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1. BREVE HISTÓRICO
A) - Precedentes históricos
• Antigas civilizações – regra - laços familiares estabelecidos por razões religiosas e patrimoniais e não
afetivas.
• ROMA antiga - família fundava-se no absoluto poder paterno (pater família) - pai detinha a autoridade
familiar e religiosa. Filhos não eram sujeitos de direito, mas objeto de relações jurídicas 1.
• GRÉCIA antiga – regra - pai transferia para o Estado o poder sobre a vida dos filhos para prepará-los para o
exército. Em regra, só eram mantidas vivas as crianças fortes e saudáveis2.
• Tribos antigas - comum o sacrifício de crianças por motivos religiosos e por serem nômades (crianças não
saudáveis).
• Roma – distinção de menores púberes e impúberes3 (algo como a incapacidade absoluta e relativa), com
reflexo nas sanções aplicadas por prática de atos ilícitos.
• Idade média - crescimento do cristianismo (ideia de dignidade do humano) -maior proteção à prole gerada no
matrimônio.
• Brasil Colônia – preocupação com infratores e respostas repressivas, caracterizadas por penas severas.
• Na época das Ordenações Filipinas (1603) a imputabilidade penal era atingida aos 7 anos. Dos 7 aos 17
anos havia atenuação da pena. Dos 17 aos 21, considerados jovens adultos já podiam sofrer a pena de morte.
1- 1738 – Brasil - inauguração da Roda dos Expostos da Santa Casa da Misericórdia no Rio de Janeiro, ideia
importada da Europa.
2- 1830 - Primeiro Código Penal do Império - aos adolescentes com menos de 14 anos e mais de 7 anos
aplicava-se a teoria do discernimento e eram submetidos, se o caso, à internação nas casas de correção pelo
tempo que o juiz julgasse necessário, não ultrapassando os 17 anos de idade; os adolescentes entre 14 e 17
anos estavam sujeitos à pena de cumplicidade (2/3 do que cabia ao adulto) e os maiores de 17 até 21 anos
gozavam da atenuante da menoridade.
3- Início do Período Republicano no Brasil – marcado pelo êxodo rural e crescimento das grandes cidades sem
planejamento. Surgiram as medidas assistencialistas.
4- 1890 - Primeiro Código Penal da República - irresponsabilidade dos menores de 9 anos; de 9 a 14 anos
adotou a teoria do discernimento; tornou obrigatória a aplicação da cumplicidade para os jovens maiores
de 14 e menores de 17, além de manter a atenuante para os maiores de 17 e menores de 21.
5- 1899 - EUA - Illinois - primeiro Tribunal de Menores.
6- Declaração de Genebra de 1924 - proporcionar à criança proteção especial.
7- China – o novo Código Imperial do imperador Qing, 1911 previa que abaixo de 12 anos não se podia ser
processado por crimes, art. 11. Já os menores de 16 tinham a pena atenuada. Em 1935, o Código aumentou
para 14 anos4;
8- 1924 - primeiro Juizado de Menores no Brasil, sob o comando do Juiz Mello Matos.
9- 1927 - Decreto nº 17.943, de 12/10/27, primeiro Código de Menores, conhecido como código Mello Mattos5.
10- 1940 - Código Penal estabelece a maioridade penal aos 18 anos.
1
COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga. Tradução J. Cretella Jr. E Agnes Cretella, Revista dos Tribunais, 2003.
2
AMIN, Andrea Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança. In:Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 3/5.
3
etimologia, o impúbere - também conhecido como infante - é aquele que ainda não atingiu a puberdade, que não desenvolveu os pelos pubianos. O púbere - ou
adolescente - é aquele que atingiu a puberdade, que já desenvolveu pelos pubianos. De Plácido e Silva, essa é uma "situação que se revela pelo desenvolvimento físico
da pessoa, em relação aos órgãos genitais".1
4
https://www.researchgate.net/publication/281612947_China's_Juvenile_Justice_A_System_in_Transition
5 Juiz que se preocupava com o estado físico, moral, econômico e mental da criança.
1
Curso de Especialização Ordem Jurídica e Ministério Público
Disciplina: Direito da Infância e Juventude
Professora: Luciana Medeiros Costa
Há 4 fases: a) fase da absoluta indiferença - não existiam normas; b) fase da imputação criminal - leis com
propósito de coibir a prática de ilíticos (Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas, Códigos Criminal de
1830 e Penal de 1890); c) fase tutelar - adulto promove a integração sociofamiliar da criança, com tutela reflexa
de seus interesses pessoais (Códigos Mello Mattos de 1927 e de Menores de 1979) e d) fase da proteção integral
- leis reconhecem direitos e garantias às crianças - sujeitos de direitos, pessoas em desenvolvimento (Lei Federal
8.069/90 – ECA)7.8
Fase imperial - início da preocupação com os infratores. Política repressiva (temor ante penas duras). No campo
não infracional o Estado agia por meio da Igreja. Em 1551, fundou-se a primeira casa de recolhimento de crianças
do Brasil, gerida pelos jesuítas, para isolar crianças indígenas e negras da má influência dos pais. No século
XVIII, cresce a preocupação do Estado com órfãos e importa da Europa a Roda dos Expostos (Santas Casas de
Misericórdia).9
Período republicano - marcado pelo crescimento desordenado das cidades do Rio de Janeiro e de SP, o que
exigiu medidas urgentes de saneamento e segurança pois era o momento de construção da imagem da nova
república (são fundadas entidades assistenciais). O pensamento oscilava entre assegurar direitos ou se defender
dos “menores”. Casas de recolhimento são inauguradas em 1906, dividindo-se em escola de prevenção, para
2
Curso de Especialização Ordem Jurídica e Ministério Público
Disciplina: Direito da Infância e Juventude
Professora: Luciana Medeiros Costa
Em 1912, foi apresentado projeto de lei11 alterando a perspectiva do direito da criança, afastando-a da área penal
e propondo a especialização de tribunais, na linha dos movimentos internacionais da época. Construiu-se a
Doutrina do Direito do Menor, fundada no binômio carência/delinquência. O Estado deveria proteger os
menores, mesmo suprimindo suas garantias, delineava-se a Doutrina da Situação Irregular.12
A Constituição de 1937, de cunho social, ampliou o horizonte social da infância e juventude e dos mais carentes.
O serviço social passou a integrar programas de bem-estar. Em 1941 surge o SAM – Serviço de Assistência do
Menor e a tutela da infância caracteriza-se pelo regime de internações com quebra de vínculos familiares,
substituídos por liames institucionais14. O objetivo era recuperar o menor, a preocupação era correcional.
Em 1943, instalada comissão revisora do Código Mello Mattos, a qual diagnosticou que os problemas das crianças
eram de origem social e trabalhou na elaboração um Código Misto, com aspecto social e jurídico, sob a influência
dos movimentos pós-segunda guerra, em prol dos Direitos Humanos.
A década de 60 foi marcada por severas críticas ao SAM: desvio de verbas, superlotação, ensino precário e
incapacidade de recuperação dos internos. Extinta em 1964, pela Lei nº 4.513, que originou a Fundação Nacional
do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) a qual tinha por base a Política Nacional do Bem-Estar do Menor
(PNBEM), com gestão centralizadora e verticalizada, sendo nítidas as contradições entre a técnica e a prática.
Em 10/12/79, publicada a Lei nº 6.697, novo Código de Menores, consolidando a doutrina da Situação
Irregular (cultura da internação para carentes/ delinquentes).
A CF de 1988 trouxe inúmeras mudanças. A nova ordem deixou o modelo da situação irregular e adotou a
Doutrina da Proteção Integral.
O Brasil integra seleto rol das nações mais avançadas na defesa dos interesses infanto-juvenis, para quais crianças
e jovens são sujeitos de direito, titulares de direitos fundamentais - sistema garantista da doutrina da proteção
10 Foram criadas em 1908, pela lei, para cumprimento dos casos de internação, de menores e maiores, estes de acordo com o tipo penal e a situação
processual.
11 deputado João Chaves
12 No cenário internacional destacaram-se o Congresso Internacional de Menores, realizado em Paris, no ano de 1911, e a Declaração de Gênova de
Direitos da Criança, que, em 1924, veio a ser adotada pela Liga das Nações, reconhecendo-se a existência de um Direito da Criança.
13 Em 1923, através do Decreto nº 16.272 foram publicadas as primeiras normas de assistência social visando proteção dos menores abandonados e
3
Curso de Especialização Ordem Jurídica e Ministério Público
Disciplina: Direito da Infância e Juventude
Professora: Luciana Medeiros Costa
O ECA resultou da articulação de três vertentes: o movimento social, os agentes do campo jurídico e as
políticas públicas.
A Doutrina da Proteção Integral construiu um novo paradigma para o direito infantojuvenil. Deixou a Doutrina
da Situação Irregular - abandono-delinquência, para implantar a Doutrina da Proteção Integral com
caráter de política pública. Crianças e adolescentes passam a titulares de direitos subjetivos e para assegurá-los
é estabelecido um sistema de garantias de direitos, que se materializa no Município, a quem cabe estabelecer a
política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, por meio do Conselho Municipal de Direito da
Criança e do Adolescente (CMDCA) em co-gestão com a sociedade civil para executá-los.
Trata-se de um modelo democrático e participativo, no qual família, sociedade e estado são co-gestores do sistema
de garantias. Todas as crianças e adolescentes, pobres ou ricos, lesados em seus direitos fundamentais de pessoas
em desenvolvimento, são os protagonistas da doutrina da proteção integral.
Novos atores entram em cena. A comunidade local, por meio do Conselho Tutelar; a família, cumprindo os
deveres inerentes ao poder familiar; o Judiciário exercendo a função judicante; o Ministério Público como um
grande agente garantidor de toda a rede, fiscalizando seu funcionamento, exigindo resultados, assegurando o
respeito prioritário aos direitos fundamentais infantojuvenis estabelecidos na Lei Maior.
Implantar o sistema de garantias é o grande desafio dos operadores da área da infância e juventude. Inicialmente
é indispensável romper com o sistema anterior, não apenas no aspecto formal, já feito com a Constituição da
República e a Lei nº 8.069/90, mas, principalmente, no plano prático. Tarefa árdua que exige mudança de valores
e cultura.
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso
corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo
da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós
mesmos.”
Fernando Pessoa
O Brasil ratificou a Convenção (Dec. 99.710 de 02/11/90), que passou a integrar o ordenamento jurídico interno.
A CF e o ECA abraçaram suas diretrizes. Nascem as doutrinas da proteção integral e o princípio do melhor
interesse.
Em 20 de novembro de 1989, pela Resolução 44/25 (XLIV), a Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovou
por unanimidade a Convenção sobre os Direitos da Criança.16 A Convenção foi ratificada por 195 países (exceto
EUA17)18 e representou quase um consenso de diferentes culturas e regimes jurídicos em prol da garantia dos
15 A Leinº 8.069/90 é originaria do Projeto de Lei nº 5.172/90, que foi anexado o projeto de lei nº 1.506, de 1989, do deputado Nelson Aguiar, de maior
abrangência, ao qual também foram apensados vários projetos de lei, entre eles os de nº 1.765/89, 2.264/89, 628/83, 75/87, 1.362/88, 1.619/89,
2.734/89, 2.079/89, 2.526/89, 2.584/89 e 3.142/89.
16
PEREIRA, Tânia da Silva. Convenção Sobre os Direitos da Criança (ONU) e a Proteção da Infância e Adolescência no Brasil. Revista de Direito Civil. São Paulo,
nº.60, 1992.
17
https://www.researchgate.net/publication/232805643_The_Children's_Rights_Convention_in_Denmark_A_Status_Report_on_Implementation
18
https://nacoesunidas.org/onu-com-adesao-do-sudao-do-sul-apenas-eua-nao-ratificaram-convencao-sobre-os-direitos-das-criancas/
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Disciplina: Direito da Infância e Juventude
Professora: Luciana Medeiros Costa
Definiu criança - todas as pessoas com idade inferior a dezoito anos, conferindo-lhes o status de sujeitos de direito
e apontou a família, a sociedade e o Estado como responsáveis pela efetivação desses direitos. Explicitou a
obrigação do Poder Público como garantidor das políticas públicas indispensáveis ao desenvolvimento deles.
Os direitos da criança alí reconhecidos são o mínimo que toda sociedade deve garantir.20
As declarações têm caráter de recomendação, não sendo vinculantes nem produzindo obrigações específicas,
somente sanções morais. Já as convenções contêm regras que devem ser adotadas pelos Estados-Partes, pois uma
vez ratificadas passam a integrar o ordenamento jurídico nacional.
3. OBJETIVOS
4. PRINCÍPIOS
http://indicators.ohchr.org/
19
Esse instrumento jurídico internacional foi fruto de dez anos de trabalho de representantes de quarenta e três Estados membros da Comissão de Direitos Humanos das
Nações Unidas e seu término coincidiu com a celebração dos 30 anos da Declaração dos Direitos da Criança, de 1959. A Convenção representou, dentro do panorama
legal internacional, o resumo e a conclusão de toda a legislação garantista de proteção à infância.
20
Idem., ibidem.
21 A situação da infância brasileira é constantemente exposta por meio dos diversos relatórios apresentados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef21) que
têm por finalidade a indicação de fatores e dificuldades que estejam impossibilitando o cumprimento pelos Estados-Partes das obrigações decorrentes da Convenção,
para verificar o estágio de implementação de seus dispositivos no referido país. Esses relatórios devem estar acompanhados de cópias dos principais textos legislativos,
decisões judiciais e dados estatísticos sobre a matéria.
5
Curso de Especialização Ordem Jurídica e Ministério Público
Disciplina: Direito da Infância e Juventude
Professora: Luciana Medeiros Costa
O ECA rompeu com a doutrina da situação irregular acolhendo a da proteção integral, expressa nos artigos 1º e
3º.
A doutrina da proteção integral também tem suas origens e fundamentos nos princípios previstos pela Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989.
O ECA, por meio da doutrina da proteção integral, introduziu no ordenamento pátrio um sistema de garantias
e direitos para crianças e adolescentes “consubstanciado em um conjunto de novos referenciais teóricos” 22, que
pressupõe a valorização da condição de ser criança/adolescente, pessoas em condição peculiar de
desenvolvimento (art. 6º) que necessitam crescer de forma sadia, harmoniosa e feliz.
Crianças e adolescentes (de todas as raças e condições sociais) passam a ser sujeitos de direitos. A proteção
integral institui um sistema de normas jurídicas no qual eles “figuram como titulares de interesses
subordinantes frente à Família, à Sociedade e o Estado”23.
A doutrina da proteção integral rompe com a etapa tutelar e inaugura fase garantista do sistema infantojuvenil,
ressaltando que o Poder Executivo e o Estado Juiz não têm poder discricionário, mas deve gerir e decidir
conforme os interesses da criança e do adolescente, pautados pela doutrina da proteção integral, pelo
princípio do melhor interesse e pelo princípio da prioridade absoluta.
A proteção integral abarca todo o universo de relações da criança e do adolescente, independentemente do sexo,
raça, origem, condição socioeconômica, estado de saúde etc, pois são sujeitos de direito, sendo-lhes
garantida proteção sob todos os aspectos (físico, moral, ético, religioso etc - art. 3º. ECA, Lei ).
A doutrina da proteção integral elenca três/quatro princípios básicos: da prioridade absoluta, melhor interesse
da criança, municipalização e condição especial de pessoa em desenvolvimento.
A criança e o adolescente devem figurar, obrigatoriamente, entre as prioridades das autoridades públicas. Por
exemplo, enquanto os governantes não providenciarem unidades de tratamento intensivo em hospitais para
22 SPOSATO, Karyna Batista. O direito penal juvenil no estatuto da criança e do adolescente. São Paulo: USP, 2003. Originalmente apresentado como tese de dissertação
de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. p. 34.
23 PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Direito da criança e do adolescente e tutela jurisdicional diferenciada. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.23
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Mas, a responsabilidade não é apenas do Estado, é também da sociedade e da família, que devem priorizar os
cuidados com a criança e o adolescente.
Não há colidência entre princípios orçamentários e o princípio da prioridade absoluta. Na elaboração de projeto
de lei orçamentária deverá haver destinação de verba prioritária para área, cabendo ao MP e Defensoria assegurar
o respeito à proteção integral, fiscalizando o cumprimento da lei. A discricionariedade do poder público está
limitada na formulação e execução das políticas sociais públicas, diante da determinação legal.
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente nasceu do instituto do parens patriae britânico que
consistia numa prerrogativa real com o fim de proteger incapazes. Posteriormente, foi delegada ao Chanceler, a
partir do século XIV.25
No início do século XVIII o Chanceler passou a diferenciar as atribuições do parens patriae de proteção infantil
das demais. Aos poucos a concepção da criança como objeto de relações jurídicas e com interesses subordinados
a seus pais foi superada pelo entendimento de que a criança e seu bem-estar devem ser postos acima de quaisquer
interesses, inclusos aqui os de seus pais.
Nesse sentido: Declaração de Genebra (1924) - necessidade de se conferir proteção especial à criança; Declaração
Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (1948) - direito a cuidados e assistência especiais;
Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959). Todas sem força cogente, mas representam compromissos
morais.
Nessa linha, foram celebradas convenções impondo deveres aos Estados signatários, dentre as quais as
Convenções Americana de Direitos Humanos de 1969 e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança de
1989, ambas ratificadas pelo Brasil que desde 1990 adotou o princípio do melhor interesse da criança.
24
Com base no Estatuto da Primeira Infância — Lei 13.257/16, que entrou em vigor na última quarta-feira (9/3) —, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior
Tribunal de Justiça, concedeu liminar para substituir a prisão preventiva por domiciliar no caso de uma jovem mãe de 19 anos acusada de tráfico de drogas. Grávida e
com um filho de dois anos - http://www.conjur.com.br/2016-mar-12/stj-usa-lei-concede-prisao-domiciliar-mae-filho-pequeno
25
Pereira, Tânia da Silva. "O 'melhor interesse da criança'" in O Melhor Interesse da Criança: um Debate Interdisciplinar. Editora Renovar, p.1-3. Rio de Janeiro, 2000
apud Griffith, Daniel B. "The Best ?Interests Standard: a comparison of the state's parens patrie authority and judcial oversight in best interests determinations for
children and incompetente patients"..
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Disciplina: Direito da Infância e Juventude
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A CF de 1988 assegurou prioridade absoluta aos direitos fundamentais, por meio de políticas públicas, e
reconheceu força normativa aos tratados internacionais ratificados.
O princípio do melhor interesse da criança foi recepcionado pelo Brasil. Encontra-se na Convenção das Nações
Unidas sobre os direitos da criança, de 1989:
Artigo 3
1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas
de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem
considerar, primordialmente, o interesse maior da criança. (grifo nosso).
O princípio do melhor interesse da criança deve reger a interpretação e aplicação do Direito em relação a
esses sujeitos, servindo de norte para a ação dos administradores e dos Conselhos de Direito no que se
refere à elaboração e execução de políticas públicas infantojuvenis.
O princípio pretende fazer com que os interesses das crianças e adolescentes sejam sempre priorizados e
efetivados da forma que melhor aprouver a esses sujeitos. Bruñol27 “(...) es la plena satisfacción de sus
derechos.” Por exemplo, uma ação onde se disputa a guarda de uma criança, a decisão deve considerar o que
será melhor para a criança, sujeito de direito, e não aos seus pais ou à sociedade.
26
BRUÑOL, Miguel Cillero. “El Interés Superior del ñino en el marco de la Concención Internacional sobre los Derechos del Ñino.” Compiladores:
Emilio Garcia Méndez e Mary Beloff In. Infancia,Ley y Democracia en América Latina.. Buenos Aires: De Palma, 1998, ps. 77.
27
BRUÑOL, Miguel Cillero. “El Interés Superior del ñino en el marco de la Concención Internacional sobre los Derechos del Ñino.” Compiladores:
Emilio Garcia Méndez e Mary Beloff In. Infancia,Ley y Democracia en América Latina.. Buenos Aires: De Palma, 1998, ps. 78.
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O melhor interesse permeia todo o sistema legal infantojuvenil, induzindo os operadores do direito e os
administradores a sempre se orientarem por ele. Esse princípio impõe não apenas um dever de abstenção, mas
também condutas positivas tendentes a efetivar e proteger os direitos da criança e do adolescente.
O princípio do melhor interesse, além de vetor de interpretação, é considerado como verdadeiro limite material
implícito quanto a tentativas de modificação das normas garantidoras de direitos conferidos à criança e ao
adolescente. Tem correlação com o princípio da prioridade absoluta, constitucionalmente positivado. Outrossim,
deve-se buscar, sempre que se confira prioridade absoluta à infância, a melhor das opções, como por
exemplo: deve-se priorizar a elaboração e execução de políticas públicas em detrimento de outras áreas
não afetas à infância. Em seguida, quando da elaboração e execução deve-se optar entre as políticas
públicas a serem realizadas, pelas que atendam ao melhor interesse da infância.
Sendo, assim, para a consecução dos fins almejados pela Constituição e pelo ECA, faz-se mister a aplicação dos
dois princípios, quer de forma alternativa, subsidiária ou conjunta, já que não colidem em essência e forma, antes
complementam-se e ensejam complementação aurida de todo o sistema normativo.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA O PROCESSAMENTO DE
EXECUÇÃO DE PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA.
Na definição da competência para o processamento de execução de prestação alimentícia,
cabe ao alimentando a escolha entre: a) o foro do seu domicílio ou de sua residência; b) o
juízo que proferiu a sentença exequenda; c) o juízo do local onde se encontram bens do
alimentante sujeitos à expropriação; ou d) o juízo do atual domicílio do alimentante. De fato,
o descumprimento de obrigação alimentar, antes de ofender a autoridade de uma decisão
judicial, viola o direito à vida digna de quem dela necessita (art. 1º, III, da CF). Em face dessa
peculiaridade, a interpretação das normas relativas à competência, quando o assunto é
alimentos, deve, sempre, ser a mais favorável aos alimentandos, sobretudo em se tratando de
menores, por incidência, também, do princípio do melhor interesse e da proteção integral à
criança e ao adolescente (art. 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança e art. 1º do ECA).
Nesse contexto, é relativa (e não absoluta) a presunção legal de que o alimentando, diante de
seu estado de premente necessidade, tem dificuldade de propor a ação em foro diverso do seu
próprio domicílio ou residência, que dá embasamento à regra do art. 100, II, do CPC, segundo
a qual é competente o foro “do domicílio ou da residência do alimentando, para a ação em que
se pedem alimentos”, de modo que o alimentando pode renunciar à referida presunção se lhe
for mais conveniente ajuizar a ação em local diverso. Da mesma forma, ainda que se trate de
execução de alimentos – forma especial de execução por quantia certa –, deve-se adotar o
mesmo raciocínio, permitindo, assim, a relativização da competência funcional prevista no art.
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Alguns doutrinadores elencam a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento ao patamar de princípio. Esse
condição deve ser levada em consideração na interpretação e aplicação do ECA e se soma aos princípios já
expostos, realçando-se a criança e o adolescente como sujeito de direitos.
Significa dizer que não conhecem totalmente os seus direitos nem têm condições de defendê-los. Mas deve ser
lembrado que em cada fase do desenvolvimento é exigida uma compreensão diferenciada por parte da sociedade.
É pela condição de pessoas em desenvolvimento que são detentores de direitos especiais.
O ECA se aplica à criança, denominação que se dá a quem tem até doze anos incompletos, e ao adolescente, os
que têm de doze a dezoito anos incompletos. Excepcionalmente, aplica-se aos jovens de dezoito a vinte e um
anos.
A cogestão da política assistencial envolve todos os agentes. É mais simples fiscalizar se o poder público estiver
próximo e há melhores condições de cuidar da realidade local (nisso está o importante papel dos municípios na
realização de políticas públicas de abrangência social). O ECA incorporou esse pensamento seguindo a
28
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:I - a proteção à
família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família,
conforme dispuser a lei.
Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras
fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a
coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II - participação da
população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.
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Disciplina: Direito da Infância e Juventude
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A nova lei rompeu com a doutrina anteriormente preconizada pelo Código de Menores e dentre as mudanças
ocorridas podemos enumerar: adoção da doutrina da proteção integral, obrigatoriedade de Políticas Públicas em
substituição à política paternalista de filantropia, criando o direito subjetivo à cobrança de atuação ou omissão do
Poder Público, democracia participativa (cogestão entre governo e sociedade civil), redistribuição de
responsabilidades e atribuições institucionais (municipalização do atendimento), releitura das funções do
Ministério Público e do Judiciário, criação de conselhos de direito e tutelares, o primeiro com a função de traçar
políticas públicas e o segundo, para atendimento e aplicação de medidas protetivas.
