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AUDITORES E AUDITADOS NA REALIZAÇÃO DE AUDITORIAS

OPERACIONAIS: parceiros ou antagonistas?

Autoria: Daniel Uchôa Costa Couto, Ricardo Carneiro, Flávia de Paula Duque Brasil

Resumo

A realização de auditorias operacionais (AOPs), instrumento de fiscalização do desempenho


de entes e políticas públicos, exige dos Tribunais de Contas (TCs) o estabelecimento de uma
relação de parceria com os representantes dos órgãos auditados. Tal condição implica tensão,
potencial ou efetiva, entre o papel de órgão de controle e sanção, historicamente
desempenhado pelos TCs, e o papel de consultor administrativo ou pesquisador atribuído aos
auditores nas AOPs. O artigo examina a percepção dos auditores e dos auditados sobre os
papéis desempenhados por aqueles nas AOPs e sobre a relação estabelecida entre eles no
processo de auditoria.

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Introdução

Em praticamente todos os países democráticos, ao lado das instituições que dão


funcionalidade aos três Poderes existe um organismo de controle técnico das finanças
públicas, normalmente vinculado ao Legislativo. Tal organismo faz parte das denominadas
Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS)1, podendo assumir a forma de auditorias ou
controladorias, como ocorre no Reino Unido, Canadá, Estados Unidos e Austrália, ou a
configuração de tribunais de contas, como na França, em Portugal, Espanha, Bélgica, Itália e
Brasil (ALBUQUERQUE, 2006; COSTA, 2006).
O sistema de controladoria ou de auditoria-geral, de origem anglo-saxã, apresenta, como
principais características, regime de mandato dos controladores ou auditores; controle de
caráter opinativo ou consultivo, destituído de poderes jurisdicionais e coercitivos; vinculação
a algum dos Poderes que possa gerar força coercitiva; predominância da decisão monocrática
e uso prioritário de técnicas e de procedimentos de auditoria próximos aos empregados pelas
empresas privadas de auditoria (COSTA, 2006). No que tange ao sistema de tribunal de
contas (TC), de origem romano-germânica, destacam-se as seguintes características: processo
decisório de caráter colegiado; vitaliciedade de Ministros e Conselheiros; poder coercitivo;
autonomia ante os Poderes; adoção de controles administrativos judicialiformes e de
procedimentos de fiscalização formais, burocráticos e eminentemente legalistas (COSTA,
2006). Algumas características são comuns a ambos os sistemas, como integração ao aparelho
do Estado, normalmente por disposição constitucional; necessidade de independência para o
exercício da fiscalização e de ascendência moral e técnica sobre os jurisdicionados para que
as determinações e recomendações sejam atendidas (RIBEIRO, 2002).
No decorrer do século XX, com o propósito de melhor se adequar à realidade, diante de
mudanças sociais, econômicas e políticas, sistemas híbridos de controle foram constituídos
em inúmeros países. Nesse processo, TCs passaram a exercer funções originariamente
atribuídas às controladorias, ao incorporarem a avaliação de questões de eficácia
administrativa, enquanto aquelas passaram a adotar, por exemplo, estruturas colegiadas
(RIBEIRO, 2002).
No Brasil, historicamente, o controle exercido pelos TCs caracterizou-se pela prevalência da
análise e do julgamento das despesas e dos atos e procedimentos administrativos quanto à sua
conformidade com as normas aplicáveis. Sob a influência da lógica burocrática weberiana, o
controle exercido por tais órgãos se baseou no aspecto formal, tendo em vista notadamente a
verificação da regularidade da execução dos gastos públicos, da legalidade dos atos
administrativos e da fidedignidade dos demonstrativos financeiros (ALBUQUERQUE, 2006).
Porém, com o decorrer do tempo, sobretudo após a promulgação da Constituição da
República de 1988 (CR/88), competências típicas de auditorias-gerais foram por eles
incorporadas, como funções de ouvidoria e de auditorias e fiscalizações e avaliações
operacionais e de políticas governamentais (RIBEIRO, 2002). Por conseguinte, o Brasil
adotou sistema híbrido de controle, sendo reconhecidas as seguintes características dos TCs,
em conformidade com as competências constitucionais a eles atribuídas: decisões colegiadas,
fiscalização a priori e a posteriori, controle de legalidade e operacional.
No exercício da fiscalização operacional, ressalta-se a competência para realização de
auditorias operacionais (AOPs), prevista no artigo 71, IV da CR/88 (BRASIL, 1988)2, que
visam examinar, entre outros critérios, a economicidade, a eficiência, a eficácia e a
efetividade de entes, políticas e programas públicos. O desempenho de tal instrumento de
controle faz com que os TCs atuem não apenas em prol da accountability de regularidade,
referente ao exame do cumprimento de regras e de procedimentos preestabelecidos, com a
possível responsabilização dos gestores na hipótese de constatação de desvios ou de
irregularidades, mas também na promoção da accountability por resultados.

