Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Autoria: Daniel Uchôa Costa Couto, Ricardo Carneiro, Flávia de Paula Duque Brasil
Resumo
1
Introdução
2
Ao exigir o estabelecimento de uma relação de parceria com os representantes dos entes
auditados, a realização de AOPs conduz à tensão, potencial ou efetiva, entre o papel de órgão
de controle e sanção, historicamente desempenhado pelos TCs, e o papel de consultor ou
pesquisador atribuído aos auditores em tais auditorias (POLLITT et al., 2008).
A partir do estudo de caso de AOPs realizadas pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas
Gerais (TCEMG), o artigo examina a percepção de atores deste órgão e de auditados acerca
do papel desempenhado pelos auditores nas AOPs e da relação estabelecida entre auditores e
auditados no processo de auditoria, tendo em vista o diálogo desenvolvido ao longo da
auditoria e a preocupação dos auditados quanto à repercussão política das AOPs. Para tal
desiderato, foram aplicados questionários a atores do TCEMG considerados estratégicos para
a adoção e o aprimoramento da AOP e aos representantes dos entes envolvidos nos programas
auditados, que atuaram como interlocutores junto ao TCEMG na realização das AOPs
selecionadas. Foram selecionadas as AOPs cujo relatório final já havia sido concluído e
disponibilizado. Dessa feita, obteve-se o universo de oito auditorias, realizadas no período de
2007 a 2012, que abrangeram o exame do desempenho de determinado órgão em relação aos
procedimentos adotados para a celebração de convênios com a finalidade de execução de
obras e de serviços de engenharia e a avaliação de programas relacionados às áreas de
assistência jurídica, educação, saúde, saneamento básico, meio ambiente e desenvolvimento
social.
A aplicação dos questionários foi feita no período de outubro de 2013 a janeiro de 2014. No
âmbito do TCEMG, os questionários foram distribuídos aos sete Conselheiros e a dois dos
quatro Auditores (Conselheiros Substitutos)3, atores que compõem o Tribunal Pleno4, órgão
deliberativo do TCEMG que tem a competência para decisão dos processos envolvendo as
mencionadas auditorias. Também foram aplicados questionários aos doze analistas lotados na
Coordenaria de Auditoria Operacional (CAOP), órgão especializado na execução de tal
espécie de auditoria, e à antiga Coordenadora da CAOP que integrou a equipe em várias das
auditorias examinadas. Dos vinte e dois questionários, dezoito foram devolvidos, o que
corresponde a aproximadamente 82% do universo dos atores estratégicos selecionados.
No âmbito externo, foram aplicados dez questionários, de forma presencial, a auditados
vinculados a oito diferentes órgãos ou entidades envolvidos nos programas objeto de AOP.
Para a seleção, buscou-se a opinião de, pelo menos, um interlocutor de cada uma das cinco
AOPs mais recentemente executadas, preferencialmente de entes distintos.
Além desta introdução e das considerações finais, o artigo está estruturado em três seções. A
primeira seção discute o conceito e os tipos de auditoria e a distinção entre a AOP e a
auditoria de regularidade. A segunda seção aborda a necessidade de cooperação entre
auditores e auditados para realização das AOPs. Ambas as seções são baseadas em revisão
bibliográfica. A terceira seção é dedicada à apresentação dos dados obtidos por meio da
aplicação dos questionários e à análise da percepção dos entrevistados.
A origem etimológica do termo auditoria remete ao latim audire, que significa “ouvir”. Os
ingleses o traduziram como auditing, designando, exclusivamente, o conjunto de
procedimentos técnicos para a revisão dos registros contábeis (ARAÚJO, 2001).
A atual concepção de auditoria apresenta caráter amplo, de acordo com a qual essa constitui o
exame independente, objetivo e sistemático de determinada matéria, baseado em normas
técnicas e profissionais, em que se confronta uma condição com determinado critério, com o
fim de emitir opinião ou comentários (NAGs, 2010).
De acordo com o objetivo, as auditorias podem ser separadas em auditorias de regularidade,
que abrangem as auditorias de conformidade e financeira, e auditorias operacionais (AOPs).
3
As auditorias de regularidade envolvem o controle sobre procedimentos formais e legais,
tendo como objetivo examinar a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão quanto aos
aspectos contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial (TCU, 2011). Por sua vez, as AOPs
visam examinar, entre outros possíveis critérios, a economicidade, eficiência, eficácia,
efetividade de organizações, programas e atividades governamentais, com a finalidade de
avaliar seu desempenho e de promover o aprimoramento e a transparência da gestão pública
(NAGs, 2010).
