um meio de propiciar
Deus pelos pecados cometidos depois do batismo. Homens
começaram a ver o sacerdote e ministério cristão como sendo
paralelo ao sacerdócio e ministério do Antigo Testamento. E
embora essa analogia tenha sido estabelecida por Padres
mais antigos, eles sempre enfatizaram que os sacrifícios
carnais do Judaísmo haviam sido substituídos pelos sacrifícios
espirituais da Igreja com base no sacrifício completo de
Cristo. Não havia mais sacrifícios pelo pecado. Mas a analogia
começou a perder seu caráter estritamente espiritual.
Juntamente com uma visão materialista dos elementos na
eucaristia começou a desenvolver-se através de Cipriano,
com sua visão da natureza sacerdotal do clero, o conceito da
eucaristia como um sacrifício literal. Ele estabeleceu o
seguinte axioma:

Se Jesus Cristo, nosso Senhor e Deus, é o grande Sumo


Sacerdote de Deus Pai, e primeiro se ofereceu a Si Mesmo em
Sacrifício ao Pai, e ordenou que isto fosse feito em memória
de Si mesmo, certamente o sacerdote age verdadeiramente
em lugar de Cristo, e imita aquilo que Cristo fez; e ele então
oferece um Sacrifício verdadeiro e completo na Igreja a Deus
Pai, quando ele começa a oferecê-lo de acordo como ele vê o
próprio Cristo oferecê-lo [30].

Desta forma Cipriano alargou a interpretação tradicional da


eucaristia para incluir o conceito de uma reconstituição
sacramental do sacrifício original de Cristo. Em seu entender,
a eucaristia era um sacrifício no sentido de que ela apresenta-
se como um memorial do sacrifício original. Mas dadas as
influências materializadoras na Igreja, não demorou muito
tempo para que a visão da eucaristia como uma
reconstituição sacramental do sacrifício de Cristo, em
comemoração dele, fosse alargada à ideia de que Cristo era
verdadeira e literalmente imolado sobre o altar. Crisóstomo,
por exemplo, ensina que Cristo sofre fisicamente no sacrifício
eucarístico:

O pão que nós partimos não é a comunhão do Corpo de


Cristo?... Mas por que acrescenta ele também “que nós
partimos?” Pois embora na eucaristia possa ver-se isto feito,
todavia na cruz não é assim, mas muito pelo contrário, pois,
“nenhum de seus ossos”, disse alguém, “será partido”. Mas
aquilo que Ele não sofreu na cruz, isso sofre na oblação por
causa de ti, e se sujeita a ser partido, para que satisfaça
todos os homens [31].

O drama de um sacrifício tão “real” fomentou “visões” cada


vez mais bizarras por toda a Igreja, que por sua vez foram
usadas como prova da verdade da doutrina. Um exemplo
claro deste fenômeno foi a defesa da visão materialista da
eucaristia por Radbertus, um teólogo do século IX, pelo
recurso a uma sucessão de “estórias maravilhosas de
aparições visíveis do corpo e do sangue de Cristo para a
remoção de dúvidas ou satisfação de desejos piedosos dos
santos”. O pão sobre o altar, relata ele, era muitas vezes
visto em forma de um cordeiro ou de uma criancinha, e
quando o sacerdote estendia a sua mão para partir o pão, um
anjo descia do céu com uma faca, abatia o cordeiro ou a
criança, e deixava que o seu sangue escorresse para dentro
de um cálice” [32].

No entanto, mesmo que a Igreja se estivesse inclinando cada


vez mais para o conceito do sacrifício literal de Cristo na
eucaristia, a antiga visão do memorial do sacrifício de Cristo
articulada por Agostinho e pelos primitivos Padres da Igreja
era ainda largamente sustentada. Durante os primeiros 1200
anos de vida da Igreja não houve unanimidade sobre a
natureza da eucaristia.

O ponto de partida de ambas as interpretações (material e


espiritual) da eucaristia era a Escritura. Apenas com uma
análise detalhada do que a Escritura tem a dizer a respeito da
natureza do sacrifício de Cristo, e como os crentes devem
comemorar este sacrifício, poderemos chegar a um
entendimento definitivo.

Há uma palavra grega importante que é usada para descrever


tanto a morte como o sacrifício de Cristo: ephapax, que
significa “de uma vez por todas”. Em Romanos 6:9-10, Paulo
claramente afirma que Cristo não pode morrer novamente
porque a sua morte foi “de uma vez por todas”. O autor de
Hebreus insiste que Cristo não pode ser sacrificado
diariamente, pois o seu corpo foi oferecido “de uma vez por
todas”, e que devido a este sacrifício feito de uma vez por
todas ter trazido perdão completo do pecado, já não há
qualquer exigência de uma oferta ou sacrifício pelo
pecado [33]. Todos aqueles sacrifícios de animais e o
sacerdócio humano estipulados no Antigo Testamento, Cristo
cumpriu. Consequentemente, Deus aboliu o sacerdócio e
todos os sacrifícios.

