Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Para Um Novo Paradigma Historiográfico
Para Um Novo Paradigma Historiográfico
Carlos Barros
Universidade de Santiago de Compostela
A história em crise
A crise da história, como disciplina, faz parte de uma cris geral, ideológica,
política, de valores, que afeta o conjunto das ciencias sociais e humanas. Muito do que vamos
falar sobre crises e saídas poderia aplicar-se, mutadis mutandis, à antropologia ou à sociologia,
mas vamos referir-nos àquilo que conhecemos e que nos interesa mais: a história como ofício,
na transiçâo enre dois séculos.
Vamos explicar em três frases como se foi manifestando essa crise de fim de
século da história[4], tomando como referència as décadas dos anos 1970, 80 e 90 (as
tendências que analisamos se mostram com clareza no final de cada período cronológico).
Paralelamente, devemos deixar claro que nos estamos referindo à evoluçâo da historiografia
internacional, em geral, mais que a Espanha e a América Latina receberam o impacto das
historiografias mais avançadas com uma defasagem cronológica, que nos obrigaria a introduzir
variaçôes temporais na pressuposiçâo de nossas historiografias nacionais. Defasagem que, é
preciso dizer, é cada vez menor. Na última década do século, a globalizaçâo historiográfica está
reduzindo a distância entre as historiografias nacionais, transmitem-se mais rapidamente as
mudanças: no século XXI, viveremos ainda mais simultaneamente as evoluçôes da história e da
historiografia.
De modo que a historiografia européia avança, nos anos 1970, mais que a
história econômica e estrutural: a francesa, desenvolvendo o que se chamou a história das
mentalidades, e que se desdobrou, depois, em história do imaginário, antropologia histórica,
nova história cultural...[6]; e a inglesa, impulsionando um novo tipo de história social, nâo
estuturalista.
A fragmentaçâo
A primeira grande fissura foi o retorno do sujeito, nos anos 1970, mental e/ou
social, porque, até esse momento, importavam sobretudo a história econômica e a história das
estruturas sociais[9]. Desde entâo, temos uma história objetiva e uma história subjetiva, e aí
começam a diversficaçâo e o distanciamento de umas especialidades em relaçào às outras:
raramente a história econômica contempla o sujeito; raramente a história das mentalidades
inclui o socioeconômico.
Nos anos 1980, acontece o segundo grande retorno do sujeito. Nesse caso,
trata-se do sujeito tradicional –a biografia, a narraçâo, a história política- cujo ingresso lança
um notório desmentido à revoluçào historiográfica do século XX, animada pela escola dos
Annales, pelo marxismo e pelos setores reciclados da historiografia tradiciaonal. Produz-se,
paralelamente, uma implosâo, uma explosâo de dentro, do paradigma comum dos novos
historiadores: uma crise global das três grandes correntes que renovaram a maneira de
escrever a história no século que acaba. Falou-se, em separado, da crise dos Annales, da crise
da história social, da crise da cliometria[10]: cada um vendo o cisco no olho alheio e nâo a viga
no próprio, sem compreender –até mesmo hoje, quando se torna, se possível, mais evidente-
o caráter global da crise da história e, menos ainda, a subjacente mudança de paradigmas.
Contudo, que aprendemos do debate Fukuyama –já que a História nâo tem
uma meta prefixada?[14]; conclusâo realmente revolucionária, porque vimos da tradiçâo
judeu-cristâ, cuja leitura providencialista da historia faz com que esta termine no Juízo Final;
teleologismo que a filosofia alemâ do século XIX continuou, substituindo a ressurreiçâo dos
mortos e a segunda vinda de Jesus pelo Estado liberal hegeliano, primeiro, e pela sociedade
comunista de Marx e Engels, depois. A filosofia ocidental mais influente foi finalista, aceitar,
agora, que o futuro esteja aberto nâo justificaria, ainda que nâo houvesse mais motivos, pois
os há, falar de um novo paradigma da história, que nos faz mais livres, porque nos sabemos
mais responsáveis por nosso destino?- os futuros sâo vários, e a funçâo do historiador, dando a
conhecer as encruzilhadas da história, é fazer ver –a nossos contemporâneos- que existem
futuros alternativos, contingentes.
