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1.

Traços Gerais do Desenvolvimento das relações laborais na


primeira metade do século XIX, em Portugal
1.1 Artesãos e operários e o Liberalismo – dos privilégios
corporativos para o Direito do Trabalho

Conceito de Trabalho no Antigo Regime


O tecido urbano do início de 800 (início do século XIX) caracteriza-se por uma
grande diversidade social, sobretudo nas principais cidades (Porto e Lisboa),
diversidade essa que é típica da sociedade urbana do Antigo Regime.
Proliferam um grande número de profissões nesses centros urbanos em torno
de um artesanato e em torno de uma diversidade de profissões liberais, de
lojistas, de mercadores, entre outras. Neste contexto social variado, destacava-
se ainda uma população organizada em corporações.
As corporações eram uma estrutura que atribuía existência jurídico-política a
artesãos e comerciantes, definindo o seu lugar na sociedade. Este organismo
agrupava profissões e dá-lhe estatuto jurídico-político. Por outro lado, a
fronteira entre a produção e comércio não era nítida no Antigo Regime.
O conceito de trabalho no Antigo Regime insere-se também numa sociedade
marcada pela tradição Cristã. Nesta altura, o trabalho era considerado uma
penitência e a base da virtude.
A Abolição das Corporações
Em 1834, extinguiu-se o conjunto da estrutura corporativa por ser incompatível
com a Carta Constitucional (lai à qual também o rei se submetia), tudo isto
também em nome do progresso industrial.
O decreto de maio de 1834 vai abolir concretamente: os Grénios (agrupamento
dos ofícios), a Casa dos 24, os Juízes do Povo e os Procuradores dos
Mesteres.
Embora o liberalismo tenha contado com o apoio do meio artesanal e urbano, a
articulação entre esse meio artesanal não se reduzia a um processo de simples
fusão. Este processo fez convergir a tradição da cultura e sociabilidade plebeia,
com ideias inspiradas no socialismo utópico e no cristianismo democrático que
se combinaram com o liberalismo na sequência de compromissos assumidos e
não de uma articulação natural.
Do enquadramento corporativo tinha-se passado a uma sociabilidade livre e
individualizada. A associação imposta e baseada na arte do ofício havia sido
substituída por novas formas de sociabilidade que apenas pressuponham uma
concordância ideológica.
À mediação antiga entre individuo e Estado através das corporações, sucedera
uma nova forma de representação política. Era, agora, por via da ideologia e
dos direitos políticos individuais que se enveredava através da integração no
Estado liberal e nacional. Face ao estabelecimento da liberdade do trabalho,
uma nova atitude do meio artesanal e operário vem substituir os valores do
Antigo Regime. Ao conceito específico de trabalho, próprio do Antigo ofício,
sobrepõe-se o conceito abstrato de trabalho. Já não era no âmbito dos limites
corporativos que se pretendia manter a segurança, mas no quadro de uma lei
geral e nacional. A Nação absorvera a corporação. À república dos ofícios
sucedera, na imaginação política, a república dos cidadãos. Neste contexto,
esboçavam-se as primeiras reflexões socialistas e republicanas que se irão
desenvolver ao longo da aproximação do século XX.
Formação da Grande Indústria
Embora a industrialização em Portugal não tenha atingido a amplitude e
projeção de outros países, é verificável um desenvolvimento assinalável em
certos ramos industriais nas últimas décadas do século XIX. Em 1881, como se
pode concluir do Inquérito Industrial, existiam algumas grandes empresas como
é o caso das que estavam no ramo dos tabacos - “Companhia de Vendedores
de Tabaco Regalia”, em Lisboa, que empregava 260 operários e utilizava a
força do vapor. É também o caso da “Companhia Lusitana”.
O desenvolvimento global da produção industrial, dos anos de 1880 em diante,
revela o progresso da grande indústria dentro da realidade nacional. No início
do século XX, a grande indústria capitalista já se encontrava instalada em
Portugal, embora subsistissem numerosos pequenos produtores. Nos finais do
século XIX assiste-se também ao crescimento de certas tendências
monopolistas em alguns setores industriais. O progresso técnico da indústria, o
aparecimento e alargamento da maquinofatura, a formação de empresas com
grandes capitais e supressão progressiva da pequena produção, tornam-se
uma realidade nos finais de 800.
A evolução económica que se registou foi facilitada pelo aparecimento das
sociedades anónimas, do comércio bancário e pela simplificação dos
instrumentos de crédito.
2. A População Industrial
O estudo da população industrial neste período é o que melhor caracteriza, em
termos demográficos, a dinâmica do capitalismo.
Apesar do 1º registo oficial da população ter sido efetuado em 1864, em
Portugal, os dados reunidos por alguns demógrafos em períodos anteriores, já
nos tinham dado uma vista panorâmica da população na 1ª metade do século
XIX (Franzini e A. Balbi – estudiosos de demografia).
Se avançarmos para o Inquérito Industrial de 1881, vemos que já são
registadas cerca de 85 000 pessoas afetas aos serviços industriais. Em
1890/1891, cerca de 2 milhões de pessoas, em Portugal, viviam da agricultura
e a população ativa era cerca de 1 400 000. A grande maioria da população
industrial era ainda absorvida pelas pequenas oficinas com menos de 10
operários.
O crescimento do operariado, ao longo do século XIX, explica-se por diversos
fatores:
 Libertação de dependência feudal
 Aumento de assalariados
 Aumento da mão de obra oferecida por aprendizes
 Desenvolvimento da economia de tipo capitalista (maquinofatura)
 Crescimento da população