A responsabilidade pela causa da infância também ultrapassa a esfera do poder familiar e recai sobre a
comunidade, a qual pertença a criança ou o adolescente, e sobre o poder público, principalmente o municipal,
executor da política de atendimento de acordo com o artigo 88, inciso I, do ECA. Ao Juiz coube a função própria
de julgar. A atuação do Ministério Público no sistema garantista do ECA foi sobremaneira ampliada, seguindo a
tendência preconizada pela Constituição Federal. O promotor de Justiça passou a desempenhar um papeis de
grande importância na proteção da criança e do adolescente, em especial, a fiscalização das políticas
públicas vinculadas a essa área social.29
UNIDADE II
29
Organização e Gestão do Sistema de Garantia de Direitos da Infância e da Juventude. In Encontros Pela Justiça na Educação. Brasília:FUNDESCOLA/MEC, 2000,
p. 126
12
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Ciência de bem governar um povo, estabelecendo princípios e normas necessárias ao bom funcionamento da
administração estatal, para efetivar os seus objetivos e garantir o bem comum30. Maria Garcia define política
pública como diretrizes e princípios que direcionam a atividade do Estado visando o interesse público31.
(grifo nosso). “Não existe dinheiro público. Existe apenas dinheiro do pagador de impostos” Margareth
Thachter.
A esse respeito, Canotilho leciona que as políticas públicas, tais como política de saúde, política de ensino,
dentre outras, servem para realizar os direitos sociais:
(...) política de solidariedade social o conjunto de dinâmicas político-sociais através das quais
a comunidade política (Estado, organizações sociais, instituições particulares de solidariedade
social e, agora, a Comunidade Européia) gera, cria e implementa protecções
institucionalizadas no âmbito económico, social e cultural como, por exemplo, o sistema de
segurança social, o sistema de pensões de velhice e invalidez, o sistema de creches e jardins-
de-infância, o sistema de apoio à terceira idade; o sistema de protecção da juventude (...)33.
(grifo nosso)
Contudo, o país vive uma crise. Há escassez de recursos por parte do Estado, que constitui um limite fático à
prestação de direitos que necessariamente exigem, para sua efetivação, disponibilidade de verbas.
30
SILVA, de Plácido e. Vocabulário Jurídico. Volume III e IV. Editora Forense, Rio de Janeiro, 1989, p. 389.
31
GARCIA, Maria. Políticas Públicas e Atividades Administrativas do Estado. Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política, n 15, 1996, p. 64/67.
32
Arruda Neto, Pedro Thomé. Direito das políticas públicas. Ed. Forum, Belo Horizonte, 2015, p. 20.
33
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 511/512.
34
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A Ação Civil Pública como Instrumento de Controle Judicial das Chamadas Políticas Públicas. Ação Civil Pública – Lei 7.347/85
– 15 anos. Editora RT, São Paulo 2001, p. 731.
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A necessidade de se implementar políticas públicas que viabilizem a realização dos direitos sociais esbarra
também na falta de vontade política.
Na experiência alemã,
“Na doutrina do Pós-Guerra, o primeiro jurista de renome a sustentar a possibilidade do
reconhecimento de um direito subjetivo à garantia positiva dos recursos mínimos para uma
existência digna foi o publicista Otto Bachof, que, já no início da década de 1950, considerou
que o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. I, da Lei Fundamental da
Alemanha, na sequência referida como LF) não reclama apenas a garantia da liberdade, mas
também um mínimo de segurança social, já que, sem os recursos materiais para uma existência
digna, a própria dignidade da pessoa humana ficaria sacrificada. Por essa razão, o direito à
vida e integridade corporal (art. 2º, inc. II, da LF) não pode ser concebido meramente como
proibição de destruição da existência, isto é, como direito de defesa, impondo ao revés, também
uma postura ativa no sentido de garantir a vida. Cerca de um ano depois da paradigmática
formulação de Bachof, o Tribunal Federal Administrativo da Alemanha
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Seja pela limitação de recursos; corrupção; má gestão; burocracia, legislação simbólica, os direitos não
são efetivados a contento, como explica José Eduardo Faria:
Ao regular as relações e conflitos sociais num plano de elevada abstração conceitual, sob a
forma de um sistema normativo coerentemente articulado do ponto de vista lógico-formal, a lei
nada mais é do que uma ficção a cumprir uma função pragmática precisa: fixar os limites das
reações sociais, programando comportamentos, calibrando expectativas e induzindo à
obediência no sentido de uma vigorosa prontidão generalizada de todos os cidadãos, para a
aceitação passiva das normas gerais e impessoais, ou seja, das prescrições ainda
indeterminadas quanto ao seu conteúdo concreto.36,
Há que se mudar paradigmas, o que exige mudança de cultura, algumas alterações legislativas e a criação de
programas e políticas específicas.
É preciso que a população tenha um mínimo de educação e acesso à informação para que haja participação
popular efetiva (e não como ficção, onde as massas legitimam situações contrárias aos seus reais interesses por
ignorância e manipulação, como se pode ver nas audiências públicas realizadas pelo governo do GDF em questões
ambientais e urbanísticas) nos processos decisórios, o que fará crescer o nível de satisfação de direitos básicos
como saúde, educação, dentre outros. Com esse nível de participação e conscientização popular criam-se
condições para se cobrar do Estado, e para colaborar (adesão à vacinação, por exemplo) na elaboração e execução
das políticas públicas viabilizadoras da realização dos direitos fundamentais.
Dando seguimento, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, garantiu a todas as crianças e adolescentes,
com prioridade absoluta, os direitos fundamentais básicos e impôs ao poder público, à família e a sociedade o
dever de proteger, defender e cuidar das crianças e adolescentes. Dispôs, ainda, acerca de formas para que se
alcançasse a efetivação das políticas traçadas.
Eros Grau erige a realização das políticas públicas à condição de legitimidade do próprio Estado:
35
Direitos Fundamentais: orçamento e “reserva do possível”/Org. Ingo Wolfgang Sarlet, Luciano Benetti Timm, Ana Paula Barcellos... [et al.] – Porto Alegre: Livraria
do Advogado Editora, 2008, p. 19
36
FARIA, José Eduardo. Direito e Globalização Econômica. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 34.
37
LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas Hermenêuticas dos Direitos Humanos e Fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. Ps. 80/81.
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Portanto, não cabe ao Estado, de forma discricionária, proteger ou não a infância e a juventude, investir ou não
em educação, saúde, dentre outros programas de amparo e assistência ao seu desenvolvimento, mas sim cumprir
o mandamento constitucional. A criança e o adolescente, enquanto sujeitos de direitos, a poder exigir do Estado
a efetivação da proteção garantida constitucionalmente:
O administrador está vinculado à Constituição e à implementação das políticas públicas da
ordem social (quer diretamente, quer em parceria com a sociedade civil - nesse sentido atuando
também como fiscalizador), estando adstrito às finalidades explicitadas na Constituição, bem
como nas leis integradoras, e não cumpri-las caracteriza omissão, passível de
responsabilidade.39(grifo nosso)
Os Direitos da Criança e do Adolescente e a política traçada para efetivá-los não são faculdade do Estado,
tampouco direito sobre o qual o Estado possa dispor. Este apenas administra e garante que seja fruído por todos
de forma solidária e racional.
Impõe-se, ainda, aos intérpretes o dever de garantir o fim social da lei e a prioridade absoluta aos infantes,
proibindo-se qualquer retrocesso no que tange aos direitos e garantias conquistados.
Carmem Rocha defende a vinculação dos Poderes da República aos princípios constitucionais, argumentando
que:
38
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p.
17 e segs.
39
Frischesein, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas - A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público. Editora Max Limonad, São Paulo, 2000, p. 91.
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Registre-se que cabe, em especial, ao Poder Executivo executar as políticas públicas, desde a elaboração da
proposta orçamentária (detêm a iniciativa da proposta legislativa orçamentária). O artigo 4º, letra d, do ECA
que regulamenta o Princípio Constitucional da Prioridade Absoluta, determina a destinação privilegiada de
recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção da infância e juventude até a execução orçamentária.
O que se verifica, na prática, é que os atos administrativos, muitas vezes não são fundamentados e quando
os administradores são questionados judicialmente alegam o uso do poder discricionário
indiscriminadamente.
A imposição do princípio da legalidade estrita ao administrador, o obriga a seguir o que é determinado em lei, e
é uma garantia da democracia. Nesse sentido, Garcia de Enterría41: “La legalidad de la Administración, no es así
uma simple exigencia a ella misma, que pudiesse derivar de su condición de organización burocrática y
racionalizada: es tambien antes de eso, uma técnica de garantizar la libertad”.
É oportuna e necessária uma releitura da separação de poderes, princípio que deve ser revitalizado e
interpretado à luz do contexto atual.
Segundo Krell42, o descumprimento de preceitos constitucionais pela Administração e pelo Legislativo podem
ensejar uma desestabilização política.
O Poder Executivo não implementa políticas públicas imprescindíveis à efetivação dos direitos fundamentais da
criança/adolescente. Essa situação enfraquece as garantias constitucionais e torna necessário o controle pelo
Judiciário, mas sem ativismo.
40
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, ps. 25/26.
41
ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. Curso de Derecho Administrativo. Madrid: Civitas, 1974, vol. I, p. 46.
42
KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2002, p. 87.
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Por um lado, percebe-se uma crescente complexidade social, a globalização e um crescimento da tecnologia de
transportes e comunicação, criando a necessidade de se dotar o administrador de meios dinâmicos de tomada de
decisões, por outro, deve-se exercer cada vez mais a fiscalização acerca da compatibilidade das decisões com o
interesse social e com os ditames constitucionais.
O Poder Executivo, como os outros, está adstrito ao princípio da legalidade e à Constituição, devendo priorizar
as políticas públicas na área da infância. Por exemplo, a construção do Mané Garrincha não se justifica na
conveniência e oportunidade, e fere os princípios da legalidade e o da prioridade absoluta.
No Brasil, há relutância em se aceitar o controle judicial do mérito dos atos do Poder Executivo, tendo esse ampla
discricionariedade quanto à oportunidade e a conveniência dos atos administrativos. Há, atualmente, tendência a
se mudar esse posicionamento, fazendo com que a sindicabilidade dos atos do Poder Executivo seja a mais ampla
possível, inclusive, no que tange à conveniência e à oportunidade.
Essa nova leitura acerca da possibilidade de controle jurisdicional dos atos do Poder Executivo fortalece a
democracia e a Constituição.
Superar o mito da neutralidade do juiz é, portanto, tarefa urgente pois a válvula da neutralidade também possui
um substrato ideológico.
Seja por falta de estrutura, excesso de serviço, respeito excessivo ao princípio da separação de poderes, legislação
inadequada ou por muitas vezes não se ater ao efeito político das decisões e seu reflexo na economia, o Poder
Judiciário, ainda, adote posições conservadoras, segundo as quais a justiciabilidade dos atos administrativos
deve se restringir aos aspectos ou elementos formais, não devendo se imiscuir no mérito, nem aferir a justiça
do ato, a razoabilidade, o interesse público, a utilidade do ato, pois esses aspectos são discricionários da
administração44.
A posição tradicional acima aposta fundamenta-se nos seguintes argumentos: impossibilidade de sobreposição
do Poder Judiciário e o só cabimento de apreciação jurisdicional acerca da legalidade 45. Esse
posicionamento está mudando.
Não se trata de sobreposição de poderes, mas de cumprimento da Constituição imposta a todos, pois se o
Estado não cumpre as políticas constitucionais, desrespeita os direitos fundamentais, cabendo ao
Judiciário exercer o controle.
43
DROMI, Roberto, apud Dalmo de Abreu Dallari, O Poder dos Juízes, Saraiva, São Paulo, 1996, p. 94.
44
FAGUNDES, Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Editora Forense,, 1967, p. 148-150.
45
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A Ação Civil Pública como Instrumento de Controle Judicial das Chamadas Políticas Públicas. Ação Civil Pública – Lei 7.347/85
– 15 anos. São Paulo: Editora RT, 2001, p. 454-462.
46
autos nº 2001.01.3.000664-8, uma ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios contra o Distrito Federal – decisão prolatada
em 19/12/2001. cópia em anexo.
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Não há tentativa, por parte do MPDFT, de intervir na administração do Distrito Federal, mas sim, fazer com que
o Poder Judiciário garanta o cumprimento da Constituição imposta aos três Poderes e descumprida pelo Poder
Executivo Distrital.
O Judiciário alega a necessidade de preservar a separação harmônica dos poderes, e que obrigar os outros
Poderes a cumprirem normas estabelecidas constituiria risco à independência destes, atentando contra a separação
e harmonia entre todos.
A ideia de separação de poderes remonta à época de Montesquieu, no século XVIII. Naquele contexto foi
interpretada visando garantir a separação de poderes a fim de limitar o arbítrio dos reis e garantir a liberdade dos
cidadãos. No atual contexto, os objetivos do Estado, a ideologia adotada e os paradigmas foram modificados.
Surgiram novos direitos coletivos e sociais que deslocaram o foco da justiça, que passou a proferir decisões que
afetam coletividades, tais como as que versam sobre direitos difusos. Não há como se negar a salutar
independência harmônica entre os poderes e o sistema de freios e contrapesos, todavia, a sociedade necessita de
um Poder Judiciário forte, independente e atuante no sentido de resguardar o ordenamento jurídico e os cidadãos.
Barroso48, nessa mesma linha de raciocínio, critica uma tendência de "interpretação retrospectiva", que
lê o novo texto com espírito nostálgico, sem buscar inovações. Tanto a timidez como a eventual
hostilidade do Poder Judiciário tirar-lhe-iam as honras de colaborador sincero e empenhado
da restauração democrática, para transformá-lo em coadjuvante do fracasso, como sabotador
voluntário ou involuntário.
É necessário o controle dos atos discricionários do Poder Executivo e políticas públicas para viabilizar o
cumprimento do preceito constitucional da prioridade absoluta.
47
PIOVESAN, Flávia. A Implementação dos Direitos Humanos nas Cortes Brasileiras. p. 31/43. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios, ano 6, nº 12, julho/dezembro de 1998.
48
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 229
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Bandeira de Mello ressalta que a ideia que se tem de discricionariedade, segundo a qual, o administrador dispõe
de um poder para fazer escolhas livres, na suposição de que dentre as opções admitidas pela norma em abstrato,
ele pode escolher indiferentemente, tem que ser superada, pois a escolha deve ser adstrita à solução que atenda
ao interesse público da melhor forma51.
É oportuno lembrar que os princípios e políticas públicas impostos constitucionalmente vinculam a todos e seu
descumprimento, seja por omissão ou por ação, cria direitos a serem cobrados pelos cidadãos perante o Poder
Judiciário52, bem como enseja a propositura de ações de controle de constitucionalidade e de ações coletivas.
É crescente, na doutrina pátria, a posição segundo a qual cabe ao Judiciário intervir ante a inércia do administrador
em implementar políticas públicas. Sobre a questão Álvaro Mirra53 traz os seguintes questionamentos:
Pode o Ministério Público ou uma associação ambientalista obter junto ao Poder Judiciário a
condenação de um Município em obrigação de fazer consistente na implantação de sistema de
tratamento de esgotos, inclusive com fixação de um determinado prazo para tanto, sob pena de
execução específica ou multa diária? É viável ao Ministério Público ou a uma associação obter
junto ao Judiciário a condenação do Estado em obrigação de fazer consistente na adoção de
todas as medidas que se fizerem necessárias para a efetiva implantação de um Parque Estadual
ou Estação Ecológica, dentro de determinado prazo, sob pena de execução específica ou multa
diária? (...) A resposta frequentemente dada a essas indagações é a de que a adoção de medidas
e iniciativas de tal natureza é tarefa privativa da Administração, a qual, melhor do que ninguém
tem condições de apreciar a oportunidade e a conveniência de determinadas escolhas, de
natureza eminentemente política (...). (...) tal posicionamento deve ser revisto.
Mirra pondera que o administrador não pode atuar em desconformidade com as necessidades “preservacionistas”
da sociedade.
49
MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da administração Pública. São Paulo: Editora dialética, 2001, p. 42.
50
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª ed., São Paulo: Malheiros editores, 4ª tiragem , 2000, p. 48.
51
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª ed. São Paulo: Malheiros editores, 4ª tiragem, 2000, págs. 15-16.
52
No caso dos cidadãos individualmente lesados, cabe a propositura de mandado de injunção, mandado de segurança e outras ações pertinentes a serem analisadas ante
o caso concreto.
53
MIRRA, Alvaro. p.
54
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, ps. 212/213.
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Traz-se à colação decisão proferida nos autos da ação de nº 58326/92, VIJ do DF - o Ministério Público pleiteou
a construção de um centro de internamento que preenchesse os requisitos legais mínimos voltados à recuperação
dos adolescentes. Poderia o Poder Executivo ser compelido a executar tal obra? Sim, e dessa forma foi julgada
procedente a pretensão ministerial:
Ementa: Ação Civil Pública Contra o Distrito Federal. Competência da Vara da Infância e da
Juventude para o Caso. PRIORIDADE ABSOLUTA PRECONIZADA PELA CONSTITUIÇÃO.
Provas Convincentes. INCLUSÃO DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA PARA O
CUMPRIMENTO DA CONSTITUIÇÃO E DA LEI. Ingerência Indevida do Poder Judiciário
na Competência do Poder Executivo. Provimento parcial à apelação. A justiça da infância e
da juventude é competente para conhecer a ação proposta, consoante dispõem os artigos 148,
208 e 209 da lei número 8069 de 13.07.90, ainda que réu o distrito federal. Demonstrada que
restou a precariedade dos estabelecimentos existentes cumpre ao Distrito Federal dar
cumprimento ao estatuto da criança e do adolescente, que regulamentou o artigo 227 da
Constituição Federal, fazendo constar do orçamento de 1994 dotação para a construção de
casas destinadas ao internamento de menores infratores, bem assim a estabelecimento que
recolham os mesmos em medida de semiliberdade, uma vez que a própria carta magna
determina seja dada prioridade absoluta à matéria. Não pode o poder Judiciário determinar
ao poder executivo a forma de administrar estes estabelecimentos, indicando-lhe os cargos que
devem constar de seus quadros funcionais. Provimento parcial ao recurso.”
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Ap. 596.017, 7ª Câm., 12/3.97, Rel. Dês. Sérgio
Gischkow Pereira:
A Constituição Federal em seu artigo 227 define como prioridade absoluta as questões de
interesse da criança e do adolescente; assim não pode o Estado-membro, alegando
insuficiência orçamentária, desobrigar-se da implantação de programa de internação e semi-
liberdade para adolescentes infratores, podendo o Ministério Público ajuizar ação civil pública
para que a administração estadual cumpra tal previsão legal, não se tratando, na hipótese, de
afronta ao poder discricionário do administrador público, mas de exigir-lhe a observância do
mandamento constitucional.
Sentença prolatada nos autos de nº 0279535001001365 em 30/05/97 – Ação civil Pública proposta pelo MPRS
contra o Município de Santa Maria pleiteando a implantação de programa de atendimento psiquiátrico
infantojuvenil:
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As decisões acima referidas e a conclusão de Mirra parecem corretas. O Poder Executivo não pode agir ou se
omitir causando lesões à população infantojuvenil, tampouco ao ambiente, e, se o fizer, deve ter sua ação ou
omissão revistas judicialmente, respeitando-se limites legais. Nesse sentido, posicionam-se Krell, Streck e
Konder Comparato55. Krell56 ainda ressalta a importância dessas sentenças enquanto vetores de canalização das
reivindicações da sociedade.
Nos casos de saúde e educação fica mais fácil impugnar judicialmente ações ou omissões indevidas ante a
existência de dotação orçamentária mínima fixada constitucionalmente, que abrange educação e saúde
55
KRELL, Andréas J. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, ps. 101.
56
KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2002, p. 87.
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Pedro Thomé defende que o controle jurisdicional de políticas públicas permite a obtenção de um provimento
jurisdicional de correção (de políticas equivocadas – inobservâncias das regras licitatórias), adequação (políticas
inadequadas – políticas ilegítimas para resolução de problemas), complementação (políticas incompletas –
política de planejamento familiar que disponibiliza alguns meios de contracepção e não outros previstos em lei,
como preservativos, mas não laqueaduras – Lei 1533\51) e implementação (políticas ignoradas – ausência no
mundo dos fatos – inconstitucionalidade por omissão) de políticas públicas.
O administrador deve cumprir as políticas públicas traçadas pela Constituição e sua discricionariedade limita-se
às possibilidades admitidas pelas normas em abstrato, devendo a escolha recair, fundamentadamente, à solução
que atenda ao interesse público da melhor forma. Caso haja o descumprimento do mandamento Constitucional
ou legal é possível a revisão por meio do Poder Judiciário.
Nesse sentido, Ricardo Lobo Torres, segundo o qual não há dúvidas acerca da possibilidade de o Poder Judiciário
poder controlar a discricionariedade dos Poderes Legislativo e Executivo no sentido de garantir os direitos
fundamentais e a liberdade, ressaltando que ainda há dificuldades em estabelecer os limites da jurisdição em
casos de omissão do legislador57, verbis:
(...) Ultimamente, porém, a jurisprudência americana vem se cristalizando no sentido de que é
legítimo o controle positivo da jurisdição, através de julgados que acabam por influir
dialeticamente na modificação ou criação da lei: os direitos dos presos e dos alienados mentais
ao tratamento médico e à alimentação foram objeto do ‘institucional reform litigation’ gerando
a obrigatória alocação de recursos públicos e as redefinições orçamentárias.58
7. DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO
Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto
articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios. - PALAVRA CHAVE ARTICULAÇÃO - rede, pois para obter a proteção intergral necessita-se de
uma ação conjunta e coordenada do poder público e sociedade civil. Essa coordenação cabe prioritariamente aos
conselhos de direito.
Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto
articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios.
Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento:
I - políticas sociais básicas;
II - serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social de garantia de proteção social e de
prevenção e redução de violações de direitos, seus agravamentos ou reincidências;(Redação dada pela Lei nº
13.257, de 2016)
III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-
tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;
IV - serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos;
57
TORRES, Ricardo Lobo. O Mínimo Existencial e os Direitos Fundamentais. In Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, nº 42, p. 69/78,
1990.
58
TORRES, Ricardo Lobo. O Mínimo Existencial e os Direitos Fundamentais. In Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, nº 42, p. 74,
1990.
24
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Art. 89. A função de membro do conselho nacional e dos conselhos estaduais e municipais dos direitos da
criança e do adolescente é considerada de interesse público relevante e não será remunerada.
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Autoria: trechos da dissertação de mestrado de Luciana Medeiros Costa, defendida e aprovada em 2003, na UFPE. (Revisada)
UNIDADE III
Segundo o professor alemão Ernst Benda os direitos e garantias fundamentais constituem garantias específicas
da dignidade da pessoa humana, da qual são - em certo sentido - mero desdobramento.
Os direitos fundamentais positivados na Constituição formam rol não exaustivo – art. 5º, § 2º, da CF.
A primeira dimensão surgiu na primeira metade do século XVIII juntamente com a concepção do estado
liberal. A característica comum desses direitos é terem como titular o indivíduo, revelando uma nítida
subjetividade. São direitos que protegem o indivíduo contra o arbítrio e o abuso do Estado. Por exemplo: vida,
liberdade, propriedade, dentre outros2.
A segunda geração surgiu com o desenvolvimento industrial e o aparecimento do proletariado, séculos XVIII e
XIX, surgindo, nesse contexto, os direitos fundamentais econômicos e sociais. Foram consagrados no século
XX. São exemplos: o direito ao trabalho, à saúde, moradia, educação, dentre outros3.
Esses direitos são considerados em estado nascente, dependendo de um maior grau de solidariedade do que os
outros, por serem ao mesmo tempo individuais e coletivos, bem como de difícil concretização, mesmo quando
expressamente previstos nas Constituições.
A seguir o rol dos direitos fundamentais expressamente conferidos pelo artigo 227 da CF – rol exemplificativo:
1
Moraes, Guilherme Peña de. direitos fundamentias. editora Labor Iuris, São Paulo. 2000, p. 11.
2
Conhecidos como negativos, vez que impõe ao Estado o dever de abstenção. ,
3 Cunho positivo, para garantir a liberdade e a igualdade formais, por meio do Estado.
4 Sarlet, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Livraria do Advogado Editora, 2ª edição, 2001, Rio Grande do Sul. p. 52.