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Ao exigir o estabelecimento de uma relação de parceria com os representantes dos entes
auditados, a realização de AOPs conduz à tensão, potencial ou efetiva, entre o papel de órgão
de controle e sanção, historicamente desempenhado pelos TCs, e o papel de consultor ou
pesquisador atribuído aos auditores em tais auditorias (POLLITT et al., 2008).
A partir do estudo de caso de AOPs realizadas pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas
Gerais (TCEMG), o artigo examina a percepção de atores deste órgão e de auditados acerca
do papel desempenhado pelos auditores nas AOPs e da relação estabelecida entre auditores e
auditados no processo de auditoria, tendo em vista o diálogo desenvolvido ao longo da
auditoria e a preocupação dos auditados quanto à repercussão política das AOPs. Para tal
desiderato, foram aplicados questionários a atores do TCEMG considerados estratégicos para
a adoção e o aprimoramento da AOP e aos representantes dos entes envolvidos nos programas
auditados, que atuaram como interlocutores junto ao TCEMG na realização das AOPs
selecionadas. Foram selecionadas as AOPs cujo relatório final já havia sido concluído e
disponibilizado. Dessa feita, obteve-se o universo de oito auditorias, realizadas no período de
2007 a 2012, que abrangeram o exame do desempenho de determinado órgão em relação aos
procedimentos adotados para a celebração de convênios com a finalidade de execução de
obras e de serviços de engenharia e a avaliação de programas relacionados às áreas de
assistência jurídica, educação, saúde, saneamento básico, meio ambiente e desenvolvimento
social.
A aplicação dos questionários foi feita no período de outubro de 2013 a janeiro de 2014. No
âmbito do TCEMG, os questionários foram distribuídos aos sete Conselheiros e a dois dos
quatro Auditores (Conselheiros Substitutos)3, atores que compõem o Tribunal Pleno4, órgão
deliberativo do TCEMG que tem a competência para decisão dos processos envolvendo as
mencionadas auditorias. Também foram aplicados questionários aos doze analistas lotados na
Coordenaria de Auditoria Operacional (CAOP), órgão especializado na execução de tal
espécie de auditoria, e à antiga Coordenadora da CAOP que integrou a equipe em várias das
auditorias examinadas. Dos vinte e dois questionários, dezoito foram devolvidos, o que
corresponde a aproximadamente 82% do universo dos atores estratégicos selecionados.
No âmbito externo, foram aplicados dez questionários, de forma presencial, a auditados
vinculados a oito diferentes órgãos ou entidades envolvidos nos programas objeto de AOP.
Para a seleção, buscou-se a opinião de, pelo menos, um interlocutor de cada uma das cinco
AOPs mais recentemente executadas, preferencialmente de entes distintos.
Além desta introdução e das considerações finais, o artigo está estruturado em três seções. A
primeira seção discute o conceito e os tipos de auditoria e a distinção entre a AOP e a
auditoria de regularidade. A segunda seção aborda a necessidade de cooperação entre
auditores e auditados para realização das AOPs. Ambas as seções são baseadas em revisão
bibliográfica. A terceira seção é dedicada à apresentação dos dados obtidos por meio da
aplicação dos questionários e à análise da percepção dos entrevistados.

Auditoria – conceito e tipos

A origem etimológica do termo auditoria remete ao latim audire, que significa “ouvir”. Os
ingleses o traduziram como auditing, designando, exclusivamente, o conjunto de
procedimentos técnicos para a revisão dos registros contábeis (ARAÚJO, 2001).
A atual concepção de auditoria apresenta caráter amplo, de acordo com a qual essa constitui o
exame independente, objetivo e sistemático de determinada matéria, baseado em normas
técnicas e profissionais, em que se confronta uma condição com determinado critério, com o
fim de emitir opinião ou comentários (NAGs, 2010).
De acordo com o objetivo, as auditorias podem ser separadas em auditorias de regularidade,
que abrangem as auditorias de conformidade e financeira, e auditorias operacionais (AOPs).

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As auditorias de regularidade envolvem o controle sobre procedimentos formais e legais,
tendo como objetivo examinar a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão quanto aos
aspectos contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial (TCU, 2011). Por sua vez, as AOPs
visam examinar, entre outros possíveis critérios, a economicidade, eficiência, eficácia,
efetividade de organizações, programas e atividades governamentais, com a finalidade de
avaliar seu desempenho e de promover o aprimoramento e a transparência da gestão pública
(NAGs, 2010).
O exame realizado por meio das AOPs pressupõe o enquadramento da ação governamental no
modelo insumo-produto (input-output), de acordo com o qual, a partir da definição dos
objetivos, recursos (insumos ou inputs) são alocados e ações ou atividades são desenvolvidas
para que sejam ofertados bens e serviços à sociedade (outputs), os quais levarão a
determinados resultados. Esse fluxo de interações pode ser visto na Figura 1.

Figura 1:
Diagrama de insumo-produto da atividade governamental

 
Nota. Fonte: TCU – Tribunal de Contas da União. Manual de auditoria operacional. 3. ed. Brasília: TCU, Secretaria de
Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo (Seprog), 2010. Disponível em:
<portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2058980.PDF>. Acesso em: 5 jan. 2014. p. 11.

Diversos aspectos distinguem as AOPs das auditorias de regularidade, tendo em vista as


