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477 Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 9, Set/2017- ISSN 2176-284X

A LENDA DO REI RODRIGO E O PALÁCIO FECHADO:


O USO DO MITO COMO CONCEPÇÃO DA EXPANSÃO
MULÇUMANA NA PENÍNSULA IBÉRICA

Luanna Klíscia de Amorim Mendes487

INTRODUÇÃO

Na história da humanidade, em toda comunidade ou grupo de pessoas, existe


algum imaginário coletivo, que aparecem cobertos de símbolos, conceitos e costumes,
acompanhados de diversos significados comuns aos habitantes locais.
Segundo Hilário Franco Junior (1998, p.16-17)

Por “imaginário” entendemos um conjunto de imagens visuais e verbais gerado por uma
sociedade... na sua relação consigo mesmo, com outros grupos humanos e com o universo
em geral. Todo imaginário é portanto coletivo, não podendo ser confundido com
imaginário, atividade psíquica individual (...)

Assim sendo, o imaginário é composto por símbolos que em si contem significados


que o constitui e também lhe dão significado, a realidade em que ele esta inserido.
Caracterizados por idéias e concepções, na memória capaz de armazenar informações
individuais e coletivas, o imaginário é repleto de mitos, ideologias e utopias.
Parte desse Imaginário Coletivo pertence ao mundo oculto, de acordo com
Georges Duby (Apud Silva, 2009, p. 215), o mundo invisível, é tão importante para a
vivência no cotidiano quanto o mundo visível, sonhos, angústias, inquietações, se
projetam no mundo “real”, na sociedade.488 Assim como diversas representações do
mundo são produzidas em um discurso sociocultural por um grupo para impor seus
próprios valores aos demais.
Lendas envolvendo a queda do Império visigodo permearam o imaginário na
Hispânia durante um longo tempo, da mesma maneira, mitos sobre a deslealdade do
ultimo rei Visigodo, que envolvia uma violação de uma donzela tal como, uma quebra
de uma antiga tradição real, se refletiam no cotidiano da comunidade.

487Mestranda em Historia pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de


Alagoas (UFAL). Membro do Vivarium - Laboratório de Estudos da Antiguidade e do Medievo (Núcleo
Nordeste). Orientadora: Drª Raquel de Fátima Parmegiani.
488SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 2.ed.. São

Paulo: Contexto, 2009. p. 215


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Dessa forma os mitos presentes durante o período de invasão Árabe na península


Ibérica no século VIII, são uma manifestação provida de imagens da memória e da
imaginação coletiva da época.

INVASÃO ÁRABE

Hispânia, uma região que no decurso da Antiguidade e o medievo foi área de


constante disputa, entre diversos povos Cartagineses, Romanos, Lusitanos, Vândalos,
Alanos, Suevos489, no século VIII vivia sob o domínio do reino Visigodo.
Os primeiros reis da monarquia Visigótica eram escolhidos de forma eletiva e
hereditária, fazia uso do sistema de monarquia eletivo, o rei em exercício antes de seu
falecimento poderia indicar seu sucessor, que poderia ser seu descendente, os membros
da alta nobreza militar poderiam fazer a indicação de outro nobre ou respeitaria a
recomendação do antigo rei em uma eleição.
Em 693, Egica associara o seu filho Vitiza, e quando morreu, em 702, Vitiza
sucedeu-lhe como rei. Este, por sua vez, tentou fazer o mesmo em relação ao filho Ágila
II490, e atribui-lhe o governo na Narbona, mas quando morreu, em 710, porém Witiza
enfrentou problemas para governar. A historiografia Visigoda, nos mostrar que bons
monarcas, seriam aqueles que praticavam uma política de concessão de patrimônios à
nobreza, mas esta não foi a atitude de Witiza, que se comportou diferente de seus
antecessores no trono.
Segundo Kenedy (1999, p.28):

Com a morte de Witiza ocorreu um coup d’Etat491 em Toledo, um golpe provavelmente


arquitetado por nobres que não queriam ver uma família conservar a coroa por demasiado
tempo. Rodrigo, que aparentemente não era membro da família governante, tomou o poder
e conseguiu derrotar o exército de Akhila e dos seus irmãos Alamundo e Artabas.

Em 710 Witiza morre e sem deixar ninguém associado ao trono. Dessa forma, a
indicação do sucessor aconteceu por eleição, método que, mesmo sendo pouco aplicado,

489Toraño, Paulino Garcia. Historia de el reino de Astúrias: (718-910). Espanha: Editora Grafica Summa.

