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Stanislávski
Uma Introdução
Jean Benedetti
1
Jean Benedetti nasceu em 1930 e estudou na Inglaterra e na
França. Formou-se [He trained] como ator e professor no Colégio Rose
Bruford de Oratória e Teatro [Rose Bruford College of Speech and
Drama], retornando em 1970 como diretor do Colégio até 1987.
Ele é autor de uma série de peças televisivas de
semidocumentário. Suas traduções publicadas incluem Eduardo II
[Edward II] e Um Casamento Respeitável [A Respectable Wedding], de
Brecht e Um Passeio de Domingo [A Sunday Walk], de Georges Michel.
Seu primeiro livro foi uma biografia de Gilles de Rais. Em 1982, ele
publicou a primeira edição de Stanislávski: Uma introdução [Stanislavski:
An Introduction], que foi reeditado várias vezes. Stanislávski: Uma
Biografia [Stanislavski: A Biography] foi publicado pela primeira vez em
1988 e então, revisado e expandido. Subsequentemente ele publicou As
Cartas do Teatro de Arte de Moscou [The Moscow Art Theatre Letters],
em 1991 e Querido Escritor... Querida Atriz, as cartas de amor de Anton
Tchekhov e Olga Knipper [Dear Writer… Dear Actress, the love letters of
Anton Chekhov and Olga Knipper], em 1997. Stanislávski e o Ator
[Stanislavski and the Actor], um relato dos ensinamentos de Stanislávski
nos últimos três anos de sua vida, em seguida, em 1998.
De 1979 a 1987 ele foi presidente da Comissão de Ensino do
Teatro do Instituto Internacional de Teatro [Theatre Education Committee
of the International Theatre Institute] (UNESCO). Atualmente é professor
honorário no Colégio Rose Bruford [Rose Bruford College] e no Colégio
Edimburgo da Universidade Rainha Margaret [Queen Margaret University
College Edinburgh].
Faleceu em 27/03/2012. N.T.
2
Livros de Stanislávski
A PREPARAÇÃO DO ATOR
O MANUAL DO ATOR
A CONSTRUÇÃO DO PERSONAGEM
A CRIAÇÃO DO PAPEL
MINHA VIDA NA ARTE
STANISLÁVSKI NOS ENSAIOS
O LEGADO DE STANISLÁVSKI
STANISLÁVSKI NA ÓPERA
3
Stanislávski
Uma Introdução
Jean Benedetti
4
Um Livro Theatre Arts
Publicado nos EUA e no Canadá em 2004 pela
Routledge
Rua 35, 29 Oeste
Nova York, NY 10001
www.routledge-ny.com
Routledge é uma gráfica do Grupo Taylor & Francis.
Benedetti, Jean.
Stanislávski : uma introdução / Jean Benedetti.
Originalmente publicado: Nova York : Theatre Arts Books, 1982.
Inclui referências bibliográficas e índice.
ISBN 0-87830-183-6
1. Método (Atuação) 2. Stanislávski, Constantin, 1863-1938. I. Título.
PN2062.B46 2004
792.02'8--dc22
2004002061
5
[v] Conteúdo
Lista de Abreviaturas...................................................................................7
Introdução..................................................................................................10
1. Fundamentos.........................................................................................14
2. O Desenvolvimento do ‘Sistema’..........................................................37
3. Escrevendo o ‘Sistema’.........................................................................77
Apêndice 1...............................................................................................104
Apêndice 2...............................................................................................110
Índice de Tópicos....................................................................................111
6
[vi] Lista de Abreviaturas
De Stanislávski
De outros
7
[vii] Uma Breve Cronologia
8
1903 Interpreta Brutus em Júlio Cesar [Julius Caesar].
1904 Dirige a estreia de O Jardim das Cerejeiras [The Cherry
Orchard],* interpreta Gaev (Janeiro).
1905 Dirige Os Degenerados [Ghosts] * (Março) e estreia Os Filhos
do Sol [Children of the Sun] *, de Gorki (Outubro).
1906 Turnê do TAM pela Alemanha.
Crise de convicção.
Férias de verão na Finlândia. O começo do Sistema.
1907 Dirige O Drama da Vida [The Drama of Life], de Knut Hamsun
(Fevereiro) e A Vida do Homem [The Life of Man], de Andreiev
(Dezembro)
1909 Dirige Um Mês no Campo [A Month in the Country], interpreta
Rakitin (Dezembro).
1910 Interpreta [o General Krutitski] em Mesmo um homem Sábio
Tropeça [Enough Stupidity in Every Wise Man], de Ostrovski.
1911 Hamlet de Craig no TAM (Dezembro).
1915 Dirige e interpreta em Mozart e Salieri [Mozart and Salieri], e O
Cavaleiro Avarento [The Miser Knight] de Pushkin (Março).
1920 Dirige Caim [Cain], de Byron (Abril).
1922-3 Turnê [Norte] Americana.