O exame realizado por meio das AOPs pressupõe o enquadramento da ação governamental no
modelo insumo-produto (input-output), de acordo com o qual, a partir da definição dos
objetivos, recursos (insumos ou inputs) são alocados e ações ou atividades são desenvolvidas
para que sejam ofertados bens e serviços à sociedade (outputs), os quais levarão a
determinados resultados. Esse fluxo de interações pode ser visto na Figura 1.
Figura 1:
Diagrama de insumo-produto da atividade governamental
Nota. Fonte: TCU – Tribunal de Contas da União. Manual de auditoria operacional. 3. ed. Brasília: TCU, Secretaria de
Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo (Seprog), 2010. Disponível em:
<portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2058980.PDF>. Acesso em: 5 jan. 2014. p. 11.
4
gráficos, em contraposição ao verificado nas auditorias de regularidade, em que os relatórios
seguem padrão pouco mutável (TCEMG, 2013).
Aponta-se, também, a diferença no tocante à imagem ou papel desempenhado pelos auditores,
isto é, ao tipo de missão que eles pensam estar cumprindo ao realizar cada uma das auditorias.
Na auditoria de regularidade, os auditores se apresentam como juízes/magistrados ou
contadores públicos, tendo em vista o exame da conformidade dos atos com as normas
aplicáveis. Na AOP, os auditores desempenham o papel de pesquisadores/cientistas ou de
consultores administrativos, tendo como foco principal produzir novos conhecimentos e
informações ou contribuir para a melhoria da gestão pública (POLLITT et al., 2008).
A Figura 2 apresenta, esquematicamente, as principais diferenças entre a auditoria de
regularidade e a AOP.
Figura 2:
Principais diferenças entre a auditoria de regularidade e auditoria operacional
Aspecto Auditoria de Regularidade Auditoria Operacional
Planejamento Rígido, procedimentos pré-definidos, Criativo, flexível, contínuo
programas padronizados
Processo Homogêneo, linear e pouco iterativo Dinâmico, muito iterativo, geralmente
mais longo
Atores Poucos (auditores e auditados) Variados e numerosos (especialistas,
sociedade civil, universidades, institutos de
pesquisa)
Perfil do auditor Conhecimentos de contabilidade, finanças e Formação abrangente, visão sistêmica,
direito capacidade analítica, habilidades
interpessoais, treinamento em
administração, políticas públicas, ciências
sociais, métodos de investigação científica
Papéis do Juiz/magistrado, contador público Pesquisador/cientista, consultor de gestão
auditor
Fontes de Leis, normas e regulamentos Comparações, experiências, indicadores,
critérios conhecimento científico, bibliografia
Nota. Fonte: ALBUQUERQUE, Frederico de Freitas Tenório. A auditoria operacional e seus desafios: um estudo a partir
da experiência do Tribunal de Contas da União. 2006. 153 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade
Federal da Bahia, Salvador. p. 62.
5
Da necessidade de cooperação entre auditores e auditados para realização das AOPs
A accountability por resultados exige maior interação entre gestores e órgãos de controle,
tendo em vista a definição de parâmetros que permitam examinar, entre outras possíveis
dimensões, a eficiência, a eficácia e a efetividade de órgãos, políticas ou programas públicos.
Nesse sentido, a realização das AOPs, enquanto instrumento de fiscalização voltado
especialmente para a promoção de tal forma de accountability, requer o estabelecimento de
uma relação de parceria, a fim de que haja diálogo aberto e construtivo, que estimule a
cooperação entre auditores e auditados (INTOSAI, 2005), o que aponta para a importância da
receptividade destes a serem submetidos a tais auditorias.
É fundamental que os entes auditados ou envolvidos na política ou no programa objeto da
auditoria estejam preparados para serem submetidos à fiscalização operacional, tendo em
vista o estabelecimento de indicadores que permitam avaliá-los e o conhecimento sobre os
objetivos e a metodologia empregada em tais auditorias.