Vol. 24 de Biblioteca histórica asturiana. 1986. p.60


490Ágila II ou Akhila, foi um Rei Visigodo das regiões de Tarraconese e da Septimânia, foi um dos

responsáveis pela invasão Árabe.


491 Em Frances no original: golpe de estado.
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era um procedimento legal de ascensão monárquica492. Assim Rodrigo493, que de acordo


com as crônicas seria neto do rei Chindasvinto (649-653)494 e filho de Teodefredo495,
conseguiu apoio majoritário da nobreza Visigoda e assumiu o trono.
Sua ascensão, no entanto, não foi bem aceita pelos descendentes de Witiza, os
quais fizeram resistência a Rodrigo, deflagrando uma disputa interna na Hispânia. Em
meio a essas turbulências, uma expansão islâmica acontecia nos reinos vizinhos no
continente africano. Há algum tempo os generais Muçulmanos tinham a intenção de
conquistar a Hispânia e esperavam apenas um momento favorável.
Os descendentes de Witiza entraram em negociação com os Muçulmanos, e
fazendo uso o do apoio bélico, seria possível destronar Rodrigo. Tal aliança já havia sido
feita antes com Atanagildo496, ele solicitara o auxílio dos Bizantinos; e Sisenando497, que
requisitara a assistência dos Francos, ambos haviam sido bem-sucedidos ao buscar
apoio externo para conseguir a coroa Visigoda.
Não se sabe ao certo como se deu a negociação com os Mouros498, é possível que
a luta entre os nobres visigodos tenha levado Oppas499, arcebispo de Sevilha, tio de Ágila
II, a ser um dos responsáveis pela aliança com Musa Ibn Nusayr - um líder Mulçumano
do norte da África - a combater contra Rodrigo, provocando a queda deste500.

492No cânone 75 do IV Concilio de Toledo, diz que “o mal rei será anatematizado por Cristo Senhor, e

separado e julgado por Deus”. Desse cânone presumia-se que, por trás de uma rebelião bem-sucedida,
encontrava-se também o aval divino, também sendo possível, que o monarca deposto havia perdido o
favor celestial. ANDRADE FILHO, Ruy de Oliveira. Sacralidade e monarquia no reino de toledo
(séculos VI-VIII). In: História Revista: Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-
Graduação em História, Goias, Universidade Federal de Goias, v. 11, n.1, jan/jun,2006. 179-192.
493Rodrigo ou Roderico foi um Rei Visigodo da Hispânia que reinou entre 710 e 711, governou parte da

Península Ibérica, uma figura maior na lenda do que na história, Rodrigo, duque da Andaluzia, foi eleito
rei em 710, mas foi esmagadoramente derrotado pelos muçulmanos comandados por Tariq. Esse
acontecimento assinalou o começo de uma conquista relativamente rápida e coroada de êxito, quando a
Península Ibérica ficou, em sua maior parte, em poder dos muçulmanos. LYON, Henry R. Dicionário da
Idade Media. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. p. 260.
494 Rei Visigodo no período no periodo entre 649 á 653.
495As crônicas de Alfonso III, falam de um conde Teodofrodo, ou Teofredo, seria filho do rei Chindasvinto,

e o filho do rei Chindasvinto, o rei Égica desconfiado de que Teodefredo conspira se contra ele, o teria e
expulsado de Toledo. CORTADA, Juan. História de españa: desde los tiempos mas remotos hasta
1859. Barcelona: Imprensa de A. Brusi, 1841.
496 Foi um rei visigodo, que tomou o poder de Águila I, com um golpe de estado.
497 Foi um rei visigodo, que tomou o poder de Suíntila, com um golpe de estado.
498 Mouros (Mauritanos ou sarracenos), povos vindos do continente Africano, Muçulmanos que se

aliaram a Ágilla II.