1924 Edição [Norte] Americana de Minha Vida na Arte [My Life in Art].
1926 Edição Russa (revisada) de Minha Vida na Arte [My Life in Art].
1930 Escreve os planos de direção para Otelo.
1936 Edição [Norte] Americana de A Preparação do Ator [An Actor
Prepares], segunda edição Russa (revisada) de My Life in Art
[Minha Vida na Arte].
1938 Ensaia Tartufo [Tartuffe]. Morre antes da estreia.
Edição Russa de A Preparação do Ator [An Actor Prepares].
9
[ix] Introdução
10
tentativa [attempted]. Onde necessário, as linhas de questionamento são
seguidas fora da sequência cronológica. Quando certas posições básicas
às quais Stanislávski aderiu toda a sua vida estão em discussão, os
leitores irão, portanto, encontrar citações tiradas de diferentes períodos.
Sempre que possível, as citações são tiradas das edições em
Língua Inglesa. Há, contudo, diferenças substanciais entre os textos em
Inglês e a edição Soviética em oito volumes das Obras Completas
[Collected Works]. Onde uma escolha foi necessária, a edição Soviética
foi preferida. Um esboço das principais diferenças é dado no Apêndice.
Estou grandemente endividado com as sábias introduções aos volumes
individuais das Obras Completas de G. Kristi e V. H. Prokoviev. Também
fui muito ajudado por dois seminários sobre o Sistema Stanislávski
organizados pela Central Soviética do Instituto Internacional de Teatro
[Soviet Centre of the International Theatre Institute] em Outubro de 1979 e
Abril de 1981, quando foi possível consultar os principais diretores
soviéticos [leading Soviet directors], atores e professores sobre os
desenvolvimentos posteriores e o funcionamento dos métodos de
Stanislávski. Eu gostaria, além disso, de agradecer ao Professor Alexei
Bartoshevich, professor de História do Teatro no GITIS (Instituto Estatal
para as Artes Teatrais [State Institute for Theatre Arts]) por seus
generosos conselhos e orientação. Quaisquer mal-entendidos são, é
claro, inteiramente meus.
J.B.
11
certos aspectos do seu trabalho e [de sua] personalidade. Assim,
enquanto o principal argumento do livro permanece constante, parece
apropriado fornecer novos fatos significativos para modificar certos pontos
de ênfase.
J.B., Outubro, 1988
12
aqueles que eu usei em Stanislávski e o Ator [Stanislavski and the Actor]
e na biografia recentemente revisada, Stanislávski: Vida e Arte
[Stanislavski: His Life and Art]. Um novo Apêndice Dois discute o uso
variável dos termos pelo próprio Stanislávski.
13
[1] 1
FUNDAMENTOS
[Se não] fosse ‘natural’ de Stanislávski, de seu talento – alguns
diriam [de] sua genialidade [his genius] – como ator encontrar uma saída
espontânea, imediata, não haveria Sistema. Ele levou anos de
persistência, [de] esforço incessante para remover os bloqueios e
barreiras os quais inibiam a livre expressão de seus grandes dons. Sua
busca pelas “leis” da atuação foi o resultado dessa luta.
A carreira de Stanislávski pode ser descrita como a evolução
dolorosa de uma criança apaixonada pelo palco [stage-struck] num
maduro e responsável artista e professor. Ele permaneceu apaixonado
pelo palco [stage-struck] até o fim, adorando o cheiro da goma-espírito
[spirit-gum] e [da] maquiagem [grease-paint]. Seu entusiasmo com o
teatro, com a representação/atuação [play-acting] manteve sua mente
fresca e aberta a novas ideias até o fim. Ao mesmo tempo, o teatro era,
para ele, um assunto da mais alta seriedade, tanto artística quanto moral.
Foi uma atividade disciplinada a qual exigiu dedicação e treinamento. O
que recebemos como o Sistema se originou de sua tentativa de analisar e
monitorar seu próprio progresso como artista e suas tentativas de
alcançar suas ideias como ator e encontrar seus próprios padrões de
desenvolvimento, e é ainda mais valioso por ter nascido de atividade
concreta uma vez que as soluções que ele encontrou foram vividas e não
o resultado de [2] especulação ou teoria abstrata. O Sistema é sua prática
examinada, testada e verificada. Embora ele tenha recebido ajuda de
atores e diretores ao longo do caminho, o Sistema é essencialmente
[uma] criação própria de Stanislávski. Pois, uma vez que os outros
podiam definir para ele os resultados que eram exigidos, eles não
poderiam definir o processo pelo qual aqueles resultados podiam ser
alcançados. Isso ele tinha que fazer por si mesmo. Minha Vida na Arte
A numeração entre colchetes de [1] a [112] é relativa aos números das páginas no
documento original. N. T.
14
[My Life in Art] é a história (nem sempre precisa) de seus fracassos;
falsos começos e sucessos.
