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A seguinte recensão foi feita a partir do romance histórico de “Maalouf, Amin.

As Cruzadas Vistas pelos Árabes, 4ta Edição, Brasiliense, São Paulo, 2007.”
Realizado por: Fabián Tello, para a cadeira de História da Igreja Medieval, leccionada
pelo Professor Doutor Adélio Abreu.

As cruzadas vistas pelos árabes não pode ser considerado um livro de história,
como é reconhecido no prólogo, isto deve-se a que não faz uma análise objetiva, crítica
e aprofundada dos factos históricos. Por tal motivo consideramos o livro como um
ensaio de história, ou como um romance histórico. Outro facto, com o qual
reconhecemos que este livro não pode ser considerado como uma obra de história, está
em que os testemunhos compilados pelo autor não podem ser considerados de nenhuma
forma imparciais.

O livro apresenta às cruzadas desde o seu sentido lato 1, este factor deve-se a que
do ponto de vista árabe não se reconhecem às cruzadas como uma peregrinação mas
como uma simples incursão militar, por parte do ocidente, nas suas terras, com o único
objectivo de conquista-las. A narrativa relata os acontecimentos vividos pelos árabes
durante o período das cruzadas, tendo em vista principalmente os relatos de
historiadores muçulmanos deste período, sem fazer o respectivo confronto com
historiadores ocidentais, nem documentos papais e correspondência ocidental, com o
qual ficariam explicadas muitas dos actos dos cruzados.

Amin Maalouf relata os acontecimentos no oriente desde o ano 1096 ao 1291,


sem fazer nenhuma referência de quando as incursões eram militares, por parte dos
venezianos2,ou quando eram cruzadas promulgadas pelo Papa. Neste sentido, o autor
considera que toda incursão militar é uma cruzada que vai desde o ocidente, sem ter em
conta que realmente as cruzadas eram uma peregrinação a Jerusalém na qual os
peregrinos iam armados e dispostos a perder a vida com a finalidade de ganhar o
Paraíso, e não a terra dos orientais.

Na narrativa é ressaltado principalmente o selvagismo dos ocidentais, isto é,


fala-se como se fossem guerreiros a procura de assassinar e conquistar, no qual não
podemos dar um crédito total, pois as intenções dos “peregrinos” eram diversas, mas,

1
Guerra movida pela igreja em nome da fé contra os heréticos e cismáticos e contra os inimigos da
igreja e o papado.
2
O qual não pode ser considerado propriamente uma cruzada.
em geral, estavam a fazer uma verdadeira peregrinação, em base ao chamamento do
Papa, e não eram somente homens armados que realizavam esta viagem.3

Na primeira parte do livro, “A Invasão”, são narrados os acontecimentos entre o


ano 1096 e 1100, de forma geral podemos dizer que é a primeira cruzada. Embora dum
ponto de vista mais exaustivo daquilo que chamamos propriamente cruzada, temos que
admitir que a primeira cruzada seria somente até 10994. A principal razão desta invasão
foi que os Senhores do Egipto pediram aos franj que formassem uma barreira entre o
Egipto e os muçulmanos, assim se percebe a divisão entre os diversos grupos
muçulmanos, particularmente xiitas e sunitas.5

A segunda e a terceira parte do livro, “A Ocupação” e “A Resposta”,


respectivamente, não falam propriamente de nenhuma cruzada, mas dos problemas
internos dos muçulmanos. Na segunda parte temos que ressaltar a imagem do emir
Ilghazi, que recupera alguns territórios que antes foram tomados pelos franj. Também, a
ordem interna do Islão, viu-se afectada principalmente pela ordem dos Assassinos, e
este espaço de tempo é marcado também pelas constantes chamadas ao jihad6 por parte
dos dirigentes orientais. A terceira parte, “A Resposta”, vai desde o ano 1128 ao 1146.
Nesta parte narra-se a aparição de uma nova “espécie” de franj, pois agora estes, na sua
maior parte não conheceram o ocidente, são filhos dos cruzados vindos do ocidente,
pensam e agem como orientais, isto provocara divisões dentro dos muros dos ocidentais.

A quarta parte, “A Vitória”, narra os acontecimentos entre 1146 e 1187, isto é, a


segunda cruzada e o tempo que seguiu até a terceira. Com respeito à cruzada podemos
verificar, que o mundo árabe percebeu a divisão entre os ocidentais, nomeadamente
entre os reis de França e Alemanha, os quais agiram separadamente nos seus planos, por
tal motivo pereceu a maior parte dos seus combatentes, antes de recuperar Édessa que
era o principal objectivo da cruzada, para depois tentar juntos apoderar-se de Damasco,
sendo a única cidade importante que se consideravam capazes de conquistar, onde
foram derrotados rapidamente. Este período está claramente marcado por duas figuras