499 Irmão do Rei Witiza. Há também uma lenda que relata sobre essa aliança, que não teria sido Oppas o

responsável por essa negociação, mas sim um lorde Ceuta, um personagem chamado conde Julião
500Um apelo a um príncipe ou a um povo estrangeiro para apoiar as reivindicações de um pretendente,

não era uma novidade na península, anteriormente, Atanagildo recorreu aos Bizantinos contra Ágila I em
meados do século VI. RUCQUOI, Adeline. Historia medieval da península ibérica. Lisboa: Editora
Estampa, 1995. p.63.
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A aliança derrubara Rodrigo, porém, não conseguiu impedir a pressão dos


próprios Muçulmanos sobre a região e a consequente queda do governo do próprio
Ágila II anos depois. As forças cristãs derrotadas retiraram-se para o norte da Hispânia,
criando o Reino das Astúrias logo após o fim do poder Visigodo, e a região que antes era
o Reino Visigodo, passou a ser conhecida após a chegada dos Muçulmanos, por Al-
Andalus.501
Em 718, os Muçulmanos controlavam a Península Ibérica por inteiro, com exceção
da pequena região do Reino das Astúrias, que devido à sua localização de difícil acesso,
uma região protegida por uma cadeia de montanhas, puderam resistir e se tornar, mais
tarde, no século XI, o berço da Reconquista502 da Hispânia, esta que teve o apoio, militar
e financeiro, de Carlos Magno.

LENDAS

Diversas lendas sobre o período das invasões Mouras na Hispânia surgiram


relatando este acontecimento, não apenas feitas por hispânicos. Existem narrativas no
século IX que menciona sonhos proféticos e avisos astrológicos, anunciando um
momento perfeito para a entrada Árabe.
Duas lendas populares tiveram destaque na literatura entre os povos da Hispânia,
no que se refere ao ultimo rei Visigodo e a invasão Muçulmana: a primeira lenda é sobre
o conde Julião, governador de Ceuta, que tinha uma única filha, Florinda, La Cava. De
acordo com a Crônica de Silense503, uma obra do começo do século XI504,essa lenda narra
a perfídia atitude do rei com a filha do Conde.

501DIHIGO, L. Barrau. Historia política Del reino asturiano (718 - 910). Barcelona: Editora Silvero

Cañada, 1989. p. 104.


502Expressão utilizada na historiografia da península ibérica para designar o processo de expansão cristã

iniciada no século XI, sendo seu começo na campanha de Fernando I, de Castela (1037-1065), e finalizado
no século XV com a tomada de Granada (1492). O termo aqui aplicado é empregado pelos medievalistas,
que discorda com a historiografia tradicional, que usa o termo para denominar o período que se inicia no
século VIII em 718. COSTA, Ricardo da. Apud SOUZA, Guilherme Queiroz de. Da reconquista hispânica
à conquista do novo mundo: uma análise do espírito cruzadistico ibérico na cruxcismarina e na crux
ultramarina. In: X jornada de estudos antigos e medievais II jornada internacional de estudos antigos e
medievais Conhecimento, Educação e Imagem nas Épocas Antiga e Medieval, 2011, Maringá. Anais da
jornada de estudos antigos e medievais: universidade estadual de Maringá: 21 a 23 de Set de 2011. p. 1-16.
503PIDAL, Juan Menéndez.Leyendas del último rey godo: Notas e investigaciones. Revista de Archivos,

bibliotecas y museos. Madrid, 1901.


504 Foi escrita por monges anônimos do monastério de Silo.
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Ao chegar à idade de casar, o Conde Julião resolveu enviar sua filha, à corte do rei
Rodrigo, era costume entre os nobres enviarem suas filhas para serem educadas na corte.
Relata-se que nas margens do rio Tejo Florinda descia às vezes para tomar banho,
sempre acompanhada de outras donzelas. Um dia o rei Rodrigo ficou deslumbrado com
a beleza de Florinda, e a observava sem que fosse percebido. Assim recontou Frei Luis
de León505em sua "profecia do Tejo", como David e Betsaba, o monarca ficou obcecado
com Florinda, e esperou o momento certo e a deflorou. Algumas versões da lenda
relatam que ele a enganou propondo casamento, outras que ele simplesmente a atacou.
Florinda em desespero escreveu a seu pai contando o ocorrido, e este, não
podendo acreditar que o rei tivesse desrespeitado a filha que ele tanto amava e que
enviara para o palácio e confiara aos cuidados e a proteção, sentiu que só vingando-se
de Rodrigo, teria sua honra lavada. Então conde Julião convenceu os Mouros a invadir
a Península Ibérica, ele próprio fez questão de acompanhar o chefe Mouro Tarik para
ajudar na luta contra Rodrigo. Participou no desembarque, na invasão e na
sangrenta batalha de Guadalete em 711, na qual se decidiu o destino da Península Ibérica
para os séculos seguintes. Desse modo os Mouros obtiveram a vitória.506
Os cristãos refugiaram-se nas Astúrias, chefiados pelo príncipe Pelágio. Quanto
ao conde Julião, nada mais se soube a seu respeito. De Rodrigo, há duas versões: a) Os
Mouros garantem que morreu na batalha de Guadalete; b) os cristãos afirmam que,
embora ferido, Rodrigo se refugiou nas serranias da antiga Lusitânia, na região de Viseu,
onde os Mouros não conseguiram entrar durante muito tempo, e que la pagou por seus
pecados em penitencia.507
A segunda Lenda está também vinculada ao rei Rodrigo. Nas crônicas de Aben
Habib no ano 791, sugere a história de que havia em Toledo um palácio que a muito
tempo estava fechado com diversos cadeados e que ninguém ousava abrir, e para cada
novo rei se acrescentava um novo cadeado.
A legenda relata que o Rei Rodrigo mandou abrir o palácio, porque esperava lá
encontrar um grande tesouro, porém ao abri-lo apenas havia uma “urna” lacrada, e era