diferentes finalidades que motivam a realização de tais auditorias.
As auditorias de regularidade seguem padrões relativamente fixos, com critérios previa e
completamente definidos. Em contraposição, as AOPs envolvem maior diversidade de temas,
ampla seleção de métodos de avaliação e de investigação de diferentes áreas do
conhecimento, em especial das ciências sociais; maior flexibilidade do auditor, imaginação e
capacidade analítica; maior abertura a julgamentos e interpretações e relatórios mais analíticos
e argumentativos (TCU, 2010). Nesse sentido, o planejamento da AOP se apresenta mais
criativo e flexível, sujeito a alterações para atender ao escopo da auditoria, em contraposição
ao planejamento de caráter rígido, com procedimentos pré-definidos, das auditorias de
regularidade (ALBUQUERQUE, 2006). O processo da AOP possui prazo de duração
normalmente mais longo, tendo em vista a maior amplitude do objeto da auditoria, bem como
a necessária interação com os representantes dos entes auditados ou envolvidos na política ou
programa auditado.
A diversidade de temas e a maior abrangência do objeto exigem a utilização de diferentes
técnicas nas AOPs, não se restringindo às tradicionalmente utilizadas nas auditorias de
regularidade. Se nas auditorias de regularidade as evidências tendem a ser conclusivas
(“sim/não” ou “correto/equivocado”), raramente isso ocorre nas AOPs, em que elas se
apresentam mais suscetíveis a julgamentos e a interpretações, tendo caráter persuasivo ou de
convencimento (INTOSAI, 2005).
Apresenta-se, nas AOPs, a necessidade de presença de equipe multidisciplinar de auditoria,
sendo frequente a consulta a especialistas na matéria examinada, uma vez que o apoio técnico
especializado se mostra fundamental para a qualidade das recomendações e para a
credibilidade do trabalho (RUA, 2006).
Outro aspecto distintivo se refere à estrutura do relatório final que, nas AOPs, varia
consideravelmente em extensão, forma e natureza, sendo comum a utilização de fotos e

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gráficos, em contraposição ao verificado nas auditorias de regularidade, em que os relatórios
seguem padrão pouco mutável (TCEMG, 2013).
Aponta-se, também, a diferença no tocante à imagem ou papel desempenhado pelos auditores,
isto é, ao tipo de missão que eles pensam estar cumprindo ao realizar cada uma das auditorias.
Na auditoria de regularidade, os auditores se apresentam como juízes/magistrados ou
contadores públicos, tendo em vista o exame da conformidade dos atos com as normas
aplicáveis. Na AOP, os auditores desempenham o papel de pesquisadores/cientistas ou de
consultores administrativos, tendo como foco principal produzir novos conhecimentos e
informações ou contribuir para a melhoria da gestão pública (POLLITT et al., 2008).
A Figura 2 apresenta, esquematicamente, as principais diferenças entre a auditoria de
regularidade e a AOP.

Figura 2:
Principais diferenças entre a auditoria de regularidade e auditoria operacional
Aspecto Auditoria de Regularidade Auditoria Operacional
Planejamento Rígido, procedimentos pré-definidos, Criativo, flexível, contínuo
programas padronizados
Processo Homogêneo, linear e pouco iterativo Dinâmico, muito iterativo, geralmente
mais longo
Atores Poucos (auditores e auditados) Variados e numerosos (especialistas,
sociedade civil, universidades, institutos de
pesquisa)
Perfil do auditor Conhecimentos de contabilidade, finanças e Formação abrangente, visão sistêmica,
direito capacidade analítica, habilidades
interpessoais, treinamento em
administração, políticas públicas, ciências
sociais, métodos de investigação científica
Papéis do Juiz/magistrado, contador público Pesquisador/cientista, consultor de gestão
auditor
Fontes de Leis, normas e regulamentos Comparações, experiências, indicadores,
critérios conhecimento científico, bibliografia

Escopo Restrito a demonstrações financeiras e Abrangente, alcançando todas as


normas legais operações do ente auditado
Evidências Conclusivas, exatas Persuasivas, convincentes
Formato dos Padronizados Variam em extensão, forma e natureza
relatórios
Abordagem Neutra (achados de auditoria) Construtiva (avaliações e recomendações)

Nota. Fonte: ALBUQUERQUE, Frederico de Freitas Tenório. A auditoria operacional e seus desafios: um estudo a partir
da experiência do Tribunal de Contas da União. 2006. 153 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade
Federal da Bahia, Salvador. p. 62.

Conforme destacado, enquanto nas auditorias de regularidade os critérios utilizados se


encontram objetivamente estabelecidos em leis, normas e regulamentos, as AOPs demandam
a definição de metas e de indicadores que permitam o exame do desempenho do objeto
auditado (ente, política ou programa público), de acordo com as questões de auditoria
formuladas. Nesse sentido, as AOPs demandam maior interação entre auditores e auditados, o
que representa um desafio para sua realização, especialmente no tocante aos órgãos de
controle com atuação historicamente voltada para a accountability de regularidade, caso dos
TCs brasileiros.

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Da necessidade de cooperação entre auditores e auditados para realização das AOPs