Stanislávski nasceu em 1863, o segundo filho de uma família
devotada ao teatro. Ele fez sua primeira aparição no palco aos sete anos
de idade em uma série de tableaux vivants organizados por sua
governanta para celebrar o dia do nome de sua mãe. Quando ele tinha
quatorze anos seu pai transformou uma construção em sua propriedade
rural em Liubimovka em um teatro bem equipado. Mais tarde, um
segundo teatro foi construído na casa da cidade, em Moscou. A
verdadeira estreia de Stanislávski como ator foi em Liubimovka, em
Setembro de 1877, quando quatro peças de um ato, dirigidas por seu
tutor, foram encenadas para inaugurar o novo teatro. Como resultado
daquela noite, um grupo amador, o Círculo Alexeiêv, foi formado,
composto dos irmãos e irmãs de Stanislávski, [seus] primos e um ou dois
amigos.
É nesta data que se pode dizer que começou conscientemente a
carreira artística de Stanislávski. Durante o período de 1877 a 1906, o
qual ele descreve como sua Infância e Adolescência, ele encontrou os
problemas fundamentais de atuação e direção os quais ele resolveu tão
bem quanto pode.
Ele passou o dia daquele 05 de Setembro, de acordo com sua
própria narrativa [account], em um estado de excitação extrema,
tremendo todo em sua ânsia de subir no palco [to get on stage]. Na
ocasião [In the event] a [3] performance produziu mais perplexidade do
que satisfação. Ele apareceu em duas das peças, Uma Xícara de Chá [A
Cup of Tea] e O Velho Matemático [The Old Mathematician]. Na primeira,
ele se sentiu completamente à vontade. Ele foi capaz de copiar a
performance de um ator famoso que ele tinha visto, até o último detalhe.
Quando a cortina caiu ele estava convencido de que havia dado uma
esplêndida performance. Ele foi logo desiludido. Ele tinha sido inaudível.
Quadros vivos. Em Francês, no original. N. T.
Alexeiêv era o nome de família. Stanislávski era um nome artístico.
SS. Vol. 1, pp. 53-153.
15
Ele balbuciou e suas mãos estavam num tal estado de constante
movimento que ninguém podia acompanhar o que ele estava dizendo. Na
segunda peça, a qual lhe tinha dado muito mais problemas nos ensaios,
ele foi, em comparação, muito melhor. Ele estava sem saber [He was at a
loss] [como] resolver a contradição entre o que ele sentia e o que o
público tinha experimentado. Como ele podia sentir-se tão bem e atuar
tão mal? Sentir-se tão desconfortável e ser tão eficaz?
Sua resposta ao problema foi crucial. Ele começou a manter um
caderno de anotações [notebook], no qual ele registrou suas impressões,
analisou suas dificuldades e esboçou soluções. Ele continuou esta prática
ao longo de sua vida, de modo que os Cadernos de Anotações
[Notebooks] abrangem cerca de sessenta e um anos de atividade. É
característico de Stanislávski que ele nunca tenha se esquivado de
contradições ou recusado o paradoxal. Ele trabalhou através deles.
Suas frequentes visitas ao teatro lhe proporcionaram modelos e
exemplos. No Teatro Maly – sua ‘universidade’ – como ele o chamou –
ainda havia os sobreviventes de uma outrora grande companhia. Ele
também foi capaz de ver os artistas estrangeiros tais como Salvini e
Duse, que apareceram em Moscou durante a Quaresma, quando os
atores russos eram proibidos pela igreja de representar. O contraste entre
a facilidade, a naturalidade e o fluxo do ator de gênio e seus próprios
esforços desesperados, ou tagarelando [4] inaudivelmente ou gritando, ou
rígido de tensão ou com os braços de todo agitados, fez um profundo
efeito sobre ele. Eles criavam, ele podia somente imitar mais ou menos
bem o que os outros tinham feito antes. A tentativa de descobrir em que
consistia a ‘naturalidade’ do grande ator é a semente da qual o Sistema
germinou.
Extratos dos Cadernos de Anotações estão publicados em Atores em Atuação [Actors
on Acting], de Cole e Chinoy (ed.) pp. 485-90.
16
Escola de Teatro
Em 1885, aos vinte e dois anos de idade Stanislávski entrou numa
escola de teatro. A experiência durou três semanas. Sua rápida partida foi
causada em parte pelo fato de que ele não podia comparecer em tempo
integral. Ele terminou cedo seus estudos e foi para o negócio [business]
têxtil da família. Ele nem sempre podia ficar longe do escritório. Mais
importante, porém, foi seu rápido reconhecimento do fato de que a escola
não podia lhe dar o que ele estava procurando – um método de trabalho
devidamente pensado, um meio de aparelhar sua própria criatividade
natural. Não só a escola falhou em fornecer tal método, ela não podia
sequer conceber que tal método existisse. Tudo que seus professores
podiam fazer era indicar os resultados que eles queriam, não os meios
para alcançá-los. Na melhor das hipóteses, eles podiam passar os
truques técnicos que eles mesmos haviam adquirido.
O jovem Stanislávski precisava de orientação e disciplina severas.