1
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Professor(a): Luciana Medeiros Costa
ECA
Autoria: trechos da dissertação de mestrado de Luciana Medeiros Costa, defendida e aprovada em 2003, na UFPE. (Revisada)
1 - direito à vida e à saúde
Deve-se assegurar não somente à vida, mas a qualidade de vida, direito de viver com dignidade. A criança e o
adolescente devem ser preparados para viverem no seio da família e da sociedade, para proverem com liberdade
e dignidade a sua própria subsistência.
Os artigos 7º-14º, do ECA, reforçados pela Lei 13257/16, asseguram por meio do SUS, à gestante e a mãe que
pretende entregar o filho à adoção6, o atendimento pré e perinatal (incluindo o psicológico) e, à criança e ao
adolescente, o tratamento odontológico, médico e de prevenção de doenças, com os cuidados especiais e
necessários exigidos pelas condições dos detentores desses direitos.
Art. 8º-A. Fica instituída a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, a ser realizada
anualmente na semana que incluir o dia 1º de fevereiro, com o objetivo de disseminar informações sobre
medidas preventivas e educativas que contribuam para a redução da incidência da gravidez na
adolescência.(Incluído pela Lei nº 13.798, de 2019)
5
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2019/06/17/interna_cidadesdf,763550/mulheres-dormem-em-frente-ao-
hmib-e-formam-fila-para-colocar-diu.shtml
6 § 4o Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de
prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 5o A assistência referida no § 4o deste artigo deverá ser também prestada a gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos
para adoção e às mães provadas de liberdade (Incluído pela Lei nº 13257, de 2016) Vigência
2
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Autoria: trechos da dissertação de mestrado de Luciana Medeiros Costa, defendida e aprovada em 2003, na UFPE. (Revisada)
entendimento beneficia não apenas o menor, mas todos os contratantes do plano de saúde, tendo
em vista a relevância social do direito ora tutelado. Precedentes citados: REsp 823.079-RS, DJ
2/10/2006; REsp 718.203-SP, DJ 13/2/2006, e REsp 208.068-SC, DJ 8/4/2002. REsp 976.021-MG,
Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/12/2010
Art. 201, V, do ECA, confere legitimidade ao Ministério Público para defesa de interesses individuais, difusos
ou coletivos relativos à infância e adolescência7. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA
PLEITEAR, EM DEMANDAS CONTENDO BENEFICIÁIOS INDIVIDUALIZADOS, TRATAMENTO
OU MEDICAMENTO NECESSÁRIO À SAÚDE DESSES PACIENTES (Tema: 766 STJ)8
Segundo a OMS, saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, não apenas ausência de
doenças.
Cabe aos pais levar ao médico, principalmente na primeira infância, manter a vacinação em dia e boa
alimentação (EUA – taxas de 20% de obesidade mórbida e 40% de obesos).
A ausência de saneamento básico conduz à proliferação de várias doenças. Crianças doentes faltam mais na
escola e têm mais dificuldade para aprender. Elas têm um aproveitamento na escola 18% menor que as crianças
com acesso ao saneamento básico (Pesquisa Saneamento, Educação, Trabalho e Turismo – Trata Brasil/FGV,
2008)9. “Hoje as escolas brasileiras têm mais acesso à Internet (41%) que a esgoto (36%)10.
O ECA garante proteção à fase uterina. O art. 2º do Código Civil adota a teoria natalista11 (reconhece início da
personalidade civil a partir do nascimento com vida, mas sendo o nascituro um ser em expectativa resguarda
seus direitos desde a concepção).
O Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que
reconhece o direito do nascituro à vida12.
7
Ler a Recomendação nº 34/2016, do CNMP que dispõe sobre a atuação dos membros do Ministério Público como
órgão interveniente no processo civil
8
https://scon.stj.jus.br/SCON/recrep/toc.jsp?livre=SA%DADE&b=TEMA&p=true&t=&l=10&i=11&ordem=MAT,TIT
9
http://www.tratabrasil.org.br/detalhe.php?codigo=118
10 http://www.noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/02/12/uma-decada-apos-sancao-de-lei-uma-em-tres-casas-do-pais-ainda-nao-tem-
esgoto.htm.
11 São três correntes que tratam da personalidade do nascituro. a) teoria natalista é adotada pelo CC/16 e pelo atual código civil. Para os natalistas, o
nascituro tem expectativa de direitos; b) teoria da personalidade condicional. O nascituro tem personalidade desde a concepção, mas a aquisição de
direitos fica subordinada à condição de que o feto venha a nascer com vida; c) teoria concepcionista. É reconhecida personalidade civil ao nascituro
desde a concepção, sendo condicional apenas a aquisição de direitos patrimoniais.
12 Art. 4º- 1. “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da
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Disciplina: Direito da Infância e da Juventude
Professor(a): Luciana Medeiros Costa
ECA
Autoria: trechos da dissertação de mestrado de Luciana Medeiros Costa, defendida e aprovada em 2003, na UFPE. (Revisada)
Quanto ao momento do parto, a parturiente será atendida pelos profissionais que a acompanharam durante o
pré-natal (ela será vinculada, no último trimestre da gestação, ao hospital onde será realizado o parto (art. 8º,
§2º, do ECA).
No Brasil, foi firmado o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal e o Ministério da
Saúde lançou o Programa de Humanização do Parto – Humanização do Pré-Natal e do Nascimento. Foram
editadas leis para buscar diagnósticos precoces: Teste do Pezinho é obrigatório – identifica cerca de 15 doenças
(III, do art. 10, do ECA). Há outros testes que devem ser inseridos (da orelhinha, do olho). Tramita ACP para
obrigar o DF a fazer o teste da orelhinha.
No pós-parto, o recém-nato e a mãe têm direito ao aleitamento materno, medida econômica e profilática, que
imuniza o bebê e fortalece os vínculos afetivos. Não havendo condições, caberá ao poder público garantir leite
materno nos bancos de leite.
Art. 9º do ECA – mesmo mães submetidas à medida privativa de liberdade têm assegurado o direito de
amamentar seu filho.
Art. 10, V, do ECA – durante a internação pós-parto deve ser assegurado ao neonato alojamento conjunto no
qual possa permanecer em companhia da mãe.
Medidas que asseguram a identificação do recém-nato, que traçam um histórico do parto e de todo pré-natal:
ECA – Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares,
são obrigados a:
I – manter o registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais, pelo prazo de 18 anos;
(...)
IV – fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do
desenvolvimento do neonato.
Art. 11, do ECA – assegura atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do SUS,
garantindo o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.
Política preventiva: campanhas de vacinação, programas educativos sobre saúde bucal e gravidez precoce,
treinamento para detecção de risco para o desenvolvimento psíquico (art 14, § 5º, ECA). Para as crianças e
adolescentes deficientes e portadores de necessidades especiais (deficiência física, mental, neuropatas,
deficiente visual, auditivo), o legislador reforçou a garantia de atendimento médico, medicação e tratamentos
específicos, levando-se em conta a peculiaridade de suas condições. Trata-se de norma imperativa,
determinando que se ponha à disposição dos portadores de deficiência tratamento especial, bem como os meios
para assegurar seu acesso. Assim, o poder público deve oferecer, diretamente ou por parcerias, especialidades
médicas que assegurem saúde integral como fisioterapia, psiquiatria, neurologia, ortopedia, fonoaudiologia.
Deve, ainda, ser garantido passe livre nos transportes coletivos.
Apelação Cível nº 22.786-0/7 – Comarca de São Paulo – TJ SP – Rel. Des. Nigro Conceição – j.
26/09/96
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Autoria: trechos da dissertação de mestrado de Luciana Medeiros Costa, defendida e aprovada em 2003, na UFPE. (Revisada)
Ação civil pública – menor deficiente físico – carente – legitimidade das Secretarias de Estado para
figurarem no polo passivo – Responsabilidade do Poder Público, representado pelo Estado –
Omissão caracterizada – Multa que deve ser fixada em valor elevado, a fim de compelir a execução
do julgado e desencorajar o descumprimento do dever de ministrar o tratamento adequado ao
menor – Honorários do perito fixados com moderação – Recurso desprovido, repelida a matéria
preliminar.
Direito a acompanhante – art. 12, do ECA dispõe sobre o direito de crianças e adolescentes não ficarem sós,
garantindo-lhes durante a internação hospitalar que estejam acompanhados por um dos pais ou responsável. O
art. 10, inciso II, alínea “f”, da Lei 9656/98 (lei dos planos de saúde) – assegura dentro da cobertura mínima,
cobertura de despesas de acompanhante, no caso de pacientes menores de 18 anos. Os profissionais de saúde
devem comunicar ao Conselho Tutelar os casos de suspeita de maus tratos, castigo físico ou tratamento cruel ou
degradante.
Ressalte-se que o valor dignidade humana foi erigido ao princípio de maior hierarquia em nosso ordenamento,
verbis:
“(...) Nenhum princípio é mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição
que o princípio da dignidade da pessoa humana.
(...) Daquele binômio deriva, em suma, a reconciliação da dogmática com a hermenêutica,
fundamentado assim, fora do âmbito especificamente constitucional, em termos genéricos, a
legitimidade do novo Direito, mais propício à vida que à utopia, mais chegado e permeável,
portanto, à hegemonia do princípio que consagra a dignidade da pessoa humana.13”
A liberdade preconizada no art. 16, do ECA é mais ampla, não engloba apenas o direito de ir e vir, compreende
também a liberdade de opinião, expressão, crença e culto religioso, liberdade de brincar, praticar esportes,
divertir-se, participar da vida em família, na sociedade e vida política, bem como buscar refúgio, auxílio e
orientação.
O direito de ir e vir abarca o de estar e permanecer, mas não se traduz na absoluta autodeterminação de crianças
e adolescentes decidirem seu destino, pois a lei ressalva as restrições legais. Caberá à sociedade e família a
fiscalização do exercício do direito de liberdade, sempre em sintonia com o interesse superior para o pleno
desenvolvimento saudável. Assim, não se pode permitir que crianças e jovens permaneçam nas ruas, afastados
das escolas, dormindo nas calçadas, usando crack, sobrevivendo de caridade ou pequenos furtos, frequentando
lugares impróprios, assistindo programas impróprios, mesmo que afirmem que estão na rua porque assim
desejam. Essas condutas se amoldam ao artigo 98, inciso III, do ECA, o que motiva a intervenção da rede de
proteção. Casas de Passagem, equipes técnicas capacitadas, apoio clínico para o caso de drogaditos que em
razão da dependência não conseguem reagir às intervenções técnicas estão na ordem do dia nos centros
urbanos, grave problema, ainda sem solução.
13
Bonavides Paulo. Prefácio do livro Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988 de Ingo Wolfang
Sarlet. Livraria do Advogado Editora. Porto Alegre,2001.
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Autoria: trechos da dissertação de mestrado de Luciana Medeiros Costa, defendida e aprovada em 2003, na UFPE. (Revisada)
O CMDCA deve formular políticas públicas de acolhimento e o poder público deve executá-las, não se
limitando a recolher o público infantojuvenil de rua, mas também apoiá-lo, curá-lo, identificar as causas que
motivaram o estar nas ruas e cuidar da família.
Participação livre compreende também a vida comunitária e política, como reflexo, tem-se o direito de voto aos
adolescentes a partir de 16 anos. Crença e culto religioso livres também estão compreendidos no direito à
liberdade. Os pais, no cumprimento do dever de educar, devem oferecer aos filhos educação formal e moral,
formação religiosa. No processo de amadurecimento, na adolescência questionam e apreendem as várias formas
de religião e os pais não podem interferir nesse processo de escolha, cujo agir está limitado pelo princípio do
melhor interesse do filho (os pais não podem interferir impondo seu querer).
Liberdade de brincar, praticar esportes e se divertir. Esportes são importantes para o desenvolvimento
motor, físico e integração social e atividades lúdicas (brincar) integram e permitem experiências que se refletem
no amadurecimento. Desenvolvem algumas capacidades como atenção, imitação, memória, a imaginação e
amadurecem competências para a vida coletiva através da interação e da utilização de regras e papéis sociais.
Art. 17, do ECA – O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral,
abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e
objetos pessoais.
Arts 18, 18-A e 18-B, asseguram a integridade física e psíquica, protegendo-as de castigos físicos e/ou
tratamento cruel e degradante e sujeitam família, responsáveis e agentes públicos executores de medidas
socioeducativas às medidas elencadas no art. 18B e aplicadas pelo Conselho Tutelar.
Art. 18, do ECA – É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de
qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Criança e adolescente têm
direitos de se desenvolver como crianças e adolescentes. Parece óbvio, mas não é. Existem crianças
abandonadas; há crianças estressadas com um horário a cumprir similar ao de um adulto, sem tempo para
brincar; há crianças cuidando de irmãos.
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DIREITO À INFORMAÇÃO E À
DIGNIDADE. VEICULAÇÃO DE IMAGENS CONSTRANGEDORAS.
É vedada a veiculação de material jornalístico com imagens que envolvam criança em situações
vexatórias ou constrangedoras, ainda que não se mostre o rosto da vítima. A exibição de imagens
com cenas de espancamento e de tortura praticados por adulto contra infante afronta a dignidade
da criança exposta na reportagem, como também de todas as crianças que estão sujeitas a sua
exibição. O direito constitucional à informação e à vedação da censura não é absoluto e cede
passo, por juízo de ponderação, a outros valores fundamentais também protegidos
constitucionalmente, como a proteção da imagem e da dignidade das crianças e dos adolescentes
(arts. 5°, V, X, e 227 da CF). Assim, esses direitos são restringidos por lei para a proteção dos
direitos da infância, conforme os arts. 15, 17 e 18 do ECA. REsp 509.968-SP, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, julgado em 6/12/2012.
REsp 1.517.973-PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 16/11/2017, DJe
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01/02/2018
Ação civil pública. Dignidade de crianças e adolescentes ofendida por quadros de programa
televisivo. Dano moral coletivo. Existência.
O ECA garante direito de acesso e permanência na escola; ser respeitado por seus educadores; poder contestar
critérios avaliativos, recorrendo, se for o caso, às instâncias escolares superiores; de organização e participação
em entidades estudantis e acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
É dever do Estado assegurar o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não
tiveram acesso na idade própria (supletivo); ensino noturno; atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede de ensino, além de creches e pré-escola às crianças de zero
a cinco14 anos de idade.
No sentido de conferir efetividade à Constituição, vale trazer à colação recentes julgados do STF e STJ:
RE 436996 - A turma manteve decisão monocrática do Min. Celso de Mello, relator, que dera
provimento a recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo
contra acórdão do Tribunal de Justiça do mesmo Estado-membro que, em ação civil pública,
afirmara que a matrícula de criança em creche municipal seria ato discricionário da
Administração Pública – v. Informativo 407. Tendo em conta que a educação infantil representa
prerrogativa constitucional indisponível (CF, art. 208, IV), asseverou-se que essa não se expõe,
em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração
Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Entendeu-se que os
Municípios, atuando prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211,
§ 2º), não poderão eximir-se do mandamento constitucional disposto no aludido art. 208, IV, cuja
eficácia não deve ser comprometida por juízo de simples conveniência e de mera oportunidade. Por
fim, ressaltou-se a possibilidade de o Poder Judiciário intervir, sempre que os órgãos estatais
competentes descumprirem os encargos políticos-jurídicos, de modo a comprometer, com a sua
omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura
constitucional. Rel. Ministro Celso de Mello, 22.11.2005
14
Lei 13306 de 2016.
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demonstrou as condições necessárias à obrigação de fazer postulada na inicial. Isso posto, a
Turma, por maioria, ao prosseguir o julgamento, deu provimento ao recurso. Precedente citado:
REsp 575.280-SP, DJ 25/10/2004. REsp 510.598-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado
em 17/4/2007.
O direito à educação é inalienável e irrenunciável. Pode ser efetivado mediante políticas públicas e por
solidariedade social.
Embora a educação seja um direito fundamental, se a criança ou adolescente se comportar de forma contrária às
regras da escola, deverá sofrer as sanções disciplinares
ECA. Menor que foi desligado da escola. Alegação de Ilegalidade do ato. Não é ilegal nem abusiva
decisão administrativa da escola que desligou um aluno de seu quadro depois de comprovado que a
conduta do adolescente é incompatível com as normas do estabelecimento de ensino, ficando
assegurado ao menor vaga em outra escola. Apelo improvido. (Apelação Cível nº 70007478886- 7ª
Câmara Cível – TJ RS – Rel. José Carlos Teixeira Giorgis, j. 17/03/04)
Educação é direito de todos, dever dos pais (matrícula); da sociedade, fiscalizando os casos de evasão ou de não
ingresso por meio do Conselho Tutelar; dos profissionais de educação e principalmente, dever do poder
público, mantendo oferta de vagas que permita o acesso à
Portadores de necessidades especiais devem ser contemplados com número de vagas nos sistemas
educacionais e profissionais capacitados, sendo dever do Estado ofertar vagas para educação especial durante a
educação infantil de 0 a 5 anos de idade. Não se exige que cada escola tenha classe especial, mas que dentro da
15
file:///C:/Users/cm46mvbdfmwxy78c2hq3/Downloads/texto_15340148604.pdf
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rede regular de ensino se incluam os portadores de necessidades especiais de forma adequada. Se não for
possível sua inclusão na rede de ensino regular, os alunos deverão frequentar instituições especializadas, de
acordo com o artigo 58, da LDB de Educação (Lei nº 9.394/96).
Adolescentes em conflito com a lei devem ter acesso à educação no período de internação .
Não basta haver vagas. É necessário garantir o acesso e permanência na escola, preferencialmente próximo à
residência da criança e do adolescente16.
Apelação Cível nº 59.494-0/0 – Comarca de Ituverava – TJSP – Rel. Des. Nigro Conceição – j.
09/11/00.
Apelação Cível – Apelo voluntário da Municipalidade (…) - Transporte escolar que deve ser
providenciado, gratuitamente, a todos os estudantes, crianças e adolescentes do Município, das
zonas urbanas e rurais – Inteligência dos arts. 30, VI, 211, §2º e 227, da Constituição Federal,
combinados com os arts. 54, I, e VII, 208, I e V, do ECA – Improvimento.
Art. 12, VIII, da LDB – Para evitar a evasão escolar, as escolas devem comunicar o Conselho Tutelar, juiz e
Ministério Público a relação de alunos que apresentem quantidade de faltas acima de 50% do permitido por lei.
Viola o acesso à educação a prática de retenção do histórico escolar como meio coercitivo de exigir o
pagamento de mensalidades em atraso.
Apelação Cível nº 24.275-0/0–Comarca de São Paulo–TJSP–Rel. Des. Dirceu de Mello
Ação Mandamental envolvendo interesse individual afeto à criança – Competência exclusiva do
Juízo da Infância e da Juventude. Ação Mandamental – Retenção de histórico escolar do aluno, sob
o fundamento de existência de débito – Inadmissibilidade – Pretensão inicial acolhida – Recurso
improvido.
Apelação Cível nº63.951-0/0 – Comarca de Campinas – TJSP – Rel. Des. Nigro Conceição – j.
23/08/01 – Ação civil pública – Apelação contra sentença que garantiu aos menores o direito a
vaga em creches municipais – Direito à pré-escola assegurado pela Constituição Federal e pela
16 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a
ela não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde.
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar,
transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela
frequência à escola.
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ECA
Autoria: trechos da dissertação de mestrado de Luciana Medeiros Costa, defendida e aprovada em 2003, na UFPE. (Revisada)
legislação ordinária – Constitui dever do estado a disponibilização de vagas independente da
discricionariedade da administração municipal – Recurso “ex officio” - recursos não providos.
A CF inovou com orçamento específico para a educação, art. 212 da CF fixou parâmetros mínimos a serem
aplicados exclusivamente em educação para cada um dos entes da federação. Anualmente, caberá à União
aplicar 18%; e aos Estados e DF e os Municípios, 20%, no mínimo, da receita resultante de impostos,
compreendida a proveniente de transferência, na manutenção e desenvolvimento do ensino. A esse montante, é
acrescido o valor auferido através da contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas, mas só
poderá ser utilizada como fonte adicional destinada ao ensino fundamental.
Criou-se o FUNDEF e o repasse dos recursos para os Estados e Municípios é automática, de acordo com a
periodicidade da arrecadação ou transferência das receitas, sendo depositados na conta específica que cada
Estado tem que manter no Banco do Brasil (art. 3º da Lei 9424/96). Os rendimentos do capital depositado
também integram do FUNDEF e devem ter a mesma aplicação. Para evitar que administradores burlem a lei
desviando recursos do FUNDEF, foi instituído um Conselho para fiscalização da gestão do fundo (art. 4º da Lei
9424/96) – cada Estado deve ter um Conselho – e seus integrantes são poder público, da comunidade docente,
representantes dos pais e servidores.
O Ministério Público tem importante função fiscalizadora da utilização de recursos do FUNDEF, podendo
requisitar todas as informações necessárias, extratos bancários, atas das reuniões do Conselho de Fiscalização e
balanços. Verificada má gestão dos recursos, poderá, com fundamento na Lei de Improbidade Administrativa,
responsabilizar a autoridade gestora.
É proibido o trabalho aos menores de 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos,
obedecidas as diretrizes e bases da legislação educativa. É garantida a bolsa de estudos aos aprendizes e os
direitos laborais e de segurança social aos maiores de 16 anos.17
O ECA proíbe o exercício do trabalho de crianças e adolescentes nas seguintes condições: noturno, realizado
entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte; perigoso, insalubre ou penoso; realizado em locais
prejudiciais à sua formação e a de seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e, ainda, realizado em
horários e locais que não permitam a frequência à escola.
17
https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2019/06/05/interna_gerais,1059372/magistradas-defendem-trabalho-a-partir-dos-14-
para-livrar-do-trafico.shtml
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Autoria: trechos da dissertação de mestrado de Luciana Medeiros Costa, defendida e aprovada em 2003, na UFPE. (Revisada)
teve de trabalhar antes mesmo dos 16 anos prejudique seu acesso ao benefício previdenciário,
sob pena de ficar desamparada não só a adolescente, mas também o bebê.
“Comprovado o exercício de trabalho rural pela menor de 16 anos durante o período de carência
do salário-maternidade (dez meses), é devida a concessão do benefício”, concluiu o relator.
A Constituição Federal determinou em artigo 226 que a “a família é a base da sociedade”, sendo também
responsável pela garantia dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Toda criança e adolescente têm
direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em famílias substitutas, assegurada a
convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias
entorpecentes (arts. 19 e 30, ECA). O direito à família natural e a excepcionalidade da colocação em família
substituta são princípios que os operadores do ECA devem perseguir em suas atividades profissionais diárias.
A Lei nº 12.010 de 29 de julho de 2009, assim dispõe sobre o direito à convivência familiar:
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à
convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13
de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente.
§ 1o A intervenção estatal, em observância ao disposto no caput do art. 226 da Constituição
Federal, será prioritariamente voltada à orientação, apoio e promoção social da família
natural, junto à qual a criança e o adolescente devem permanecer, ressalvada absoluta
impossibilidade, demonstrada por decisão judicial fundamentada.
§ 2o Na impossibilidade de permanência na família natural, a criança e o adolescente serão
colocados sob adoção, tutela ou guarda, observadas as regras e princípios contidos na Lei no 8.069,
de 13 de julho de 1990, e na Constituição Federal.
Abre-se um parêntese para comentar brevemente a nova Lei da Adoção, pois, não obstante sua nomenclatura,
ela regulamenta não apenas a adoção, mas trata do direito à convivência familiar, buscando fortalecer esse
direito fundamental. O legislador criou regras com a pretensão de promover, fortalecer e preservar a família
natural (família de origem) e de evitar ou diminuir o período de acolhimento institucional (a criança que vai
para o abrigo).
O ECA concede direitos iguais aos filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção ou por
afetividade, proibindo quaisquer formas de discriminação relativas à filiação.
Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação, sendo que a falta de recursos materiais não
constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar, já que a obrigação do Estado é
11
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incluir as famílias carentes em programas oficiais de auxílio. A perda e a suspensão do poder familiar somente
poderão ser decretadas por decisão judicial, com garantia do contraditório, arts. 23, 129, I, do ECA.
5.2.1 – Da Família
A família é uma instituição inserida no contexto histórico, político, social e econômico da civilização humana e
passou por mudanças de acordo com a alteração de valores, costumes e comportamentos18.
Atualmente19 surgem novos modelos de família20(que se torna o lugar ideal para o desenvolvimento da
personalidade humana21)22.