A accountability por resultados exige maior interação entre gestores e órgãos de controle,
tendo em vista a definição de parâmetros que permitam examinar, entre outras possíveis
dimensões, a eficiência, a eficácia e a efetividade de órgãos, políticas ou programas públicos.
Nesse sentido, a realização das AOPs, enquanto instrumento de fiscalização voltado
especialmente para a promoção de tal forma de accountability, requer o estabelecimento de
uma relação de parceria, a fim de que haja diálogo aberto e construtivo, que estimule a
cooperação entre auditores e auditados (INTOSAI, 2005), o que aponta para a importância da
receptividade destes a serem submetidos a tais auditorias.
É fundamental que os entes auditados ou envolvidos na política ou no programa objeto da
auditoria estejam preparados para serem submetidos à fiscalização operacional, tendo em
vista o estabelecimento de indicadores que permitam avaliá-los e o conhecimento sobre os
objetivos e a metodologia empregada em tais auditorias.
Destaca-se, também, a assimetria informacional entre auditores e auditados, tendo em vista a
necessidade de aqueles obterem informação a respeito do objeto da auditoria e, ao mesmo
tempo, o maior conhecimento que estes têm sobre ente auditado, haja vista estarem nele
integrados, ou sobre a política ou o programa auditado, diante de seu envolvimento em sua
formulação e/ou em sua execução. Tal situação exige das EFS a busca de informação, em
quantidade e com confiabilidade satisfatórias, para o necessário conhecimento a respeito do
objeto auditado.
A depender da postura do auditado, colaborativa ou defensiva, e da forma como o diálogo
com os auditores se desenvolva, pode haver o estabelecimento de questões de auditoria que
não sejam as mais adequadas para verificar o desempenho, bem como de critérios de
avaliação que valorizem metas mais facilmente alcançáveis pelo ente ou pelo programa
auditado em detrimento de outros mais apropriados para a avaliação das questões de auditoria.
A propósito, interessa observar o possível conflito de interesses entre auditores e auditados.
Trata-se de obstáculo também levantado no tocante às avaliações de políticas públicas, visto
que essas podem representar um problema para os gestores, uma vez que os resultados podem
ocasionar constrangimentos públicos e serem usados pela sociedade e pela imprensa para
criticar os governos. Dessa feita, a AOP pode provocar reações negativas como, por exemplo,
atitudes de evasão e de omissão (INTOSAI, 2005). Por outro lado, em caso de resultados
positivos, os gestores podem tentar se valer das avaliações para legitimar as próprias ações e,
por conseguinte, para obter ganhos políticos (TREVISAN; VAN BELLEN, 2008).
Há que se ter a devida cautela para que a busca pelo estabelecimento de um processo
construtivo de interação não permita aos auditados ditar as condições do processo de
fiscalização ou o controle de algum outro modo ou, mais além, interferir no processo de
auditoria de modo a fazer com que o foco do trabalho seja direcionado para aspectos que o
auditado tenha ciência, de antemão, que serão positivamente avaliados. Essa questão também
é destacada pela literatura a respeito das avaliações de políticas públicas, ao chamar atenção
para a possibilidade de os resultados inconvenientes ou politicamente delicados serem
suprimidos ou usados seletivamente (ALA-HARJA; HELGASON, 2000).
A conciliação entre os diferentes papéis desempenhados pelos auditores na accountability de
regularidade e na accountability de desempenho representa outro desafio à realização de
AOPs, que pode comprometer a cooperação entre auditores e auditados.
A partir do estudo de cinco EFS (da Holanda, do Reino Unido, da Suécia, da Finlândia e da
França), Pollitt et al. (2008) distinguem quatro papéis principais possivelmente
desempenhados pelos auditores públicos, os quais retratam o tipo de missão que eles pensam
estar cumprindo ao realizar a accountability de regularidade ou a accountability de resultados
ou de desempenho, conforme a Figura 3.

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Figura 3:
Possíveis papéis dos auditores e respectiva fundamentação de análise

Nota. Fonte: Adaptado de POLLITT, Christopher et al. Desempenho ou legalidade? Auditoria operacional e de gestão
pública em cinco países. Trad. Pedro Buck. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

Os papéis de juiz/magistrado e de contador público se vinculam à accountability de


regularidade, estando a atuação dos auditores voltada, respectivamente, para o julgamento dos
atos da administração pública, com fundamento na lei, ou para a produção de relatório a
respeito das contas públicas, de acordo com as regras e com as declarações oficiais, a fim de
contribuir para a responsividade e para a transparência. Por outro lado, os papéis de
pesquisador/cientista ou de consultor administrativo guardam pertinência com a
accountability de desempenho, tendo como foco principal, respectivamente, produzir novos
conhecimentos e informações ou contribuir para a melhoria da gestão pública.
As atribuições reconhecidas às diferentes EFS faz com que a atuação dos auditores não fique
restrita a um único papel ou missão. Surge, consequentemente, a inafastável tensão, em
potencial ou efetiva, entre os papéis apresentados, uma vez que se mostra inviável que as EFS
possam realizar todos eles ao mesmo tempo e de forma adequada. Isso porque,
ilustrativamente, não é possível julgar um órgão ou uma entidade e, simultaneamente, agir
como confidente ou consultor; ou, buscar criar novos conhecimentos e, ao mesmo tempo,
oferecer conselhos ou sugestões práticas e úteis a gestores que têm premência de tempo; ou,
ainda, conciliar o papel de contador público, assinalando falhas em programas públicos ao
parlamento e à sociedade e, concomitantemente, desempenhar o papel de consultor junto ao
administrador que poderá ser responsabilizado por tais irregularidades ou equívocos
(POLLITT et al., 2008).
A respeito, Pollitt et al. (2008) apontam que o papel predominantemente exercido pelas EFS
não representa escolha livre de tais entidades, uma vez que se encontra condicionado pela lei
e pela história de cada qual, de acordo com o Estado em que se encontram inseridas.
Entretanto, é possível a ocorrência de mudanças e adaptações na forma de atuar das EFS, a
partir da adoção de novas estratégias, a fim de satisfazer as demandas e os desafios que lhes
são colocados.