Vejamos alguns desafios que o novo século projeta, segundo nosso ponto de
vista, para novo paradigma da escrita da história:
- A história fragmentada dos anos 1980 nâo serve para o mundo globalizado que
vem. Urge retomar o conceito da história global, buscar novas formas de levá-lo à prática e
estudar, em suma, por que fracassou o paradigma de “história total” da historiografia do
século XX.
Depois da crise
O novo paradigma nâo pode ser –ou seja, nâo responde às exigências do
contexto e ao consenso da comunidade– o simples retorno à história tradicional, individualista,
das grandes batalhas, mas tampouco a fuga para adiante da fragmentaçâo pós-moderna, sem
prejuízo de se assumirem os aspectos positivos de ambos os planejamentos (que tâo depressa
convergem como divergem).
Entre os anos de 2010 e 2020 vai-se produzir, por razôes biolôgicas, uma
grande substituiçâo geracional, que cabe aos centros de investigaçâo e de ensino. Como se
sabe, o novo e o jovem nâo tem, automaticamente, por que serem mejores, mais progressistas
ou mais eficazes que o velho; o último serviço que debe prestar uma parte da geraçâo de 1968,
a mais autocrítica e menos arrependida, antes de desaparecer dos grandes e pequenos postos
de decisâo, é fazer-se ponte para que a nova geraçâo, que ignora em demaisa –e, portanto,
mitifica em excesso- a história recente, aprenda de nosso passado mais imediato e possa abrir
novas avenidas para a história- que assim seja e que o “espírito” de March Bloch nos ajude.
* Versâo escrita das conferências realizadas, com esse mesmo título, no dia 23 de abril
de 1998, na Faculdad de Ciencias Sociales de la la Universidad Autónoma de Chiapas (San
Cristóbal de las Casas) e, no dia 24 de junho de 1998, na Faculdad de Humanidades e Artes da
Universidad de Rosario (Argentina).
[1] Num recente filme inglês, Two Deaths (1995), vários comensais celebram um
banquete, em casa do médico de Ceaucescu, enquanto, na rua, acontece a revoluçâo
democrático romena, aparentando indiferença para com alguns fatos, que, nâo obstante, vâo,
antes mesmo de acabar o filme, mudar radicalmente suas vidas individuais.
[2] “El paradigma común de los historiadores del siglo XX”, La formación del
historiador, nº 14, inverno de 1994-95, Michoacán, pp. 4-25; Estudios Sociales, nº 10, 1996,
Santa Fe, pp. 21-44; Medievalismo, nº 7, Madrid, 1997, pp. 235-262.
[3] Georg Iggers, La ciencia histórica en el siglo XX. Las tendencias actuales, Barcelona,
1995.
[4] Crise de fim do século, que é simétrica à que viveu a historiografia positivista, em
princípios do século XX.
[5] Com freqüencia, dependentes da evoluçâo de outras disciplinas mais fortes no
teórico, subvalorizamos os achados de nossas historiografias, para logo receber, com
entusiasmo, idéias parecidas de outras ciências sociais: um efeito perverso da uma versâo da
interdisciplinaridade, que ignora a própria tradiçâo.
[6] “La contribución de los terceros Annales y la historia de las mentalidades. 1969-
1989”, La otra historia: sociedad, cultura y mentalidades, Bilbao, 1993, pp. 87-118.
[7] “El retorno del sujeto social en la historiografía española”, Estado, protesta y
movimientos sociales, III Congreso de Historia Social, Vitoria, julio, 1997.
[8] François Dosse, La historia en migajas. De “Annales” a la “nueva historia”, Valencia,
1989 (París, 1987); um dos erros desse livro, que tanto animou o debate, está em nâo se ter
dado conta de que a fragmentaçâo nâo somente afetava a escola dos Annales, mas todas as
correntes historiográficas e as relaçôes entre elas.
[9] Na Espanha, é preciso acrescentar ao menos uma década para observar essas
mudanças subjetivistas na maneira de investigar a história.
[10] A história quantitativa foi a contribuiçâo mais importante da corrente
neopositivista ao paradigma comum.