A CF de 1988 elegeu como valor superior a Dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, iniciou-se uma
busca pela efetivação dos princípios da igualdade, afetividade e da liberdade, também pilares da ordem jurídica
democrática.
Nessa esteira, surge a definição posta no art. 5º, II27, da Lei Maria da Penha, nº 11.340/06, que identifica como
família qualquer relação de afeto. O princípio da afetividade, embora implícito, encontra fundamento na
dignidade da pessoa, na solidariedade social e na igualdade28
18
Hironaka, Giselda Maria Fernandes. A incessante travessia dos tempos e a renovação dos paradigmas:a família, seu status e seu enquadramento na
pós-modernidade. In: A família além dos mitos/Eliene Ferreira Bastos, Maria Berenice Dias, coordenadoras. – Belo Horizonte: Del Rey/2008, p.
49/51.
19
Hironaka, Giselda Maria Fernandes. A incessante travessia dos tempos e a renovação dos paradigmas:a família, seu status e seu enquadramento na
pós-modernidade. In: A família além dos mitos/Eliene Ferreira Bastos, Maria Berenice Dias, coordenadoras. – Belo Horizonte: Del Rey/2008, p.
49/51.
“(...) Um fenômeno assim não acontece de repente, num abrir e fechar de olhos – durmo moderno e acordo pós-moderno! – mas é fruto de um
razoavelmente lento evoluir de idéias, de concepções, de maneira de se encarar e interpretar os fatos da vida e das relações humanas.”
20
Perrot, Michelle, O nó e o ninho, p. 81.
21
FARIAS, Cristiano Chaves de. A família da pós-modernidade: mais que fotografia, possibilidade de convivência. Disponível em
http://www.juspodivm.com.br/novo/arquivos/artigos/civil_família4.pdf.
22
Dias , Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 4ª Ed. Rev., atual. E ampliada – Sâo Paulo: RT, 2007, p. 38/40.
23
Dias , Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 4ª Ed. Rev., atual. E ampliada – Sâo Paulo: RT, 2007, p. 38/40.
24
O eudemonismo (do grego eudaimonia, "felicidade") é uma doutrina segundo a qual a felicidade é o objetivo da vida humana
25
Na Holanda, Canadá, Bélgica, Massachusetts e Espanha já se admite o casamento. Na África do Sul e na Alemanha o processo está em andamento
– Dolinger Jacob, A Ordem Pública Internacional em frente de casamentos homossexuais e poligâmicos. . In: A família além dos mitos/Eliene
Ferreira Bastos, Maria Berenice Dias, coordenadoras. – Belo Horizonte: Del Rey/2008, p 81/82.
26
Dias , Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 4ª Ed. Rev., atual. E ampliada – Sâo Paulo: RT, 2007, p. 39.
27
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços
naturais, por afinidade ou por vontade expressa
28
CASSETARI, Christiano. Multiparentalidade e PArentalidade Socioafetiva. Ed. Atlas, 2ª Ed, 2015, pág. XX.
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Disciplina: Direito da Infância e da Juventude
Professor(a): Luciana Medeiros Costa
ECA
Autoria: trechos da dissertação de mestrado de Luciana Medeiros Costa, defendida e aprovada em 2003, na UFPE. (Revisada)
Ampliando o conceito estrito de família natural, a nova Lei 12.010 de 2009 assim dispõe:
“Art. 25. .........................................................................
Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da
unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a
criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.” (NR)
Há três modalidades de colocação em lar substituto que configuram medidas de proteção: guarda, tutela e
adoção.
“Art. 28. § 1o Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe
interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as
implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada.
§ 2o Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido
em audiência.
§ 3o Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade
ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida.
§ 4o Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família
substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique
plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o
rompimento definitivo dos vínculos fraternais.
§ 5o A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua
preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a
serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos
responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar.
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Disciplina: Direito da Infância e da Juventude
Professor(a): Luciana Medeiros Costa
ECA
Autoria: trechos da dissertação de mestrado de Luciana Medeiros Costa, defendida e aprovada em 2003, na UFPE. (Revisada)
§ 6o Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade
remanescente de quilombo, é ainda obrigatório:
I - que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e
tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos
fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal;
II - que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a
membros da mesma etnia;
III - a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista,
no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional
ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso.
O artigo 98, do ECA, constitui base para a definição da competência da Vara da Infância e da Juventude e
consequente aplicação das normas inseridas no ECA referentes à guarda e à tutela. Ele trata da situação de risco
social.
O inciso I trata dos casos em que por ação ou omissão da sociedade ou do Estado as crianças ou adolescentes
tiveram seus direitos ameaçados ou violados. Ocorre todas as vezes em que o Estado/sociedade não assegura a
proteção dos direitos fundamentais desses sujeitos ou o faz de forma inadequada, como por exemplo, ausência
de atendimento médico, ausência de vagas no ensino regular, exploração do trabalho infantil etc.
Já o inciso II traz as situações em que os direitos serão ameaçados ou violados por falta, omissão ou abuso dos
pais ou responsável. A ausência física pode caracterizar a falta e impor a aplicação de alguma medida protetiva.
A omissão pode se caracterizar pelo abandono, inércia dos pais ou responsável nos cuidados, desleixo,
menosprezo, preguiça etc. A ameaça ou violação também pode ocorrer quando há abuso dos pais ou
responsável, como é o caso de violência sexual e maus tratos.
Por fim, o artigo prevê a aplicação de medidas previstas no ECA em razão da conduta das próprias crianças ou
adolescentes. São situações que caracterizam tal ameaça ou violação: uso de drogas, prostituição e prática de
atos infracionais.
A Justiça da Infância e Juventude é competente para conhecer todos os pedidos de adoção de criança ou
adolescente. A lei 11.697, de 13 de junho de 2008, nova Lei de Organização Judiciária do DF, no art. 30, III, e
o artigo 148, III, do ECA, assim dispõem.
Já, no que se refere à guarda e à tutela, sua competência limita-se às hipóteses do artigo 98, do ECA, ou seja,
apenas quando a criança ou adolescente estiverem com os direitos previstos no ECA, violados ou ameaçados de
violação. Isso quer dizer que se a criança ou adolescente estiver sob proteção de um dos componentes de sua
família natural ou extensa, que estejam assegurando e respeitando seus direitos, tais ações deverão ser
processadas em varas de família.
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Disciplina: Direito da Infância e da Juventude
Professor(a): Luciana Medeiros Costa
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Autoria: trechos da dissertação de mestrado de Luciana Medeiros Costa, defendida e aprovada em 2003, na UFPE. (Revisada)
De acordo com o artigo 28 do ECA, a colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou
adoção.
7 - Guarda
A guarda é uma das formas de colocação em família substituta e obriga a prestação de assistência material,
moral e educacional à criança/adolescente, dando ao seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos
pais. A guarda é regrada, especificamente, nos artigos 33 a 35, e genericamente nos artigos 28 a 32, todos do
ECA.
A guarda coexiste com o poder familiar, não operando modificações significativas no poder familiar dos
genitores, tampouco excluindo os genitores do dever de assistir material e imaterialmente os filhos29 (ECA, art.
23).
A representação judicial deve ser requerida ao juiz, eis que os pais detêm o poder familiar. Por exemplo:
promover uma ação para defesa dos direitos da criança 30.
A recente Lei nº 12.010 de 2009 incluiu o § 4º, no artigo 33, do ECA, cujo teor é:
“Art. 33. § 4o Salvo expressa e fundamentada determinação em contrário, da autoridade judiciária
competente, ou quando a medida for aplicada em preparação para adoção, o deferimento da guarda
de criança ou adolescente a terceiros não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim
como o dever de prestar alimentos, que serão objeto de regulamentação específica, a pedido do
interessado ou do Ministério Público.” (NR)
Ana Maria Moreira Marchesan31 entende que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê três modalidades de
guarda: a provisória, a definitiva e a peculiar.
Guarda provisória: pode ser deferida liminar e incidentalmente no decorrer dos procedimentos de guarda,
tutela ou adoção (exceto em adoções internacionais) - artigo 33,§ 1º, do ECA. Normalmente, é deferida pelo
período de 30 a 90 dias. A necessidade da provisoriedade se dá em razão da necessidade da adaptação e
integração da criança ou adolescente no novo lar.
Guarda definitiva: destina-se a atender situações peculiares em que não foi possível a adoção ou tutela. É
medida perene e estimulada no artigo 34 do ECA - artigo 33, § 2º, 1ª hipótese, do ECA. É aquela deferida por
sentença terminativa em processo de guarda32. É a guarda estatutária, medida protetiva.
Guarda peculiar: Visa suprir a falta eventual dos pais, como, por exemplo, adolescente em que os pais se
encontram em outra localidade e que necessite de representação - artigo 33, § 2º, 2ª hipótese, do ECA.
Observa-se, ainda outras espécies classificação de guarda elencadas pela doutrina33:
Guarda Compartilhada - Lei nº 13.058/14 - a criança ou adolescente mora com um dos pais, não há limitação
de acesso à criança em relação ao outro, as decisões são tomadas em conjunto e ambos dividem
responsabilidades quanto à criação e educação dos filhos;
29 Maciel, Katia Regina Lobo Andra de. Da Guarda como colocação em família substituta. In: Curso de Direito da Criança e do Adolescente.
Aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Luen Juri. 2006, p. 14148
30 Maciel, Katia Regina Lobo Andra de. Da Guarda como colocação em família substituta. In: Curso de Direito da Criança e do Adolescente.
Com o fim de estimular a colocação de crianças em situação de risco sob guarda, a Lei nº 12.010 de 2009,
inseriu parágrafos no artigo 34, a seguir:
“Art. 34. O poder público estimulará, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e
subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio
familiar.
§ 1o A inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a
seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da
medida, nos termos desta Lei.
§ 2o Na hipótese do § 1o deste artigo a pessoa ou casal cadastrado no programa de acolhimento
familiar poderá receber a criança ou adolescente mediante guarda, observado o disposto nos arts. 28
a 33 desta Lei.” (NR)
A decisão que defere a guarda pode ser revista a qualquer tempo, observando-se sempre o princípio do melhor
interesse da criança e o do adolescente. A guarda obriga o guardião à prestação de assistência material, moral e
educação e, ainda, a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e
efeitos de direito, inclusive os previdenciários.
Questão que tem sido discutida na doutrina e nos Tribunais é sobre a possibilidade de se conceder a guarda
apenas para fins previdenciários (a criança ou adolescente ainda se encontra sob a guarda de fato de seus
genitores ou de um deles e a transferência da guarda tem a finalidade apenas de colocá-lo(s) como dependente).
Há entendimentos nos dois sentidos. A corrente que não admite a guarda sob essa finalidade justifica que a
guarda tem finalidade mais ampla e que os benefícios previdenciários são apenas consequências. Ademais, a
situação fática nesses casos está sempre em discrepância com a situação jurídica, além de decisões nesse
sentido estimularem o assistencialismo por parte de instituições que não têm esse papel. A guarda para fins
previdenciários é um desvio da medida protetiva e lesa o patrimônio das entidades públicas e privadas. Os
Tribunais Estaduais e o STJ têm repudiado reiteradamente tal forma de guarda.34 Já a corrente contrária
sustenta sua posição no princípio da proteção integral à criança e ou adolescente e no princípio do melhor
interesse desses sujeitos, aliados, ainda, à situação de miserabilidade de grande parte das famílias que pleiteiam
tais medidas.
O deferimento da guarda assegura à criança ou adolescente a condição de dependente para fins previdenciários,
com base na doutrina da proteção integral. O § 2º, do art. 16, da Lei 8213/91 continha previsão nesse sentido,
porém em 10/12/97 tal dispositivo foi alterado. Inicialmente o STJ equiparava a criança ou adolescente ao
dependente (AgReg no Resp 727.716/CE e AgReg no Resp 684.077). Posteriormente, o STJ fixou
entendimento diferenciado: para todos (ERESP 844.598/PI, Min. Hamilton Carvalhido); para os óbitos
ocorridos até 10/12/97, o menor sob guarda mantinha a condição de dependência. Posteriormente, não.
34
RESP 79048 - RJ; RESP 116456-RJ; RESP 94369; RESP 86536-RJ.
16
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Autoria: trechos da dissertação de mestrado de Luciana Medeiros Costa, defendida e aprovada em 2003, na UFPE. (Revisada)
STJ tem decidido nesse sentido35 REsp 1.186.086-RO, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em
3/2/2011
DIREITO ADMINISTRATIVO. PENSÃO ESPECIAL DE EX-COMBATENTE A
CRIANÇA OU ADOLESCENTE SOB SUA GUARDA.
Na hipótese de morte do titular de pensão especial de ex-combatente, o menor de dezoito
anos que estava sob sua guarda deve ser enquadrado como dependente (art. 5º da Lei
8.059/1990) para efeito de recebimento, na proporção que lhe couber, da pensão especial
(art. 53, II, do ADCT) que recebia o seu guardião. Da leitura do art. 5º da Lei 8.059/1990,
verifica-se que o legislador não incluiu o menor de dezoito anos sob guarda no rol dos
beneficiários da pensão especial. Essa omissão, contudo, não tem o condão de afastar a pretensão
do menor de dezoito anos de receber a aludida vantagem, uma vez que o art. 33, § 3º, da Lei
8.069/1990 (ECA) dispõe: "a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente,
para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários". Nessa perspectiva, a ênfase
dada para que essa condição especial do menor de dezoito anos envolva, inclusive, os benefícios
previdenciários não pode conduzir a uma interpretação restritiva e contrária ao próprio espírito
da norma, que cuidou de proporcionar uma proteção mais ampla aos direitos e interesses dos
infantes. Além disso, o art. 227 da CF exige da família, da sociedade e do Estado a conjugação
de esforços no sentido de prestar atendimento prioritário a todos os interesses de crianças e
adolescentes. Assim, o ECA se encontra em absoluta sintonia com a diretriz hermenêutica
demarcada no plano constitucional, não sendo admissível a exegese de que a pensão especial de
ex-combatente, por não possuir natureza previdenciária, afastaria a aplicação da regra prevista no
ECA. Nessa ordem de ideias, do cotejo entre a Lei 8.059/1990 (art. 5°) e o ECA, este diploma
legal, mais benéfico, deve prevalecer, em razão do critério da especialidade. REsp 1.339.645-
MT, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 3/3/2015, DJe 4/5/2015.
Ação dúplice: quando ajuizada por um dos genitores em face do outro, possui natureza dúplice, de modo que,
se não acolhido o pedido formulado pelo autor, naturalmente a guarda competirá ao outro, independentemente
da ação reconvencional. Esse raciocínio não é aplicado se a ação for proposta por terceiro, que não um dos
genitores.36
35
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1686544&num_registro=201400022505
&data=20180327&formato=PDF
36
Civil e Processo Civil – Ação de guarda de menor – Natureza dúplice da ação – Possibilidade de formulação de pedido contraposto
– Súmula 7/STJ. 1. As ações dúplices são regidas por normas de direito material, e não por regras de direito processual. 2. Em ação de
guarda de filho menor, tanto o pai como a mãe podem perfeitamente exercer de maneira simultânea o direito de ação, sendo que a
improcedência do pedido do autor conduz à procedência do pedido de guarda à mãe, restando evidenciada, assim, a natureza dúplice
da ação. Por conseguinte, em demandas dessa natureza, é lícito ao réu formular pedido contraposto, independentemente de
reconvenção. 3. Para se alterar o entendimento de que a mãe reúne melhores condições para ter a guarda do filho menor, seria
indispensável rever o suporte fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7/STJ. 4. Recurso especial improvido. (Resp
1085664, 4ª T., j. 03.08.2010, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE 12.08.2010)
17
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Autoria: trechos da dissertação de mestrado de Luciana Medeiros Costa, defendida e aprovada em 2003, na UFPE. (Revisada)
entendeu que o acórdão recorrido afastou-se da jurisprudência tanto do STF quanto do STJ que
define como competente o juiz brasileiro para dirimir questão sobre a guarda de menor que se
encontra em companhia de sua mãe e reside no Brasil. Logo, restaria violado o art. 17 da LICC.
Assim, a Turma deu provimento ao recurso para declarar a competência da Justiça brasileira para o
processamento e julgamento da referida ação, afastar a extinção do processo sem julgamento de
mérito e determinar o retorno dos autos ao tribunal de origem para julgamento do agravo de
instrumento. Precedentes citados do STF: SEC 6.729-EX, DJ 13/9/2002; SEC 7.420-EX, DJ
16/12/2005; do STJ: SEC 4.789-US, DJe 27/5/2010, e SEC 841-US, DJe 29/8/2009. REsp
1.164.547-PE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 7/10/2010.
8 - Tutela
De acordo com Sílvio Rodrigues37, tutela “é um conjunto de poderes e encargos conferidos pela lei a um
terceiro para que zele pela pessoa de um menor que se encontra fora do poder familiar, e lhe administre os
bens”.
O ECA, ao tratar da tutela, remete à lei civil (artigos 1728 até 1766).
A tutela é o instituto recomendado para os casos de órfãos de pais mortos ou declarados ausentes ou para filhos
de pais destituídos ou suspensos do poder familiar, desde que menores de 18 anos e não puderem ou não
quiserem ser adotados38. É mais ampla que a guarda porque substitui totalmente a autoridade parental.
Não coexiste com o poder familiar. Tem como pressuposto a extinção ou suspensão do poder familiar, pela
morte física ou ficta dos genitores ou prévia decretação da perda ou suspensão do poder familiar.
Em caso de tutela para filhos de pais destituídos ou suspensos do poder familiar, quando o jovem atingir 18
anos cessa a tutela e o jovem continua com seus vínculos de parentesco com seus pais destituídos, eis que em
seu registro civil constará apenas a averbação da perda do poder familiar.
Ressalve-se que a tutela enseja a dependência para todos os fins do tutelado em relação ao seu tutor. Consoante
dispõe a lei 8213/91, artigo 16, com redação modificada pela lei 9528/97, o menor tutelado equipara-se ao
filho, mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica.
A tutela e um múnus público - encargo imposto pelo Estado com fim público, indelegável e indisponível. Há
autores que defendem o exercício da tutela por uma só pessoa39. Caio Mário entende possível a nomeação de
37
in Direito de Família. v. 6, 16ª ed., São Paulo: Saraiva, p. 404.
38
Maciel, Katia Regina Lobo Andra de. Da Guarda como colocação em família substituta. In: Curso de Direito da Criança e do
Adolescente. Aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Luen Juri. 2006, p. 163.
18
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mais de um tutor em casos de mais de um irmão. A jurisprudência vem aceitando, reiteradamente, a tutela a ser
exercida por mais de uma pessoa40, sempre buscando a convivência em família substituta, com pessoas
exercendo o papel de pai e mãe.
Cessação da tutela: maioridade civil, emancipação do menor; restabelecimento do poder familiar pelos pais ou
adoção; escusa superveniente; expiração do prazo ou destituição do tutor por exercício irregular.
A recente lei 12.010 de 2009 modificou o artigo 37 do ECA que passou a ter a seguinte redação:
“Art. 37. O tutor nomeado por testamento ou qualquer documento autêntico, conforme previsto no
parágrafo único do art. 1.729 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil deverá, no
prazo de 30 (trinta) dias após a abertura da sucessão, ingressar com pedido destinado ao controle
judicial do ato, observando o procedimento previsto nos arts. 165 a 170 desta Lei.
Parágrafo único. Na apreciação do pedido, serão observados os requisitos previstos nos arts. 28 e
29 desta Lei, somente sendo deferida a tutela à pessoa indicada na disposição de última vontade, se
restar comprovado que a medida é vantajosa ao tutelando e que não existe outra pessoa em
melhores condições de assumi-la.” (NR)
9 - Adoção
A filiação, nos tempos atuais, erige-se sobre os pilares da plena igualdade entre os filhos, da desvinculação
do estado de filho do estado civil dos pais, da afetividade e da doutrina da proteção integral41.
Segundo Orlando Gomes42 adoção é o ato jurídico pelo qual se estabelece, independentemente do fato natural,
o vínculo de filiação. Trata-se de uma ficção legal, que permite a constituição, entre duas pessoas, do laço de
parentesco do primeiro grau em linha reta.
Arnold Wald43 define adoção como ato jurídico bilateral que gera laços de paternidade e filiação entre
pessoas para as quais tal relação inexiste naturalmente.
Quanto à natureza jurídica há cinco correntes: a primeira defende tratar-se de uma instituição; a segunda, de ato
jurídico; a terceira, de ato de natureza híbrida; a quarta, de contrato e a quinta defende tratar-se de ato
complexo.
A nosso ver, as mais importantes são a quarta e a quinta. Aquela defende a natureza contratual por haver acordo
e manifestação de vontade das pessoas envolvidas, fundamentou o texto do CC de 1916 e foi superada por não
se enquadrar a adoção na concepção moderna de contrato, já que não admite livre estipulação sobre seus efeitos
e não possui conteúdo essencialmente econômico. A que define como ato complexo é a mais razoável pois há
parte consensual da adoção (acordo das partes) e parte impositiva, em especial a sentença, fazendo-se
necessárias as manifestações do adotando, adotante e Estado.
39
Conferir (Leoni Lopes de Oliveira, DA Guarda, da tutela e Adoção. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 128.) (Arnaldo Rizzaardo, Direito de
Família. Rio de Janeiro:Forense, 2005, p. 940
40 CC70006668453, da 8 Câmara Cível do TJRS – 21.08.03; CC70006665962, 7 Câmara Cível, TJRS - 3.9.03.
41 Dias , Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 4ª Ed. Rev., atual. E ampliada – São Paulo: RT, 2007, p. 321
42 in Direito de Família. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 340.
43
In Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 4, 8 ed. Revista e ampliada e atualizada com a colaboração de Luiz Murillo Fábregas, RT,
1991, p.183.
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Com o advento do novo CC passou-se a ter somente um regime jurídico único para adoção – o judicial.
O ECA sofreu alterações pela nova Lei 12.010 de 2009. O artigo 39 ganhou o parágrafo 2º::
“Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta lei.
§ 1o A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando
esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na
forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei.
§ 2o É vedada a adoção por procuração.” (NR)
9.1. Adoção
Regras Gerais
A adoção é regulada pelo ECA que se aplica às crianças e adolescentes. É processada e julgada pela Vara da
Infância e Juventude, nas comarcas onde existir a especialização. Segundo o art. 40, do ECA, se o adotando
tiver mais de dezoito anos à data do pedido, mas se já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes, a adoção
será na Vara da Infância. Em Brasília, a adoção de crianças e adolescentes é da competência da Vara da
Infância, segundo art. 30, III, da lei 11.697, de 13 de junho de 2008, nova Lei de Organização Judiciária do DF
e art. 148, III, do ECA.
Pela adoção, o adotado passa a ser filho legítimo para todos os efeitos legais (227, parágrafo 6º, CF; art. 41,
caput, do ECA e art. 1626, do CC), de forma irrevogável, rompendo-se todos os vínculos com os pais
naturais e sua família, salvo os impedimentos matrimoniais.
A adoção, como forma de colocação em família substituta, é medida de exceção, devendo ser deferida apenas
se apresentar reais vantagens para o adotando, fundar-se em motivos legítimos e, ainda, às pessoas que
revelem compatibilidade com sua natureza.
A adoção é irrevogável, sendo que a morte dos adotantes não restabelece o poder familiar dos pais naturais.
Em cada comarca será mantido registro com nomes de crianças e adolescentes em condições de serem adotadas
e outro de pessoas interessadas na adoção- cadastro de adoção.
9.5 - Adoção de nascituro – Segundo a lei não é possível. Há discussão na doutrina. Silmara Chinelato,
21
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Arnaldo Marmitt, Sérgio G Pereira e Maria Alice Lotufo admitem-na, sob o argumento de que o nascituro é um
ser humano e que essa possibilidade lhe garantiria alimentos e saúde durante a gestação. A Convenção de Haia
exige o consentimento da mãe após o nascimento, o ECA também, art. 166, § 6º. Galdino Augusto Coelho
Bordallo, Antônio Chaves e Eunice Granato entendem que não, pois não se pode condicionar a adoção a
evento futuro e incerto, já que a personalidade só começa com o nascimento com vida. Estaria sendo legalizada
a barriga de aluguel (vedada pelo art. 199, § 4º, da CF – só se permite para parente até 2º grau e sem fim
lucrativo) e haveria, ainda, a impossibilidade processual ante a necessidade de se qualificar a criança e seus pais
biológicos no processo de adoção. Por fim, iria de encontro aos princípios prioritários da lei que pretendem
manter a criança no seio de sua família.