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Apresentação dos dados e análise da percepção dos atores do TCEMG e dos auditados

Nos questionários aplicados, buscou-se verificar a percepção dos entrevistados sobre os


papéis desempenhados pelos auditores nas AOPs, o diálogo estabelecido no processo de
auditoria, a receptividade dos representantes dos entes envolvidos nos programas a serem
submetidos às AOPs e as principais dificuldades para a realização de tais auditorias. Foram
elaborados três questionários, com perguntas fechadas, contendo espaço para justificativa,
havendo o questionário aplicado no âmbito externo do TCEMG apresentado uma questão
aberta. O questionário aplicado aos Conselheiros e aos Auditores conteve as mesmas
perguntas do que foi aplicado aos analistas da CAOP, excetuadas as questões envolvendo o
diálogo estabelecido no processo de auditoria e a receptividade dos auditados a serem
submetidos às AOPs. A Figura 4 apresenta a percepção dos atores do TCEMG sobre o
principal papel desempenhado pelos auditores nas AOPs, retratando a porcentagem dos
referidos entrevistados que mencionou cada um dos papéis.

Figura 4:
Percepção dos atores do TCEMG sobre o principal papel desempenhado pelos auditores nas AOPs

Nota. Fonte: Elaborado pelos autores.

A partir da Figura 4, constata-se que os atores do TCEMG apontaram, de forma majoritária,


(C) “criar novos conhecimentos e trazer novas informações sobre o programa auditado,
proporcionando explicações a respeito do programa, com rigor analítico e metodologia
adequada” (pesquisador/cientista) e (B) “produzir relatórios para ampliar a responsividade e a
transparência da administração pública, verificando se o dinheiro público vem sendo gasto de
maneira apropriada e racional” (contador público), seguidos do papel de (D) “oferecer ajuda e
conselhos ou sugerir melhorias aos entes públicos, a fim de contribuir para o aprimoramento
de sua atuação” (consultor administrativo).
A Figura 5 demonstra a percepção dos auditados sobre o principal papel desempenhado pelos
auditores nas AOPs, apresentando a porcentagem que mencionou cada um dos papéis.

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Figura 5:
Percepção dos auditados sobre o principal papel desempenhado pelos auditores nas AOPs

Nota. Fonte: Elaborado pelos autores.

Conforme se observa na Figura 5, os auditados também assinalaram os mencionados papéis


como os principais desempenhados pelos auditores nas AOPs, com pequena predominância
do papel de consultor administrativo (D), seguido pelos papéis de pesquisador/cientista (C) e
de contador público (B).
É interessante notar que, em comparação com os atores do TCEMG, os auditados
manifestaram maior expectativa de que os auditores desempenhem o papel de consultor
administrativo nas AOPs, de modo a oferecer ajuda e conselhos ou sugerir melhorias aos
entes públicos. Uma explicação plausível para essa diferença de posicionamento pode ser a
cultura de controle apresentada pelos auditores, fundamentada historicamente no controle de
regularidade. Tal cultura se contrapõe à identificação dos auditores a consultores
administrativos dos entes públicos auditados.
Destaca-se, também, que a percepção geral dos entrevistados sinaliza o reconhecimento de
papéis atribuídos aos auditores na realização da accountability de desempenho
(pesquisador/cientista ou consultor administrativo), assim como o papel de contador público,
o qual remete à accountability de regularidade, conforme apresentado na Figura 3.
De acordo com a percepção prevalente, pode-se afirmar que, apesar de as AOPs fazerem com
que a atuação dos auditores se aproxime dos papéis vinculados à accountability de
desempenho, os entrevistados não afastam a missão/imagem de controle e de fiscalização dos
auditores ligada à accountability de regularidade.
Essa constatação aponta para a multiplicidade de papéis atribuídos aos auditores e,
consequentemente, para a necessidade de enfrentamento da tensão, em potencial ou efetiva,
entre eles, tendo em vista a concomitante realização do controle de regularidade e do controle
operacional. Nessa esteira, há que se ressaltar que a definição do papel a ser exercido de
forma predominante pelos TCs, o qual se encontra condicionado pela lei e pela história dos
órgãos, depende de escolhas político-organizacionais, tendo em vista a possibilidade de
mudanças e de adaptações em sua forma de atuação, a partir da adoção de novas estratégias
que permitam satisfazer as demandas e enfrentar os desafios que se apresentam (POLLITT et
al., 2008).
A fim de avaliar a receptividade dos representantes dos entes envolvidos nos programas
auditados a se submeterem à AOP, buscou-se verificar a percepção dos auditores e dos
auditados a respeito do diálogo estabelecido entre eles no processo de auditoria, bem como
sobre a preocupação dos auditados quanto à repercussão política das AOPs.
A Tabela 1 mostra que dois terços dos analistas da CAOP apontaram que houve
intercorrências ou pontos de tensão ou de conflito que interferiram na realização da auditoria.
Por outro lado, a percepção majoritária dos auditados foi de que não houve intercorrências
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que interferissem na AOP em que eles participaram, ao passo que muitos entenderam que,
apesar da ocorrência de pontos de tensão ou de conflito, esses não interferiram na realização
da AOP.

Tabela 1:
Percepção dos auditados e dos analistas das CAOP sobre o diálogo estabelecido nas AOPs
Auditados Analistas do TCEMG
(%) (%)
Ocorreu sem intercorrências ou pontos de tensão/conflito que
50,0 33,3
interferissem na realização da AOP
Apesar da existência de pontos de tensão/conflito, esses não
40,0 66,7
interferiram na realização da AOP
Houve intercorrências ou pontos de tensão/conflito que interferiram
0,0 0,0
na realização da AOP
Não soube ou não quis responder 10,0 0,0
Nota. Fonte: Elaborado pelos autores.