Isto coloca a Igreja Católica Romana perante um dilema. A


Escritura ensina que o corpo de Cristo e o seu sacrifício foi
oferecido uma única vez. Roma ensina que o seu corpo e
sacrifício é oferecido uma e outra vez na transubstanciação e
repetição de cada missa. A Igreja tenta contornar este
problema alegando que o sacrifício da missa não é um
sacrifício diferente daquele do Calvário mas o mesmo
sacrifício perpetuado através dos tempos. Porque Deus está
além do tempo, o sacrifício da cruz está sempre presente com
Ele e, portanto, o sacrifício da missa é o mesmo sacrifício que
o do Calvário. Esta lógica é uma cortina de fumo semântica: o
sacrifício da cruz foi um evento histórico, dado no tempo e
espaço, que ocorreu uma única vez e não pode ser repetido.
A aplicação do sacrifício do Senhor continua através dos
tempos no sentido de que o Espírito Santo traz os homens a
receber os benefícios de Sua obra consumada, e a
comemoração de seu sacrifício continua através dos tempos,
mas o sacrifício em si mesmo não pode ser perpetuado. Na
verdade, o tema principal da carta aos Hebreus é que não há
mais sacrifícios pelo pecado de qualquer tipo que seja.

A Escritura ensina que o Senhor Jesus Cristo não só fez uma


expiação de uma vez por todas, como essa sua morte
histórica na cruz é uma expiação completa. Ele satisfez
completamente a justiça de Deus: a dívida devida ao pecado
do homem foi totalmente paga e, portanto, todos aqueles que
vêm a Deus através de Jesus Cristo estão completamente
livres da condenação. Nenhuma outra expiação pelo pecado
será necessária. A visão bíblica é que a purificação e o perdão
do pecado são encontrados no sangue de Jesus Cristo
somente, e nunca nas obras ou sofrimentos do homem, pois a
lei exige a morte como castigo pelo pecado. A significância da
referência ao sangue em relação à obra de Cristo é que ele
significa a sua vida que foi entregue à morte em nosso lugar
e como pagamento pelo nosso pecado. É porque uma
expiação completa foi feita que um perdão completo pode ser
oferecido:

... e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado


(1 João 1:7).

... no qual [Jesus] temos a redenção, pelo seu sangue, a


remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça...
(Efésios 1:7).

A Escritura em lugar algum ensina que os homens devem


sofrer castigos temporais pelos seus próprios pecados para
prestar satisfação a Deus, seja nesta vida ou na vindoura.
Todo castigo pelo pecado foi suportado por Cristo. É por essa
razão que a Palavra de Deus declara que “agora, pois, já
nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”
(Rm 8.1). Deus certamente disciplina os crentes pelos seus
pecados, mas isso não tem nada a ver com fazer propiciação
ou expiação. Na disciplina de Seus filhos, a ação de Deus é
curativa, não punitiva; flui de Seu amor, não de Sua ira
(ver Hb 12:4-13).

A Escritura fala de um sacrifício eucarístico. A palavra


“eucaristia” literalmente significa “ação de graças” e o Novo
Testamento frequentemente insta os crentes a oferecer este
tipo de sacrifício de louvor: “Por meio de Jesus, pois,
ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto
de lábios que dão graças ao seu nome” (Hb 13.15). Este é o
verdadeiro sacrifício eucarístico. A Escritura também fala de
outros sacrifícios que os crentes devem oferecer a Deus – os
nossos bens para atender às necessidades dos outros, e nós
mesmos em total entrega a Deus (Hb 13:16; Rm 12:1). Estes
são os verdadeiros sacrifícios do Novo Testamento, mas eles
nada têm a ver com a expiação do pecado.
Se, como vimos, não há mais sacrifício pelo pecado – qual é o
significado da Ceia do Senhor? A Ceia foi estabelecida pelo
Senhor Jesus como um memorial de ação de graças e louvor
por seu sacrifício expiatório pelo qual os crentes estão em
comunhão com Ele espiritualmente e também anunciam a sua
morte até que Ele venha novamente. O pão e o vinho, como
Agostinho assinala, foram dados como figuras ou símbolos
visíveis do seu corpo e do seu sangue e, portanto, são
expressões figurativas do seu auto-sacrifício. Eles são
lembranças visíveis para o seu povo do que ele fez em seu
favor. Quando o Senhor diz, “Isto é o meu corpo”, ele está
falando figurativamente e não literalmente. De fato, em
Mateus 26:29, Marcos 14:25 e Lucas 22:16,18, Cristo refere-
se ao vinho após a consagração como o “fruto da vide”,
indicando que ele ainda era vinho. Duas vezes em 1 Coríntios
11:23-27, Paulo se refere ao pão consagrado como “pão”.