9.6 – Estágio de Convivência- O ECA determina que a adoção seja precedida de período de adaptação entre
envolvidos - estágio de convivência - prazo máximo de 90 (noventa) dias, observadas a idade da criança ou
adolescente e as peculiaridades do caso. -Podeser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda
legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do
vínculo. O prazo máximo estabelecido (90 dias) pode ser prorrogado por até igual período, mediante decisão
fundamentada da autoridade judiciária.
A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência
Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência será de,
no mínimo, 30 (trinta) dias e, no máximo, 45 (quarenta e cinco) dias, prorrogável por até igual período, uma
única vez, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária. A seguir, será apresentado laudo
fundamentado pela equipe que recomendará ou não o deferimento da adoção à autoridade judiciária. O estágio
de convivência será cumprido no território nacional, preferencialmente na comarca de residência da criança ou
adolescente, ou, a critério do juiz, em cidade limítrofe, respeitada, em qualquer hipótese, a competência do
juízo da comarca de residência da criança..
.
9.7-Adoção por homossexual e casal homossexual– Com base nos princípios da dignidade humana, igualdade
e não-discriminação, os Tribunais passaram a deferi-la. Atualmente, fundamenta-se nos princípios da
dignidade humana, igualdade, liberdade, afetividade e melhor interesse da criança.
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personalidade do adotando (-reais vantagens para o adotando - aplicação do Princípio do Melhor Interesse e
da Doutrina da Proteção Integral).
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5- “Adoção à Brasileira”- quando se registra filho de outrem como próprio, configura paternidade
socioafetiva, mas crime ao mesmo tempo, art. 242 do CP44.
A colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional, somente admissível na modalidade
de adoção, não sendo possível a concessão de guarda ou tutela a estrangeiros, residentes ou domiciliados fora
do Brasil, conforme artigos 31 e 51, do ECA.
Como se cuida de direito internacional, há que se estabelece qual a legislação aplicável. O Brasil adotou o
critério distributivo - as leis pessoais regulam a capacidade tanto do adotante quanto do adotando; a lei do país
do adotante regulará a capacidade para adotar e a do adotando, sua capacidade para ser adotado. A lei do lugar
regulará o procedimento da adoção e a lei pessoal das partes regulará os efeitos da adoção.
As adoções por procuração estão proibidas. É, obrigatória a vinda dos estrangeiros ao Brasil.
A Convenção equiparou em todos os Estados signatários os efeitos da adoção. Sendo assim, se nosso país
confere a condição de filho ao adotado, este ingressará no país estrangeiro garantido pelo princípio da isonomia.
Caso a adoção se dê por adotantes brasileiros residentes no exterior deverá ser adoção internacional.
44
Negatória de paternidade – Adoção à Brasileira – Paternidade socioafetiva – Ainda que o exame de DNA aponte pela exclusão da
paternidade do pai registral, dato, de resto, confirmado pelo próprio réu/filho, mantém-se a improcedência da ação negatória de
paternidade, se configurada nos autos a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva. Precedentes, Apelação desprovida (TJRS, 8ª.
C. Cív., AC 70014089635, rel. Des. José Ataíde Siqueira Trindade, j. 16.03.2006)
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II - que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família
adotiva brasileira, com a comprovação, certificada nos autos, da inexistência de adotantes habilitados residentes
no Brasil com perfil compatível com a criança ou adolescente, após consulta aos cadastros mencionados nesta
Lei;
III - que, em se tratando de adoção de adolescente, este foi consultado, por meios adequados ao seu
estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe
interprofissional, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta Lei..
§ 2o Os brasileiros residentes no exterior terão preferência aos estrangeiros, nos casos de adoção
internacional de criança ou adolescente brasileiro
§ 3o A adoção internacional pressupõe a intervenção das Autoridades Centrais Estaduais e Federal em
matéria de adoção internacional
Art. 52. A adoção internacional observará o procedimento previsto nos arts. 165 a 170 desta Lei, com as
seguintes adaptações
I - a pessoa ou casal estrangeiro, interessado em adotar criança ou adolescente brasileiro, deverá formular
pedido de habilitação à adoção perante a Autoridade Central em matéria de adoção internacional no país de
acolhida, assim entendido aquele onde está situada sua residência habitual;
II - se a Autoridade Central do país de acolhida considerar que os solicitantes estão habilitados e aptos
para adotar, emitirá um relatório que contenha informações sobre a identidade, a capacidade jurídica e
adequação dos solicitantes para adotar, sua situação pessoal, familiar e médica, seu meio social, os motivos que
os animam e sua aptidão para assumir uma adoção internacional;
III - a Autoridade Central do país de acolhida enviará o relatório à Autoridade Central Estadual, com
cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira
IV - o relatório será instruído com toda a documentação necessária, incluindo estudo psicossocial
elaborado por equipe interprofissional habilitada e cópia autenticada da legislação pertinente, acompanhada da
respectiva prova de vigência
V - os documentos em língua estrangeira serão devidamente autenticados pela autoridade consular,
observados os tratados e convenções internacionais, e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor
público juramentado.
VI - a Autoridade Central Estadual poderá fazer exigências e solicitar complementação sobre o estudo
psicossocial do postulante estrangeiro à adoção, já realizado no país de acolhida.
VII - verificada, após estudo realizado pela Autoridade Central Estadual, a compatibilidade da legislação
estrangeira com a nacional, além do preenchimento por parte dos postulantes à medida dos requisitos objetivos
e subjetivos necessários ao seu deferimento, tanto à luz do que dispõe esta Lei como da legislação do país de
acolhida, será expedido laudo de habilitação à adoção internacional, que terá validade por, no máximo, 1 (um)
ano;
VIII - de posse do laudo de habilitação, o interessado será autorizado a formalizar pedido de adoção
perante o Juízo da Infância e da Juventude do local em que se encontra a criança ou adolescente, conforme
indicação efetuada pela Autoridade Central Estadual.
§ 1o Se a legislação do país de acolhida assim o autorizar, admite-se que os pedidos de habilitação à
adoção internacional sejam intermediados por organismos credenciados.
2o Incumbe à Autoridade Central Federal Brasileira o credenciamento de organismos nacionais e
estrangeiros encarregados de intermediar pedidos de habilitação à adoção internacional, com posterior
comunicação às Autoridades Centrais Estaduais e publicação nos órgãos oficiais de imprensa e em sítio próprio
da internet.
§ 3o Somente será admissível o credenciamento de organismos que
I - sejam oriundos de países que ratificaram a Convenção de Haia e estejam devidamente credenciados
pela Autoridade Central do país onde estiverem sediados e no país de acolhida do adotando para atuar em
adoção internacional no Brasil
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II - satisfizerem as condições de integridade moral, competência profissional, experiência e
responsabilidade exigidas pelos países respectivos e pela Autoridade Central Federal Brasileira;
III - forem qualificados por seus padrões éticos e sua formação e experiência para atuar na área de adoção
internacional
IV - cumprirem os requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico brasileiro e pelas normas estabelecidas
pela Autoridade Central Federal Brasileira
§ 4o Os organismos credenciados deverão ainda:
I - perseguir unicamente fins não lucrativos, nas condições e dentro dos limites fixados pelas autoridades
competentes do país onde estiverem sediados, do país de acolhida e pela Autoridade Central Federal Brasileira
II - ser dirigidos e administrados por pessoas qualificadas e de reconhecida idoneidade moral, com
comprovada formação ou experiência para atuar na área de adoção internacional, cadastradas pelo
Departamento de Polícia Federal e aprovadas pela Autoridade Central Federal Brasileira, mediante publicação
de portaria do órgão federal competente
III - estar submetidos à supervisão das autoridades competentes do país onde estiverem sediados e no país
de acolhida, inclusive quanto à sua composição, funcionamento e situação financeira
IV - apresentar à Autoridade Central Federal Brasileira, a cada ano, relatório geral das atividades
desenvolvidas, bem como relatório de acompanhamento das adoções internacionais efetuadas no período, cuja
cópia será encaminhada ao Departamento de Polícia Federal;
V - enviar relatório pós-adotivo semestral para a Autoridade Central Estadual, com cópia para a
Autoridade Central Federal Brasileira, pelo período mínimo de 2 (dois) anos. O envio do relatório será mantido
até a juntada de cópia autenticada do registro civil, estabelecendo a cidadania do país de acolhida para o
adotado;
VI - tomar as medidas necessárias para garantir que os adotantes encaminhem à Autoridade Central
Federal Brasileira cópia da certidão de registro de nascimento estrangeira e do certificado de nacionalidade tão
logo lhes sejam concedidos
§ 5o A não apresentação dos relatórios referidos no § 4o deste artigo pelo organismo credenciado poderá
acarretar a suspensão de seu credenciamento.
§ 6o O credenciamento de organismo nacional ou estrangeiro encarregado de intermediar pedidos de
adoção internacional terá validade de 2 (dois) anos
§ 7o A renovação do credenciamento poderá ser concedida mediante requerimento protocolado na
Autoridade Central Federal Brasileira nos 60 (sessenta) dias anteriores ao término do respectivo prazo de
validade
§ 8o Antes de transitada em julgado a decisão que concedeu a adoção internacional, não será permitida a
saída do adotando do território nacional
§ 9o Transitada em julgado a decisão, a autoridade judiciária determinará a expedição de alvará com
autorização de viagem, bem como para obtenção de passaporte, constando, obrigatoriamente, as características
da criança ou adolescente adotado, como idade, cor, sexo, eventuais sinais ou traços peculiares, assim como
foto recente e a aposição da impressão digital do seu polegar direito, instruindo o documento com cópia
autenticada da decisão e certidão de trânsito em julgado
§ 10. A Autoridade Central Federal Brasileira poderá, a qualquer momento, solicitar informações sobre a
situação das crianças e adolescentes
§ 11. A cobrança de valores por parte dos organismos credenciados, que sejam considerados abusivos
pela Autoridade Central Federal Brasileira e que não estejam devidamente comprovados, é causa de seu
descredenciamento
§ 12. Uma mesma pessoa ou seu cônjuge não podem ser representados por mais de uma entidade
credenciada para atuar na cooperação em adoção internacional
§ 13. A habilitação de postulante estrangeiro ou domiciliado fora do Brasil terá validade máxima de 1
(um) ano, podendo ser renovada
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§ 14. É vedado o contato direto de representantes de organismos de adoção, nacionais ou estrangeiros,
com dirigentes de programas de acolhimento institucional ou familiar, assim como com crianças e adolescentes
em condições de serem adotados, sem a devida autorização judicial
§ 15. A Autoridade Central Federal Brasileira poderá limitar ou suspender a concessão de novos
credenciamentos sempre que julgar necessário, mediante ato administrativo fundamentado.
Art. 52-A. É vedado, sob pena de responsabilidade e descredenciamento, o repasse de recursos
provenientes de organismos estrangeiros encarregados de intermediar pedidos de adoção internacional a
organismos nacionais ou a pessoas físicas
Parágrafo único. Eventuais repasses somente poderão ser efetuados via Fundo dos Direitos da Criança e
do Adolescente e estarão sujeitos às deliberações do respectivo Conselho de Direitos da Criança e do
Art. 52-B. A adoção por brasileiro residente no exterior em país ratificante da Convenção de Haia, cujo
processo de adoção tenha sido processado em conformidade com a legislação vigente no país de residência e
atendido o disposto na Alínea “c” do Artigo 17 da referida Convenção, será automaticamente recepcionada com
o reingresso no Brasil
§ 1o Caso não tenha sido atendido o disposto na Alínea “c” do Artigo 17 da Convenção de Haia, deverá a
sentença ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça
§ 2o O pretendente brasileiro residente no exterior em país não ratificante da Convenção de Haia, uma vez
reingressado no Brasil, deverá requerer a homologação da sentença estrangeira pelo Superior Tribunal de
Justiça
Art. 52-C. Nas adoções internacionais, quando o Brasil for o país de acolhida, a decisão da autoridade
competente do país de origem da criança ou do adolescente será conhecida pela Autoridade Central Estadual
que tiver processado o pedido de habilitação dos pais adotivos, que comunicará o fato à Autoridade Central
Federal e determinará as providências necessárias à expedição do Certificado de Naturalização Provisório
§ 1o A Autoridade Central Estadual, ouvido o Ministério Público, somente deixará de reconhecer os
efeitos daquela decisão se restar demonstrado que a adoção é manifestamente contrária à ordem pública ou não
atende ao interesse superior da criança ou do adolescente
§ 2o Na hipótese de não reconhecimento da adoção, prevista no § 1o deste artigo, o Ministério Público
deverá imediatamente requerer o que for de direito para resguardar os interesses da criança ou do adolescente,
comunicando-se as providências à Autoridade Central Estadual, que fará a comunicação à Autoridade Central
Federal Brasileira e à Autoridade Central do país de origem
Art. 52-D. Nas adoções internacionais, quando o Brasil for o país de acolhida e a adoção não tenha sido
deferida no país de origem porque a sua legislação a delega ao país de acolhida, ou, ainda, na hipótese de,
mesmo com decisão, a criança ou o adolescente ser oriundo de país que não tenha aderido à Convenção
referida, o processo de adoção seguirá as regras da adoção nacional
a) Capacidade para adotar - o candidato deve comprovar mediante documento expedido pela autoridade
competente do respectivo domicílio – Autoridade Central do país de acolhida, estar devidamente habilitado à
adoção, consoante as leis de seu país - art. 51, § 1º, ECA; A autoridade central de lá comunica a autoridade
central estadual.
b) apresentação de documentação em língua estrangeira, devidamente autenticada pela autoridade consular, e
traduzida por tradutor público juramentado, acompanhada de prova de sua vigência, a pedido do juiz, de ofício,
ou do Ministério Público;
c) estágio de convivência - o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de no mínimo 30
(trinta) dias a 45 dias, podendo ser prorrogado uma vez, art. 46, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente;
d) proibição de saída do adotando do território nacional até a consumação da
e) princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
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12.2 - Aspectos importantes da Convenção Relativa à Proteção e à Cooperação Internacional em Matéria
de Adoção Internacional de 1993 (Haia).
Na 17ª Seção da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, em 29/5/93, aprovou-se o texto da
Convenção Relativa à Proteção e à Cooperação Internacional em Matéria de Adoção Internacional. Aqui no
Brasil a convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo 01/99, ratificada pela Presidência da República e
promulgada pelo Decreto Presidencial 3.087/99.
De acordo com a convenção, considera-se adoção internacional “quando uma criança com residência habitual
em um Estado Contratante (o “Estado de origem”) tiver sido, for, ou deva ser deslocada para outro Estado
Contratante (“o Estado de acolhida”), que após sua adoção no Estado de origem por cônjuges ou por uma
pessoa residente habitualmente no Estado de acolhida, que para que essa adoção seja realizada, no Estado de
acolhida ou no Estado de origem”.
O objetivo principal da convenção foi o de estabelecer princípios básicos para a colocação da criança em
família substituta, tais como, o respeito ao princípio do melhor interesse da criança ou adolescente, instaurar-se
um sistema de cooperação entre os Estados contratantes, de modo a prevenir o tráfico de crianças, assegurar o
reconhecimento nos Estados contratantes das adoções realizadas segundo a Convenção. Wilson Donizeti
Liberati45, assim resume as prioridades estabelecidas no texto da convenção:
“a) que, para o desenvolvimento harmonioso da personalidade da criança, ela deveria crescer em
um meio familiar, em clima de felicidade, de amor e compreensão; b) que devem ser tomadas todas
as medidas para que a criança seja mantida em sua família de origem; c) que a adoção internacional
pode apresentar a vantagem de dar uma família a uma criança que não encontra a família
conveniente em seu país de origem; d) que devem ser instituídas medidas para garantir que as ações
internacionais devem ser feitas no interesse superior da criança e com respeito a seus direitos
fundamentais, assim como para prevenir o seqüestro, a venda ou o tráfico de crianças.”
Outro aspecto a ser lembrado é o de que a convenção assegura que a adoção só será possível se “as pessoas,
instituições e autoridades, cujo consentimento se requeira para a adoção, tenham sido convenientemente
instruídas e devidamente informadas das conseqüências de seu consentimento, em particular das
conseqüências em relação à manutenção ou à ruptura, em virtude da adoção, dos vínculos jurídicos entre a
criança e sua família de origem” e que “estas pessoas, instituições e autoridades tenham dado seu
consentimento livremente, na forma legalmente prevista, e que este consentimento tenha sido manifestado ou
constatado por escrito.” (Grifo nosso)
A Convenção de Haia, de 29.5.93 determinou que os Estados Contratantes designassem Autoridades Centrais
encarregadas de dar cumprimento às obrigações impostas, art. 6º-13º.
De acordo com a Convenção, cabe a estas Autoridades Centrais colher as informações necessárias a respeito do
adotante como do adotando, determinar se a criança é adotável e se os solicitantes são habilitados e aptos para
adotar e, em seguida, transmitir relatório à Autoridade Solicitante. No Brasil foi criado o Conselho das
Autoridades Centrais Brasileiras (art. 5º, inciso II, do Decreto nº 3.174 de 16/09/99). No Brasil a autoridade
central é a Secretaria de Direitos Humanos – MJ.
45
Op.cit., p. 38.
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Segundo o artigo 19 do ECA, a gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para
adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude. E será ouvida
pela equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, que apresentará relatório à autoridade
judiciária, considerando inclusive os eventuais efeitos do estado gestacional e puerperal.
De posse do relatório, a autoridade judiciária poderá determinar o encaminhamento da gestante ou mãe,
mediante sua expressa concordância, à rede pública de saúde e assistência social para atendimento
especializado.
A seguir, será feita uma busca à família extensa, com prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável por
igual período..
Se não houver a indicação do genitor e não existir outro representante da família extensa apto a receber a
guarda, a autoridade judiciária competente deverá decretar a extinção do poder familiar e determinar a
colocação da criança sob a guarda provisória de quem estiver habilitado a adotá-la ou de entidade que
desenvolva programa de acolhimento familiar ou institucional.
Após o nascimento da criança, a vontade da mãe ou de ambos os genitores, se houver pai registral ou pai
indicado, deve ser manifestada na audiência a que se refere o § 1o do art. 166 desta Lei, garantido o sigilo sobre
a entrega e se eles não comparecerem à audiência (nem o genitor nem representante da família extensa) para
confirmar a intenção de exercer o poder familiar ou a guarda, a autoridade judiciária suspenderá o poder
familiar da mãe, e a criança será colocada sob a guarda provisória de quem esteja habilitado a adotá-la
Os detentores da guarda possuem o prazo de 15 (quinze) dias para propor a ação de adoção, contado do
dia seguinte à data do término do estágio de convivência
Na hipótese de desistência pelos genitores - manifestada em audiência ou perante a equipe
interprofissional - da entrega da criança após o nascimento, a criança será mantida com os genitores, e será
determinado pela Justiça da Infância e da Juventude o acompanhamento familiar pelo prazo de 180 (cento e
oitenta) dias
É garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento, respeitado o disposto no art. 48 desta Lei e serão
cadastrados para adoção recém-nascidos e crianças acolhidas não procuradas por suas famílias no prazo de 30
(trinta) dias, contado a partir do dia do acolhimento
Art. 19-B. A criança e o adolescente em programa de acolhimento institucional ou familiar poderão
participar de programa de apadrinhamento que consiste em estabelecer e proporcionar à criança e ao
adolescente vínculos externos à instituição para fins de convivência familiar e comunitária e colaboração com o
seu desenvolvimento nos aspectos social, moral, físico, cognitivo, educacional e financeiro. Podem ser
padrinhos ou madrinhas pessoas maiores de 18 (dezoito) anos não inscritas nos cadastros de adoção, desde que
cumpram os requisitos exigidos pelo programa de apadrinhamento de que fazem parte. E pessoas jurídicas
podem apadrinhar criança ou adolescente a fim de colaborar para o seu desenvolvimento.. A prioridade para
crianças ou adolescentes com remota possibilidade de reinserção familiar ou colocação em família adotiva
13. Do Poder familiar - artigos 21, 23 e 24, do Eca e 1630 a1638, do CC.
Segundo Kátia Maciel46A nova designação do instituto milenar do pátrio poder, consagrada pelo Código Civil
de 2002, teve por meta abraçar a idéia de função conjunta dos pais, mas foi e é muito criticada pelos
doutrinadores, visto que manteve parte da antiga expressão (poder) e por, aparentemente, atribuir
prerrogativa à família (familiar) e não aos pais. Portanto, alguns autores, para evitar interpretações dúbias,
preferem nomear o instituto como poder de proteção, poder parental ou autoridade parental.
É o conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor (até 18 anos) não emancipado,
exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a
46
Curso de Direito da Criança e do Adolescente, Aspectos práticos e teóricos, .Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 75
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norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho. O poder familiar é instituído em
prol do interesse dos filhos e da família.
O exercício do poder familiar, por ser um munus público e não um poder absoluto e nem intangível, não impede
a intervenção do Estado, o qual está legitimado a entrar no recesso da família, em nome do princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente.
Esse controle judicial pode acontecer tanto na esfera da competência do juízo da infância e juventude, nos casos
de destituição e suspensão do poder familiar ou da infração administrativa prevista no artigo 249 do ECA, como
na do direito penal, nas hipóteses em que o descumprimento dos deveres por parte dos titulares pode configurar
um crime previsto na legislação penal. Assim é que a infração ao dever de criação pode configurar o crime de
abandono material (CP, 244) e ao de educação pode tipificar o crime de abandono intelectual (art. 246 do CP).
Já a entrega à pessoa inidônea pode configurar o crime previsto no artigo 245 também do CP. A exorbitância do
poder correicional pode caracterizar o crime de maus-tratos (art. 136 do CP). Há também as figuras típicas
previstas nos artigos 247 do CP (abandono moral) e 133 do CP (abandono de incapaz). A inabilitação para o
exercício do poder familiar é efeito extrapenal em caso de condenação por crime doloso cometidos contra filho,
tutelado ou curatelado (art. 92, II, do CP).
Suspensão do Poder familiar, art. 1637, CC
• Abuso de autoridade
• Falta dos deveres inerentes ao poder familiar
• Ruína dos bens dos filhos
• Incapacidade temporária dos pais
Extinção do poder familiar, art. 129, X, 155 e seguintes, 169, do ECA e 1635 do CC
• Morte
• Emancipação
• Maioridade civil
• Adoção
• Decisão judicial – castigo imoderado, abandono, atos contrários à moral e aos bons costumes, e reiteração.
Há legislações que preveem expressamente a restauração. É preciso que não tenha a criança ou adolescente
sido postos em adoção e nova decisão judicial restabelecendo-o.
• Art. 23§ 2oA condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do poder familiar,
exceto na hipótese de condenação por crime doloso, sujeito à pena de reclusão, contra o próprio filho
ou filha. (Incluído pela Lei nº 12.962, de 2014)
• 405 e 437, da CLT - permitir atividades insalubres, prejudiciais à moralidade;
A parentalidade socioafetiva, calcada na vontade livre não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse
da criança. Pode ser reconhecida em cartório, por ação declaratória de Reconhecimento de filiação socioafetiva,
por ação de investigação de paternidade, incidentalmente em ação de alimentos, provimento 9/13 – Pernambuco
permitiu aos cartórios de registro civil de pessoas naturais do estado receberem, sem necessidade de ação
judicial, um reconhecimento de parentalidade socioafetiva.
As medidas de destituição da tutela, e suspensão ou destituição do poder familiar, somente são aplicadas, após
procedimento contraditório judicial, quando todas as medidas acima não produzirem efeito.
Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual, praticados pelos pais ou responsáveis, o juiz
poderá determinar cautelarmente o afastamento do agressor do lar comum (art. 130, do ECA).
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AULA 3
IMPUTABILIDADE– ATO INFRACIONAL – PROCEDIMENTO INFRACIONAL – MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
– EXECUÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS – REMISSÃO
1. IMPUTABILIDADE
2. ATO INFRACIONAL
Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção no Código Penal – art. 103, do
ECA e praticada por adolescente. Os adolescentes infratores sujeitam-se às medidas socioeducativas
previstas no artigo 112, do ECA, ou, ainda, a qualquer das medidas protetivas previstas no artigo 101 do
ECA, cumuladas ou não.
Criança autora de ato infracional não será submetida a medidas socioeducativas, conforme determina o
artigo 105, do ECA, mas somente lhe será aplicada medida protetiva, isoladamente ou cumuladas. Assim, a
criança autora de ato infracional não poderá ser conduzida à delegacia de polícia, mas sim ao Conselho
Tutelar e, em sua falta, à autoridade judiciária. Não há um procedimento específico para esse caso, mas há
atribuição conferida ao Conselho Tutelar, art. 136, I, do ECA, para que aplique as referidas medidas.