Destaca-se, também, a assimetria informacional entre auditores e auditados, tendo em vista a
necessidade de aqueles obterem informação a respeito do objeto da auditoria e, ao mesmo
tempo, o maior conhecimento que estes têm sobre ente auditado, haja vista estarem nele
integrados, ou sobre a política ou o programa auditado, diante de seu envolvimento em sua
formulação e/ou em sua execução. Tal situação exige das EFS a busca de informação, em
quantidade e com confiabilidade satisfatórias, para o necessário conhecimento a respeito do
objeto auditado.
A depender da postura do auditado, colaborativa ou defensiva, e da forma como o diálogo
com os auditores se desenvolva, pode haver o estabelecimento de questões de auditoria que
não sejam as mais adequadas para verificar o desempenho, bem como de critérios de
avaliação que valorizem metas mais facilmente alcançáveis pelo ente ou pelo programa
auditado em detrimento de outros mais apropriados para a avaliação das questões de auditoria.
A propósito, interessa observar o possível conflito de interesses entre auditores e auditados.
Trata-se de obstáculo também levantado no tocante às avaliações de políticas públicas, visto
que essas podem representar um problema para os gestores, uma vez que os resultados podem
ocasionar constrangimentos públicos e serem usados pela sociedade e pela imprensa para
criticar os governos. Dessa feita, a AOP pode provocar reações negativas como, por exemplo,
atitudes de evasão e de omissão (INTOSAI, 2005). Por outro lado, em caso de resultados
positivos, os gestores podem tentar se valer das avaliações para legitimar as próprias ações e,
por conseguinte, para obter ganhos políticos (TREVISAN; VAN BELLEN, 2008).
Há que se ter a devida cautela para que a busca pelo estabelecimento de um processo
construtivo de interação não permita aos auditados ditar as condições do processo de
fiscalização ou o controle de algum outro modo ou, mais além, interferir no processo de
auditoria de modo a fazer com que o foco do trabalho seja direcionado para aspectos que o
auditado tenha ciência, de antemão, que serão positivamente avaliados. Essa questão também
é destacada pela literatura a respeito das avaliações de políticas públicas, ao chamar atenção
para a possibilidade de os resultados inconvenientes ou politicamente delicados serem
suprimidos ou usados seletivamente (ALA-HARJA; HELGASON, 2000).
A conciliação entre os diferentes papéis desempenhados pelos auditores na accountability de
regularidade e na accountability de desempenho representa outro desafio à realização de
AOPs, que pode comprometer a cooperação entre auditores e auditados.
A partir do estudo de cinco EFS (da Holanda, do Reino Unido, da Suécia, da Finlândia e da
França), Pollitt et al. (2008) distinguem quatro papéis principais possivelmente
desempenhados pelos auditores públicos, os quais retratam o tipo de missão que eles pensam
estar cumprindo ao realizar a accountability de regularidade ou a accountability de resultados
ou de desempenho, conforme a Figura 3.
6
Figura 3:
Possíveis papéis dos auditores e respectiva fundamentação de análise
Nota. Fonte: Adaptado de POLLITT, Christopher et al. Desempenho ou legalidade? Auditoria operacional e de gestão
pública em cinco países. Trad. Pedro Buck. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
7
Apresentação dos dados e análise da percepção dos atores do TCEMG e dos auditados
Figura 4:
Percepção dos atores do TCEMG sobre o principal papel desempenhado pelos auditores nas AOPs
8
Figura 5:
Percepção dos auditados sobre o principal papel desempenhado pelos auditores nas AOPs
Tabela 1:
Percepção dos auditados e dos analistas das CAOP sobre o diálogo estabelecido nas AOPs
Auditados Analistas do TCEMG
(%) (%)
Ocorreu sem intercorrências ou pontos de tensão/conflito que
50,0 33,3
interferissem na realização da AOP
Apesar da existência de pontos de tensão/conflito, esses não
40,0 66,7
interferiram na realização da AOP
Houve intercorrências ou pontos de tensão/conflito que interferiram
0,0 0,0
na realização da AOP
Não soube ou não quis responder 10,0 0,0
Nota. Fonte: Elaborado pelos autores.
De acordo com a percepção dos analistas da CAOP em relação às auditorias em que eles
atuaram, faz-se mister ressaltar que: a ampla maioria (aproximadamente 92%) apontou a
ocorrência de comportamentos evasivos ou a omissão de informações pelos representantes
dos entes envolvidos nos programas auditados; 75% assinalaram que houve resistência quanto
ao exame de determinadas questões formuladas pela equipe de auditoria; todos afirmaram ter
sido verificada a preocupação dos gestores de que a auditoria abrangesse aspectos
satisfatórios dos programas; a maioria (dois terços) indicou que houve a preocupação dos
gestores de que a auditoria não enfocasse aspectos insatisfatórios dos programas; e, que a
grande maioria (75%) apontou o receio dos gestores quanto aos possíveis achados de
auditoria.