A maior barreira para o seu desenvolvimento como um artista era sua
imagem de si mesmo como ator. Ele via a si mesmo continuamente em
arrojados papéis ‘românticos’. Foi o que ele mesmo definiu como seu
problema das ‘botas Espanholas’. Botas Coxa/de cano alto [Thigh boots],
uma espada e um manto eram fatais para ele. Qualquer progresso que
ele pudesse ter feito rumo à verdade e à naturalidade eram
imediatamente eliminados. Ele tornava-se um estereótipo da comédia-
musical – todo arrogante e bombástico. A única professora na escola de
teatro que poderia ter sido de alguma ajuda para ele, Glikeria Fedotova,
deixou-a aproximadamente ao mesmo tempo em que ele o fez. Ele foi
afortunado o suficiente para encontrá-la [5] novamente mais tarde, assim
como ao seu marido, num momento crítico em sua carreira.
Um Teatro em declínio
O Teatro Russo no último quarto do século XIX estava em mau
estado [poor state]. Havia as grandes estrelas do Teatro Maly a quem
Stanislávski descreve em termos de tamanha admiração e afeição, mas
17
eles eram principalmente da geração mais velha e estavam cercados de
mediocridade. O monopólio dos teatros imperiais tinha sido abolido em
1882. Posteriormente gerências comerciais investiram nas peças para
obter lucros rápidos. Como Stanislávski observou, o teatro foi controlado
por atendentes de bar [barmen] de um lado e por burocratas do outro.
Alguns poucos indivíduos brilhantes reluziam aqui e ali.
De um modo geral, a observação da prática profissional só poderia
mostrar a Stanislávski o que evitar. Em um manuscrito não publicado ele
descreve um típico período de ensaio. Primeiro vinha a leitura e a seleção
dos vários papéis. Alguma discussão do significado da peça era
supostamente para acontecer, mas geralmente não havia tempo
suficiente. Aos atores era deixado que encontrassem o seu próprio
caminho. Então vinha o primeiro ensaio.
18
No próximo ensaio espera-se que os atores representem a plena
voz. Então começam ensaios gerais com maquiagem, figurino e o
cenário. Finalmente, há a apresentação [performance].
KSA. nº. 1353 pp. 1-7. O ponto aqui fala o texto continuamente, como na ópera. A caixa
é colocada ao centro na frente do palco em nível com a ribalta.
MVTR. pp. 96-8.
19
imposta por dois homens de gênio, o ator Mikhail Shchepkin e o escritor
Nikolai Gogol. Os atores que Stanislávski tanto admirava eram
impressionantes não somente porque eles tinham talento, mas porque
eles tinham sido treinados/formados [trained] na escola, onde foram
dados os primeiros passos na direção de um teatro genuinamente Russo
e na criação de um estilo genuinamente Russo – o Realismo.
Shchepkin
Mikhail Shchepkin (1788-1863) nasceu um servo na propriedade do
Conde Wolkenstein. Era prática comum entre os membros da aristocracia
Russa no século XVIII criar companhias de atores compostas por seus
servos mais talentosos. Esses servos não raramente recebiam uma
educação ao mesmo nível dos filhos de seus senhores.
O estilo de atuação predominante era ainda mais
convencionalizado do que durante a juventude de Stanislávski. Os atores
entoavam suas [8] falas num tom altamente declamatório [high
declamatory tone]. De acordo com as Memórias de Shchepkin
[Shchepkin’s Memoirs],
Shchepkin, Mikhail, Vida e Criatividade [Zhizn í Tvorchestvo] Vol. 1, p. 104 (Moscow
1984).
20
As convenções da encenação eram igualmente rígidas. A área de
atuação era dividida em duas partes, fundo do palco e frente do palco,
uma móvel, a outra imóvel. A área imóvel, onde os atores posavam
impressionantemente, era reservada para os personagens aristocráticos,
cuja casa era representada naquele lado do palco. A área móvel era o
domínio dos personagens vindos do mundo exterior, das ordens
inferiores, cujos modos de sair eram mais agitados, ou seja, menos
dignos. Alternativamente, o palco podia ser dividido horizontalmente, da
esquerda para a direita; os papéis principais à frente do palco, os papéis
de apoio ao centro, os papéis menores ao fundo do palco.
Estas eram as convenções nas quais Shchepkin, que apresentou
talento precoce, foi educado. Em 1810, no entanto, ele viu [9] o príncipe
Meshcherski numa comédia de Soumarov, O Dote Suposto [The
Supposed Dowry]. O estilo de atuação do príncipe era muito diferente do
restante do elenco. Havia uma quase total ausência de gestos e sua
saída era natural. Shchepkin registrou em suas Memórias [Memoirs] que
ele não ficou, a princípio, impressionado. Isso não era ‘atuar’. Era muito
parecido com a vida real. E ainda assim, houve momentos
impressionantes.
Shchepkin, op. cit, pp. 102–3.
21
imitar o príncipe se não pudesse criar o processo interior pelo qual
Meshcherski tinha alcançado seus resultados.