1
Damásio de Jesus. Volume 1., p. 469.
2
“Maioridade Civil e as Medidas do ECA – Direito Penal – Revista de Direito Penal e Ciências Afins”. Disponível em:
www.direitopenal adv.br.
3Habeas Corpus. ECA. Medida Socioeducativa aplicada. Semiliberdade. Menor que completara 18 anos. Pretensão de Extinção de medida.
Contrariedade legal. Art. 120, parágrafo 2°. Impossibilidade. Ordem Denegada. (HC 38019/RJ – Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa- Sexta Turma –
DJ 27.6.2005)
Habeas Corpus. Ato Infracional. Medida Socioeducativa. Extinção. Maioridade. Novo Código Civil. Inaplicabilidade. Tempo do fato. Art. 104,
Parágrafo único e art. 121, parágrafo 5°, da Lei 8069/90. (HC 39201/RJ – Rel. José Arnaldo da Fonseca – Quinta Turma – DJ. 01.02. 2005).
AULA 3
IMPUTABILIDADE– ATO INFRACIONAL – PROCEDIMENTO INFRACIONAL – MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
– EXECUÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS – REMISSÃO
De outro modo, os adolescentes autores de ato infracional são encaminhados às Delegacias Especializadas
(Delegacia da Criança e do Adolescente - DCA), onde houver.
É reflexo do garantismo penal. O adolescente só pode ser punido nos casos em que adultos também o
seriam. Todavia, a forma de responsabilização tem que ser compatível com o seu estado de pessoa em
condição peculiar de desenvolvimento e ser aplicada após procedimento em que se respeitem o
contraditório, a ampla defesa e todas as demais garantias processuais (ter direito à identificação dos
responsáveis por sua apreensão; receber informações acerca de seus direitos; privação de liberdade só em
casos de flagrante ou por ordem fundamentada do Juiz; ciência imediata de sua família; comunicação
imediata do flagrante ao Juiz; apreciação da possibilidade de liberação mediante entrega do adolescente aos
pais ou responsáveis, sob termo de compromisso de comparecimento ao MP).
O ato infracional praticado por adolescente (12 a 18 anos) pode dar início do procedimento socioeducativo
ou infracional.
O adolescente que pratica ato infracional pode responder a processo perante a Vara da Infância e Juventude.
Os artigos 171 a 190 do ECA tratam do procedimento contraditório para apuração de ato infracional
praticado por adolescente, que pode ser crime ou contravenção. A apreensão do adolescente (privação de
liberdade) somente poderá ser efetivada em razão de flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e
fundamentada da autoridade judiciária competente, devendo o adolescente ser, desde logo, encaminhado à
autoridade policial competente, em caso de flagrante, ou à autoridade judiciária competente, tratando-se de
ordem judicial.
Ao adolescente apreendido são asseguradas as garantias constitucionais previstas no art. 5º, LXII, LXIII e
LXIV: o adolescente terá direito: à identificação dos responsáveis pela sua apreensão e será informado de
seus direitos; a ser assistido pela família e por advogado; de permanecer calado, devendo a apreensão ser,
incontinenti, comunicada à autoridade judiciária competente e à família ou à pessoa por ele indicada.
O artigo 174 do ECA dispõe que o adolescente, comparecendo qualquer dos pais ou responsável, será
prontamente liberado pela autoridade policial, mediante termo de responsabilidade de sua apresentação ao
representante do Ministério Público, no mesmo dia ou, sendo impossível, no primeiro dia útil imediato,
salvo se, pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob
internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública, hipótese em que a
autoridade policial apresentará o adolescente ao representante do Ministério Público no mesmo dia ou, não
sendo possível, encaminhará o adolescente à entidade de atendimento, que fará sua apresentação no prazo de
24 horas, pena de responsabilidade. Se não existir entidade de atendimento na localidade, a custódia do
adolescente permanecerá a cargo da autoridade policial que, também no prazo máximo de 24 horas, deverá
apresentar o adolescente ao representante do Ministério Público, juntamente com as peças até então
produzidas.
Apresentado ao representante do Ministério Público, esse à vista do auto de apreensão, boletim de
ocorrência ou relatório policial, devidamente autuado pelo cartório judicial, e com informações sobre os
antecedentes infracionais, procederá à oitiva informal do jovem e de seus responsáveis legais, se
comparecerem, oficiando pela internação provisória do adolescente, se presentes seus requisitos, conforme
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– EXECUÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS – REMISSÃO
3.3 Arquivamento
Demonstrada a inexistência do fato, inexistência de prova do fato ou da participação do adolescente, ou
que o fato não constitua ato infracional será promovido o arquivamento. Promovendo o arquivamento
dos autos pode o MP pleitear a aplicação de medida protetiva se o adolescente se encontrar em alguma
hipótese elencada no artigo 98, do ECA.
Caso o juiz não homologue o arquivamento, os autos são remetidos ao Procurador-Geral, nos moldes do art.
28, do CPP, na forma disposta no art. 181, § 2º, do ECA.
3.4 Remissão
O instituto da remissão trouxe agilidade ao sistema de apuração de ato infracional. Guarda semelhança com
a lei nº 9.099/95 que consagrou o direito de transação no sistema penal.5
“O instituto da Remissão tal e qual o concebe o Estatuto, encontra sua origem no art. 11 do texto das Regras
Mínimas Uniformes das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores, conhecido documento
internacional como Regras de Beijing ou de Pequim (1985).”6
É admissível no ECA em dois momentos: na fase pré-processual (antes do oferecimento da representação),
quando será concedida pelo Ministério Público e terá como efeito a exclusão do processo de
conhecimento; ou já na fase judicial, com extinção ou suspensão do processo, aplicada pelo Juiz de
Direito da Vara da Infância e Juventude.
A remissão tem por finalidade evitar a instauração de procedimento; suspendê-lo ou extingui-lo.
4
Cf. Artigos 108, 122 e 174, todos do ECA.
5
SARAIVA, João Batista da Costa. Ibid, p. 55.
6
Idem, ibidem, p. 56.
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– EXECUÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS – REMISSÃO
7
“Recurso ordinário em HC. ECA. Remissão e Medida Socioeducativa. Cumulação. Possibilidade. Ausência de oitiva do menor.
Violação ao devido processo legal. Inocorrência. Da exegese sistemática das normas componentes do Estatuto da Criança e do
Adolescente extrai-se o entendimento de que a remissão concedida pelo Ministério Público pode ser cumulada com medida
socioeducativa que não implique restrição ou privação de liberdade (art. 127, do ECA) – Não ocorre violação aos princípios do
contraditório e da ampla defesa na hipótese em que, embora ausente a oitiva do menor infrator, é homologada a concessão de
remissão, determinando-se a aplicação da medida socioeducativa de liberdade assistida – Precedentes deste Tribunal – Recurso
improvido. HC denegado (STJ – RHC 11099/RJ – Sexta Turma – Rel. Min. Vicente Leal – DJ de 18/02/02, p. 496)”.
“Penal. ECA. Art. 127. Remissão. Medida Socioeducativa. Cumulação. Ausência de Constrangimento ilegal. (STJ – Resp. 226159-
SP – 6ª Turma. Min. Fernando Gonçalves. DJ de 21/8/2000)”.
8
ISHIDA . Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência. 3ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 170.
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O adolescente será citado do teor da representação, bem como seus pais/responsáveis e notitificados a
comparecer em audiência, acompanhados de advogado. O não comparecimento dos pais ou responsável não
inviabiliza a realização da audiência, sendo nomeado curador especial ao adolescente que estiver
desacompanhado. Comparecendo os pais/responsável, serão também ouvidos pela autoridade judiciária, diante
da determinação legal do artigo 186 do ECA.
Dispõe o § 1º do artigo 186 que a autoridade judiciária, entendendo adequada a remissão, ouvirá o Ministério
Público antes de concedê-la, proferindo em seguida decisão. Assim é que, após o oferecimento da
representação, iniciado o procedimento contraditório, poderá o juiz, entendendo adequada, conceder a remissão
como forma de suspensão do feito, atrelando a ela medida socioeducativa diferente de semiliberdade ou
internação, ou como forma de extinção do feito, colocando fim ou suspendendo o processo.
Não sendo concedida a remissão judicial nesta primeira etapa processual, a autoridade judiciária designará
audiência em continuação, abrindo prazo de três dias para defesa prévia e rol de testemunhas. Prescreve o §
4º, do artigo 186, do ECA que na audiência em continuação, ouvidas as testemunhas arroladas na representação
e na defesa prévia, cumpridas as diligências e juntado o relatório da equipe interprofissional, será dada a
palavra ao representante do Ministério Público e ao defensor, sucessivamente, pelo prazo de vinte minutos para
cada um, prorrogável por mais dez, para apresentação de alegações finais orais, proferindo o juiz, em seguida,
decisão. Entretanto, muito embora exista a previsão legal para os debates orais, a praxe forense, em razão do
número de audiências marcadas para o mesmo dia e, também, tendo em vista a complexidade das causas, impõe
a apresentação das alegações finais por memoriais, no prazo fixado pela autoridade judiciária.
A intimação da sentença que aplicar medida de internação ou semiliberdade será feita ao adolescente e ao seu
defensor; aos pais ou responsável; e ao defensor, não sendo encontrado o adolescente. Se outra for a medida
socioeducativa aplicada, a intimação far-se-á unicamente na pessoa do defensor. Recaindo a intimação no
adolescente, deverá manifestar se deseja recorrer.
No procedimento judicial de apuração de ato infracional, deve-se partir da ideia de que o adolescente
envolvido em prática infracional deve ser considerado um sujeito em desenvolvimento e com autonomia e
garantias materiais e processuais, superando-se a concepção tutelar9. Alexandre da Rosa critica o viés de
ideal pedagógico do ECA que, em sua opinião, retira a carga garantista do processo infracional10.
Deve respeitar sua autonomia e somente impor restrições pessoais, atendido o devido processo legal.
O que deve ser protegido, a defesa social (Escola Positiva) ou garantir o adolescente acusado?11
A solução garantista – “A legitimidade na imposição de atos cogentes, decorrentes do poder de império, com
consequências no âmbito dos jurisdicionados e, no caso do Processo Infracional, dos envolvidos, precisa
atender aos princípios e regras previstos no ordenamento jurídico de forma taxativa. É imperioso que o
processo garanta a ampla defesa, a isonomia, o contraditório, a publicidade e os direitos fundamentais.
Há que se analisar a lesividade, ofensividade, materialidade, necessidade à luz do estado democrático de
direito.
3.6 RECURSOS
O Estatuto da Criança e do Adolescente adotou o sistema recursal do Código de Processo Civil, aprovado pela
9
DA ROSA, Alexandre Morais. Introdução Crítica ao Ato Infracional. Princípios e Garantias Constitucionais – Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2007, p. 7.
10
DA ROSA, Alexandre Morais. Introdução Crítica ao Ato Infracional. Princípios e Garantias Constitucionais – Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2007, p. 11.
11
DA ROSA, Alexandre Morais. Introdução Crítica ao Ato Infracional. Princípios e Garantias Constitucionais – Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2007, p. 29/30.
6
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Lei 5.869/73, e suas posteriores alterações, com as adaptações contidas nos artigos 198 e 199, do ECA. Os
recursos serão interpostos independentemente de preparo, que são as custas e emolumentos (pagamento
antecipado das despesas com processamento), salvo se interposto por pessoa jurídica, como, por exemplo, nos
procedimentos de apuração de infrações administrativas; terão preferência de julgamento; dispensarão revisor.
O prazo para interpor os recursos será de dez dias, salvo o de embargos de declaração, que tem o prazo de cinco
dias. Com o novo CPC os prazos de apelação e agravo foram unificados em 15 dias, contados em dias corridos,
art. 152 - Os prazos estabelecidos nesta Lei e aplicáveis aos seus procedimentos são contados em dias corridos,
excluído o dia do começo e incluído o dia do vencimento, vedado o prazo em dobro para a Fazenda Pública e o
Ministério Público
Dispõe o inciso VII do artigo 198 que a autoridade judiciária sentenciante, antes de fazer subir ao Tribunal o
recurso de apelação, proferirá despacho fundamentado mantendo ou reformando a decisão (juízo de retratação),
no prazo de cinco dias. O juízo de retratação possibilita ao juiz monocrático o reexame de sua decisão,
acelerando a solução da lide.
Aspecto extremamente relevante é o do(s) efeito(s) que a apelação deve ser recebida.
O efeito devolutivo é natural do princípio tantum devolutum quantum apellattum, devolvendo-se a matéria ao
tribunal. Quanto à eventual incidência do efeito suspensivo, o art. 198, inciso VI, revogado, previa que a
apelação seria recebida em seu efeito devolutivo, podendo ser concedido efeito suspensivo se houvesse perigo
de dano irreparável/difícil reparação. Todavia, a Lei da Adoção nº 12.010/2009 revogou tal inciso.
Assim, a regra passou a ser a do CPC - efeito suspensivo, que vale para o novo CPC (art. 1012). Todavia, na
infância isso significaria que um adolescente condenado ao cumprimento de MSE de internação iria interpor
apelação e ficaria aguardando indefinidamente em liberdade, não podendo começar a cumprir as medidas. Isso
poria em risco a necessidade de célere intervenção, e o tempo pode ser fundamental para ressocialização, sem
contar que o limite de aplicação do ECA é curto. Sob outro prisma, há o princípio da presunção de inocência e
o adolescente pode ser submetido a uma medida extrema quando ainda é possível a improcedência da
representação.
O STF, Ministro Toffoli, decidiu recentemente pela necessidade de se garantir o direito a recorrer em liberdade.
(http://s.conjur.com.br/dl/hc-122072-stf-internacao-provisoria.pdf)
O STJ responde mais coerentemente ao problema: aplica o art. 520 do CPC, agora o 1012 do novo CPC,
apelação será recebida exclusivamente em seu efeito devolutivo nas hipóteses indicadas nos incisos de tal
dispositivo, entre eles, para a sentença que confirma a tutela |antecipada antes concedida., agora denominada de
tutela provisória12.
12
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CUMPRIMENTO IMEDIATO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA INDEPENDENTE DE
INTERNAÇÃO PROVISÓRIA.
Mesmo diante da interposição de recurso de apelação, é possível o imediato cumprimento de sentença que impõe medida
socioeducativa de internação, ainda que não tenha sido imposta anterior internação provisória ao adolescente. Cuidando-se de
medida socioeducativa, a intervenção do Poder Judiciário tem como missão precípua não a punição pura e simples do adolescente em
conflito com a lei, mas, principalmente, a ressocialização e a proteção do jovem infrator. Deveras, as medidas previstas nos arts. 112 a
125 da Lei n. 8.069/1990 não são penas e possuem o objetivo primordial de proteção dos direitos do adolescente, de modo a afastá-lo
da conduta infracional e de uma situação de risco. Por esse motivo, deve o juiz orientar-se pelos princípios da proteção integral e da
prioridade absoluta, definidos no art. 227 da CF e nos arts. 3° e 4° do ECA. Desse modo, postergar o início de cumprimento da
medida socioeducativa imposta na sentença que encerra o processo por ato infracional importa em "perda de sua atualidade quanto
ao objetivo ressocializador da resposta estatal, permitindo a manutenção dos adolescentes em situação de risco, com a exposição aos
mesmos condicionantes que o conduziram à prática infracional". Observe-se que não se cogita equiparar o adolescente que
pratica ato infracional ao adulto imputável autor de crime, pois, de acordo com o art. 228 da CF, os menores de dezoito anos são
penalmente inimputáveis e estão sujeitos às normas da legislação especial. Por esse motivo e considerando que a medida
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Nesse sentido, se o adolescente foi internado provisoriamente e o juiz sentencia submetendo-o a MSE de
internação por prazo indeterminado, eventual apelação será recebida exclusivamente em seu efeito devolutivo,
permitindo-se o cumprimento imediato da medida.
Ademais, se aplicam as MSE os princípios do art. 100, do ECA, destacando-se o interesse superior, a
intervenção precoce e a atualidade, que não permitiriam que o adolescente aguardasse o julgamento do recurso
em liberdade, quando houver necessidade de ressocialização apurada em procedimento infracional.
Deve ser lembrado que para os procedimentos de destituição do poder familiar e de adoção há previsão
expressa no Estatuto a respeito dos efeitos.
socieducativa não representa punição, mas mecanismo de proteção ao adolescente e à sociedade, de natureza pedagógica e
ressocializadora, não calharia a alegação de ofensa ao princípio da não culpabilidade, previsto no art. 5°, LVII, da CF, sua imediata
execução. Nessa linha intelectiva, ainda que o adolescente infrator tenha respondido ao processo de apuração de prática de ato
infracional em liberdade, a prolação de sentença impondo medida socioeducativa de internação autoriza o cumprimento imediato da
medida imposta, tendo em vista os princípios que regem a legislação menorista, um dos quais, é o princípio da intervenção precoce
na vida do adolescente, positivado no parágrafo único, VI, do art. 100 do ECA. Frise-se que condicionar o cumprimento da medida
socioeducativa ao trânsito em julgado da sentença que acolhe a representação - apenas porque não se encontrava o adolescente já
segregado anteriormente à sentença - constitui verdadeiro obstáculo ao escopo ressocializador da intervenção estatal, além de permitir
que o adolescente permaneça em situação de risco, exposto aos mesmos fatores que o levaram à prática infracional. Ademais, a
despeito de haver a Lei n. 12.010/2009 revogado o inciso VI do art. 198 do referido Estatuto, que conferia apenas o efeito devolutivo
ao recebimento dos recursos - e não obstante a nova redação conferida ao caput do art. 198 pela Lei n. 12.594/2012 - é importante
ressaltar que continua a viger o disposto no art. 215 do ECA, o qual prevê que "O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos,
para evitar dano irreparável à parte". Ainda que referente a capítulo diverso, não há impedimento a que, supletivamente, se invoque
tal dispositivo para entender que os recursos serão recebidos, salvo decisão em contrário, apenas no efeito devolutivo, ao menos em
relação aos recursos contra sentença que acolhe representação do Ministério Público e impõe medida socioeducativa ao adolescente
infrator, sob pena, repita-se, de frustração da principiologia e dos objetivos a que se destina a legislação menorista. Pondere-se, ainda,
ser de fundamental importância divisar que, ante as características singulares do processo por ato infracional - sobretudo a que
determina não poder o processo, em caso de internação provisória, perdurar por mais de 45 dias (art. 183 do ECA) - não é de se
estranhar que os magistrados evitem impor medidas cautelares privativas de liberdade, preferindo, eventualmente, reservar para o
momento final do processo - quando, aliás, disporá de elementos cognitivos mais seguros e confiáveis para uma decisão de tamanha
importância - a escolha quanto à medida socioeducativa que se mostre mais adequada e útil aos propósitos ressocializadores de tal
providência. Sob outra angulação, não seria desarrazoado supor que, a prevalecer o entendimento de que somente poderá o juiz impor
ao adolescente o cumprimento imediato da medida socioeducativa de internação fixada na sentença se já estiver provisoriamente
internado, haverá uma predisposição maior, pela autoridade processante, de valer-se dessa medida cautelar antes da conclusão do
processo. Em suma, há de se conferir à hipótese em análise uma interpretação sistêmica, compatível com a doutrina de proteção
integral do adolescente, com os objetivos a que se destinam as medidas socioeducativas e com a própria utilidade da jurisdição
juvenil, que não pode reger-se por normas isoladamente consideradas. HC 346.380-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/4/2016, DJe 13/5/2016.
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Juiz da VIJ e à família do adolescente ou pessoa por ele indicada (art. 107, do ECA). O referido artigo dispõe
também sobre o dever imediato de liberação caso seja constatada a ilegalidade da apreensão. O exame deverá
ser realizado primeiro pela autoridade policial, em seguida pelo Ministério Público e por último pela autoridade
judiciária.
As autoridades competentes serão responsabilizadas criminalmente se não ordenarem, sem justa causa, a
imediata liberação de criança e adolescente em estado de apreensão ilegal, conforme determina o artigo 234, do
ECA. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de45 dias.
O adolescente civilmente identificado não será submetido à identificação compulsória pelos órgãos policiais,
salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada de sua identificação. A identificação criminal fora
desses casos pode tipificar o crime previsto no artigo 232, do ECA.
O artigo 110 do ECA determina que nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo
legal, princípio constitucional repetido no ECA, conhecido como due process of law (devido processo legal). O
princípio em estudo trata de instrumento público de realização da justiça e com ele se busca proteger a pessoa
contra a ação arbitrária do Estado.
Além das garantias constitucionais, o artigo 111, do ECA elenca algumas garantias específicas aos
adolescentes, sendo que essas são apenas exemplificativas e não excluem, portanto, a aplicação de outras
admitidas em nosso ordenamento jurídico ou adotadas em tratados, pactos e declarações internacionais
aprovados pelo Brasil. São elas:
- pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante a citação ou meio equivalente;
- igualdade na relação processual (art. 5º, LV e 227, § 3º, IV, do Constituição Federal - contraditório e ampla
defesa);
- defesa técnica por advogado (art. 227, § 3º, IV, da Constituição Federal e 207 do ECA);
- assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei (art. 5º, LXXIV, da Constituição
Federal e art. 141, § 2º, ECA);
- direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente (art. 141 do ECA e art. 5º, XXXV, da
Constituição Federal) e
- direito de solicitar a presença de seus pais ou responsáveis em qualquer fase do procedimento e
- direito de petição aos Poderes Públicos - art. 5º, XXXIV, “a”, da CF.
Advertência
Reparação de danos
Prestação de Serviços à comunidade
Liberdade Assistida
Semiliberdade
Internação
As medidas socioeducativas são aplicáveis apenas a adolescentes autores de ato infracional e têm por fim
reeducá-los, reintegrá-los à sociedade, sem deixar de ter caráter sancionatório.
Quando da aplicação dessas medidas, levar-se-á em conta a capacidade do adolescente em cumpri-la, as
circunstâncias e a gravidade da infração e o contexto pessoal e familiar do adolescente. Não se pode deixar de
considerar que a resposta à infração deverá ser sempre proporcional às suas circunstâncias e gravidade.
É vedado, em qualquer circunstância, o trabalho forçado. Já os adolescentes portadores de necessidades
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As medidas socioeducativas se dividem em dois grupos. No primeiro incluem-se aquelas não privativas de
liberdade: advertência, reparação do dano, prestação de serviço à comunidade (PSC) e liberdade assistida (LA).
No segundo grupo estão as que submetem o adolescente infrator à restrição ou privação de liberdade, quais
sejam, semiliberdade e internação.
Quanto à natureza jurídica da medida socioeducativa, embora não se possa negar sua finalidade pedagógica, em
busca de reintegração do jovem à vida familiar e social, respeitando-se as diretrizes da excepcionalidade, da
brevidade e do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, intervenção mínima,
intervenção precoce, não se pode negar também o seu caráter punitivo, com função de repressão das condutas
ilícitas e de prevenção contra o aumento da criminalidade. Ademais, algumas medidas socioeducativas
assemelham-se a verdadeiras penas (sanções) previstas no Código Penal e Lei de Execução Penal (advertência
– sursis; reparação de danos – reparação de danos; liberdade assistida – regime aberto; regime semiaberto –
semiliberdade; internação – detenção/reclusão).
Embora as medidas socioeducativas estejam sujeitas aos mecanismos pedagógicas e psicossociais, pode-se
constatar o seu aspecto sancionatório diante da aflição causada ao jovem durante o cumprimento da medida.
Isso demonstra a imprescindibilidade do cumprimento do princípio da legalidade estrita para a sua aplicação.
Segundo SINASE, a aplicação das MSE serão regidas pelos seguintes princípios:
Art. 35A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios:
I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto;
II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de
autocomposição de conflitos;
III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às
necessidades das vítimas;
IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida;
V - brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que dispõe o art. 122 da
Lei no8.069, de 13 de julho de 1990;
VI - individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente;
VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida;
13
Garantias processuais na aplicação e na execução de medidas socioeducativas. Revista da Fundação Escola Superior do
MPDFT, Ano 14, edição especial, dez. 2006, p. 122 e 125.
10
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VIII - não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe
social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e
IX - fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo.
Verificada assim a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as
seguintes medidas:
a) Advertência
Consiste em uma coerção admoestatória. Dirige-se ao adolescente que cometeu ato infracional de
pouca gravidade e pela primeira vez. O procedimento será reduzido a termo e assinado, como alega o art. 115,
do ECA.