3
Podemos notar isto na página 70 quando Amin Maalouf diz: “Seu exercito não é nada impressionante.
Alguma centenas de cavaleiros que avançam pesadamente, curvados sob armaduras escaldantes, e
atrás deles uma multidão colorida que reúne mais mulheres e crianças do que verdadeiros
combatentes”
4
O 15 de julho de 1099, os cruzados tomaram Jerusalém.
5
Cf. Maalouf, Amin. As Cruzadas vistas pelos Árabes, 4a Ed, Brasiliense, São Paulo, 2007, pag 51.
6
Guerra Santa: Para o mundo musulmano é uma guerra em favor da sua religião, com a qual o homem
procura a sua salvação.
orientais as quais são Nureddin e o famoso Saladino. Com respeito ao primeiro,
Nureddin, era um homem de grandes virtudes o qual, no livro, é comparado com os
primeiros grandes califas, ressalta na história porque consegue impedir as investidas dos
ocidentais. A morte de Nureddin permite que Saladino se torne Sultão, tanto os
ocidentais como os orientais coincidem em que Saladino era um homem clemente e um
cavalheiro, isto porque respeitava sempre a sua palavra e não permitia mortes vãs. O
aspecto negativo que é ressaltado no livro é que Saladino subiu ao poder através dum
golpe de estado e com a traição à dinastia de Nureddin, que foi seu mestre e com o qual
antes da sua morte já teve muitas discrepâncias. A figura de Saladino é a mais
importante neste período porque consegue recuperar Jerusalém sem ter que batalhar
nenhuma vez.

A quinta parte do livro, denominada “O Sursis” narra a história dos anos


compreendidos entre 1187 e 1244. Este período abarca desde a terceira até a sexta
cruzada. Se mostra um desinteresse no aspecto religioso das cruzadas especialmente no
que respeita à quarta cruzada, onde os “peregrinos” se associam aos venezianos, em
desobediência ao Papa, os cruzados nesta altura tomaram inclusive Constantinopla o
que provoca a separação definitiva entre a igreja oriental e ocidental. Este período vê-se
marcado também por períodos de trégua, ainda assim os franj recuperaram Jerusalém,
na sexta cruzada, a qual é a única depois da primeira que teve algum êxito militar.

A sexta e última parte deste livro, conta a história da sétima e da oitava cruzada,
é denominada por Maalouf como “A Expulsão”, esta parte vai desde o ano 1244 até
1291. Nesta parte acentua-se particularmente o enfraquecimento do herdeiros de
Saladino e retrata também o avanço dos mongóis que colocou ao povo muçulmano entre
dois fogos, franj por um lado e mongóis pelo outro. Por último os escravos do Cairo,
conhecidos como mamelucos, através dum golpe de estado ascenderam ao poder e
expulsam tanto mongóis como franj do oriente.

No Epílogo do livro Amin Maalouf mostra o movimento das cruzadas como o


responsável pela separação e até de certa forma o responsável do ódio entre o oriente e o
ocidente. Também diz que as cruzadas foram a causa pela qual o oriente ficou
culturalmente atrasado, e o ocidente conseguiu um avanço na ciência que antes não
tinha tido.
As Cruzadas vistas pelos árabes dão ao leitor ocidental outro ponto de vista para
o estudo da história geral e da história da igreja em particular, mas é importante ter certo
critério no momento da leitura, pois percebe-se, como já foi dito antes, que está
parcializada e não é objectivamente histórica. Para o leitor comum pode provocar uma
certa repulsão à Igreja daquela época devido à parcialização do livro.

O livro cai no erro de generalização, tudo o que vem do ocidente é reconhecido


como “franj”, sem uma diferença no que diz respeito aos que realmente eram cruzados
e qual era sua proveniência e o que era missão de conquista, principalmente venezianos.
Mas o erro não se encontra somente entre os ocidentais, pois o autor refere muitas vezes
ao oriente sob a designação de “árabe”, da mesma forma sem uma diferença étnica nem
social.

No fim do livro se faz uma referência a que é melhor esquecer algumas partes
desta história, para recuperar as relações entre oriente e o ocidente, mas é de vital
importância o movimento das cruzadas no ocidente pois este permitiu a adopção duma
“cultura orientalista”, isto é, um interesse pela língua, arquitectura, medicina, etc.

Amin Maalouf mostra no livro um movimento de cruzados, impossível de deter


para o oriente. Mas estes grupos enviados desde o ocidente ao ser de certa forma
peregrinos, muitas vezes não tinham nem experiência militar, nem iam o
suficientemente armados para os confrontos que tiveram no oriente. Portanto, podemos
concluir que se o oriente não expulsou antes aos ocidentais dos seus territórios, não foi
especificamente pelo poder dos franj, como se lê no livro, mas antes pelos problemas
internos entre os diferentes grupos muçulmanos, que tinham intenção em sobressair. As
cruzadas deixaram no oriente a consolidação de nações sólidas, que como é evidente
não tinham até a aparição de Saladino.

Não podemos justificar as acções dos cruzados no oriente, mas também não
podemos acusa-los sem ter em conta as razões que os levaram a cometer muitos actos
de conquista e de assassinato, mas temos que dar uma leitura da história que esteja
conforme ao pensamento da época, tanto religiosa como culturalmente. Amin Maalouf
no seu livro faz uma leitura que se pode considerar boa dos acontecimentos, mas muitas
vezes estão interpretadas de acordo com o pensamento moderno, o que provoca no leitor
um certo choque e leva a pensar que a Igreja enviou assassinos para o oriente, pois está
lido fora do contexto temporal dos acontecimentos.

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