3. Nível de Vida e Condições de Trabalho


A Revolução Industrial e a afirmação do liberalismo são os grandes
catalisadores das mudanças ocorridas ao longo do século XIX. Todavia, trazem
consigo novas problemáticas, nomeadamente, de cariz de registo social. Com
efeito, o agravamento das condições de vida das classes trabalhadoras
verificou-se em quase todos os países imediatamente após o aparecimento da
produção capitalista em larga escala (produção em massa devido às
máquinas).
Foi a introdução da maquinofatura na produção que levou, em geral, ao
agravamento das condições de vida da população industrial:
 Redução da mão de obra com introdução da máquina (desemprego)
 Recurso ao trabalho feminino e infantil (exploração; salário baixo ou
inexistente)
 Diminuição do salário

4. O operariado e a sua relação com o Estado Liberal


4.1 A Situação da Classe Trabalhadora
A classe trabalhadora deparou-se com o excedente demográfico proveniente
do mundo rural. Por outro lado, a produção nacional orientou-se quase
exclusivamente para o mercado interno, pois era praticamente impossível
competir com os produtos estrangeiros no mercado externo.
As empresas eram de dimensão reduzida e assentes no modelo, em muitos
casos, artesanal. A população operária distribui-se por várias atividades
industriais, sendo que a industrial têxtil e o setor da fundição tinham primazia
neste processo de industrialização.
No regime de liberalismo económico, com o Estado pouco interventivo, sem
organismos de defesa ou assistência aos trabalhadores com um programa
assente nos baixos salários, era inevitável que as condições de vida dos
trabalhadores fossem de miséria. As primeiras vítimas destas condições eram
as mulheres e as crianças. Além disso, os únicos socorros em caso de doença
ou acidente eram garantidos pelos “Montepios” paroquiais e pelas associações
de socorros mútuos (sociedade civil). Esporadicamente, alguns patrões
prestavam certa assistência aos herdeiros do “inválido do trabalho”.
O analfabetismo era quase generalizado entre o operariado, especialmente o
que provinha das zonas rurais. A falta de preparação, tanto nos dirigentes
como nos trabalhadores em geral, era a causa de um rendimento reduzido. A
falta de preparação profissional e técnica acaba por afetar patrões e operários.
Um outro aspeto que caracterizava estes tempos era a insalubridade da fábrica
(falta de condições de trabalho).
4.2 A Intervenção do Estado
Num país dominado pelo liberalismo político e económico, dificilmente se podia
esperar alguma intervenção do Estado em favor dos trabalhadores. O Estado
negava-se à intervenção no domínio social, porque este era constituído por
políticos e não por sociólogos ou economistas, ou seja, os políticos que
governavam o país e o subordinavam a todos os interesses do seu partido.
Só depois de meados do século XIX, com a acalmia política, é que os governos
começaram a demonstrar mais preocupações com o desenvolvimento
económico. Mesmo assim, a regra era a e todas as soluções dos problemas
económicos e sociais estarem à merce do livre jogo das leis do mercado
(liberalismo puro).
Todos os problemas económicos e sociais como contrato de trabalho ou as
associações profissionais, eram regulados pelo Código Civil (1867), que se
inspirava no Código de Napoleão, resultava dos princípios do individualismo.
Assim se explica que as legislações sobre os problemas laborais apareceram
tardiamente e de forma tímida.
Higiene no Trabalho
As primeiras medidas relativas à higiene e segurança no trabalho foram
adotadas já na segunda metade do século XIX, embora só a partir dos inícios
do século XX é que começaram a ter maior eficácia, particularmente já no
contexto da Primeira República, onde se começou a regulamentar de forma
eficiente sobre as questões de higiene, segurança e saúde no trabalho.
A duração do Trabalho
Segundo a tradição e influência do fator religioso, a luta pelo descanso
semanal fazia com que esse dia coincidisse com o domingo. É com o decreto