Art. 114, do ECA, a imposição da advertência também pressupõe a prova da materialidade e de
suficientes indícios da autoria do ato praticado pelo adolescente.
d) Liberdade assistida
A medida predispõe um conjunto de ações personalizadas, as quais permitem a disposição de programas
pedagógicos individualizados, orientadores adequados, respeitando as circunstâncias inerentes de cada
adolescente, cujas circunstâncias de vida permitiram a realização da infração.
A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de
acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o
14
Adolescente e Ato Infracional: medida socioeducativa é pena? São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 106.
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caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento. Será fixada pelo prazo mínimo
de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o
orientador, o Ministério Público e o defensor (artigo 118 do ECA).
Incube ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente:
I – promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário,
em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social;
II – supervisionar a frequência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua
matrícula;
III – diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;
IV – apresentar relatório do caso. (artigo 19 do ECA)
A semiliberdade possui caráter punitivo, pois o seu cumprimento necessita do internamento do adolescente em
uma unidade especializada, limitando, em parte, o direito de ir e vir do infrator. O regime também prevê uma
qualidade pedagógica, já que “é obrigatória a escolarização e a profissionalização, devendo sempre que
possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade”(artigo 120, § 1º, do ECA). Essas atividades serão
realizadas fora da unidade de internamento, no período diurno.
15
Idem, ibidem, p. 112.
12
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predispõe uma investigação, em cada caso, se o adolescente tem condições de cumprir a medida e se a
internação possibilita formas para o desenvolvimento educativo e profissional do jovem.
Só pode ser aplicada nas hipóteses elencadas no artigo 122, do ECA: ato infracional cometido mediante
violência ou grave ameaça à pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves; por
descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta (neste caso não poderá
exceder 3 meses)
O período de internação deve ser constantemente analisado e a sua manutenção decidida a cada seis meses,
possuindo o prazo máximo de cumprimento de até três anos. Atingido o tempo limite de internação, o
adolescente deve ser liberado ou inserido na medida de semiliberdade ou liberdade assistida. Para a
desinternação é necessária a autorização do juiz, com a manifestação do Ministério Público. A liberação
imediata do adolescente é aos 21 anos, determinação essa admitida mesmo após o advento da lei 10.406/02
(Novo Código Civil).
O ECA, em seu art. 123, determina que a entidade de cumprimento da medida deve usar os critérios de idade,
condição física e gravidade do ato para separar os adolescentes internados.
Por sua vez, o artigo 121, do ECA, sujeita a medida de internação ao princípio do respeito à condição peculiar
de pessoa em desenvolvimento e o artigo 124 do mesmo diploma legal lista direitos assegurados aos
adolescentes privados de liberdade em consonância com todo o sistema processual, a condição assegurada de
sujeitos de direitos.
Nesse sentido, vale transcrever algumas das determinações do ECA:
Art. 124 São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:
(…)
V - ser tratado com respeito e dignidade;(...)
IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;(…)
X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade ...” [sem grifo no original]
Várias são as garantias oferecidas ao jovem infrator em cumprimento de medida de internação, tais como o
direito ao conhecimento de sua situação processual, de receber escolarização, profissionalização, de ter
condições dignas para a sua permanência no internato etc.
Da Internação Provisória
Não é medida socioeducativa e pode ser aplicada no curso do procedimento judicial socioeducativo ou
infracional, com duração máxima de 45 dias. A decretação da internação provisória se dará mediante decisão
judicial fundamentada e baseada em indícios bastantes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade
imperiosa da medida (Art. 108, e § único do ECA e repercussão social, 174, ECA).
Na internação provisória o adolescente deve ter assegurado o seu direito à educação. Para assegurar esse direito
o MPDFT, por meio da Promotoria da Infância e da Juventude ajuizou a ação cautelar 2010.01.3.001576-5. Foi
deferida a pretensão, com base nos artigos 227, da C e 123 e 94, do ECA, oportunidade em que o Juiz concedeu
30 dias ao DF implementar programa socioeducativo de internação cautelar com elaboração de projeto
pedagógico na ala dos provisórios do CAJE, fornecendo aos adolescentes escolarização, profissionalização,
atividades de esporte, cultura e lazer, (...) sob pena de multa diária de R$ 5.000,00.
Medidas de proteção
Os adolescentes infratores sujeitam-se às medidas previstas no artigo 112 do ECA, ou, ainda, a qualquer das
medidas protetivas previstas no artigo 101 do ECA. Os meios de proteção são configurados também como uma
das medidas destinadas aos adolescentes infratores, já que seus direitos foram violados ou negligenciados
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EXECUÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS – REMISSÃO
Este conjunto de métodos significa a reinserção do jovem ao meio familiar; o apoio de orientadores,
temporariamente, dependendo da necessidade do adolescente; a obrigatoriedade da escola no cotidiano desses
jovens; a inserção do jovem e da família em ações beneficiárias a estes; a inclusão do adolescente a tratamento
psicológico, hospitalar; o encaminhamento de jovens a procedimentos médicos e terapêuticos, objetivando o
fim da dependência por drogas.
Insta reiterar que essas medidas de proteção podem ser aplicadas às crianças quanto aos adolescentes que
estejam em situação de risco ou tenham praticado conduta descrita como crime ou contravenção penal,
enquanto que as medidas socioeducativas são aplicadas exclusivamente aos adolescentes infratores.
16
“Os recursos materiais, quando existentes, são escassos. Não recebem material de expediente (algumas unidades receberam um
caderno e lápis) nem material didático para trabalharem com os adolescentes. Não possuem pastas de arquivos para organizar os
dados e relatórios de cada adolescente atendido. Os materiais que utilizam com os adolescentes são providenciados pelos próprios
técnicos. Para confecção de relatórios a serem apresentados ao Juízo, contam com a solidariedade de alguns profissionais da
Assistência Social. Não contam com computadores nem periféricos; algumas unidades possuem uma linha telefônica, mas não
possuem o aparelho; outras não dispõem de linhas próprias, mas ramais, provenientes de linhas telefônicas instaladas nas Unidades
de Assistência Social ou, ainda, utilizam a linha telefônica de propriedade das referidas unidades da Assistência. O mobiliário é
escasso e também cedido pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (SEDEST). As unidades
receberam a informação que o mobiliário que está sendo utilizado ficará na nova Secretaria; quanto aos recursos humanos, algumas
unidades contam com um assistente social e um psicólogo e dois agentes sociais; outras contam com um assistente social ou um
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na execução da medida; o exíguo quadro de pessoal existente não atende às demandas da execução da medida
no Distrito Federal; a falta investimento em contratação mediante concurso público e capacitação contínua de
recursos humanos; recursos humanos, materiais e financeiros insuficientes para a implementação adequada do
regime; ausência de parcerias efetivas com as áreas de saúde, educação, trabalho assistência social, lazer e
cultura visando maior efetividade da medida.
No que se refere à medida de semiliberdade, verifica-se pelo referido relatório que as unidades continuam a
desenvolver seus trabalhos sem subsídio suficiente do Estado e também sem suporte para a manutenção da
infraestrutura, bem como a não realização de atividades realizadas junto à família continuam prejudicadas pela
falta de repasse de vale-transporte e o não retorno dos jovens às unidades nas segundas-feiras por não terem
como custear o transporte, o que provoca descontinuidade no cumprimento da medida. Constatou-se também
que o espaço físico das unidades não permite a separação dos jovens de acordo com a gravidade da infração e
com o número de passagens pela semiliberdade, sendo o adolescente com primeira passagem pela
semiliberdade tratado da mesma forma que os reincidentes; bem como queixas dos jovens em relação à
qualidade e à quantidade da alimentação que lhes é oferecida e ao alto número de adolescendo envolvido com o
uso de substâncias psicoativas e a falta de serviços de saúde na comunidade que acolha demanda dessa
natureza. Por fim, há dificuldades de inserção dos adolescentes no mercado de trabalho.
O citado relatório aponta as seguintes situações à execução de medidas de internação: dificuldade, pelos
adolescentes, de acessar sua situação processual e de entrevistar-se pessoalmente com advogado ou defensor
público; inexistência de unidades de internação regionalizadas; desarticulação com as demais políticas públicas
setoriais; não atendimento dos centros de internação dos parâmetros estabelecidos pelo SINASE; no Centro
Socioeducativo Amigoniano (CESAMI) e no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (CAJE) há
inobservância do artigo 123 do ECA, no que diz respeito à separação dos adolescentes em razão da gravidade
da infração; inadequação da estrutura física, que não observa os parâmetros estabelecidos pelo SINASE;
dificuldade de articulação com as demais políticas públicas setoriais, especialmente com a política pública de
saúde mental; insuficiência de lençóis e toalhas para os adolescentes entre outros.
Ademais, o Ministério Público, em visita realizada no CAJE17, em Brasília/DF, no primeiro semestre de 2009,
constatou inúmeras irregularidades nas celas da Ala de Internação Provisória (Módulo III). Diante disso,
requisitou-se ao Setor de Perícias do MPDFT e ao Setor Psicossocial da Promotoria da Infância e Juventude a
elaboração de laudos referentes aos citados alojamentos, com o fim de constatar as condições de higiene,
habitabilidade, segurança, conforto ambiental, de ergonomia, de volumetria, de humanização e de segurança
dos referidos alojamentos.
O laudo do Setor Psicossocial da Promotoria da Infância e Juventude do DF demonstrou inúmeras
irregularidades nas celas do CAJE referentes às instalações físicas, destacando pormenorizadamente as
péssimas condições em que se encontram alojados os jovens e assim o total desrespeito à dignidade.18
psicólogo e três agentes. A quantidade máxima de profissionais, entre técnicos e agentes, chega a seis profissionais para cada
unidade. Grande parte dos profissionais mantém contrato de trabalho temporário; a quantidade de adolescentes atendidos
mensalmente é flutuante, variando conforme o ingresso e desligamento da medida. Não é cumprida a previsão do SINASE de dois
técnicos (assistente social e psicólogo) para cada grupo de vinte adolescentes; (...); Os adolescentes externam aos técnicos o
descrédito com a medida, em razão da falta de ações que deveriam ocorrer nas unidades. Os técnicos ressaltam que a falta da
intervenção predispõe o adolescente à reincidência.” Relatório entregue à Promotoria de Justiça da Infância e Juventude do DF pela
Chefe do Setor Psicossocial Infanto-Juvenil do MPDFT Nádia Raquel Paranhos Kamimura.
17
Conforme exposto no parecer ministerial juntado aos autos nº 2009.01.3.002108-4 em tramitação perante a 1ª Vara da Infância e
Juventude do Distrito Federal
18
“3. Capacidade Física
(…) Módulo VII (sentenciados) - dois adolescentes provisórios permaneciam no Módulo dos sentenciados devido à grave ameaça da
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Do mencionado relatório19, pode-se concluir que a ala de internação provisória não cumpre as determinações
do SINASE, especialmente no que tange às condições mínimas das instalações, bem como à segurança em
relação à integridade física dos internos. Por fim, constatou-se, ainda, que estão prejudicadas as condições de
habitualidade, higiene, conforto mínimo e salubridade ambiental (ventilação, insolação e conforte técnico).
Por sua vez, o Relatório Pericial nº 52/2009 do Setor de Perícias do MPDFT constatou que “o local não está
adequado às condições de conforto ambiental, de ergonomia, de volumetria, de humanização e de segurança
exigidas pelo SINASE”. O citado relatório demonstrou que em cada alojamento de números 4, 7 e 11 há quatro
adolescentes e que cada alojamento possui área igual a 8,64 m. Constatou também que a área de abertura de
casa alojamento (para iluminação e ventilação natural) é de aproximadamente 0,45m; que toda a mobília é de
alvenaria ou concreto armado e que há somente uma cama no interior dos alojamentos; que os alojamentos
possuem instalações sanitárias precárias, que não há ralo para escoamento de água; não há descarga; a pintura
das paredes encontra-se desgastada, mofada e pichada, instalações elétricas precárias; dentro dos alojamentos as
fiações são acessíveis aos internos; a fiação, o soquete e a lâmpada estão expostos; o ambiente dos alojamentos
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é quente e úmido; as áreas de ventilação e de iluminação natural são insuficientes para o tamanho dos
ambientes e para a quantidade de internos; a presença de aberturas em somente uma parede do recinto também
prejudica a circulação e renovação do ar interno; as paredes encontram-se mofadas etc.
Diante das conclusões dos dois laudos acima mencionados, a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude
ingressou com ação coletiva de interdição do Módulo III da ala dos internos provisórios do CAJE (Autos:
2009.01.3.002108-4), cujo pedido de antecipação de tutela e preceito cominatório de obrigação de fazer e o
mérito não foram julgados até o presente momento. Em réplica, o Ministério Público aduziu que, após a
propositura da referida ação, foi realizada nova visita dos Promotores de Justiça da Infância e da Juventude ao
CAJE, bem como nova perícia no local pelo Setor de Perícias do Ministério Público, sendo que esta foi
realizada no dia 20 de novembro de 2009, ou seja, após a contestação do Distrito Federal, tendo sido constatado
apenas nova pintura nas paredes da citada ala do CAJE, as quais, inclusive, após épocas de chuvas, retornaram
ao status quo ante. Ademais, segundo informações colhidas pelos Promotores de Justiça na visita ao CAJE, a
pintura de estrutura realizada sequer foi custeada pelo Distrito Federal, mas tratou-se de uma quotização entre
os funcionários devido à situação alarmante em que se encontrava, e ainda se encontra o local. No interior das
celas as condições continuam tão precárias quanto estavam ao tempo da primeira perícia realizada naquele local
e que deu ensejo à ação civil pública.
O laudo do Setor de Perícias do MPDFT constatou que, exceto pela pintura da estrutura que cobre os pátios,
desde a última perícia realizada no local, não houve qualquer intervenção para recuperação da infraestrutura dos
módulos. Esse novo laudo apontou: desgaste da tinta nas paredes que, além de mofadas, apresentam-se
deterioradas também com pichações; vazamentos nas instalações hidro sanitárias de certos alojamentos. A água
utilizada do chuveiro é drenada pela própria bacia turca. Quando há limpeza geral dos alojamentos, a água
utilizada é escoada para a circulação contígua ao recinto; instalações elétricas em desacordo com normatização,
uma vez que há tomadas internas e lâmpadas desprotegidas nos alojamentos. Como há fiação exposta (faltam
espelhos de caixas), caso haja manipulação inadequada da rede elétrica pelos internos, há sérios riscos de
choques, que podem ser fatais; falta de manutenção ou o desgaste natural do piso que, em certos pontos,
provoca acúmulo e absorção de água, e retenção de umidade no ambiente; falta de manutenção das placas pré-
moldadas de concreto armado utilizadas na estrutura da parede. Muitas oscilam ao serem golpeadas pelos
internos, o que compromete a segurança do local. Com frequente golpeamento das placas, pode ocorrer
enfraquecimento da estrutura por fadiga; presença de dois ou mais jovens em cada alojamento que possui
apenas uma cama de alvenaria. Na ocupação dos recintos por mais de um interno, colchões são colocados no
chão, cobrindo toda a área de circulação interna, inclusive nas proximidades das instalações hidros sanitárias.
Embora haja inúmeros mecanismos de controle a garantir o respeito à dignidade dos adolescentes em
cumprimento de medidas socioeducativas, seja pela fiscalização do Ministério Público (artigo 201 do ECA),
Defensoria Pública (artigo 207 do ECA), seja por intermédio de decisões do Poder Judiciário (artigo 148 do
ECA), os relatórios e as vistorias acimas mencionados comprovaram que a realidade, especialmente a do
Distrito Federal, é vergonhosa, pois as medidas socioeducativas em meio aberto (liberdade assistida e prestação
de serviço à comunidade, por exemplo), quando não são insuficientes, são deficientes, o que ocasiona o
sentimento de impunidade aos jovens, culminando por levá-los à reiteração de atos infracionais e, por
consequência, à aplicação de medidas restritivas de liberdade (semiliberdade e internação). Por sua vez, a forma
de execução das medidas de semiliberdade e internação também tem se mostrado inadequada para a
ressocialização dos jovens infratores, já que a forma de cumprimento (com ausência de projetos pedagógicos
eficazes, escassos recursos humanos e recursos materiais deficitários) é insuficiente para produzir uma mudança
significativa na vida desses jovens.
Considerando que a resposta do Estado ao adolescente-infrator foi prevista na forma de medidas
socioeducativas, pois nessa faixa etária o jovem responde de forma mais eficiente à intervenção pedagógica,
17
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justamente por estar em processo de desenvolvimento e considerando a realidade caótica da execução das
medidas socioeducativas no Distrito Federal, demonstrada pelos relatórios e vistoria acima mencionados,
conclui-se que a distância entre a realidade e a lei (direitos fundamentais do adolescente em cumprimento de
medida socioeducativa) incentiva o adolescente a permanecer no meio infracional, pois se o Estado-Juiz aplica
uma medida socioeducativa e o Poder Executivo não fornece os meios adequados para o seu cumprimento, a
mensagem que se passa ao jovem infrator é a de que nem sua família nem o Estado tiveram a capacidade de
detê-lo na empreitada infracional.
7. SINASE
O SINASE é a sigla utilizada para denominar o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo que
regulamenta a forma como o Poder Público, por seus mais diversos órgãos e agentes, deverá prestar o
atendimento especializado aos adolescentes autores de ato infracional. O SINASE foi inicialmente instituído
pela Resolução n 119/2006, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA, e
foi recentemente aprovado pela Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Cuida da aplicação e execução de
medidas socioeducativas a adolescentes autores de ato infracional, dispondo desde a parte conceitual até o
financiamento do Sistema Socioeducativo, definindo papeis e responsabilidades, bem como procurando corrigir
algumas distorções verificadas quando do atendimento dessa importante e complexa demanda.
Artigos 45 e 46
AULA 3
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autoridade judiciária procederá à unificação, ouvidos, previamente, o Ministério Público e o defensor, no prazo
de 3 (três) dias sucessivos, decidindo-se em igual prazo". Já em seu § 1º, tem-se que "É vedado à autoridade
judiciária determinar reinício de cumprimento de medida socioeducativa, ou deixar de considerar os prazos
máximos, e de liberação compulsória previstos na Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA), excetuada a
hipótese de medida aplicada por ato infracional praticado durante a execução". Por sua vez, dispõe o § 2º que
"É vedado à autoridade judiciária aplicar nova medida de internação, por atos infracionais praticados
anteriormente, a adolescente que já tenha concluído cumprimento de medida socioeducativa dessa natureza, ou
que tenha sido transferido para cumprimento de medida menos rigorosa, sendo tais atos absorvidos por aqueles
aos quais se impôs a medida socioeducativa extrema". Neste preceito normativo, foram traçadas as regras a
serem seguidas no caso de superveniência de nova medida socioeducativa em duas situações distintas, quais
sejam, por ato infracional praticado durante a execução da medida e por fato cometido antes do início do
cumprimento desta. Veja-se que o § 1º do preceito aludido expressamente excepciona a aplicação de seu
regramento nas hipóteses de superveniência de medida em razão de ato infracional que tenha sido "praticado
durante a execução". Em seguida, em seu § 2º, o legislador fixa uma limitação à aplicação de nova medida
extrema, sendo esta vedada em razão de atos infracionais "praticados anteriormente". Em uma interpretação
sistemática na norma contida no § 2º, deve-se entender que esta vedação se refere à prática de ato infracional
cometido antes do início da execução a que se encontra submetido o menor. Com efeito, o retorno do
adolescente à internação após demonstrar que está em recuperação - que já tenha cumprido medida
socioeducativa dessa natureza ou que tenha apresentado méritos para progredir para medida em meio aberto -
significaria um retrocesso em seu processo de ressocialização. Deve-se ter em mente que, nos termos do ECA,
em relação ao menor em conflito com a lei, não existe pretensão punitiva, mas educativa, considerando-se a
"condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento" (art. 6º), sujeitos à proteção
integral (art. 1º). Mister considerar, ainda, os princípios que regem a aplicação da medida socioeducativa
extrema, quais sejam, da excepcionalidade e do respeito à condição peculiar do jovem em desenvolvimento (art.
121 do ECA), segundo os quais aquela somente deverá ser aplicada como ultima ratio, ou seja, quando outras
não forem suficientes à sua recuperação. Conclui-se, pois, que o termo "anteriormente" contido no § 2º do art.
45 da Lei 12.594/2012 refere-se ao início da execução, não à data da prática do ato infracional que originou a
primeira medida extrema imposta. HC 274.565-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 12/5/2015, DJe
21/5/2015.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul editou a Súmula nº 43, tratando da unificação de
medidas socioeducativas, assim: Os atos infracionais cometidos anteriormente ao cumprimento de medida
socioeducativa de internação ou a progressão desta para uma menos gravosa são absorvidos por aquele ao qual
se cominou a medida extrema, carecendo o Estado de interesse de agir, o que conduz à extinção do processo,
com base no art. 45, § 2º, da Lei nº 12.594/2012. 20
É marcante o desrespeito ao princípio da prioridade absoluta no que diz respeito à aplicação e execução de
medidas socioeducativas. A concretização do princípio da corresponsabilidade – família, Estado e sociedade – é
fundamental para o rompimento da cultura de violência juvenil. O ECA prevê princípios suficientes a nortear as
autoridades públicas, a sociedade civil e a família a um tratamento prioritário para a concretização dos direitos
da criança e do adolescente.
20
https://www.mprs.mp.br/media/areas/infancia/arquivos/revista_digital/numero_08/fonseca.pdf
19
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O adolescente que pratica ato infracional provavelmente não recebeu da família os valores a impedi-lo de
desrespeitar os direitos dos outros.21 A desestruturação familiar, a dependência química, a banalização da
violência (a ideia de que a violência é algo normal), a qualidade da educação e a falta de perspectiva para o
futuro levam os adolescentes à prática de atos infracionais.22
Também a sociedade é responsável por sua omissão quanto às ações de prevenção da violência juvenil e de
ressocialização do jovem infrator. Por fim, há visível omissão do Estado, já que as políticas públicas
ressocializadoras para adolescentes infratores não têm recebido do Poder Público a atenção devida, o que leva a
baixos índices de recuperação.23
Se o Estado-Juiz aplica uma medida socioeducativa e o Poder Executivo não fornece os meios adequados para o
seu cumprimento, o jovem infrator conclui que nem sua família nem o Estado foram capazes de retirá-lo da
empreitada infracional. Esse pensamento o incentiva a permanecer no meio infracional. Para cumprir a tarefa, o
Estado deve aplicar e executar de forma eficiente as medidas socioeducativas previstas no ECA. Contudo, a
realidade da maioria dos Estados brasileiros, especialmente a do Distrito Federal, é vergonhosa, pois as medidas
socioeducativas em meio aberto – liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade – quando aplicadas
pelas Varas da Infância e da Juventude muitas vezes sequer são cumpridas pelos adolescentes infratores e,
quando são, a forma de cumprimento é insuficiente para produzir mudança significativa na vida desses jovens,
o que termina por ocasionar um sentimento de impunidade por parte dos adolescentes infratores e contribuir
para a reiteração de atos infracionais. A omissão na efetiva implementação das medidas socioeducativas em
meio aberto tem como consequência a aplicação de medidas restritivas de liberdade – semiliberdade e
internação – com relação ao próximo ato infracional praticado pelo adolescente, cuja execução também tem se
mostrado inadequada para a ressocialização.24
O artigo 125 do ECA obriga o Estado a zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar
todas as medidas adequadas de contenção e segurança. Os laudos do MPDFT acima mencionados
comprovaram o desrespeito pelo Distrito Federal às normas nacionais e internacionais25 de proteção às crianças
21
Segundo dados do Relatório “Perfil dos Adolescentes-Infratores e dos Atos Infracionais”, do MPDFT, elaborado a partir de
registros obtidos de 725 adolescentes-infratores atendidos na Promotoria, entre 2007 e 2008, constatou-se que a maior parte (56%)
dos adolescentes-infratores é composta por jovens evadidos da escola, com prevalência em atos infracionais mais graves, tais como:
roubo, tráfico de drogas, porte e disparo de arma de fogo e furto, enquanto que, entre os jovens assíduos à escola, houve o predomínio
em atos de menor potencial ofensivo como ameaça, injúria, lesão corporal e pichação. De acordo com a pesquisa, pode-se concluir
que os jovens que se envolveram em atos infracionais graves, primeiro abandonaram a escola. Além desses jovens não terem recebido
de suas famílias os valores básicos (como respeito ao próximo, ao patrimônio e à integridade física alheia), a escola também não tem
conseguido repassar tais valores, além de não estar conseguindo evitar a evasão escolar. Disponível em:
<www.mpdft.gov.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=1020&Itemid=322>. Acesso em: 5 abril 2010.