Quando Jesus se refere a si mesmo como o pão da vida e diz


que os homens devem comer a sua carne e beber o seu
sangue, ele deixa claro que as suas palavras devem ser
interpretadas espiritual e figurativamente: “A carne para nada
aproveita; as palavras que eu vos tenho dito são espírito e
são vida (Jo 6:63). Este discurso não pode referir-se à Ceia
do Senhor, pois Cristo ainda não havia instituído esta
ordenança na época em que deu este ensinamento. Ele aqui
não está falando da eucaristia, mas do seu sacrifício no
Calvário. Todo o discurso de João 6 é uma apresentação de
Jesus como o sacrifício expiatório pelo pecado do mundo na
dádiva da sua carne e sangue, e como os homens devem
apropriar-se dos benefícios desse sacrifício. São aqueles
que creem que experimentam os benefícios da sua obra, e
assim quando ele compara a fé a comer a sua carne e beber o
seu sangue, ele está explicando a natureza da fé salvífica
como a apropriação da sua pessoa dentro do coração do
crente. O Filho de Deus nos quer fazer compreender que a fé
salvífica é muito mais do que um mero assentimento
intelectual da verdade. Como João Calvino assinalou:

... que sejamos vivificados por sua verdadeira participação, a


qual ele designou pelas palavras comer e beber, a fim de que
ninguém pensasse que a vida que compreendemos por ele é
compreendida por simples conhecimento. Pois como só o
olhar não basta, e requer-se o pão como alimento para o
corpo, assim também é necessário que a alma se torne
verdadeiramente participe de Cristo, para que, pela virtude
dele, seja conservada para a vida eterna... Deste mesmo
modo o Senhor, ao chamar-se pão da vida (Jo 6.51), não
somente quis ensinar que nossa salvação consiste na fé em
sua morte e ressurreição, mas também que, por sua
verdadeira comunicação, dá-se que sua vida seja transferida
para nós e se torne nossa, assim como o pão, quando é
tomado como alimento, dá vigor ao corpo [34].

Cristo muitas vezes usava uma linguagem muito vivida para


imprimir verdades espirituais nas mentes dos homens. Ao
falar com Nicodemus, disse-lhe que ele deveria “nascer de
novo”. Ele se refere a si mesmo como uma “videira” e aos
crentes como “ramos”. Estas referências obviamente não são
para ser tomadas num sentido literal. Novamente, em Mateus
5:29-30 Jesus diz:

Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de


ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não
seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se a tua mão
direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém
que se perca um dos teus membros, e não vá todo o teu
corpo para o inferno.

Cristo está obviamente usando uma linguagem realística


cruamente para transmitir uma importante verdade
espiritual: a necessidade de um arrependimento radical do
pecado. Ele fala em termos físicos mas não pretende que
tomemos as suas palavras num sentido literal ou físico.
Precisamente o mesmo é verdade com o seu ensinamento em
João 6 e as suas palavras na instituição da Ceia do Senhor.
Interpretar todas estas palavras nessas passagens
literalmente seria adotar uma interpretação que diretamente
contradiz o ensino da Escritura.

O próprio Jesus nos ensina que a Igreja deve observar a Ceia


“em memória de mim”. A palavra “memória” é a palavra
grega que literalmente significa um memorial. A Ceia não é
um altar de sacrifício, mas uma mesa de memorial, um lugar
de comunhão espiritual com o Salvador pelo seu Espírito.
Ensinar que Cristo instituiu um meio pelo qual o seu sacrifício
pode ser perpetuado através dos tempos é contradizer o
ensino básico da Escritura.

Isso torna-se ainda mais claro a partir da identificação da


Ceia do Senhor com o memorial da Páscoa do Antigo
Testamento. A Ceia do Senhor foi primeiramente celebrada na
época da Páscoa judaica e Jesus especificamente a identifica
como um equivalente quando diz: “Tenho desejado
ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes do meu
sofrimento” (Lucas 22:15). O que exatamente era a Páscoa?
A Páscoa era uma festa anual estabelecida por Deus na qual
os judeus deviam lembrar a noite em que o Anjo da Morte
“passou além” daquelas famílias que tinham aplicado o
sangue do cordeiro sobre os umbrais de suas portas
(Êxodo 12:1-13). “E este dia será um memorial para vós, e
celebrá-lo-eis por festa ao Senhor; nas vossas gerações o
celebrareis por estatuto perpétuo” (Êxodo 12:14). Isto era
um “memorial” para um ato específico de Deus em resgatar o
seu povo do cativeiro e da morte. O “memorial” servia para
trazer à memória um evento importante. Ele não repetia o
evento, mas o mantinha vivo na memória através de uma
representação física.

Assim como Deus instituiu um memorial de recordação de


redenção no Antigo Testamento, ele fez o mesmo no Novo
Testamento. 1 Coríntios 5:7 afirma, “Pois também Cristo,
nosso Cordeiro pascal, foi imolado”. A sua morte é um fato
consumado. Agora, somos chamados não para um sacrifício,
mas para uma festa: “Por isso, celebremos a festa... com os
asmos da sinceridade e da verdade” (1 Cor. 5:8). Quando
Cristo afirma que o pão deve ser comido e o vinho bebido
em memória dele, ele está usando a mesma linguagem que a
do memorial do Antigo Testamento em referência à Páscoa. A
Ceia do Senhor não é um sacrifício, é a comemoração de um
sacrifício.