De acordo com a percepção dos analistas da CAOP em relação às auditorias em que eles
atuaram, faz-se mister ressaltar que: a ampla maioria (aproximadamente 92%) apontou a
ocorrência de comportamentos evasivos ou a omissão de informações pelos representantes
dos entes envolvidos nos programas auditados; 75% assinalaram que houve resistência quanto
ao exame de determinadas questões formuladas pela equipe de auditoria; todos afirmaram ter
sido verificada a preocupação dos gestores de que a auditoria abrangesse aspectos
satisfatórios dos programas; a maioria (dois terços) indicou que houve a preocupação dos
gestores de que a auditoria não enfocasse aspectos insatisfatórios dos programas; e, que a
grande maioria (75%) apontou o receio dos gestores quanto aos possíveis achados de
auditoria.
Em contraposição, a percepção majoritária dos auditados foi de que não houve a preocupação
de que a AOP examinasse aspectos satisfatórios do programa auditado, não houve receio de
que ela abrangesse aspectos insatisfatórios do programa; e, ainda, de que não ocorreu receio
quanto aos possíveis achados de auditoria. A Tabela 2 sintetiza os referidos posicionamentos.

Tabela 2:
Percepção dos auditados e dos analistas da CAOP sobre comportamentos indicativos da receptividade às
AOPs
Auditados (%) Analistas do TCEMG (%)
Houve preocupação de que a auditoria Sim 40,0 100,0
operacional examinasse aspectos
satisfatórios do programa? Não 60,0 0,0
Houve receio de que a auditoria Sim 30,0 66,7
operacional abrangesse aspectos
insatisfatórios do programa? Não 70,0 33,3
Houve receio quanto aos possíveis Sim 30,0 75,0
achados da auditoria operacional? Não 70,0 25,0
Nota. Fonte: Elaborado pelos autores.

Nota-se clara divergência entre a percepção predominante dos auditados e dos analistas da
CAOP quanto às questões formuladas, que tratam de comportamentos indicativos da postura
como a realização das AOPs foi recebida no âmbito dos entes envolvidos nos programas
auditados. Em contraposição à percepção amplamente majoritária dos analistas, que indicou a
ocorrência de comportamentos defensivos em relação ao trabalho de auditoria, a maioria dos
auditados negou a presença daqueles, entendendo que houve boa receptividade à realização
das AOPs.

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Todavia, insta ressaltar que, ao serem questionados sobre os principais desafios para
realização das referidas auditorias, a maior parte dos auditados apontou a resistência dos
representantes dos entes em se submeter às AOPs e o receio quanto a sua repercussão política,
conforme a Figura 6, que retrata a frequência percentual dos auditados que mencionou as
dificuldades assinaladas.

Figura 6:
Percepção dos auditados quanto à principal dificuldade enfrentada nas AOPs

Nota. Fonte: Elaborado pelos autores.

Para explicar essa contradição entre as percepções apresentadas pelos auditados, pode-se
ponderar que, para a maioria deles, apesar de haver certo temor ou resistência no âmbito dos
entes envolvidos nos programas a se sujeitar às referidas auditorias, haja vista se tratar de um
instrumento de fiscalização, ainda que não seja voltado para a constatação de irregularidades e
para a eventual aplicação de sanções, não foi percebida a ocorrência de comportamentos
premeditadamente contrários à realização das AOPs. Assim, de acordo com a percepção geral
dos auditados, pode-se entender que, a despeito da insegurança a serem submetidos à
fiscalização operacional do TC, não foram verificados comportamentos evasivos, omissão de
informações, nem a tentativa de direcionamento das informações.
A título de ilustração, vale transcrever afirmações de alguns dos auditados ao serem
indagados sobre as maiores dificuldades enfrentadas nas AOPs, que destacam a resistência a
se submeterem a tais auditorias e o receio quanto à possível repercussão política negativa das
AOPs: “o aspecto externo, tendo em vista a possibilidade de desvirtuamento pela imprensa e a
repercussão negativa”, “preocupação em mostrar aos auditores o que de fato está
acontecendo, para que não haja interpretação equivocada”, “receio do auditado em se
submeter à auditoria operacional, o que reduz a abertura para colaboração”, “[a necessidade
do TC de] buscar informação, uma vez que as pessoas temem a auditoria”, “relação do TC
com o Executivo faz com que este nunca vai se sentir inteiramente seguro para abrir
totalmente o diálogo. Existe a tensão entre os órgãos, pois envolve a relação com órgão de
controle. Preocupa-se, também, com o modo como a informação será utilizada politicamente”.
Ademais, alguns auditados apontaram, como principal dificuldade, a preparação do órgão ou
da entidade para se submeter à AOP, tendo sido ressaltadas a “demanda excessiva do TC por
documentos e informações e, ao mesmo tempo, prazo escasso para cumprimento”, a “falta de
conhecimento a respeito do objetivo da AOP, tendo havido, inclusive, receio quanto a
possível responsabilização futura” e a necessidade de “preparar e mobilizar as pessoas, tendo
em vista o tempo despendido, procedimentos e atividades a serem realizadas pelo auditado”.
Foi mencionada, também, a cultura/visão do controle apresentada pelos auditores, tendo
alguns auditados destacado “o viés teórico e burocrático do controle exercido pelo TC” e “a
falta de vivência/experiência dos auditores na prática de execução de projetos e de
programas” como obstáculos à realização de AOPs.
A opção “outros” se refere a apontamentos diversos feitos pelos auditados pertinentes à
multiplicidade de atores envolvidos na AOP, com interesses conflitantes e, também,

