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Cultura organizacional

'11 vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer com 80 anos
e fôssemos lentamente atingindo os 18."
MarkTwain

Neste capítulo. o leitor tomará conhecimento dos seguintes pontos-chave:

o Conceito de cultura organizacional.


o Componentes da cultura.
o Posturas culturais das organizações.
o A contracultura.
O A importância da cultura na gestão de Gestão Estratégica de Pessoas (GEP).

Toda organização possui uma cultura própria que a identifica e que forma o
conjunto que realça os seus costumes - seu way of life -, suas crenças e seus valores.
É pela sua cultura que uma empresa fixa a marca do seu perfil e também orienta
ou controla o comportamento daqueles que a formam.
Ao tratarmos dos indivíduos dizemos, que cada pessoa tem a sua própria cultura
e a sua própria personalidade, características que os diferenciam dos demais. Nas
organizações é possível traçar uma analogia com os indivíduos, já que cada empresa
tem a sua própria cultura e a sua própria sintalidade, 1 que a torna igualmente dife-
renciada das demais.

Sinônimo de personalidade, exprime a personalidade grupal.

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i~i Parte 3 O Recursos humanos em nível estratégico

23.1 Formas de cultura


Há diversas maneiras de considerar a palavra cultura. Originalmente, esse termo
tem a sua raiz no latim, colere, cultus. Assim temos, segundo Ullmann, 2 cultura de
abelhas, de bactérias, de campo etc.; porém, em sentido lato, a cultura, referindo-se
ao ser humano, expressa o modo como este encara as coisas, o mundo, o sentido da
vida. Temos, então, cultura como sinônimo de mundividência.

23.2 Cultura objetiva e subjetiva


Ainda sobre a palavra cultura, sob o ponto de vista da chamada "cultura subjetiva':
é a que exprime o desenvolvimento cognitivo das pessoas (inteligência, conhecimento,
memória etc.). A ponta oposta é representada pela "cultura objetiva'': aquela que os
antropólogos usam para identificar a maneira de ser de cada um (crenças, valores etc.).
A cultura organizacional é tão estreitamente dependente do conjunto de valores
das pessoas que a formam que, segundo Laraia, 3 a coerência de um hábito cultural
somente pode ser analisada a partir do sistema a que pertence.
A responsabilidade de conhecer, analisar e acompanhar a evolução da cultura
organizacional é uma das grandes tarefas da gestão da GEP, tendo em vista a grande
variedade de visões da cultura e as constantes mudanças que os cenários que a al-
bergam e a cercam lhe impõem. É um dos maiores desafios da GEP e do seu analista
organizacional, a ponto de, conforme afirma Motta, 4 obrigá-lo a adotar uma atitude
constante de cientista sempre atento às armadilhas das ideias fora do lugar.

23.3 Conceito de cultura organizacional


Entre os inúmeros conceitos existentes na literatura, escolhemos o de Schein5
por ser um dos mais ricos e aquele que mais se aproxima do entendimento da GEP,
conforme segue:

Cultura organizacional é o modelo de pressupostos básicos que um grupo assimilou na


medida em que resolveu os seus problemas de adaptação externa e integração interna e
que, por ter sido suficientemente eficaz, foi considerado válido e repassado (ensinado)
aos demais (novos) membros como a maneira correta de perceber, pensar e sentir em
relação àqueles problemas. (grifos nossos)

2
ULLMANN, R Antropologia: o homem e a cultura. Rio de Janeiro: Vozes, 1991.
3
LARAIA, R de B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 90.
4
MOTTA, F. C. P. ln: FREITAS, Maria Ester. Cultura organizacional. São Paulo: Makron Books, 1991.
5
SCHEIN, E. Organizational culture and leadership. California: Jossey-Bass Publisher, 1997.