O ensino Católico Romano da eucaristia contradiz a Escritura


e não pode ser validado pelo consenso unânime dos Padres.
Ensinar os homens a confiar na eucaristia como um evento
sacrificial é minar o evangelho de Jesus Cristo. É negar a
suficiência do seu sacrifício feito de uma vez por todas na
cruz do Calvário. Sugerir de alguma maneira que os homens
devem confiar em outra coisa que não Cristo e a sua cruz
como meios de Deus para lidar com o pecado é conduzir os
homens a uma falsa confiança e a um falso evangelho.

Extraído do capítulo 8 do livro The Church of Rome at the Bar


of History (A Igreja de Roma no Tribunal da História) de
William Webster, pp. 117-32

Tradução: Fabiano Raposo

NOTAS 

[1] Para comentários dos Padres sobre a Eucaristia e a


Presença Real, ver o Apêndice 8

[2] “Nós chamamos este alimento de Eucaristia... Não como


pão comum ou como bebida comum participamos deles, mas
assim como, por meio da palavra de Deus, nosso Salvador
Jesus Cristo encarnou e tomou sobre Si mesmo carne e
sangue para nossa salvação, assim nos foi ensinado que, o
alimento que se tornou a Eucaristia pela oração da Sua
palavra, e o qual nutre a nossa carne e sangue pela
assimilação, é a carne e sangue desse Jesus que foi feito
carne”. Thomas B. Falls, The Fathers of the Church, Saint
Justin Martyr, First Apology 65-66 (Washington D.C.: Catholic
University, 1948), pp. 105-06. 

[3] É bem evidente que esta profecia também alude ao pão


que nosso Cristo nos deu para oferecer em memória do Corpo
que Ele assumiu por amor daqueles que crêem nele, pelos
quais ele também sofreu, e também ao cálice que ele nos
ensinou a oferecer na eucaristia, em comemoração do Seu
sangue (Ibid., Dialogue with Trypho 70, p. 262).

[4] Alexander Roberts and W. H. Rambaut, trans., The


Writings of Irenaeus, Against Heresies, 5.2.2 (Edinburgh: T. &
T. Clark, 1874), p. 59
[5] Ibid., Against Heresies 4.18.4-5, pp. 434-35

[6] Alexander Roberts and James Donaldson, The Ante-


Nicene Fathers, vol. III, Latin Christianity: Its Founder,
Tertullian, On the Resurrection of the Flesh, chap. 37 (Grand
Rapids: Eerdmans, 1951), p. 572

[7] Ibid., Tertullian, On the Resurrection of the Flesh, chap.


37, p. 572.

[8] Alexander Roberts and James Donaldson, The Ante-


Nicene Fathers, vol. II, Clement of Alexandria, The Instructor,
Book I, chap. VI (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), pp. 215-
22.

[9] Eusebius of Caesarea, On the Theology of the Church,


III.11, 12. Extraído de Darwell Stone, A History of the
Doctrine of the Holy Eucharist, vol. I (New York: Longmans,
Green, 1909), pp. 85-89.

[10] A Library of the Fathers of the Holy Catholic Church, The


Catechetical Lectures of Cyril of Jerusalem, XXII.1-2, XXIII.7
(Oxford: Parker, 1842), pp. 270, 275.

[11] Pope Gelasius I, On the Two Natures in


Christ. Extraído de Darwell Stone, A History of the Doctrine of
the Holy Eucharist, vol. I (London: Longmans, Green, 1909),
p. 102.

[12] J.N.D. Kelly, Early Christian Doctrines (San Francisco:


Harper & Row, 1978), pp. 440-41, 445-46.

[13] Para comentários de Agostinho sobre a natureza da


Eucaristia e a Presença Real, v. Apêndice 8.

[14] “Se a frase... parece ordenar um crime ou vício... é


figurativa. ‘Se não comerdes a carne do Filho do homem’, diz
Cristo, ‘e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós’.
Isso parece ordenar um crime ou um vício; é portanto uma
figura, ordenando que devemos participar nos sofrimentos de
nosso Senhor, e que devemos conservar uma memória doce e
proveitosa do fato de que Sua carne foi ferida e crucificada
por nós”. Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene
Fathers, vol. II, St. Augustin: The City of God and On
Christian Doctrine, On Christian Doctrine 3.16.2 (Grand
Rapids: Eerdmans, 1956), p. 563.

[15] “Em relação à presença da Majestade nós temos a Cristo


sempre; em relação à presença da carne, foi dito com razão
aos discípulos “mas vós não me tereis sempre”. Pois a igreja
teve-O em relação à presença da carne, por uns poucos dias;
agora o contemplamos pela fé, não com os olhos”.
A Library of the Fathers of the Holy Catholic Church, Homilies
on the Gospel According to St. John by S. Augustine, Homily
92.1, p. 873; Homily 50.13 (Oxford: Parker, 1849), pp. 677-
78.

[16] Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers, vol. VII,


St Augustin, Homilies on the Gospel of John, Tractate XXVI.I
(Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 168.