Um acidente veio para o [seu] resgate. Um dia ele estava
ensaiando Sganarelle de Escola de Maridos [School for Husbands], de
Molière. Ele estava cansado e esgotado de energia e começou a ‘só dizer’
as falas. O resultado foi uma revelação.
Ibid., p. 104.
Maly (Pequeno), em oposição à Bolshoi (Grande), onde eram apresentados Ópera e
Ballet.
22
seriedade. Ele aponta a diferença entre o que Stanislávski veio a chamar
a personalidade ator, que é sempre e somente ele mesmo, e o
personagem ator, que tenta entrar na pele do personagem. Ele também
estabelece a ligação [11] essencial entre o social e o pessoal, entre a
capacidade do ator de estar aberto para o mundo à sua volta e o criar
seres humanos em particular. Ele esboçou seus pontos [de vista] em uma
carta para a atriz Aleksandra Schubert, em Março de 1848:
...Um ator não chora no palco, mas dá, por assim dizer, uma
aparência de lágrimas, [e] faz o público chorar, outro ator se banha
em lágrimas amargas, mas o público não compartilha seus
sentimentos. Pode-se então concluir que os sentimentos reais não
são necessários no teatro, um artifício meramente frio, o ofício do
ator? Posso estar errado, mas não! Como posso expressar meus
pensamentos mais claramente? Por exemplo, uma pessoa que foi
dotada pela natureza com uma alma que tem uma afinidade natural
com tudo o que é belo e bom; tudo o que é humano é caro a ele,
ele não se distingue. Não importa com quem ele esteja, qualquer
que seja sua posição na vida, ele sente suas alegrias e aflições, ele
é apaixonado em sua compreensão como se ele mesmo estivesse
preocupado e por isso ele irá chorar e rir com eles. Outro homem,
muito mais ligado a si mesmo, mais autocentrado, vive no mundo
encontrando a tristeza e o riso a cada passo mas só vai participar
de um ou outro na medida em que ele estiver ligado socialmente às
pessoas envolvidas, ou porque é útil expressar sua simpatia [...];ele
irá lamentar com alguém de quem tenha sido roubado mil rublos
mas nunca entraria em sua cabeça o quanto é custoso para um
mendigo perder seu último rublo; ele irá lamentar com algum nobre
cuja esposa foi seduzida mas ele não levantará uma sobrancelha,
se ele for informado de que este nobre tenha cruzado seu caminho
com a mulher de seu cocheiro. Essas pessoas julgam tudo
friamente mas de modo a não se revelarem como os egoístas que
são, eles dão uma mostra de preocupação, como se fosse uma
preocupação real, e uma vez que estão sempre calmos e serenos
se expressam com [12] grande clareza. É o mesmo no teatro: é
muito mais fácil transmitir tudo mecanicamente, por que tudo que
você precisa é de razão e, pouco a pouco, sua razão irá se
aproximar da alegria e da tristeza na medida em que uma imitação
pode aproximar-se do item/artigo [article] genuíno. Mas [com] um
ator de coração aberto, é outra questão; tarefas indescritíveis se
esperam dele: ele deve primeiro começar por anular a si mesmo
[blotting himself], sua própria personalidade, sua própria
individualidade, e se tornar o personagem que o autor tenha dado a
ele; ele deve andar, falar, pensar, sentir, chorar, rir do jeito que o
23
autor quer dele – e você não consegue fazer isso se não tiver se
anulado [blotted yourself out]. Você vê o quão mais significativo é
este tipo de ator! O primeiro tipo meramente finge, o segundo é a
coisa real.
Gogol
Ele encontrou um aliado natural em Gogol (1809-1852). Na
verdade era tal [a] afinidade de seus pontos de vista que é uma questão
Shchepkin, op. cit., pp. 199-200.
24
de disputa acadêmica sobre quem mais influenciou quem. O próprio
Gogol era um ator extremamente talentoso. Significativamente, ele
fracassou num teste [audition] para o Teatro Imperial porque seu
desempenho foi muito simples, muito ‘real’.
Ator e autor, fez causa comum contra o repertório corrente [current]
que consistia principalmente de imitações do teatro Francês. Eles
conseguiram através de seu trabalho no Maly criar um teatro o qual tinha
algo a dizer sobre a sociedade Russa contemporânea e um estilo de
atuação que se baseou na verdadeira observação e não na convenção.
Gogol expressou suas ideias no Observações de [São]
Petersburgo [Petersburg Notes] de 1836, [no] seu Conselho Àqueles que
Querem Representar ‘O Inspetor Geral’ Como Ele Deveria Ser
Representado [Advice to Those Who Would Play ‘The Government
Inspector’ as It Ought to be Played] (c. 1846) e em suas cartas.
Ele disse do repertório contemporâneo:
O Teatro de Nikolai Gogol, pp. 166-7.