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Capítulo 23 O Cultura organizacional t93
É interessante notar que esse conceito traz à tona reflexões que precisam ser con-
sideradas pela importância, enquanto parâmetros de comparação e de avaliação de
grupos. Não há grupos de trabalho sem cultura ou sem um mínimo resquício (seria
apenas um agregado de indivíduos e não um grupo), assim como não há que se falar
em cultura fora da observação grupal. Para esclarecer mais detalhadamente o que
Schein explica como ((cultura organizacional': vamos analisar a Figura 23.1, a qual
tem o papel de elucidar com maior profundidade o processo de formação de uma
cultura. Nela, é possível concluir que uma cultura se forma de maneira consensual, à
medida que os membros de um grupo encontram uma resposta adequada ao padrão
do grupo a que pertence e, em aceitando essa solução, passa não só a adotá-la, mas,
principalmente, a difundi-la para os demais membros como o ((padrão ideal" para
obter a resposta desejada naquele particular.
O looping que se forma na repetição constante dessa prática cria o conjunto de
valores e crenças que denominamos "cultura organizacional". Esse conjunto é obvia-
mente mutável, dinâmico e dependente das mudanças dos cenários que permeiam
o interno e o externo da empresa, fazendo com que se entenda a cultura como um
processo constante de adaptação às contínuas mudanças que o tempo e o espaço
produzem por meio das mutações dos próprios sistemas de valores que o sustentam.

Figura 23.1 Fluxograma do modelo de Schein

PRESSUPOSTOS DA CULTURA ORGANIZACIONAL

Um Valor _ le_
va____ Co mpo rta menta ,______._
u_ e _c_na
_ u_
m_a_ So Iução

que produz

na medida em ue é Pressuposto
respostas aprendidas
subjacente
(como são as coisas realmente)
como

saí do nível e se torna Verdade


Verdade Consciência
inquestionável

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23.4 Componentes da cultura


São componentes da cultura:
1. Valores: são crenças e conceitos que moldam o contorno cultural de um gru-
po, estabelecendo padrões de comportamento, de avaliação e de imagem. Em
uma organização, o sistema de valores baliza e demonstra claramente quais
as prioridades e os caminhos que a empresa normalmente deseja seguir na
busca dos seus objetivos. Alguns exemplos de valores adotados pelas organi-
zações e seus respectivos pesos são apresentados na Tabela 23.1.

Tabela 23.1 Valores organizacionais

Valores organizacionais Peso 0/o


Busca de inovação tecnológica 100
Lucratividade 100
Assistência e desenvolvimento das pessoas 90
-

Seriedade e honestidade 90
Valores organizacionais Peso 0/o
-----------
ºcliente acima de tudo 90
Preocupação com a qualidade 80
Segurança 80
Imagem da empresa 70
Relacionamento interpessoal 60
Prioridade para o planejamento em curto prazo 50

2. Ritos: praticados com a finalidade de perpetuar, no dia a dia, os valores or-


ganizacionais e tornar a cultura mais coesa. Exemplos: café da manhã com o
presidente (o presidente da empresa convida duas ou três vezes por semana
um grupo de empregados para tomar o café da manhã no seu gabinete, tro-
cam ideias, sugestões etc.), trote na universidade e outros. Existem diversos
tipos de ritos, entre eles:
O Os ritos de passagem: são celebrações em que se enfatiza a mudança de uma
situação para outra (por exemplo, uma formatura, um casamento etc.).

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O Os ritos de iniciação: identificam momentos de entrada em determina-


das situações ou grupos, como a apresentação de um recém-nascido à
mãe; a apresentação de um novo empregado aos departamentos da em-
presa, a admissão de um novo "irmão" na maçonaria etc. Há também
ritos de saudação, ritos de viagem, ritos de nomeação, de inauguração,
de excomunhão (na igreja) e de ostracismo, de sacrifício e outros.
3. Mitos: são figuras imaginárias, geralmente oriundas da interpretação de fatos
não concretos e que são utilizadas para reforçar crenças organizacionais com
o intuito de manter certos valores históricos. Um exemplo de um m ito é a
afirmativa "nossa empresa é uma grande família': Os mitos são renovados
constantemente por meio dos ritos, razão pela qual perdem a propriedade
de terem acontecido somente uma vez. Revestem-se, segundo Ullmann, 6 de
cunho eterno e correspondem a um precioso legado cultural.
4. Tabus: no processo cultural, os tabus têm a função de orientar comporta-
mentos e atitudes, principalmente enfocando questões de proibição ou de
coisas não bem-vistas ou não permitidas. Por exemplo: questões de raça, pre-
sença indesejada de mulheres, questões de religião etc.