505 Poeta renacentista espanhol.


506Toraño, Paulino Garcia. Historia de el reino de Astúrias: (718-910). Espanha: Editora Grafica Summa.
Vol. 24 de Biblioteca histórica asturiana. 1986. p42-46
507 PIDAL, Juan Menéndez. Op.cit. Passim.
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atribuída a ela força mágica, portanto se algum dia fôsse aberto o palácio e a urna, seria
a ruína da monarquia visigótica508.
Relata-se que Rodrigo ignorou os rogos de seus conselheiros, e quebrou os
cadeados entrando assim no palácio, vendo que não havia um grande tesouro e apenas
uma urna, mandou abri-la. Dentro dela encontrou um pergaminho selado e pintado nele
haviam algumas pinturas, representado nela com cores vivas, vários cavaleiros com ares
árabes, vestidos com peles de animais e portando cimitarras e arcos. Também foi
encontrada uma inscrição que dizia: "Quando este selo for violado e o segredo e mágica
contido na urna for quebrado, as pessoas pintadas na urna irão invadir Al-Andalus e
derrubarão o trono dos reis e subjugarão todo o reino509.
Segundo o historiador Ahmad ibn Muhammad al-Razi (888-955)510, quando
Rodrigo subiu ao trono, doze guardiões foram ao palácio convidá-lo para que ele se
coloca um cadeado na gruta de Hércules em Toledo. O rei estranhando o pedido
perguntara sobre a gruta e o cadeado. Eles responderam que quando Hercules chegou à
Espanha, ele construiu uma casa em Toledo, sobre quatro leões de metal, e colocou na
porta uma fechadura, cuja chave foi entregue a doze guardiões. Antes de partir, ele
ordenou que quando um guardião morresse, ele seria imediatamente substituído por
outro, e que diriam a todos os reis que viessem depois, que eles deveriam colocar mais
um cadeado e nunca deveria ousar entrar.
O rei, corroído pela curiosidade, mandou abrir a casa, mesmo os conselheiros
avisados da necessidade de seguir o exemplo de seus antecessores. Achando que haveria
lá um valioso tesouro, Rodrigo mandou quebrar as fechaduras e penetrou o interior do
palácio, que era claro e transparente como o vidro.
O lugar era dividido em quatro galerias de cores branca, negra, verde e vermelha.
Dentro haviam 24 coroas, e ao lado delas, datas do tempo do reinado dos reis que as
usaram, a lendária mesa do rei Salomão, e uma arca de prata enfeitada com ouro e pedras
preciosas, Rodrigo tentado pela ganância também a abriu, la dentro foi encontrado um
pergaminho selado com algumas pinturas, representado nela com cores vivas, vários
cavaleiros com ares árabes, vestidos com peles de animais e portando cimitarras e arcos,
assustado o rei mandara que fechassem novamente e que nada fosse de la retirado.