de 3 de agosto de 1907 que se passa a regulamentar um dia de descanso
semanal que deveria coincidir com o domingo.
Quanto à duração de 8 horas de horário laboral, só com o decreto de 25 de
agosto de 1922 é que essas horas ficam estipuladas na legislação.
Trabalho Infantil e da Mulher
A legislação relativa ao trabalho de menores e da mulher só surgiu em 1891.
Arbitragem
Em 1889, criaram-se os tribunais de arbitragem que tinham por missão resolver
problemas sobre todos os litígios relacionados com execução de contratos e
acordos de trabalho entre patrões e operários, bem como as questões de
salário e da qualidade de mão de obra, horários, etc.
Associações Profissionais
Apesar do Estado se negar a intervir diretamente, não deixava de exercer uma
ingerência sobre o associativismo. Progressivamente, as associações de
classe que marcaram a fase final do século XIX vão transformar-se em
autênticos agrupamentos políticos.
O Seguro contra acidentes de trabalho
O Código Civil continha certas disposições fundamentais que, embora ainda
muito vagas, implicavam a responsabilidade do patrão somente nos caos em
que era declarado culpado em caso de acidente. Alguns decretos posteriores
(60 anos depois), regulamentavam com mais pormenor estas medidas,
nomeadamente em certas profissões (construção civil, minas, entre outras).
Em suma, a legislação oitocentista, nesta matéria, ficava muito aquém de
garantir aos trabalhadores uma defesa suficiente contra os riscos de acidente.
Em muitos casos, tudo dependia da generosidade patronal. Só em 1919 a lei
irá regular de modo mais eficaz este problema da segurança no trabalho. Aliás,
nesse mesmo ano viria a ser criado um organismo público designado por
“Instituição de Prevenção Geral e Seguros Sociais obrigatórios” para ajudar os
trabalhadores em caso de necessidade (anteriormente também existiam, mas
eram organizadas por civis).
Instituto Nacional do Trabalho
Irá surgir já com a República e o primeiro texto legal criador deste instituto é de
1925. Sob a tutela ficaram todos os problemas de trabalho de horários,
descanso semanal, salário, etc., assim como os serviços sociais e funções
consultivas. Todavia, este projeto nunca chegou a ser cabalmente
implementado. Logo em 1926, as atribuições deste instituto passaram para
outro organismo de prevenção geral e seguros sociais. Nesta altura, a ausência
de iniciativa governamental não era compensada pela iniciativa privada.
Outra problemática subjacente à condição operária é a habitação. Esta
situação provocou uma reação humanitária que partiu da classe média/alta. É
neste contexto que começaram a ganhar corpo os célebres “Bairros Operários”,
muitos deles de iniciativa cooperativa.
Surgem ainda variadas instituições de beneficência, nomeadamente na área da
saúde (Santa Casa da Misericórdia), de cariz privado.
A par destas organizações são também reforçados as associações de socorros
mútuos e os Montepios.
5. As obras Assistenciais Católicas
O espírito cristão não permaneceu insensível à situação operária. Esta
preocupação era considerada um desígnio nacional e tinha-se manifestado de
forma mais clara em algumas organizações católicas como, por exemplo, as
Misericórdias.
Desde os finais do século XIX, uma poderosa rede de instituições de caridade
e assistência estendeu-se a todo o país, particularmente às zonas industriais.
Nestas redes há a destacar ainda as conferências de S. Vicente de Paulo, que
vieram reforçar essa rede de atividade caritativa.
Todavia, a postura destes organismos tendia só ao aliviar a miséria operária
quando era também importante tomar medidas de fundo com vista à
transformação da própria realidade e condições de vida da classe operária.
Com o aproximar do século XX, surgiu em Portugal um movimento social
católico dando um importante contributo já no sentido da obtenção de uma
maior justiça social. Neste sentido, vamos ver surgir um grande movimento de
operários católicos que se vai organizar em torno dos círculos católicos
operários.