Em contraposição, a percepção majoritária dos auditados foi de que não houve a preocupação
de que a AOP examinasse aspectos satisfatórios do programa auditado, não houve receio de
que ela abrangesse aspectos insatisfatórios do programa; e, ainda, de que não ocorreu receio
quanto aos possíveis achados de auditoria. A Tabela 2 sintetiza os referidos posicionamentos.
Tabela 2:
Percepção dos auditados e dos analistas da CAOP sobre comportamentos indicativos da receptividade às
AOPs
Auditados (%) Analistas do TCEMG (%)
Houve preocupação de que a auditoria Sim 40,0 100,0
operacional examinasse aspectos
satisfatórios do programa? Não 60,0 0,0
Houve receio de que a auditoria Sim 30,0 66,7
operacional abrangesse aspectos
insatisfatórios do programa? Não 70,0 33,3
Houve receio quanto aos possíveis Sim 30,0 75,0
achados da auditoria operacional? Não 70,0 25,0
Nota. Fonte: Elaborado pelos autores.
Nota-se clara divergência entre a percepção predominante dos auditados e dos analistas da
CAOP quanto às questões formuladas, que tratam de comportamentos indicativos da postura
como a realização das AOPs foi recebida no âmbito dos entes envolvidos nos programas
auditados. Em contraposição à percepção amplamente majoritária dos analistas, que indicou a
ocorrência de comportamentos defensivos em relação ao trabalho de auditoria, a maioria dos
auditados negou a presença daqueles, entendendo que houve boa receptividade à realização
das AOPs.
10
Todavia, insta ressaltar que, ao serem questionados sobre os principais desafios para
realização das referidas auditorias, a maior parte dos auditados apontou a resistência dos
representantes dos entes em se submeter às AOPs e o receio quanto a sua repercussão política,
conforme a Figura 6, que retrata a frequência percentual dos auditados que mencionou as
dificuldades assinaladas.
Figura 6:
Percepção dos auditados quanto à principal dificuldade enfrentada nas AOPs
Para explicar essa contradição entre as percepções apresentadas pelos auditados, pode-se
ponderar que, para a maioria deles, apesar de haver certo temor ou resistência no âmbito dos
entes envolvidos nos programas a se sujeitar às referidas auditorias, haja vista se tratar de um
instrumento de fiscalização, ainda que não seja voltado para a constatação de irregularidades e
para a eventual aplicação de sanções, não foi percebida a ocorrência de comportamentos
premeditadamente contrários à realização das AOPs. Assim, de acordo com a percepção geral
dos auditados, pode-se entender que, a despeito da insegurança a serem submetidos à
fiscalização operacional do TC, não foram verificados comportamentos evasivos, omissão de
informações, nem a tentativa de direcionamento das informações.
A título de ilustração, vale transcrever afirmações de alguns dos auditados ao serem
indagados sobre as maiores dificuldades enfrentadas nas AOPs, que destacam a resistência a
se submeterem a tais auditorias e o receio quanto à possível repercussão política negativa das
AOPs: “o aspecto externo, tendo em vista a possibilidade de desvirtuamento pela imprensa e a
repercussão negativa”, “preocupação em mostrar aos auditores o que de fato está
acontecendo, para que não haja interpretação equivocada”, “receio do auditado em se
submeter à auditoria operacional, o que reduz a abertura para colaboração”, “[a necessidade
do TC de] buscar informação, uma vez que as pessoas temem a auditoria”, “relação do TC
com o Executivo faz com que este nunca vai se sentir inteiramente seguro para abrir
totalmente o diálogo. Existe a tensão entre os órgãos, pois envolve a relação com órgão de
controle. Preocupa-se, também, com o modo como a informação será utilizada politicamente”.
Ademais, alguns auditados apontaram, como principal dificuldade, a preparação do órgão ou
da entidade para se submeter à AOP, tendo sido ressaltadas a “demanda excessiva do TC por
documentos e informações e, ao mesmo tempo, prazo escasso para cumprimento”, a “falta de
conhecimento a respeito do objetivo da AOP, tendo havido, inclusive, receio quanto a
possível responsabilização futura” e a necessidade de “preparar e mobilizar as pessoas, tendo
em vista o tempo despendido, procedimentos e atividades a serem realizadas pelo auditado”.
