Primeira encenação profissional de Bertolt Brecht (1898-1956) no
Brasil, realizada por Flaminio Bollini para a Cia. Maria Della Costa.
Após a triunfal excursão a Paris, em 1954, do Berliner Ensemble,
companhia de Bertolt Brecht, sediada em Berlim, as teorias do autor são mundialmente conhecidas e consagradas. Em São Paulo, já havia sido montada A Exceção e a Regra, em exame de fim de ano na Escola de Arte Dramática (EAD), em 1951, precedendo a explosão interna- cional. A Alma Boa de Setsuan, em 1958, é o primeiro contato do Brasil em âmbito profissional com as revolucionárias ideias estéticas brechtianas.
A fábula de A Alma Boa de Setsuan é de origem oriental: três deuses
descem à Terra à procura de uma alma boa, identificando-a numa camponesa paupérrima a quem confiam um pequeno pecúlio [dinhei- ro]. Para preservá-lo, ela vive, contudo, agudo dilema – ser boa ou má – segundo as circunstâncias ditadas pelos rigores da luta pela sobre- vivência. Chen-Tê e Chui-Tá, as duas personalidades que ela assume, evidenciam que neste mundo de contradições ninguém pode ser inteiramente bom; o que faz os deuses resignarem-se diante dessa impossibilidade.
A montagem de Flaminio Bollini é grandiosa e demonstra o conheci-
mento do diretor em relação às teorias de encenação do dramaturgo alemão. Porém ao optar por uma cenografia cheia de gráficos ligados à alta do custo de vida e pela recitação das canções pelos atores, o encenador acaba realizando um espetáculo frio, em que o efeito de distanciamento prejudica o resultado estético.
A crítica Bruna Becherucci assim registra suas impressões acerca da
montagem: "Flaminio Bollini, que dirigiu com escrúpulo e inteligência a
Os três deuses visitam a pobre camponesa,
interpretada por Maria Della Costa
a obra realizou um trabalho meritório e louvável, ainda que os resul-
tados nem sempre tenham sido positivos. Os intérpretes, todos eficientes, coadjuvaram-no dignamente. Maria Della Costa sustentou o duplo papel de Chen-Tê e Chui-Tá com a sua habitual diligência que, se aproveita à evidência e à clareza da personagem, nem sempre lhe dá aquela independência e o dinamismo que ela deve ter".
Analisando a recepção dessa obra entre nós, a estudiosa Kathrin
Sartingen anota: “Com A Alma Boa de Setsuan, Brecht consegue se impor no Brasil, em que pese o atraso considerável em comparação com a sua repercussão européia. (...) No Brasil, iniciadas bastante tarde mas nem por isso menos extensas, a recepção e a divulgação de Brecht vão conhecer, nos anos que se seguiram a esta primeira encenação, pontos altos e baixos, uma conseqüência lógica das circunstâncias políticas que interferem na vida cultural e – consciente ou inconscientemente – traçam-lhe os rumos”.