Retornando à perspectiva da gestão da GEP, é importante que, após as explica-


ções que antecederam e conceituaram a questão da cultura organizacional, se analise
com extremo cuidado o ângulo de ataque que a gestão da ARH deve abordar no
tratamento dessa matéria.

23.4.1 Valores compartilhados


Denominam-se compartilhados os valores que tanto os empregados quanto a
empresa têm em comum. Esse conjunto de valores representa a concentração de es-
forços da administração estratégica de RH na construção de uma cultura organiza-
cional. Não somente formam a pilastra de sustentação de uma cultura, que se destaca
assim por ser densa, coesa e homogênea, como também identificam e aproximam as
partes (empresa/empregado) no atingimento de objetivos comuns.
Esses valores compartilhados devem ser entendidos como os geradores dos im-
pulsos do comportamento e das atitudes dos membros da organização. Certamente,
ao procurarmos conhecer as razões de determinadas atitudes ou comportamentos
adotados, tanto pelos líderes da empresa quanto pelos liderados, nós as encontrare-
mos no âmago do próprio sistema de valores compartilhados.

6
ULLMANN, 1991, p.195.

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23.5 Posturas empresariais


Antes de comentar o papel da GEP na cultura organizacional, faz-se necessá-
rio lembrar as posturas empresariais mais frequentemente encontradas em empresas
que direta ou indiretamente mantêm vínculo com culturas estrangeiras:
1. A postura etnocêntrica.
2. A postura policêntrica.
3. A postura geocêntrica.

23.5.1 Postura etnocêntrica


É aquela adotada por organizações que creem que são "superiores" às demais em
termos culturais e, portanto, em seu interior fazem prevalecer os seus valores origi-
nais (da matriz ou de seu país de origem).

23.5.2 Postura pai icêntrica


É a da empresa que pratica exatamente o oposto à anterior: parte da premissa de
que o local (ou país) que a hospeda pratica uma cultura que ela, empresa, considera
mais conveniente adotar, implementando, assim, atitudes e procedimentos prove-
nientes da cultura local.

23.5.3 Postura geocêntrica


É uma política empresarial que adota uma postura proveniente de um mix entre
as duas anteriores: enquanto mantém os seus valores e crenças básicas originais, pro-
cura adaptar-se às diferenças regionais do local onde está inserida.

23.6 Contracultura
O fenômeno da contracultura acontece quando é observada a adversidade
entre um sistema de valores e outro. Quando surge entre os componentes da es-
trutura organizacional a necessidade ou o sentimento de valores contraditórios
àqueles já instalados, inicia-se o movimento - consciente ou inconscientemente -
da contracultura.

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Ullman 7 define a contracultura como uma manifestação, por parte de grupos
maiores ou menores, de cunho reacionário contra valores culturais tradicionais, que
revelam insatisfação, daí a busca por inovação.
Atitudes de não integração ou não participação entre áreas de trabalho podem
estar sinalizando, no fundo, um resquício de contra-cultura ou de "contra-acultura-
ção': isto é, de resistência à adoção de valores comuns para o atingimento de objetivos
comuns.

23.7 A GEP e a cultura organizacional


Assim fixadas as principais definições relativas à cultura organizacional, resta-nos
abordar o papel da GEP nessa questão.
Inicialmente, é preciso destacar a importância que o assunto merece como
instrumento de gerenciamento organizacional. Muitas organizações - principal-
mente as de pequeno e médio porte, cuja ARH ainda se encontra no nível tático-
operacional - não se dedicam a essa importante questão, quer porque a cúpula
da empresa desconhece a sua magnitude, quer pela incompetência técnica e/ ou
política do gestor de RH.
O fato é que existe um grande número de organizações que não investe em pro-
gramas de manutenção ou desenvolvimento de sua própria cultura, permitindo que
uma série de disfunções e patologias atinja a pirâmide empresarial, causando sérios
danos ao ambiente e, principalmente, à produtividade e à qualidade dos resultados.
Aquelas organizações mais preparadas, com executivos sensíveis, cuja visão ul-
trapassa o médio prazo, já perceberam a importância que representa para a con-
secução dos objetivos organizacionais o fato de ter equipes coesas, que canalizam
energias numa mesma direção, com ritmos e vontades que soam em uníssono. Assim
como perceberam também que esse uníssono só se consegue pela formalização de
princípios (leia-se ccvalores") endossados, homologados e difundidos pelas diversas
lideranças da empresa a todos os componentes da organização.
Em outras palavras, se por um lado é sabido que toda organização (enquanto si-
nônimo de grupo) carrega consigo traços culturais próprios que a definem - portan-
to, tem uma cultura-, por outro, é comum observar que são poucas as organizações
que ex:ternam essa cultura, aceitando-a formalmente, defendendo-a e difundindo-a
a todos os seus empregados.