Foi mencionada, também, a cultura/visão do controle apresentada pelos auditores, tendo
alguns auditados destacado “o viés teórico e burocrático do controle exercido pelo TC” e “a
falta de vivência/experiência dos auditores na prática de execução de projetos e de
programas” como obstáculos à realização de AOPs.
A opção “outros” se refere a apontamentos diversos feitos pelos auditados pertinentes à
multiplicidade de atores envolvidos na AOP, com interesses conflitantes e, também,
11
observações específicas sobre algumas auditorias, sem maior importância para a presente
análise.
Diante da percepção apresentada pelos auditados, deve-se mencionar o possível conflito entre
accountability de regularidade e accountability por resultados, conforme apontado pela
literatura (CLAD, 2000; LONGO, 2003). Isso porque, ao mesmo tempo em que não
necessariamente o cumprimento de regras preestabelecidas implica melhor desempenho da
administração pública, o receio do gestor em ser responsabilizado em virtude da não
observância daquelas pode fazer com que atos ou procedimentos aptos a proporcionar
melhores resultados deixem de ser executados. Tal consideração pode explicar a resistência
ou o receio demonstrados em relação às AOPs.
Nesse contexto, pelo menos três questões relativas aos instrumentos de controle de
regularidade devem ser reconsideradas, a começar pela redução de sua extensão e magnitude,
a fim de eliminar parte significativa das restrições impostas aos gestores públicos,
valorizando-se a análise de custos e benefícios dos mecanismos de controle empregados.
Outra questão se refere à eliminação ou utilização apenas excepcionalmente do controle ex
ante, optando por mecanismos de controle a posteriori. Por fim, destaca-se o estabelecimento
de relação de colaboração entre os órgãos auditores e os órgãos auditados, tendo em vista a
melhoria de desempenho (LONGO, 2003).
Os atores do TCEMG também foram questionados sobre as maiores dificuldades enfrentadas
na realização das AOPs, sendo-lhes solicitado que as colocassem em ordem de prioridade, de
acordo com as cinco opções apresentadas, consoante a Figura 7.
Figura 7:
Percepção dos atores do TCEMG quanto à principal dificuldade enfrentada nas AOPs
12
auditorias, conforme assinalado pela literatura (POLLITT et al., 2008; LONGO, 2003) e
também constatado em pesquisas empíricas (ALBUQUERQUE, 2006; MATOS, 2006).
No que tange à resistência dos representantes dos entes envolvidos nos programas a serem
submetidos à AOP, destacam-se apontamentos de analistas da CAOP a respeito de tal
dificuldade. Nesse sentido, um dos analistas observou que “os gestores confundem a auditoria
operacional com a auditoria de regularidade. Não entendem que a auditoria operacional
necessita de ‘parceria’ entre o órgão auditado e a equipe de auditoria”. Exemplificativamente,
foram mencionadas situações como: tratamento irregular dispensado à unidade técnica,
“verificando-se ora cordialidade, ora um pouco de agressividade e não envio da
documentação pleiteada”; consecutivos pedidos de dilação de prazo para prestar informações
por um dos órgãos envolvidos no programa auditado e tendência de concentração no gestor
para controle das informações prestadas; tentativa de direcionamento da análise para um
programa que ainda estava em implementação (em fase de teste), para que fossem verificados
aspectos positivos da atuação do órgão e para que não fossem examinadas as deficiências;
questionamento de representante de um dos órgãos sobre procedimentos adotados pela equipe
de auditoria.
O conhecimento insuficiente da equipe de auditoria a respeito dos programas auditados
também foi apontado por parte considerável dos atores do TCEMG (22%) como a principal
dificuldade colocada à realização das AOPs. Com efeito, a diversidade e a especificidade dos
temas examinados em cada AOP (saúde, meio ambiente, educação, saneamento, por exemplo)
requerem dos auditores múltiplos conhecimentos, ampla pesquisa e estudo sobre as matérias
envolvidas. A respeito, um dos analistas destacou o desafio decorrente da “necessidade de
conhecer os programas auditados, que são das mais diversas áreas, [o que exige] muito
estudo”.
