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John Holloway
Que fazer com a desilusão? Que fazer quando a democracia não funciona? O
Brasil é um lugar muito especial para colocar-se esta pergunta. Há apenas dois
anos, a esquerda mundial festejou o triunfo de Lula nas eleições. Aqui, por fim,
houve uma grande vitória para a democracia, uma vitória real para a
esquerda. E não de qualquer esquerda, mas de um partido de militância
comprovada, com um líder operário de militância comprovada. Aqui, por fim,
todos podiam ver que era possível mudar a sociedade através de eleições
democráticas.
E agora? Agora, dois anos depois, a desilusão total. A eleição de Lula não
mudou o Brasil, o governo segue implementando as mesmas políticas, as
políticas do capitalismo neoliberal. Que vamos fazer, então, com a desilusão?
Escolher outro líder e esperar que resulte melhor que Lula? Formar outro
partido e esperar que seja melhor que o PT? Isto é o que há de terrível nos
governos de esquerda: quando fracassam (e sempre fracassam) parece que
não há nenhuma solução, e instala-se a depressão.
O fracasso de Lula não é simplesmente um fenômeno brasileiro. É a repetição,
no Brasil, de uma experiência mundial. Há uma palavra que ocorre uma e
outra vez na história da esquerda estadocêntrica em todo o mundo: traição. O
fato de que a traição se repita com tanta freqüência faz com que o próprio
conceito de "traição" caia no ridículo. O fracasso da esquerda não pode ser
simplesmente questão de traição, da culpa de um líder, nem da culpa de um
partido: tem que ter algo a ver com as próprias estruturas. O fato de que esta
não é simplesmente uma experiência brasileira significa que temos que ir mais
além de uma crítica de Lula ou do PT.
II
III
IV
Temos que começar outra vez desde o princípio, e o princípio é o grito, o grito
de NÃO à sociedade tal como existe, o grito de NÃO ao capitalismo. O grito é
tão óbvio no Brasil como no México: um grito de NÃO a este contraste terrível
entre um potencial humano tão exuberante e uma miséria tão espantosa. A
única forma na qual podemos viver como humanos é dizendo NÃO, gritando
NÃO.
Mas o NÃO contém um Sim, um projeto, uma projeção de outro mundo. Gritar
NÃO a este mundo é dizer que outro mundo é possível. Outro mundo é
possível porque nós podemos fazê-lo diferente. Podemos fazê-lo diferente se
lograrmos determinar nosso próprio fazer. O grito de NÃO e o projeto que
contém outro mundo implica um impulso para a autodeterminação. NÃO, vocês
não vão decidir por nós, nós mesmos vamos decidir. Reinventar a democracia
significa articular este impulso para a autodeterminação.
Que fazer, então, com nossa desilusão? Em todo o mundo existe o mesmo
desencanto, uma crise de confiança no Estado e na possibilidade de conseguir
mudanças através da democracia representativa, uma crise de confiança nos
partidos políticos. A pergunta para nós é como reagimos a esta crise. Dizemos
"vamos lutar por um Estado justo, com uma democracia representativa
genuína, e vamos fundar um partido político novo e honesto, que realmente
representa os interesses de seus membros", ou dizemos simplesmente "NÃO
ao Estado, NÃO à democracia representativa, NÃO aos partido políticos"?