25
somente uma caracterização/representação fiel [faithful rendering]
dos personagens – não características em geral estereotipadas,
mas em formas nacionais tão marcantes em sua vitalidade que
somos compelidos a exclamar: ‘Sim, essa pessoa parece-me
familiar’ – somente tal caracterização/representação [only such a
rendering] pode ser de verdadeira utilidade [can be of genuine
service]. ... Nós transformamos o teatro num brinquedo
[plaything]... algo como um chocalho/guizo [rattle] usado para atrair
as crianças, esquecendo-se de que ele é uma tribuna a partir da
qual uma lição viva é dita para uma multidão inteira...
Ibid.
Nikolai Gogol, pp. 169-70.
26
É essencial que você repasse [replay] cada papel, mesmo que
apenas mentalmente; que você sinta a unidade da peça e a leia
aos atores várias vezes, para que eles possam involuntariamente
assimilar o verdadeiro significado de cada frase..., apresente... os
atores à própria essência de seus papéis, para um compasso
respeitável e correto em seu discurso/sua fala [to a dignified and
correct measure in their speech] – você entende? – uma nota falsa
não deve ser ouvida. ... Extirpe a caricatura completamente e leve-
os a compreender que um ator não deve apresentar, [16] mas
transmitir. Ele deve, antes de tudo, transmitir as ideias,
esquecendo-se as esquisitices e peculiaridades da pessoa.
Realismo
Stanislávski não fornece qualquer explicação ordenada do modo
pelo qual ele tornou-se familiarizado com os ensinamentos de Shchepkin.
Shchepkin está em Minha Vida na Arte [My Life in Art] como uma
presença que a tudo permeia. Nas páginas 85-6 há uma citação
substancial de uma carta ao ator Shumsky em que Stanislávski descreve
como sendo de ‘enorme, importância prática’. Nos Arquivos Stanislávski
uma edição copiosamente anotada das Cartas de Shchepkin está
[disponível] para ser pesquisada/encontrada [is to be found]. Em 1908, no
décimo aniversário do Teatro de Arte de Moscou, Stanislávski reafirmou
publicamente a sua intenção de continuar no caminho trilhado por
Shchepkin. Ao fazê-lo ele colocou-se lado a lado com Gogol, Ostrovski e
a tradição Realista.
A atividade madura de Stanislávski somente pode ser entendida se
ela for vista como enraizada na convicção de que o teatro é um
instrumento moral, cuja função é civilizar, incrementar a sensibilidade,
elevar a percepção e, em termos agora possivelmente fora de moda para
nós, enobrecer a mente e elevar o espírito. O melhor método de atingir
esse fim foi a adesão aos princípios do Realismo. Foi mais do que uma
Shchepkin op. Cit., p. 177.
27
questão de preferência estética ou uma predileção por um ‘estilo’ acima
dos outros ‘estilos’. Foi uma questão de afirmar a primazia do conteúdo
humano do teatro acima de outras considerações, do [17] conteúdo sobre
a forma. Stanislávski foi implacavelmente contrário às convenções sem
sentido, ao ‘Teatro’ no teatro, o que ele odiava. Ele não se opôs menos,
mais tarde na vida, aos experimentos de vanguarda [avant-garde], os
quais ele considerava terem reduzido o ator a um objeto mecânico. Atores
desumanizados levam a percepções desumanas.
É importante definir o que Stanislávski entendia pelo termo
Realismo e distingui-lo do Naturalismo, uma palavra que ele normalmente
empregava num sentido puramente pejorativo. O Naturalismo, para ele,
implicava a reprodução indiscriminada da superfície da vida. O Realismo,
por outro lado, ao passo que obtém seu material do mundo real e da
observação direta, seleciona apenas aqueles elementos que revelam as
relações e tendências que se encontram sob a superfície. O restante é
descartado. Falando ao elenco de A Desgraça de ter Espírito [ou Ai de
Mim, Woe from Wit] em 1924, em termos que ecoam de perto Gogol,
Stanislávski disse:
SD. p. 143.
28
[18] Eu quero que você se lembre desta regra teatral fundamental:
estabeleça verdadeiramente e com precisão os detalhes que são
típicos e o público terá uma noção do todo, por causa de sua
habilidade especial para imaginar e completar na imaginação o que
você sugeriu.
Mas o detalhe deve ser característico e típico de tudo o que você
quer que o público veja. É por isso que o Naturalismo é venenoso
para o teatro. O Naturalismo distrai/ilude [cheats] o público de seu
principal prazer e de sua satisfação mais importante, aquela de
criar com o ator e completar na sua imaginação o que o ator, o
diretor e o cenógrafo [designer] sugerem com suas técnicas.
SD. p. 333.
Evreinov, História do Teatro Russo [Istorija Russkogo Teatra] (Bradda Books), p. 172.
29
Então, considere bem, se temos o direito de acertar as contas
com eles contando-lhes apenas uma anedota engraçada. ... Eu
senti que as pessoas a quem eu tinha visto na praça mereciam
muito mais do que tínhamos preparado para elas.
SNE. pp. 200-1.