11
observações específicas sobre algumas auditorias, sem maior importância para a presente
análise.
Diante da percepção apresentada pelos auditados, deve-se mencionar o possível conflito entre
accountability de regularidade e accountability por resultados, conforme apontado pela
literatura (CLAD, 2000; LONGO, 2003). Isso porque, ao mesmo tempo em que não
necessariamente o cumprimento de regras preestabelecidas implica melhor desempenho da
administração pública, o receio do gestor em ser responsabilizado em virtude da não
observância daquelas pode fazer com que atos ou procedimentos aptos a proporcionar
melhores resultados deixem de ser executados. Tal consideração pode explicar a resistência
ou o receio demonstrados em relação às AOPs.
Nesse contexto, pelo menos três questões relativas aos instrumentos de controle de
regularidade devem ser reconsideradas, a começar pela redução de sua extensão e magnitude,
a fim de eliminar parte significativa das restrições impostas aos gestores públicos,
valorizando-se a análise de custos e benefícios dos mecanismos de controle empregados.
Outra questão se refere à eliminação ou utilização apenas excepcionalmente do controle ex
ante, optando por mecanismos de controle a posteriori. Por fim, destaca-se o estabelecimento
de relação de colaboração entre os órgãos auditores e os órgãos auditados, tendo em vista a
melhoria de desempenho (LONGO, 2003).
Os atores do TCEMG também foram questionados sobre as maiores dificuldades enfrentadas
na realização das AOPs, sendo-lhes solicitado que as colocassem em ordem de prioridade, de
acordo com as cinco opções apresentadas, consoante a Figura 7.

Figura 7:
Percepção dos atores do TCEMG quanto à principal dificuldade enfrentada nas AOPs

Nota. Fonte: Elaborado pelos autores.

A partir da Figura 7, nota-se que as dificuldades prioritariamente assinaladas se referem, nesta


ordem, à ausência ou insuficiência de informações a respeito do desempenho dos programas
auditados no sistema de controle interno dos entes neles envolvidos; à resistência dos
representantes dos entes envolvidos nos programas a serem submetidos à AOP e ao
conhecimento insuficiente da equipe de auditoria a respeito dos programas auditados. Os dois
obstáculos majoritariamente apontados remetem ao âmbito interno dos entes envolvidos nos
programas auditados, chamando atenção para a necessidade de que eles estejam preparados
para serem submetidos ao controle operacional e, também, de que apresentem a devida
receptividade ou abertura para que a AOP possa ser realizada a contento. Ao mesmo tempo,
há que ressaltar a dificuldade relativa ao âmbito interno do TCEMG, apontada por parcela
significativa dos atores, que se refere ao conhecimento insuficiente da equipe de auditoria a
respeito dos programas auditados.
A fragilidade dos sistemas de controle interno na avaliação de resultados e dos impactos da
atividade administrativa representa um dos fatores que mais dificultam a realização de tais

12
auditorias, conforme assinalado pela literatura (POLLITT et al., 2008; LONGO, 2003) e
também constatado em pesquisas empíricas (ALBUQUERQUE, 2006; MATOS, 2006).
No que tange à resistência dos representantes dos entes envolvidos nos programas a serem
submetidos à AOP, destacam-se apontamentos de analistas da CAOP a respeito de tal
dificuldade. Nesse sentido, um dos analistas observou que “os gestores confundem a auditoria
operacional com a auditoria de regularidade. Não entendem que a auditoria operacional
necessita de ‘parceria’ entre o órgão auditado e a equipe de auditoria”. Exemplificativamente,
foram mencionadas situações como: tratamento irregular dispensado à unidade técnica,
“verificando-se ora cordialidade, ora um pouco de agressividade e não envio da
documentação pleiteada”; consecutivos pedidos de dilação de prazo para prestar informações
por um dos órgãos envolvidos no programa auditado e tendência de concentração no gestor
para controle das informações prestadas; tentativa de direcionamento da análise para um
programa que ainda estava em implementação (em fase de teste), para que fossem verificados
aspectos positivos da atuação do órgão e para que não fossem examinadas as deficiências;
questionamento de representante de um dos órgãos sobre procedimentos adotados pela equipe
de auditoria.
O conhecimento insuficiente da equipe de auditoria a respeito dos programas auditados
também foi apontado por parte considerável dos atores do TCEMG (22%) como a principal
dificuldade colocada à realização das AOPs. Com efeito, a diversidade e a especificidade dos
temas examinados em cada AOP (saúde, meio ambiente, educação, saneamento, por exemplo)
requerem dos auditores múltiplos conhecimentos, ampla pesquisa e estudo sobre as matérias
envolvidas. A respeito, um dos analistas destacou o desafio decorrente da “necessidade de
conhecer os programas auditados, que são das mais diversas áreas, [o que exige] muito
estudo”.
A opção “outros” envolve respostas variadas de atores do TCEMG, tendo sido apontadas a
ausência ou deficiência dos instrumentos de planejamento dos programas e das ações do
governo e a falta de apoio do aludido órgão para a capacitação dos profissionais envolvidos na
realização das AOPs, tendo em vista a necessidade de participação em cursos, palestras e
seminários, que permitam assimilar e promover a metodologia empregada em tais auditorias.
Por fim, ressalta-se a percepção dos auditados sobre a essência do trabalho desempenhado na
AOP. Ao serem questionados, a grande maioria apontou a proximidade entre as AOPs e as
consultorias. Todavia, foram ressaltadas diferenças, em virtude de aquelas serem realizadas
pelos TCs. Nesse sentido, os auditados afirmaram que as aludidas auditorias assemelham-se a
consultorias, porém apresentam “muito mais força” e “independência”, “são muito mais bem
feitas, pois vão além das consultorias privadas, destacando questões mais pertinentes para a
melhoria das políticas públicas”. Acrescentaram, ainda, a diferença de cultura e de visão dos
auditores do TC, comparativamente aos consultores de empresas particulares, e o caráter
impositivo das AOPs.
Essa percepção majoritária dos auditados sobre a natureza do trabalho de AOP denota o
reconhecimento dos TCs como órgãos que possuem como função primária a fiscalização e o
controle. Ainda que sejam reconhecidos papéis distintos aos auditores em sua atuação no
âmbito da accountability de regularidade (juiz/magistrado ou contador público) e da
accountability de desempenho (pesquisador/cientista ou consultor administrativo), verifica-se
que a realização das AOPs, que lhes confere a possibilidade de fazer recomendações a órgãos
e a entidades para a melhoria da gestão pública e para o incremento da accountability, não
afasta a perspectiva de guarda e de controle.