[17] Por exemplo: teólogos tais como Duns Scotus, Biel,


Occam e Wessel. V. Seeberg, vol.2, p. 203ss, para detalhes.

[18] Karl Keating, Catholicism and Fundamentalism (San


Francisco: Ignatius, 1988), p. 238.

[19] Philip Schaff, The Creeds of Christendom, vol. II, The


Canons and Decrees of the Council of Trent (New York:
Harper, 1877), pp. 179, 184-85.

[20] Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers, vol. I, The


Confessions and Letters of St Augustin, Letter 98.9, Ad
Boniface (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 410.

[21] Sentences, book IV, dist. 12, cap. 5. Extraído de Francis


Clark, Eucharistic Sacrifice and the Reformation (Oxford: Basil
Blackwell, 1967), p. 407.

[22] Karl Keating, Catholicism and Fundamentalism (San


Francisco: Ignatius, 1988), p. 255.

[23] “Deus, portanto, anunciou antecipadamente que todos


os sacrifícios oferecidos em Seu nome, os quais Jesus Cristo
ordenou que fossem oferecidos, isto é, a Eucaristia do Pão e
do Cálice, que é oferecida por nós, Cristãos, em toda a parte
do mundo, são agradáveis a Ele... Agora, eu também admito
que orações e ações de graças, oferecidas por pessoas
dignas, são os únicos sacrifícios perfeitos e aceitáveis a
Deus”. Thomas Falls, Saint Justin Martyr Dialogue with Trypho
117, (Washington D.C.: Catholic University, 1948), p. 328.

[24] Alexander Roberts e W.H. Rambaut, The Writings of


Irenaeus, Against Heresies IV.17.5-6,18.1-4 (Edinburgh: T. &
T. Clark, 1874), pp.430-35.

[25] Alexander Roberts e James Donaldson, The Ante-Nicene


Fathers, vol. III, Latin Christianity: Its Founder, Tertullian, An
Answer to the Jews, ch. 5 (Grand Rapids: Eerdmans, 1951),
pp. 156-57.

[26] Eusebius, Dem. Evang. I.x.28-38. Extraído de Darwell


Stone, A History of the Doctrine of the Holy Eucharist, vol. I
(New York: Longmans, Green, 1909), pp. 110-11.

[27] Para uma documentação detalhada dos ensinos dos


Padres e de Agostinho sobre a natureza do sacrifício
eucarístico, ver o Apêndice 9.

[28] “Enquanto consideramos que já não é um dever oferecer


sacrifícios, reconhecemos sacrifícios como parte dos mistérios
da Revelação, pela qual as coisas profetizadas foram
preanunciadas. Pois eles foram nossos exemplos, e de muitas
e várias formas apontavam para o único sacrifício que agora
comemoramos. Agora que este sacrifício foi revelado e foi
oferecido no tempo devido, sacrificar não é mais obrigatório
como um ato de culto, ao mesmo tempo que mantém a sua
autoridade simbólica... Antes da vinda de Cristo, a carne e o
sangue deste sacrifício estavam prefigurados nos animais
imolados; na paixão de Cristo os tipos foram cumpridos pelo
sacrifício verdadeiro; após a ascensão de Cristo, este
sacrifício é comemorado no sacramento”. Philip Schaff, Nicene
and Post-Nicene Fathers, Vol. IV, St. Augustin: The Writings
Against the Manicheans and Against Donatists, Reply to
Faustus the Manichean 6.5, 20.21 (New York: Longmans,
Green, 1909), pp. 169, 262.
[29] “Pois, como temos muitos membros em um só corpo, e
todos os membros não têm o mesmo ofício, assim nós, sendo
muitos, somos um só corpo em Cristo. Este é o sacrifício dos
cristãos: que sendo muitos, somos um só corpo em Cristo. E
este é também o sacrifício que a Igreja celebra
continuamente no sacramento do altar, conhecido dos fiéis,
no qual ela ensina que ela mesma é oferecida na oferta que
faz a Deus... Pois nós mesmos, que somos a Sua própria
cidade, somos o Seu mais nobre e digno sacrifício, e é este
mistério que celebramos em nossos sacrifícios, os quais são
bem conhecidos dos fiéis... Pois, através dos profetas, os
oráculos de Deus declararam que os sacrifícios que os judeus
ofereciam como uma sombra daquele que deveria haver
cessariam, e que as nações, desde o nascer até o pôr-do-sol,
ofereceriam um só sacrifício”. Philip Schaff, Nicene and Post-
Nicene Fathers, Vol. II, p. 230-231. St. Ausgustin: The City of
God and On The Christian Doctrine, The City of God Book 10,
ch. 6; Book 19, ch. 23 (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), pp.
184, 418.

[30] A Library of the Fathers of the Holy Catholic


Church, Epistle 63.11 (Oxford: Parker, 1844), p. 192.

[31] Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers, vol. XII,


Saint Chrysostom, Homilies on the Epistles of Paul to the
Corinthians, Homily 24.4-5 (Grand Rapids: Eerdmans, 1956),
pp. 139-40.