SS. Vol. 1, p. 250.
30
E ainda na mente de Stanislávski e na mente do restante do elenco
não havia nenhuma conexão consciente entre os eventos da peça e da
situação política atual.
[21] Para uma peça social e política ter um efeito sobre o público, o
segredo para o ator não é pensar o mínimo possível das intenções
sociais e políticas da peça, de modo a ser perfeitamente sincero e
perfeitamente honesto?
Quando, quatro anos depois, ele veio a dirigir Ralé (No fundo) [The
Lower Depths, também conhecida por O Submundo], de Gorki ele adotou
a abordagem oposta. O resultado foi, em sua opinião, um fracasso. Ele
estava muito consciente da importância política e social da peça e nada
[disso] ia para a ribalta/o palco [and nothing got over the footlights]. Assim
ele concluiu que a tarefa do ator era apresentar um personagem
totalmente bem acabado/arredondado [fully rounded]; que era trabalho do
público encontrar o significado político. Isso eles irão inferir da totalidade
da montagem [This they would derive from the total production]. Conforme
amadureceu e se desenvolveu, Stanislávski se convenceu da
necessidade de uma análise ideológica do texto [script] e por uma
consciência do público para o qual a performance era concebida, mas, em
termos de montagem, esta análise tinha que expressar a si nas condições
Ibid.
SS. Vol. 1, p. 251.
MVA. pp. 406-7.
31
da ação concreta – os movimentos, atitudes, as palavras – não em
comentário ostensivo.≠ O significado dos eventos apresentados no palco
deve ser transparente. O público deve ser capaz de ver e entender o
comportamento dos personagens, as razões para suas ações e decisões
e, ao mesmo tempo participar no processo, vivendo a ação com eles. £
Um teatro concebido não como uma vitrine histriônica [histrionic
showcase], mas como um lugar em que para possibilitar o entendimento,
exige que o ator veja a si mesmo e sua contribuição criativa particular
como parte de um conjunto [ensemble]. Em 1890 Stanislávski viu a
companhia Meiningen da Alemanha em sua segunda turnê pela Rússia.
[22] Inexplicavelmente ele tinha perdido sua primeira turnê em 1885. Lá
ele viu o que uma companhia disciplinada poderia alcançar. Os atores,
em geral, eram medíocres. Ostrovski, ao escrever da primeira turnê foi
altamente crítico. Stanislávski, no entanto, ficou impressionado com a
coerência da montagem de Júlio César [Julius Caesar], que ele viu e, em
especial, pela eficácia das cenas de multidão. Grande parte do sucesso
deve-se à mão de ferro com que o diretor, Chronegk, comandava [ruled]
seus atores. A performance era criada a partir da vontade e da concepção
do diretor, não pela energia criativa dos atores. Foi um exemplo tentador,
mas altamente perigoso. Foi, no entanto, um dos poucos exemplos
disponíveis.
Se fosse esperado muito dos atores em termos de aplicação,
dedicação e disciplina, Stanislávski percebeu que era importante que eles
fossem tratados com respeito e que lhes fossem dadas condições dignas
para trabalhar. Em suas primeiras incursões no teatro profissional ele
ficou estarrecido com o estado imundo do teatro e da natureza primitiva
dos camarins. Esta foi uma situação a qual ele rapidamente colocou
direito/colocou em ordem/endireitou/acertou [put to rights].
≠
SD. pp. 134-8.
£
SD. p. 45.
32
O Teatro de Arte de Moscou (TAM)
Stanislávski chegou à maturidade intelectual e artística nos 14 anos
entre 1883, quando tinha vinte e 1897, quando ele tinha trinta e quatro
anos. Isto foi em grande medida devido ao trabalho que ele realizou com
a Sociedade de Arte e Literatura, a qual ele fundou com um grupo de
amigos em 1888. As ideias que ele desenvolveu durante esse período
foram finalmente consagradas na política do Teatro de Arte de Moscou
(TAM).
[23] Em Junho de 1897 Stanislávski recebeu duas cartas de
Vladimir Nemirovitch-Dantchenko sugerindo uma reunião. Ele respondeu
por telegrama: ‘Seria um prazer encontrá-lo dia 21 de Junho às 14 horas
no Bazar Slavianski [Slavyanski Bazaar]’. A discussão durou 18 horas
terminando na casa de campo [villa] de Stanislávski, às oito horas da
manhã seguinte, tempo no qual a política do TAM tinha sido amplamente
trabalhada.
Nemirovitch-Dantchenko (1858-1943) era um dramaturgo de
sucesso. Em 1896 ele ganhou o prêmio Griboiedov por O Mérito da Vida
[The Worth of Life], embora tenha protestado que o prêmio deveria ter ido
para A Gaivota, de Tchekhov, que tinha acabado de receber sua estreia
desastrosa no Teatro Alexandrinski em [São] Petersburgo. As peças de
Nemirovitch eram regularmente apresentados no Maly. Em 1890 ele foi
convidado a assumir as aulas de atuação na escola Filarmônica
[Philharmonic school]. Entre seus alunos estavam Olga Knipper, [que]
mais tarde seria a esposa de Tchekhov, Meyerhold e Ivan Moskvin.