[11] Desde 1995, é cada vez mais freqüente o uso das Atas do I Congreso Historia a
Debate para a redaçâo dos projetos docentes, como meio de assegurar uma visâo mais
atualizada e problematizada de nossa disciplina.
[12] “Ataques”, entre aspas, porque nâo sâo gratuitos, dispôem de uma base objetiva,
que nos obriga, por higiene intelectual, a levá-los em consideraçâo.
[13] Israel Sanmartín, La História según Fukuyama, 1989-1995, Santiago, tese de
Licenciatura, 1997; o leitor pode comprovar que o que desaparecia com a tese de fukuyama
era a História entendida também como reflexâo teórica e como compromisso com o progresso
da Humanidade, dimensôes a que sempre resistiu, e resiste, o positivismo historiográfico.
[14] La Historia de la humanidad no avanza hacia una meta fijada de antemano, pero
tampoco tiene vuelta atrás, tese 5 de “La Historia que viene”, Historia a Debate, I, Santiago,
1995, p. 101; a queda do comunismo confirma a primeira parte, e o desastre que supôs,
posteriormente, no leste da Europa, o desmantelamento do Estado de bem-estar, construído
pelos comunistas ratifica a segunda parte.
[15] Sobre o compromiso de Foucault, nos finais dos anos 1970 e princípios dos 80,
com os direitos do homem, à maneira de Sartre, ver François Dosse, Histoire du structuralisme,
II, Paris, 1992, pp. 424-426; Derrida foi um dos cientistas sociais franceses que se uniram,
recentemente, aos cineastas, na defensa dos imigrados.
[16] O reducionismo lingüístico, difundido a partir dos EE.UU., também se proclama
como história pós-moderna, mas sua influência é bastante menor, entre os historiadores, que
o mencionado pós-modernismo ambiental.
[17] Paul Veyerabend, Tratado contra el método. Esquema de una teoría anarquista
del conocimiento, Madrid, 1992 (Londres, 1975).
[18] O problema maior, aquí, é cair na ilusâo de pensar que a atual crise da história se
pode resolver mudando linhas de investigaçâo, apostando na inovaçâo, fator necessário, mas
certamente nâo suficiente, dado o caráter global –metodológico, epistemológico e social- da
crise historiográfica.
[19] Reduzir a globalizaçâo a capitalismo seria cair num erro, parecido com o que
cometeu a esquerda politica e acadêmica, quando identificou –e combateu- no passado, a
democracia como um fenômeno burguês.
[20] A modelizaçào informática e simulaçâo já tornaram possível a reconstruçâo
virtual, em três dimensôes e com animaçâo, com base nas escavaçôes arqueológicas, de
cidades neolíticas, antigas ou medievais, e de outros monumentos.
[21] Alguns reacionários pretendem ainda ir em direçâo contrária à história (nunca dito
melhor): uma pérola encontrada numa recente habitaçâo acadêmica, na Universidad Nacional
del Sur (Argentina): é osupérfluo que o Estado continue pagando a formaçâo de literatos,
filósofos, sociólogos e psicólogos –nota editorial, na primeira página da La Nueva Provincia
(Bahía Blanca, 6 de julio de 1998); outros o pensam, sâo democratas ou esquerdistas, mas nâo
dizem, por vergonha, claro.
[22] Segue-o, nesse caminho, a França, onde o governo de Lionel Jospin, depois da
mobilizaçâo de 15 de outubro de 1998, de meio milhâo de alunos do ensino médio, prometeu
voltar à formaçâo ética e cívica dos alunos, incrementando o peso da filosofia e da literatura
(diferente da Espanha, a história nâo deixou de desempenhar seu papel educativo na França
socialista) nos programas, junto com a informático e a matemática.
[23] Trata-se do terceiro retorno do sujeito (coletivo, social): o primeiro aconteceu nos
anos 70 (mental, social) e o segundo, nos anos 80 (individual, político).
[24] Ver a nota 7.
[25] Uma maneira inevitável de “manipular” o debate é afirmar, naturalmente, o
contrário.
[26] Nisto, retificamos Kuhn, que tem uma visâo demasiado simples da revoluçâo
(científica) como ruptura clara entre o velho e o novo (paradigmas).