22
VARALDA, Renato Barão. Responsabilidade na garantia dos direitos da criança e do adolescente. Op. cit., p. 28-30.
23
Conclui o promotor da infância e juventude do Distrito Federal Renato Barão Varalda “que, no direito brasileiro, o princípio
constitucional da prioridade absoluta, materializado no art. 227 da Constituição Federal e detalhado no art. 4º do Estatuto da Criança e
do Adolescente, vincula o Poder Legislativo e o Poder Executivo a respeitar a preferência estabelecida na formulação e na execução
das políticas públicas sociais e na destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à
juventude. Assim, a possibilidade de cobrança judicial das políticas públicas para a infância ultrapassa a simples garantia do “mínimo
existencial”, abrangendo, ainda, todos os direitos sociais.” Políticas públicas da infância. Boletim Científico. Brasília: Escola Superior
do Ministério Público da União. Ano 7, N. 27, abril-jun 2008, p. 41.
24
Idem. Ibid., p. 19.
25
O item 2 do artigo 3º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (Decreto nº 99.710 de 21/11/90) determina
aos Estados-Partes o compromisso de assegurar à criança a proteção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta
os direitos e deveres dos pais, dos tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis por ela, e, para este propósito, cabem
tomar as medidas legislativas e administrativas apropriadas. O item 3, do referido artigo determina que: “Os Estados Partes se
certificarão de que as instituições, os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças
20
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e aos adolescentes, cabendo ao Poder Judiciário garantir e resgatar os direitos que lhes foram violados pelo
próprio Poder Público.
O parágrafo único do artigo 4º do ECA é expresso em determinar a garantia de prioridade (preferência) na
formulação e na execução das políticas sociais públicas e na destinação privilegiada de recursos públicos nas
áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Diante da falta de cumprimento desse dispositivo e
do mencionado mandamento constitucional, os órgãos incumbidos de zelar pela proteção do direito da criança e
do adolescente – como o Ministério Público e a Defensoria Pública – têm escolhido a via judicial como uma
das alternativas para forçar o Estado a cumprir suas obrigações26.
O direito do adolescente-interno ser tratado com respeito e dignidade está também insculpido na ordem
constitucional (tanto no artigo 227, que consagra a doutrina da proteção integral, quanto no artigo 5º , inc.
XLIX27).
cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde
das crianças, ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada”.
Demais disso, o artigo 37, alínea “c”, da referida Convenção estatui: “Os Estados-Partes zelarão para que: toda criança
privada da liberdade seja tratada com a humanidade e o respeito que merece a dignidade inerente à pessoa humana, e levando-se em
consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade (...)”.
As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing), em sua
quinta parte (tratamento Institucional), prescrevem: “A capacitação e o tratamento dos jovens colocados em instituições têm por
objetivo assegurar seu cuidado, proteção, educação e formação profissional para permitir-lhes que desempenhem um papel
construtivo e produtivo na sociedade. Os jovens institucionalizados receberão os cuidados, a proteção e toda a assistência
necessária social, educacional, profissional, psicológica, médica e física que requeiram devido à sua idade, sexo e personalidade e
no interesse do desenvolvimento sadio.”
As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade reconhecem, no item 2, que os
jovens privados de liberdade requerem atenção e proteção especiais e a necessidade de garantia dos direitos e bem-estar durante o
período em que estejam privados de sua liberdade.
Insta destacar ainda os itens 66 e 67, Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade:
“Todas as medidas e procedimentos disciplinares deverão contribuir para a segurança e para uma vida comunitária ordenada e ser
compatíveis com o respeito à dignidade inerente do jovem e com o objetivo fundamental do tratamento institucional, ou seja, infundir
um sentimento de justiça e de respeito por si mesmo e pelos direitos fundamentais de toda pessoa”. “Todas as medias disciplinares
que sejam cruéis, desumanas ou degradantes, estarão estritamente proibidas, incluídos os castigos corporais, o recolhimento em cela
escura e as penalidades de isolamento ou de solitária, assim como qualquer outro castigo que possa pôr em perigo a saúde física ou
mental do menor.”
26
O Judiciário brasileiro avançou com a decisão, de 8 de julho de 2008, do Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do Min. Gilmar
Ferreira Mendes, ao manter a liminar concedida na ação civil pública nº 2007.0000.2658-0/0, em curso perante o Juizado da
Infância e Juventude da Comarca de Araguaína/TO, e, determinar ao Estado de Tocantins a implantação na cidade de
Araguaína/TO, no prazo de 12 meses, de unidade especializada para cumprimento das medidas socioeducativas de internação e
semiliberdade aplicadas a adolescentes-infratores, a fim de propiciar o atendimento do disposto nos artigos 94, 120, §2º e 124 do
ECA, diante da inexistência de unidades de semiliberdade e de internação e o encaminhamento de adolescentes-infratores para o
município de Ananás/TO, distante 160 quilômetros daquela localidade (o que dificulta o contato com os familiares), bem com o
alojamento em cadeia local, em celas adjacentes a de presos adultos, em ambientes inóspito. Disponível em:
<www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 8 abril 2010.
Também o juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude do DF julgou procedente a ação civil pública interposta pelo Ministério
Público, condenando o Distrito Federal a criar programa eficaz destinado a atender crianças e adolescentes portadores de
transtornos mentais e/ou alcoólatras e toxicômanos, bem como construir ou definir estabelecimento próprio de saúde,
equiparando-o de forma adequada e dotando-o de profissionais especializados em número suficiente ao suprimento da demanda,
tendo por finalidade específica garantir o implemento do referido programa, bem assim das medidas de proteção previstas no
artigo 101, incisos V e VII, do ECA, tudo no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, fixando-se multa diária no valor de R$ 5.000,00
(cinco mil reais) em caso de descumprimento. (Autos nº 766/53, Juiz de Direito Renato Rodovalho SCUSSEL, J. 24.11.2006).
Disponível em: <www.tjdft.jus.br/trib/vij/vij.asp>. Acesso em: 8 abril 2010.
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Art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.”
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Deve o Poder Judiciário, por meio de seu dever funcional de fiscalização das instituições de internação e de
garantia da efetivação dos direitos fundamentais dos adolescentes, dar efetividade ao cumprimento de medidas
socioeducativas em meio aberto, semiaberto ou fechado, adequando a sua execução ao ditames do ECA e dos
Tratados e Convenções Internacionais sobre os Direitos da Criança e do Adolescente.
SÚMULAS E JURISPRUDÊNCIA:
Súmula 265, STJ: “É necessária oitiva do menor infrator antes da decretação da regressão da medida
socioeducativa”. Finalidade – atender ao contraditório e ampla defesa, ao se oportunizar ao adolescente que
apresente justificativa para o descumprimento reiterado da medida anteriormente aplicada. Pode-se determinar
a busca e apreensão de adolescente quando necessário. O que se deve é oportunizar a justificativa, por exemplo,
o adolescente que cumpre medida em meio aberto e começa a descumpri-la. O Juiz notifica para que compareça
em juízo para se justificar e ele, ou não comparece ou muda de endereço sem comunicar ao Poder Judiciário.
Nesse caso cabe a regressão. Expede-se MBA e quando há a apreensão, apresenta-se o adolescente em juízo,
para somente após a oitiva/justificativa aplicar-se a regressão.
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II. Se a regressão da semiliberdade para a medida sócio-educativa mais gravosa foi precedida de audiência de
oitiva do jovem, não há que se falar em ofensa ao contraditório ou à ampla defesa, tampouco em
descumprimento da Súmula n.º 265 desta Corte.
III. O fato de não constar dos autos o inteiro teor da superveniente decisão que determinou ao réu a regressão da
semiliberdade para a internação impede o exame de sua legalidade, pois os fundamentos deste decisum é que
atualmente sustentam a manutenção da medida mais gravosa.
IV. Ordem denegada.
(HC 73.540/RJ, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 10.05.2007, DJ 18.06.2007 p.
291)
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IV - Os atos infracionais foram praticados em 10/02/2004. A sentença foi prolatada em 18/02/2004. O menor
iniciou o cumprimento da medida de liberdade assistida em 10/03/2004, deixando definitivamente de cumpri-la
em 26/05/2004. O prazo prescricional seria, na hipótese, de 4 (quatro) anos (artigos 109, inciso IV, e 115 do
CP). Assim, resta claro que não ocorreu a prescrição.
Habeas corpus denegado.
(HC 69.780/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06.03.2007, DJ 14.05.2007
p. 348)
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DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. APLICABILIDADE DO ART. 122, II, DO ECA.
A depender das particularidades e circunstâncias do caso concreto, pode ser aplicada, com fundamento no art. 122, II, do
ECA, medida de internação ao adolescente infrator que antes tenha cometido apenas uma outra infração grave. Dispõe o art.
122, II, do ECA que a aplicação de medida socioeducativa de internação é possível "por reiteração no cometimento de outras
infrações graves". Sobre o tema, destaquem-se os seguintes ensinamentos trazidos por doutrina: "Há orientação jurisprudencial, em
nosso entendimento equivocada, dando conta da necessidade da reiteração de, pelo menos, três atos infracionais graves. Chega-se a
tal conclusão pelo fato de o legislador não ter usado o termo reincidência, ao qual se permitiria a prática de duas infrações. Com a
devida vênia, este Estatuto fez o possível para evitar termos puramente penais. Se não usou a palavra reincidência, foi justamente para
fugir ao contexto criminal, aliás, como usou ato infracional e não delito ou crime." Não há que se falar em quantificação do caráter
socioeducador do ECA, seja em razão do próprio princípio da proteção integral, seja em benefício do próprio desenvolvimento do
adolescente, uma vez que tais medidas não ostentam a particularidade de pena ou sanção, de modo que inexiste juízo de censura, mas,
sim, preceito instrutivo, tendo em vista que exsurge, conforme doutrina, "após o devido processo legal, a aplicação da medida
socioeducativa, cuja finalidade principal é educar (ou reeducar), não deixando de proteger a formação moral e intelectual do jovem".
À luz do princípio da legalidade, devemos nos afastar da quantificação de infrações, devendo, portanto, a imposição da medida
socioeducativa pautar-se em estrita atenção às nuances que envolvem o quadro fático da situação em concreto. Comunga-se, assim, da
perspectiva proveniente da doutrina e da majoritária jurisprudência do STF e da Quinta Turma do STJ, de modo que
a reiteração pode resultar do próprio segundo ato e, por conseguinte, a depender das circunstâncias do caso concreto, poderá vir a
culminar na aplicação da medida de internação. Precedentes citados do STJ: HC 359.609-MS, Quinta Turma, DJe 10/8/2016; HC
354.216-SP, Quinta Turma, DJe 26/8/2016; HC 355.760-SP, Quinta Turma, DJe 22/8/2016; HC 342.892-RJ, Quinta Turma, DJe
30/5/2016; HC 350.293-SP, Quinta Turma, DJe 26/4/2016; AgRg no HC 298.226-AL, Quinta Turma, DJe 18/3/2015; RHC 48.629-
SP, Quinta Turma, DJe 21/8/2014; HC 287.354-SP, Sexta Turma, DJe 18/11/2014; HC 271.153-SP, Sexta Turma, DJe 10/3/2014; e
HC 330.573-SP, Sexta Turma, DJe 23/11/2015. Precedente citado do STF: HC 94.447-SP, Primeira Turma, DJe 6/5/2011. HC
347.434-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 27/9/2016, DJe
13/10/2016.
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Nos processos decorrentes da prática de atos infracionais, é possível que a apelação interposta pela
defesa seja recebida apenas no efeito devolutivo, impondo-se ao adolescente infrator o cumprimento
imediato das medidas socioeducativas prevista na sentença. Primeiramente, em que pese haver a Lei
12.010/2009 revogado o inciso VI do art. 198 do ECA, que conferia apenas o efeito devolutivo ao recebimento
dos recursos, continua a viger o disposto no art. 215 do ECA, o qual dispõe que “o juiz poderá conferir efeito
suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte”. Assim, se é verdade que o art. 198, VI, do ECA
não mais existe no mundo jurídico, a repercussão jurisprudencial dessa mutatio legis parece ser inexistente,
tamanha a evidência de que a nova lei não veio para interferir em processos por ato infracional, mas apenas em
processos cíveis, sobretudo nos de adoção. Isso porque, pela simples leitura da Lei 12.010/2009 percebe-se que
todos os seus dispositivos dizem respeito ao processo de adoção, o que permite inferir, induvidosamente, que,
ao revogar o inciso VI do art. 198 do ECA – que também tratava de recursos contra sentenças cíveis –, não foi,
sequer em hipótese, imaginado pelo legislador que tal modificação se aplicaria a processos por ato infracional,
que nada tem a ver com processos de adoção de crianças e adolescentes. Lógico inferir, portanto, que os
recursos serão, em regra, recebidos apenas no efeito devolutivo, inclusive e principalmente os recursos contra
sentença que acolheu a representação do Ministério Público e impôs medida socioeducativa ao adolescente
infrator. Ademais, cuidando-se de medida socioeducativa, a intervenção do Poder Judiciário tem como missão
precípua não a punição pura e simples do adolescente em conflito com a lei, mas sim a recuperação e a proteção
do jovem infrator. Sendo assim, as medidas previstas nos arts. 112 a 125 do ECA não são penas e possuem o
objetivo primordial de proteção dos direitos do adolescente, de modo a afastá-lo da conduta infracional e de
uma situação de risco. Além disso, diferentemente do que ocorre na justiça criminal comum, que se alicerça
sobre regras que visam proteger o acusado contra ingerências abusivas do Estado em sua liberdade, a justiça
menorista apoia-se em bases peculiares, devendo se orientar pelos princípios da proteção integral e da
prioridade absoluta, definidos no art. 227 da CF e nos arts. 3º e 4º do ECA. Por esse motivo, e considerando que
a medida socioeducativa não representa punição, mas mecanismo de proteção ao adolescente e à sociedade, de
natureza pedagógica e ressocializadora, não há de se falar em ofensa ao princípio da não culpabilidade, previsto
no art. 5º, LVII, da CF, pela sua imediata execução. Assim, condicionar, de forma automática, o cumprimento
da medida socioeducativa ao trânsito em julgado da sentença que acolhe a representação constitui verdadeiro
obstáculo ao escopo ressocializador da intervenção estatal, além de permitir que o adolescente permaneça em
situação de risco, exposto aos mesmos fatores que o levaram à prática infracional. HC 301.135-SP, Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz, julgado em 21/10/2014, DJe 1º/12/2014.
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sentido de que a sentença que insere o adolescente na medida socioeducativa possui apenas o efeito devolutivo,
o que não obsta o imediato cumprimento da medida aplicada, salvo quando há possibilidade de dano irreparável
ou de difícil reparação, caso em que o apelo também é recebido no efeito suspensivo. No caso dos autos, não há
como aferir a legalidade dessa eventual medida. Daí que não há coação ou ameaça concreta de lesão à liberdade
de locomoção do paciente a afastar seu interesse de agir, imprescindível ao conhecimento da impetração ora em
grau de recurso. Precedentes citados: RHC 21.380-RS, DJe 2/2/2009; HC 82.813-MG, DJ 1º/10/2007, e HC
54.633-SP, DJe 26/5/2008. RHC 26.386-PI, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 18/5/2010.
...
Relator(a): Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO
TJ/CE).Julgamento: 16/03/2010 Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA
Ementa
HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL
EQUIPARADO AO DELITO DE ROUBO QUALIFICADO. ESTUDO MULTIDISCIPLINAR DO CASO
(ART. 186 DO ECA). POSSIBILIDADE DO MAGISTRADO INDEFERIR SUA REALIZAÇÃO. MEDIDA
SOCIOEDUCATIVA. INTERNAÇÃO. GRAVIDADE ABSTRATA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONCRETA. APELAÇÃO. EFEITO SUSPENSIVO. REVOGAÇÃO DO INC. VI DO ART. 198 DO ECA.
ORDEM CONCEDIDA EM PARTE, INCLUSIVE DE OFÍCIO.
1. Hipótese em que se alega cerceamento de defesa por não ter sido realizado o estudo de caso determinado no
art. 186, § 2º, do ECA, bem como seja concedido ao paciente o direito de aguardar o trânsito em julgado do
procedimento em liberdade, respeitado o princípio da não culpabilidade.
2. O Juiz não está obrigado a realizar o estudo multidisciplinar, podendo, diante das peculiaridades do caso
concreto e de forma fundamentada, indeferir o pedido para a sua realização.
3. Em que pese a possibilidade de imposição da medida socioeducativa de internação para os atos infracionais
praticados com violência ou grave ameaça, nos termos do disposto no art. 122, I, da Lei nº 8.069/90, no
presente caso verifica-se que a medida foi aplicada ao paciente sem que fosse demonstrada a devida e concreta
fundamentação.
4. A medida de internação foi imposta com base na gravidade abstrata do ato infracional e considerações
genéricas sobre a possibilidade de a segregação contribuir para a recuperação do menor, revelando-se evidente
o constrangimento a que está submetido o paciente.
5.Deixando de existir regramento específico sobre os efeitos com que a apelação deve ser recebida nos
procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, impõe-se a aplicação a regra do caput do artigo 198,
que determina a utilização do sistema recursal do Código de Processo Civil.
6. A aplicação temporária da medida socioeducativa da liberdade assistida para o paciente se mostra a mais
adequada na presente hipótese, pois assegura ao menor o direito de responder ao procedimento em meio aberto,
contudo, permite o seu acompanhamento por pessoa capacitada para auxiliá-lo e orientá-lo de forma a reduzir a
possibilidade de novo envolvimento em atos infracionais.
7. Habeas corpus concedido em parte, inclusive de ofício, para anular a decisão de primeiro grau que aplicou ao
paciente a medida de internação por prazo indeterminado e determinar que outra seja proferida, com a aplicação
de compatível medida socioeducativa, assegurado ao paciente o direito de aguardar a nova medida
socioeducativa em liberdade assistida.
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198, do ECA, pela Lei da Adoção, inúmeros recursos têm sido interpostos perante os Tribunais brasileiros
questionando o cumprimento imediato da medida socioeducativa imposta na sentença para obrigar o aplicador
da norma a conceder o efeito suspensivo, que é a regra prevista no Código de Processo Civil e aplicável na
hipótese, em conformidade com o disposto no caput, do art. 198, do ECA.
Essa mudança não alterou a configuração estrutural dos efeitos em que a apelação será recebida nos feitos
infracionais, pois a citada legislação se refere tão somente aos processos cíveis de adoção. O próprio artigo 1º
da Lei nº 12.010/2009 expressamente limitou sua abrangência aos feitos cíveis.
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência
familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990,
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ademais, desde sua proposição inicial, assinada pela Senadora Patrícia Saboya, visava-se, com o projeto de lei,
a alterar apenas a disposição legal referente aos institutos da adoção, especificamente, a adoção internacional,
consoante se constata do seguinte excerto extraído da Justificação da Proposta de Lei do Senado nº 314/200429,
ponto de partida para a publicação da Lei nº 12.010/2009:
A presente proposição destina-se a aperfeiçoar o art. 46 do Estatuto da Criança e do Adolescente, para, no que
tange à adoção internacional, ampliar o atual prazo mínimo de quinze dias destinado ao convívio entre o
postulante à adoção e o adotando e torná-lo igual ao exigido para as crianças maiores de dois anos, que é de
trinta dias.
Ora, o legislador alterou apenas a estrutura normativa referente à adoção, e, tanto é assim, que o próprio ECA
determina em seu artigo 215 a aplicação do efeito suspensivo somente quando houver riscos de dano irreparável
à parte. Contudo, não é essa a interpretação conferida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, senão
vejamos:
[…] Em se tratando de medida socioeducativa o risco reside é na procrastinação da execução da medida, cuja
ausência no momento oportuno impede as intervenções necessárias à ressocialização do jovem, mantendo
inalterada a situação que o levou à prática do ato infracional.” (HC 20100020109972HBC, 1ª Turma, Rel. Des.
George Lopes Leite, j. 29/07/2010).
Ocorre que o retardamento da aplicação da medida inviabiliza os efeitos ressocializadores, tais como a
escolarização obrigatória, a profissionalização e o acompanhamento sistemático pelo Estado.
O caráter sancionatório da aplicação da medida socioeducativa assemelha-se inicialmente com o processo
penal, distanciando-se tão-somente após o devido processo penal constitucional-garantista, com o processo
socioeducativo, reeducativo ou ressocializador, que prioriza uma perspectiva pedagógica, razão pela qual o seu
cumprimento deverá se dar imediatamente, para melhor atender às necessidades do jovem infrator.
Uma vez internado, o Estado-Juiz deve garantir ao jovem a inserção de medidas em um contexto mais
pedagógico para minimizar os efeitos das falhas da família, sociedade e Estado. Nesse sentido, ao receber a
apelação em seu efeito meramente devolutivo, torna-se possível o início da execução provisória da sentença,
circunstância que possibilita o atendimento célere à efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes,
segundo preceituam a doutrina da proteção integral, os princípios da prioridade absoluta e da pessoa em
desenvolvimento, que orientaram toda a elaboração do ECA. A um só tempo, cumpre também a exigência
constitucional da razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação,
consoante prevê expressamente o artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal e a própria Convenção
sobre os Direitos da Criança, que determina, em seu artigo 40, 2, III, “ter a causa decidida sem demora por
autoridade ou órgão judicial competente [...]”.
29
1 SENADO FEDERAL. Diário do Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 314/2004: Justificação. Brasília, 5 nov. 2004. p. 35145.
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Outro aspecto relevante é a consideração de natureza jurídica de antecipação de tutela, prevista no inciso VII do
artigo 520 do Código de Processo Civil, à decisão que decreta a internação provisória ou da medida
socioeducativa provisória quando preenchidos os requisitos constantes no caput e incisos do artigo 273 do
citado Código Processual. O ECA, ao exigir em seu parágrafo único do artigo 108, indícios suficientes de
autoria e materialidade e demonstração da necessidade imperiosa da medida para o decreto da internação
provisória, nada mais fez do que prever os próprios requisitos necessários à antecipação da tutela. (Nesse
sentido: HC 2010.3.008790-7, Desa. Vania Fortes Bitar, j. 26/7/2010; TJ-DF, HC 20100020115472HBC, 2ª
Turma, Des. Silvânio Barbosa dos Santos, j. 22/9/2010).
Merece destaque, a propósito, recente decisão proferida pela Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça
do Estado de Santa Catarina (HC 2010.058636-7, Des. Torres Marques) É notório que nos casos afetos à
Infância e Juventude a internação pode ser decretada desde o início do processo (art. 198 do ECA), ou seja,
quando ainda não há instrução probatória nem sentença. Todavia, a internação aplicada como medida
socioeducativa necessita de prova inquestionável quanto à materialidade e à autoria do ato infracional, bem
como do cumprimento dos requisitos do art. 122 do ECA. Dessa feita, entender que a internação aplicada como
medida socioeducativa apenas poderia ser irrogada após o trânsito em julgado e que a internação provisória
poderia ocorrer a qualquer tempo, não seria lógico. Se a legislação admite que o magistrado realize o menos
(conter provisoriamente o adolescente, sem a análise probatória), não seria razoável que o mesmo legislador
vedasse o mais (manter a contenção após a análise de todas as provas e conclusão sobre a responsabilidade do
adolescente).
Depreende-se, daí, que a revogação expressa do inciso VI do artigo 198 do ECA pela Lei Federal nº
12.010/2009 , consistiu apenas em não admitir, como regra geral, a atribuição de efeito suspensivo aos feitos
referentes à adoção, já que o artigo 199-A, acrescido pela citada alteração legislativa, passou a regrar os efeitos
imediatos da sentença que defira a adoção, atribuindo efeito exclusivamente devolutivo aos recursos de
apelação, exceto nas hipóteses de adoção internacional ou de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação
ao adotando.
Embora não tenha sido adotada a melhor técnica legislativa, é dever do intérprete preencher essa lacuna com as
normas do ECA e CPC e não admitir que uma lei específica de adoção altere toda a sistemática da apelação
infracional, que segue princípios e regras próprias, notadamente os princípios da brevidade e da atualidade.
Artigo publicado publicado na Revista Jurídica CONSULEX, ano XV, nº 336, 15 de janeiro de 2011, p. 62-
63, de autoria dos promotores:
Luciana Medeiros Costa – promotora de Justiça, Profª da Fundação Escola Superior do MDFT na área
infantojuvenil e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco
Renato Barão Varalda – promotor de Justiça, Coordenador da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude
do DF e mestre em Direito pela Universidade de Lisboa
30