[32] Philip Schaff, History of the Christian Church, vol. 4


(Grand Rapids: Eerdmans, 1910), p. 548.

[33] Ver Hebreus 7:27; 10:10-14, 10:18

[34] The Library of Christian Classics, John McNeill, ed.,


vol. XXI, Calvin: Institutes of the Christian Religion, vol. II,
Book IV, ch. 17 (Philadelphia: Westminster, 1960), p. 1365.
Publicada por Conhecereis a Verdade à(s) 21:52 10 comentários 
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Temas: Ceia do Senhor, Eucaristia
terça-feira, 10 de junho de 2014

Tomás de Aquino deturpou a filosofia aristotélica

É arqui-sabido que Tomás de Aquino usou a distinção


aristotélica entre substância e acidente para tentar explicar
como, após a consagração eucarística, o pão e o vinho se
transformam no corpo e no sangue de Cristo, embora
continuem a ver-se, a saber e a cheirar como pão e como
vinho.

O que não é tão sabido é que Tomás de Aquino deturpou a


filosofia aristotélica que postulava que os acidentes nunca
podiam deixar de acompanhar as respetivas substâncias e
vice-versa. Para Aristóteles, substância e acidente, eram
mutuamente dependentes e inseparáveis.

Garry Wills em "Why Priests," (p. 45) descrevendo o


desenvolvimento da teologia Eucarística na Idade Média diz: 

“Embora Aristóteles tenha distinguido substância de acidente,


ele não (não podia) os separou. Um cão não pode existir sem
acidentes como tamanho. E não pode haver "um volume" ou
"um branco" a subsistir sozinho sem uma substância. Tem de
ser um volume ou um branco de alguma coisa. Um acidente
"vem junto com" (symbainei) a coisa que é a sua essência.
Tomás admitiu esta verdade natural: "Um acidente assume o
que é da sua substância" (ST 3.77 a1r). Mas, para a
Eucaristia, ele postulou uma rutura milagrosa da ordem
natural. Ele deu o passo radical de afirmar que uma
substância pode existir sem os seus próprios acidentes, e os
acidentes podem existir sem a sua própria substância,
embora apenas por uma ação especial realizada por Deus
cada vez que o sacerdote diz as palavras da consagração”.

Assim, Tomás usou a filosofia de Aristóteles de uma forma


que este nunca imaginou. A transubstanciação produz
milagrosamente algo que é contranatura, segundo a própria
filosofia aristotélica.

Como Deus não pode operar milagres que produzam


oximoros (coisas logicamente impossíveis de existir na
realidade), a doutrina da transubstanciação é portanto falsa.
Publicada por Conhecereis a Verdade à(s) 17:02 22 comentários 
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Temas: Ceia do Senhor, Eucaristia, tomismo

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Gelásio I não conhecia a transubstanciação

O papa Gelásio I (492-496) não só não sabia que o pão e o


vinho se transubstanciavam na Eucaristia, como nega que
em virtude da sua consagração haja alguma mudança de
substância ou natureza nas espécies eucarísticas.
Ele afirmou: «Certamente o sacramento, que tomamos, do
corpo e sangue de Cristo é uma coisa divina, pela qual somos
feitos participantes da natureza divina; e contudo a
substância ou natureza do pão e do vinho não deixa de
existir. E certamente a imagem e semelhança do corpo
e sangue de Cristo celebram-se na acção dos mistérios.»
Texto latino: Certe sacramenta, quae sumimus, corporis et
sanguinis Christi divina res est, propter quod et per eadem
divinae efficimur consortes naturae; et tamen esse non
desinit substantia vel natura panis et vini. Et certe imago et
similitudo corporis et sanguinis Christi in actione mysteriorum
celebrantur. Jacques Paul Migne, Patrologiae Latinae,
Tractatus de duabis naturis Adversus Eutychen et
Nestorium 14, PL Supplementum III, Part 2:733 (Paris:
Editions Garnier Freres, 1964).
Evidentemente no tempo de Gelásio I esta doutrina era
inexistente na Igreja. A doutrina da transubstanciação foi
formulada por Pascasius Radbertus no século IX,
e sancionada pelo IV Concílio de Latrão de 1215. Pouco
depois Tomás de Aquino forneceu uma base filosófica
baseada em distinções aristotélicas entre substância e
acidentes. O assunto foi definitivamente estabelecido para a
Igreja de Roma no Concílio de Trento.  
Eis, pois, um pastor e mestre infalível da Igreja de Roma
negando um dogma da Igreja de Roma.
Publicada por Conhecereis a Verdade à(s) 01:37 6 comentários 
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Temas: Ceia do Senhor, Eucaristia

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Seria Agostinho de Hipona católico romano?

Agostinho de Hipona, no seu tempo, desconheceu atuais


doutrinas peculiares da Igreja Católica Romana como, por
exemplo:

1) A eficácia ex opere operato dos sacramentos,


2) O culto às imagens,
3) A infalibilidade do Papa,
4) A confissão auricular como sacramento,
5) A imaculada conceição de Maria,
6) A transubstanciação,
7) A missa como repetição do sacrifício de Cristo,
8) O primado de jurisdição do bispo de Roma sobre a igreja
universal.