7
lJLL~, 1991,p.322.

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A percepção dessa realidade provém da observação que o autor tem realizado, ao


longo do tempo, em dezenas de organizações onde atuou como consultor organizacional,
tendo a oportunidade de verificar as diferenças existentes entre empresas possuidoras de
ambientes onde a cultura é difundida ao longo de toda a estrutura e, ao mesmo tempo,
objeto do discurso do dia a dia e empresas onde não se cultiva essa mesma prática.
Nas primeiras, é nítida a impressão de estar num clima mais harmônico, em que há
menos "divergências" entre as pessoas, e, quando existem, os atritos são mais facilmen-
te diluídos, as comunicações fluem em todos os sentidos com mais facilidade e o com-
prometimento no sentido de solucionar os problemas é assumido por todos. Não existe
aquele sentimento de "esse é um problema do 'seu' setor, você que o resolvà' ou "dirija-se
àquele setor, pois o problema é 'deles', não meu':
Ao estar numa empresa em que a cultura organizacional é difundida e os valores e as
crenças são pontos de referência claros e compartilhados entre todos, há um acordo tácito
que lembra o lema histórico dos mosqueteiros de Dumas: "Um por todos, todos por um':
É o que acontece em organizações geridas por uma GEP cuja metodologia prevê,
basicamente, cinco passos:
1. Analisar e diagnosticar o perfil cultural da empresa.
2. Identificar os elementos que compõem o conjunto cultural da organização
(cruzando o real e o desejado).
3. Negociar e fixar junto aos grupos componentes da estrutura organizacional
os valores e crenças compartilhados que deverão sustentar o programa de
cultura da em presa.
4. Desenvolver as lideranças como referenciais de fixação dos elementos cultu-
rais e multiplicadores internos.
5. Acompanhar e avaliar o processo através de instrumentos de pesquisa de cli-
ma e de cultura organizacional, recebendo o feedback e os subsídios necessá-
rios para a introdução de eventuais ajustes.

O papel da GEP é fundamental não só pela implementação de um programa


formal de identificação e fixação de uma cultura organizacional, mas principalmente
pela sua manutenção ao longo do tempo.
Freitasª ensina que do ponto de vista da análise cultural a ARH é o canal que
"materializa a consistência interna da cultura': por meio de:

8
FREITAS, M. E. Cultura organizacional: formação, tipologias e impacto. São Paulo: Makron Books, 1991.

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O Definição de perfis compatíveis com os valores que orientarão o R&S.
O Desenho de programa de treinamento e de desenvolvimento que passam a
enfatizar a história da organização, incluindo depoimentos de heróis e fil-
mes que fazem o primeiro trabalho de inculcação socializante.
O Elaboração de sistemas de recompensas e status que visam a premiar não so-
mente a competência, mas também - e às vezes principalmente - a lealdade
e o comprometimento com os valores esposados.
O Definição de carreiras e critérios para avaliação, buscando reforçar a filoso-
fia, as crenças e os mitos existentes.
O Recuperação de ((desviantes", esclarecendo e aconselhando quanto às nor-
mas de comportamento exemplar.
O Preparação de solenidades para celebrar heróis e destacar o reconhecimento
do comportamento exemplar.
O Veiculação de histórias que revigorem os valores, as prioridades, os mitos
eleitos etc.
O Definição e interpretação de mensagens adequadas através da "imprensa internà:

Finalmente, é importante destacar que todo trabalho de acompanhamento cultu-


ral, originalmente coordenado pela ARH estratégica, é implementado na organização
por meio da participação de todas as lideranças e "espelhos" existentes na estrutura.
São esses, na verdade, os elementos incrementadores e multiplicadores da cultura
e dos subprodutos que dela se originam para orientar e facilitar o atingimento dos
objetivos individuais, grupais e empresariais.

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