508Torano, Paulino. Idem. P.44


509FAJARDO, Diego de Saavedra. Corona Gótica. Vol. 2 de Classicos Region de Murcia Espanha: Editora
Tres Fronteras, 2008. p.28
510 Historiador de Al-Andalus, conhecido por Mouro Rasis.
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Ambas as lendas relatam a profanação de Rodrigo ao lugar, e coloca esse fato como
um elemento crucial para a tomada da Hispânia. Esta teria sidouma punição a todo o
reino.
Na primeira delas a traição do rei para com sua protegida, a violação da castidade
de Florinda, foi usada para mostrar o quão traiçoeiro Rodrigo era: filho de um nobre
exilado que tomou o trono de Ágila II, o herdeiro por direito, indicava o quão indigno
ele era para o cargo.
A aliança de Conde Julião com os Mouros, em prol de vingança e com juras de
promessa de tesouros se ajudassem a derrubar Rodrigo. Tais alianças eram comuns e
não eram uma novidade,511, já vimos que Atanagildo e Sisenando fizeram negociações
com os Francos ou com os Bizantinos. Os muçulmanos tinham um grande exército na
época e podiam servir para este fim, embora alianças com estrangeiros sempre tiveram
risco. Os Mouros cumpririam seu acordo para derrubar Rodrigo, mas ficaram e
tomaram o reino, tornando-se o “castigo” de um reino em virtude dos “pecados” dos seus
governantes.512
Na lenda do palácio fechado, uma tradição mantida há tempos imemoriais foi
quebrada pelo Rei, e como consequência o reino todo foi condenado com a invasão
Árabe.
É perceptível que os relatos sobre a conquista da Hispânia foram agregados a um
imaginário simbólico, para justificar a derrota militar Visigoda e manter a perspectiva
de uma possível restauração política do reino Segundo Hobsbawn (1984, p.9)

O termo “tradição inventada” é utilizado num sentido amplo, mas nunca indefinido. Inclui
tanto as “tradições” realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas,
quanto as que surgiram de maneira mais difícil de localizar num período limitado e
determinado de tempo – as vezes coisas de poucos anos apenas – e se estabeleceram com
enorme rapidez.

Seguindo esse conceito de tradições inventadas de Hobsbawn, podemos pensar


que essas lendas foram apropriadas de épocas longínquas e contribuíram aqui para
explicar a desestabilização que ocorria no século VIII.
Essas tradições tinham um propósito para os cristãos e muçulmanos elas
desempenhavam, ensinamentos, o rei não ouvido os conselhos dos doze guardiões, e

511 RUCQUOI, Adeline. Op.cit. p63.


512RUCQUOI, Adeline. Idem. p60.
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estes responsáveis pela manutenção do segredo, eram um alerta que a lenda mostrava,
havia um peso na santidade daqueles homens. O numero dos guardiões configuravam a
plenitude513, são doze as tribos de Israel, doze filhos de Jacó, são doze portas da
Jerusalém celeste, doze apóstolos de Cristo, doze é um numero místico.
A quebra dos cadeados tanto da porta quanto da arca, são uma alegoria, as portas
nas escrituras representavam a passagem do mundo profano para o sagrado, a quebra
dos cadeados infligia a ordem correta, a arca simbolicamente representa para a igreja o
conhecimento sagrado que não pode emergi, como a arca da aliança e a caixa de Pandora,
a arca do palácio não deveria ser aberta, abrindo-a Rodrigo trouxe o mal para a Hispânia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A possibilidade destas lendas terem sido usadas pelos contestadores do Rei


Rodrigo, como um modo de torná-lo indigno do seu posto, foi viável tanto para os
nobres Visigodos discordantes como para os Mouros.
Conforme Foucault (2016) um discurso não produz somente uma verdade, mas
uma historia, entre a realidade e suas relações de poder514, assim sendo a possibilidade
das interpretações destes mitos terem sido utilizadas pelos Árabes, para legitimarem
sua entrada na península junto com os cristãos aliados, fazendo uso desta quebra da
tradição, assim como a postura desleal do rei para com sua protegida, podem ter tido
efeito no imaginário da população.
Portanto, a recepção destas lendas, podem ter sido usadas como um discurso para
explicar que não houve uma invasão Moura, mas sim uma entrada profetizada com
consentimento divino, em conseqüência da perda do favor celestial do reino visigodo.

REFERÊNCIAS
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VI-VIII). In: História Revista: Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-
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CORTADA, Juan. História de españa: desde los tiempos mas remotos hasta 1859. Barcelona:
Imprensa de A. Brusi, 1841.

513 Na simbologia cristã o numero doze desempenha um papel simbólico de perfeição e inteireza.
514 FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 8ed. Rio de Janeiro: Forenses Universitária, 2016. p.155
485 Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 9, Set/2017- ISSN 2176-284X

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https://books.google.com.br/books?id=taDYgxW_3koC&printsec=frontcover&dq=editions:IS
BN8475644511&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false> Aceso em: 12 de Jul. de 2017
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