Ora, a pergunta que se impõe é: pode alguém ser católico


romano sem crer nestas doutrinas?
Publicada por Conhecereis a Verdade à(s) 15:41 68 comentários 
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Temas: Ceia do Senhor, Eucaristia, Inconsistências do catolicismo, Infalibilidade papal

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Justino Mártir sobre a Eucaristia

Justino foi um bom mestre cristão, e um mártir por causa de


Cristo. Claro está que as suas palavras não são inspiradas no
sentido que o são as Escrituras, mas ainda assim é uma
testemunha importante do século II.

Evidentemente, se o citamos, convém citar tudo o que diz


a respeito, e ler com cuidado.
Justino Mártir

De origem palestina, filho de pais pagãos, Justino foi um dos


grandes defensores da fé cristã do segundo século. Fundou
uma escola em Roma, onde morreu mártir em 165.

Nos seus escritos encontram-se várias referências à


Eucaristia, como era praticada e qual era o seu significado. O
pão e o vinho, que são capazes de nutrir o corpo, nutrem
também as almas ao ser consagrados pela ação de graças. É
precisamente esta ação de graças o que constitui um
sacrifício agradável a Deus (Diálogo com Trifão, 117).

Cito da edição de Padres Apologetas Griegos de Daniel Ruiz


Bueno (Madrid: BAC); os negritos foram acrescentados.

Apologia I

65. (2) Terminadas as orações, damos mutuamente o ósculo


da paz.
(3) Depois, ao que preside aos irmãos, se lhe oferece pão e
um vaso de água e vinho, e tomando-os ele tributa louvores e
glória ao Pai do universo pelo nome de seu Filho e pelo
Espírito Santo, e pronuncia uma longa ação de graças, por
ter-nos concedido esses dons que d`Ele nos vêm. E quando o
presidente terminou as orações e a ação de graças, todo o
povo presente aclama dizendo: Amén.
(4) "Amén", em hebraico, quer dizer "assim seja".
(5) E quando o presidente deu graças e todo o povo aclamou,
os que entre nós se chamam "ministros" ou diáconos, dão a
cada um dos assistentes parte do pão e do vinho e da
água sobre que se disse a ação de graças e o levam aos
ausentes.

66. (1) E este alimento se chama entre nós "Eucaristia", da


qual a ninguém lhe é lícito participar, senão ao que crê
verdadeiramente nos nossos ensinamentos e se lavou no
banho que dá a remissão dos pecados e a regeneração, e vive
conforme o que Cristo nos ensinou.
(2) Porque não tomamos estas coisas como pão comum
nem bebida ordinária, mas como Jesus Cristo, nosso
Salvador, feito carne por virtude do Verbo de Deus, teve
carne e sangue para a nossa salvação; assim foi-nos ensinado
que por virtude da oração ao Verbo que de Deus
procede, o alimento sobre que foi dita a ação de graças
– alimento do qual, por transformação, se nutrem o
nosso sangue e as nossas carnes - é a carne e o sangue
d`Aquele mesmo Jesus encarnado.
(3) E é assim que os Apóstolos nas Memórias, por eles
escritas, que se chamam Evangelhos, nos transmitiram que
assim foi a eles mandado, quando Jesus, tomando o pão e
dando graças, disse: Fazei isto em minha memória, este é o
meu corpo. E igualmente, tomando o cálice e dando graças,
disse: Este é o meu sangue, e que só a eles deu parte.

A ideia aqui é que do mesmo modo em que, pelo


metabolismo ("transformação"), ou seja, pelo processo
fisiológico de digestão, absorção e incorporação de
substâncias, o pão e o vinho são uma fonte de nutrição física,
ao serem santificados estes elementos pela oração e ação de
graças possuem um efeito análogo no âmbito espiritual.
Justino diz que nutrem os nossos corpos, e portanto
conservam as suas propriedades químicas; mas afirma que
em virtude da sua consagração, o pão e o vinho se tornam
em mais que pão e vinho ordinários. Este ponto de vista da
Eucaristia, chamado metabólico, parece ter sido o mais
comum ao princípio. O tradutor e editor da Apologia na série
Ante-Nicene Fathers cita o papa Gelásio I, de finais do
século V: "Pelos sacramentos somos feitos participantes da
natureza divina, e ainda assim a substância e natureza do
pão e do vinho não cessam de estar neles..." Não é de
admirar que esta afirmação de Gelásio não tenha sido incluída
no Denzinger... Também não aparece o seu decreto (contra
os maniqueus) ratificando a receção da Eucaristia sob as duas
espécies [mencionado em The Catholic Encyclopedia, s.v.
Gelasius I, pope]. Em contrapartida, sim, aparecem outros
documentos seus.