13
Considerações Finais

As informações levantadas e examinadas no artigo evidenciam que, de acordo com a


percepção dos atores do TCEMG e dos auditados dos entes envolvidos nos programas
auditados, a resistência dos gestores a serem submetidos à AOP e o receio quanto à possível
repercussão política negativa de tais auditorias estão entre as principais dificuldades para a
fiscalização operacional da administração pública por meio de tal instrumento de
accountability.
Ainda que as AOPs apresentem metodologia e objetivos distintos dos atribuídos aos
instrumentos vinculados à accountability de regularidade, foi verificada postura defensiva dos
auditados. Tal situação repercutiu no diálogo estabelecido entre auditores e auditados, que
ficou bastante distante do diálogo aberto e construtivo que se requer para a realização das
AOPs.
Pode-se dizer que a identificação dos TCs como órgãos de controle com atuação
historicamente voltada para a accountability de regularidade faz com que os auditados não se
sintam completamente seguros para estabelecer uma relação de parceria com os auditores.
Trata-se de desafio a ser enfrentado para a realização das AOPs. Para isso, faz-se necessário
que os referidos órgãos de controle esclareçam as finalidades e a metodologia das AOPs aos
gestores, evidenciando sua distinção em face dos instrumentos atrelados à accountability de
regularidade.
O receio dos gestores quanto à possível repercussão política negativa das constatações das
AOPs representa questão que, em regra, deverá ser enfrentada nas referidas auditorias, haja
vista o natural temor dos responsáveis pelos programas auditados de que eventuais resultados
insatisfatórios sejam divulgados pela mídia e, consequentemente, de que tal informação seja
disseminada no âmbito da sociedade. Diante de tal situação, cabe aos TCs capacitar os
auditores envolvidos nas AOPs, a fim de que tenham adequado conhecimento sobre a
metodologia empregada nas aludidas auditorias e sobre os objetos auditados (ente, política ou
programa público). Ademais, devem os auditores primar pela atuação de forma competente e
imparcial, devendo os apontamentos apresentados nos relatórios de auditoria mencionar não
apenas as fragilidades verificadas, mas também os pontos positivos e os esforços dos gestores
para o saneamento daquelas.
Por fim, insta observar que, caso se pretenda avançar no controle por resultados, deve ser
considerada a redução da extensão e da magnitude dos controles de regularidade, a fim de
eliminar parte significativa das restrições impostas aos gestores públicos, valorizando-se a
análise de custos e de benefícios dos mecanismos de controle empregados.

Notas
1
As Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS) representam organismos de controle técnico
das finanças públicas, responsáveis pelo controle externo da Administração em praticamente
todos os países democráticos do mundo, independentemente do sistema de governo adotado,
estruturados segundo o sistema de auditoria ou de controladoria-geral ou de acordo com o
sistema de tribunal de contas, caso do Brasil (COSTA, 2006).
2
CR/88: “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o
auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...] IV - realizar, por iniciativa
própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito,
inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e
demais entidades referidas no inciso II;”. Em respeito ao princípio da simetria, que tem
amparo no artigo 75 da CR/88, estende-se aos demais TCs brasileiros a competência atribuída

14
ao TCU para realização de AOPs. Dispõe o artigo 75 da CR/88: “As normas estabelecidas
nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos
Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos
de Contas dos Municípios” (BRASIL, 1988).
3
O TCEMG conta com quatro vagas de Auditor, porém duas delas se encontram vagas,
aguardando a realização de concurso público para seu preenchimento
4
O Tribunal Pleno é o órgão máximo de deliberação dos TCs. Nos TCs subnacionais, ele é
composto pelos sete Conselheiros e presidido pelo Presidente do Tribunal. No âmbito do
TCEMG, nas hipóteses de ausência, de impedimento ou de vacância do cargo, os
Conselheiros são substituídos pelos Auditores, conforme estabelece o artigo 27, I, da Lei
Orgânica do TCEMG - Lei Complementar nº 102/08 (TCEMG, 2008). Neste estudo, o
vocábulo “auditor” se refere aos servidores envolvidos na realização das auditorias, não se
confundindo com o “Auditor”, ocupante do cargo previsto no artigo 73, § 4º, da CR/88
(BRASIL, 1988), a quem se atribui a substituição de Conselheiro.
5
Para facilitar a identificação dos entrevistados, atribui-se aos analistas da CAOP, aos
Conselheiros e aos Auditores (Conselheiros Substitutos) a denominação “atores do TCEMG”,
sendo os representantes dos entes envolvidos nos programas objeto de AOP, que atuaram
como interlocutores junto ao TCEMG, denominados “auditados”.

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15
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desafíos. 2003. Disponível em:
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