A opção “outros” envolve respostas variadas de atores do TCEMG, tendo sido apontadas a
ausência ou deficiência dos instrumentos de planejamento dos programas e das ações do
governo e a falta de apoio do aludido órgão para a capacitação dos profissionais envolvidos na
realização das AOPs, tendo em vista a necessidade de participação em cursos, palestras e
seminários, que permitam assimilar e promover a metodologia empregada em tais auditorias.
Por fim, ressalta-se a percepção dos auditados sobre a essência do trabalho desempenhado na
AOP. Ao serem questionados, a grande maioria apontou a proximidade entre as AOPs e as
consultorias. Todavia, foram ressaltadas diferenças, em virtude de aquelas serem realizadas
pelos TCs. Nesse sentido, os auditados afirmaram que as aludidas auditorias assemelham-se a
consultorias, porém apresentam “muito mais força” e “independência”, “são muito mais bem
feitas, pois vão além das consultorias privadas, destacando questões mais pertinentes para a
melhoria das políticas públicas”. Acrescentaram, ainda, a diferença de cultura e de visão dos
auditores do TC, comparativamente aos consultores de empresas particulares, e o caráter
impositivo das AOPs.
Essa percepção majoritária dos auditados sobre a natureza do trabalho de AOP denota o
reconhecimento dos TCs como órgãos que possuem como função primária a fiscalização e o
controle. Ainda que sejam reconhecidos papéis distintos aos auditores em sua atuação no
âmbito da accountability de regularidade (juiz/magistrado ou contador público) e da
accountability de desempenho (pesquisador/cientista ou consultor administrativo), verifica-se
que a realização das AOPs, que lhes confere a possibilidade de fazer recomendações a órgãos
e a entidades para a melhoria da gestão pública e para o incremento da accountability, não
afasta a perspectiva de guarda e de controle.
13
Considerações Finais
Notas
1
As Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS) representam organismos de controle técnico
das finanças públicas, responsáveis pelo controle externo da Administração em praticamente
todos os países democráticos do mundo, independentemente do sistema de governo adotado,
estruturados segundo o sistema de auditoria ou de controladoria-geral ou de acordo com o
sistema de tribunal de contas, caso do Brasil (COSTA, 2006).
2
CR/88: “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o
auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...] IV - realizar, por iniciativa
própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito,
inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e
demais entidades referidas no inciso II;”. Em respeito ao princípio da simetria, que tem
amparo no artigo 75 da CR/88, estende-se aos demais TCs brasileiros a competência atribuída
14
ao TCU para realização de AOPs. Dispõe o artigo 75 da CR/88: “As normas estabelecidas
nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos
Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos
de Contas dos Municípios” (BRASIL, 1988).
3
O TCEMG conta com quatro vagas de Auditor, porém duas delas se encontram vagas,
aguardando a realização de concurso público para seu preenchimento
4
O Tribunal Pleno é o órgão máximo de deliberação dos TCs. Nos TCs subnacionais, ele é
composto pelos sete Conselheiros e presidido pelo Presidente do Tribunal. No âmbito do
TCEMG, nas hipóteses de ausência, de impedimento ou de vacância do cargo, os
Conselheiros são substituídos pelos Auditores, conforme estabelece o artigo 27, I, da Lei
Orgânica do TCEMG - Lei Complementar nº 102/08 (TCEMG, 2008). Neste estudo, o
vocábulo “auditor” se refere aos servidores envolvidos na realização das auditorias, não se
confundindo com o “Auditor”, ocupante do cargo previsto no artigo 73, § 4º, da CR/88
(BRASIL, 1988), a quem se atribui a substituição de Conselheiro.
5
Para facilitar a identificação dos entrevistados, atribui-se aos analistas da CAOP, aos
Conselheiros e aos Auditores (Conselheiros Substitutos) a denominação “atores do TCEMG”,
sendo os representantes dos entes envolvidos nos programas objeto de AOP, que atuaram
como interlocutores junto ao TCEMG, denominados “auditados”.
Referências Bibliográficas
15
LONGO, F. La responsabilización por el rendimiento en la gestión pública: problemas y
desafíos. 2003. Disponível em:
<http://unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/clad0047611.pdf>. Acesso
em: 12 abr. 2014.
TREVISAN, Andrei Pittol; VAN BELLEN, Hans Michael. Avaliação de políticas públicas:
uma revisão teórica de um campo em construção. Revista de Administração Pública, Rio de
Janeiro, v. 42, n. 3, p. 529-550, maio/jun. 2008.
16