(Prossegue Justino)

Apologia I

67. (3) No dia que se chama do sol se celebra uma reunião de


todos os que moram nas cidades ou nos campos, e aí se
leem, quando o tempo o permite, as Memórias dos Apóstolos
ou os escritos dos profetas.
(4) Depois, quando o leitor termina, o presidente, de palavra,
faz uma exortação e um convite a que imitemos estes belos
exemplos.
(5) Seguidamente, nos levantamos todos juntos e elevamos
as nossas preces, e estas terminadas, como já dissemos, se
oferece pão e vinho e água, e o presidente, segundo as suas
forças, faz igualmente subir a Deus as suas preces e ações de
graças e todo o povo exclama dizendo "amén". A seguir vem
a distribuição e participação, que se faz a cada um, dos
alimentos consagrados pela ação de graças e o seu envio
por meio dos diáconos aos ausentes.

Diálogo com Trifão

No Diálogo, Justino mostra através de um longo debate a


superioridade do cristianismo sobre o judaísmo. Numa parte
trata de como os sacrifícios e ofertas do Antigo Pacto
prefiguravam as coisas do Novo Pacto.

41. (1) A oferta da flor de farinha, senhores – prossegui - que


se mandava fazer pelos que se purificavam da lepra, era
figura do pão da Eucaristia que nosso Senhor Jesus Cristo
mandou oferecer em memória da paixão que ele padeceu
por todos os homens que purificam as suas almas de toda a
maldade, a fim de que juntamente demos graças a Deus por
ter criado o mundo e quanto nele há por amor do homem, por
ter-nos livrado da maldade em que nascemos e ter destruído
com destruição completa os principados e potestades daquele
que, segundo o seu desígnio, nasceu passível.
(2) Daí que sobre os sacrifícios que vós então oferecíeis, diz
Deus, por boca de Malaquias, um dos doze profetas: Não está
a minha complacência em vós – diz o Senhor -, e os vossos
sacrifícios não os quero receber das vossas mãos. Porque
desde o nascimento do sol até ao seu ocaso, o meu nome é
glorificado entre as nações, e em todo o lugar se oferece ao
meu nome incenso e sacrifício puro. Porque grande é o meu
nome nas nações – diz o Senhor -, e vós o profanais
[Malaquias 1:10-12].
(3) Já então, antecipadamente, fala dos sacrifícios que nós,
as nações, lhe oferecemos em todo o lugar, ou seja, do pão
da Eucaristia e também do cálice da Eucaristia, ao
mesmo tempo que diz que nós glorificamos seu nome e vós o
profanais.

Como se pode ver, Justino de modo algum nega,


antes afirma, que o que é oferecido na Eucaristia não seja
pão e vinho, ainda que creia que depois da oração eucarística
estes elementos não devem ter-se por pão e vinho
ordinários (com o que concordo plenamente).

Diálogo com Trifão

117. (1) Assim, pois, Deus atesta de antemão que lhe são


agradáveis todos os sacrifícios que se lhe oferecem
pelo nome de Jesus Cristo, os sacrifícios que este nos
mandou oferecer, ou seja, os da Eucaristia do pão e do
vinho, que celebram os cristãos em todo o lugar da
terra. Em contrapartida, Deus rejeita os sacrifícios que vós
lhe ofereceis por meio dos vossos sacerdotes, quando diz: E
não receberei das vossas mãos os vossos sacrifícios, porque
desde o nascimento do sol até ao seu ocaso, o meu nome é
glorificado – diz - nas nações e vós o profanais.

Aqui, como no texto anterior (Diálogo com Trifão 41) repete


que o que é oferecido em nome de Cristo é o pão e o vinho.
Não há a menor sugestão da ideia de repetir o sacrifício do
Senhor na cruz.

Diálogo com Trifão

(2) Vós continuais ainda a dizer persistentemente que Deus


diz não receber os sacrifícios que se lhe ofereciam em
Jerusalém pelos israelitas que naquele tempo a habitavam; e
sim as orações que lhe faziam os homens daquele povo que
se encontravam na dispersão, e estas orações são as que
chama sacrifícios. Ora, que as orações e ações de graças
feitas por homens dignos são os únicos sacrifícios
perfeitos e agradáveis a Deus, eu mesmo vo-lo concedo.
(3) Justamente são só esses os que os cristãos
aprenderam a oferecer até na consagração do pão e do
vinho, em que se recorda a Paixão que por seu amor
sofreu o Filho de Deus...
(5) Em contrapartida, não há raça alguma de homens,
chamem-se bárbaros ou gregos ou com outros nomes
quaisquer, ora habitem em casas ou se chamem nómadas
sem habitações ou morem em tendas de pastores, entre os
quais não se ofereçam pelo nome de Jesus crucificado
orações e ações de graças ao Pai e fazedor de todas as
coisas.

O que Justino diz aqui é conforme à interpretação metabólica


já mencionada. Precisamente as orações e as ações de
graças (o que significa "eucaristia") são os sacrifícios
válidos; a eucaristia é, além disso, synaxis (reunião)
e anamnesis (memória) da paixão de Cristo.

Da eucaristia como "atualização" do sacrifício de Cristo,


nada; da transubstanciação, menos ainda!

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