6. A ação operária e a formação do movimento operário


Os trabalhadores portugueses ao tomar consciência de uma solidariedade
operária, iniciaram um processo de organização com vista à defesa das suas
reivindicações, embora este tenha sido um processo tardio.
Os trabalhadores portugueses viviam concentrados nos grandes centros de
Lisboa ou Porto ou noutras localidades com tecido industrial. Acresce a isto
que as comunicações eram ainda difíceis e toda a perspetiva de organização
ficava debilitada. Por outro lado, a própria legislação era ainda muito rígida e
individualista.
Foi graças à propaganda e às iniciativas do Centro Promotor que ganhou corpo
a tomada de consciência da classe operária. Até aqui, a sua organização e
ação circunscrevia-se na linha tradicional das associações corporativas. A
partir daqui (da fundação do Centro Promotor do operariado), é adotada uma
orientação nitidamente socialista. É também a partir deste Centro que se
estabeleceram os primeiros contactos entre o operariado português e as
organizações operárias internacionais, por exemplo, a secção da Internacional
de Madrid enviou a Portugal alguns dos seus delegados que se reuniram
(clandestinamente) com o diretor do Centro Promotor Operário, o socialista
José Fontana. A este juntaram-se outros nomes como Antero de Quental, um
dos mais influentes intelectuais de Portugal.
Em 1872, o Centro publica o manifesto que dá conta das grandes
preocupações da classe trabalhadora com vista a uma ação comum. Por esta
altura, também a propaganda operária francesa, bem como o ambiente vivido
em torno da Comuna de Paris (primeiro governo operário da história) fez-se
sentir.

7. A ação operária e a formação do movimento operário (socialista)


A Afirmação do Movimento
As iniciativas dos grupos operários de Lisboa estendiam-se progressivamente a
outros centros do país (Porto). As próprias associações de operários reuniam
cada vez um maior número de operários. Aliás, as sedes das Associações de
Classe foram também expandidas para toda a província na sequência de um
intenso movimento de propaganda operária.
Nos finais da década de 70 existiam já cerca de 75 associações de classe.
Essas associações foram uma espécie de pré-sindicatos que proporcionavam à
classe operária dirigentes e organizadores de movimentos em massa.
Simultaneamente, as ideias socialistas vão ganhando terreno, defendidas por
um grupo de intelectuais embora restrito, mas muito ativos. Através de um
crescente movimento de greves, o trabalhador afirmava a sua vontade e media
forças face à classe patronal. Este fenómeno (greves) começou a manifestar-
se logo a partir dos anos 70 com greves dos metalúrgicos. Podemos dizer
inclusive que as entidades patronais daquele tempo começaram a ceder face
às reivindicações do operariado. A partir daqui a greve foi considerada uma
arma ao serviço da luta operária. Como resultado mais visível deste
movimento, sublinha-se a diminuição do horário laboral e a luta contra a
designada arbitrariedade patronal em questões de despedimento.
Estas questões conduziram a importantes movimentos que tomaram um
caracter mais político do que social. Com efeito, organizaram-se comícios e
instalaram-se comissões e fizeram-se múltiplas interpelações ao parlamento.
Já em 1889, com a imposição do imposto sobre o salário, vai agravar-se a
agitação operária. Os metalúrgicos, chapeleiros e trabalhadores do tabaco
organizaram vários movimentos grevistas, registando-se manifestações
violentas. Com o surgimento da República que aboliu a legislação repressiva
(do Código Penal), as greves multiplicaram-se. Em 5 anos (1907-1912)
registaram-se mais de 120 greves.
Congressos Operários
Uma das preocupações mais imediatas dos dirigentes operários foi a
organização de congressos sociais operários. Estas reuniões proporcionavam
à classe trabalhadora uma visão de unidade e sensação de força. Nestas
reuniões, a classe operária vai fixar objetivos concretos a alcançar na sua luta.
Os congressos acabaram por se fixar no que poderíamos chamar de “Elite dos
Dirigentes e Militares Operários”. Todavia, a partir da década de 90 e inicio do
século XX, começaram também a ser frequentes os Grandes Comícios para as
massas trabalhadoras.

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