Nemirovitch compartilhou a insatisfação de Stanislávski com o estado do
Teatro Russo. Os dois homens tinham chegado a conclusões idênticas
sobre as reformas que eram necessárias. Era lógico que eles deveriam se
encontrar. No entanto, inicialmente, Nemirovitch tinha reservas.
Stanislávski era rico, ele parecia interpretar qualquer coisa e tudo, e
também dirigia. E se ele não fosse mais do que um diletante rico, cujo
Veja o Capítulo Dois.
MVTR. p. 75.
33
único desejo era monopolizar todos os papéis principais? Nemirovitch foi
tranquilizado porém pelo fato de que Fedotova, que até então tinha
trabalhado com Stanislávski e em cujo julgamento ele confiava, se referiu
carinhosamente a ele como seu ‘Kostia’.
Nemirovitch deixou uma descrição muito mais detalhada da reunião
de dezoito horas do que o próprio Stanislávski. Nela ele [24] descreve
não só as decisões que tomaram, mas os abusos contra os quais eles
estavam reagindo. O próprio Stanislávski posteriormente comparou o
escopo de suas discussões ao Tratado de Versalhes. Nemirovitch fala de
seu prazer em descobrir que eles compartilhavam um método de trabalho
comum – discussões detalhadas e leitura seguida de ensaio
meticulosamente demorado [slow meticulous], parte por parte.
O TAM era mais do que a culminação das aspirações de dois
homens; ele era a personificação das reformas que Pushkin, Gogol,
Ostrovski e Shchepkin haviam defendido a mais de três quartos de
século. Ele trouxe à fruição os sonhos e ideais do passado e quebrou,
finalmente, com a cansada rotina [tired routine] e os clichês desgastados
que sufocavam qualquer impulso criativo.
A primeira preocupação foi a de criar um verdadeiro conjunto
[ensemble], sem estrelas – ‘Hoje Hamlet, amanhã um extra’. Atores
egocêntricos [selfcentred], falsos e histriônicos foram rigorosamente
excluídos. Todas as produções eram para ser criadas a partir do zero
[from scratch], com seus próprios cenários e figurinos. As condições de
trabalho eram para ser decentes e confortáveis. A disciplina era para ser
rigorosa, tanto para o elenco – sem conversas nos corredores durante
uma apresentação – quanto para o público. Ninguém estava autorizado a
ficar nos bastidores durante a apresentação e os espectadores deveriam
ser encorajados a tomar os seus lugares antes que a cortina subisse.
Com o passar do tempo, se fazia os retardatários esperarem o intervalo
antes de serem admitidos. A orquestra, que era uma característica regular
na maioria dos teatros, foi abolida como uma distração desnecessária.
MVTR. pp. 79-113.
34
Quando o teatro original foi construído, o auditório foi despojado de
toda a decoração para que a máxima concentração do público pudesse
ser direcionada para o palco. Tudo, [25] incluindo a administração, era
subordinado ao processo de criação. Nemirovitch tinha muitas
lembranças desagradáveis da burocracia dos teatros imperiais.
Foi acordado que a responsabilidade pela política artística deveria
ser dividida entre os dois homens. Stanislávski teria a última palavra em
todas as questões relacionadas com a montagem, Nemirovitch em todas
as questões relativas ao repertório e aos textos [scripts]. Como
Nemirovitch colocou, eles dividiram entre eles a forma e o conteúdo.
Por fim, havia a questão do tipo de público que eles queriam atrair.
Nenhum deles tinha muito tempo para o público da moda de Moscou
[fashionable Moscow audiences]. Ambos queriam um teatro popular que
iria cumprir a sua missão de esclarecer e educar as pessoas.
Originalmente eles planejaram chamar o seu novo teatro de Teatro de
Arte de Moscou Aberto a Todos [Moscow Art Theatre Open to All]. Eles
esperavam evitar problemas com a censura ao não usarem a palavra
‘popular’. Mas seus sonhos de oferecer apresentações gratuitas ao
público da classe trabalhadora logo fracassou. Havia um censor
específico para todas as peças apresentadas aos trabalhadores. Isso
significava que os textos eram censurados [clearing scripts] por não
menos do que quatro censores diferentes. Nemirovitch foi quem de fato
alertou que se eles persistissem na sua ideia de apresentar sessões
especiais aos trabalhadores ele estaria suscetível de ser preso. O plano
[scheme] foi abandonado e o nome abreviado simplesmente para Teatro
de Arte de Moscou.
A importância da política do novo teatro não estava na
originalidade de qualquer dos seus membros [elements], mas na sua
unidade orgânica. A Companhia Meiningen havia mostrado que a atuação
em conjunto [ensemble playing] podia ser alcançada. Em suas viagens à
França em nome da empresa da família, Stanislávski tinha visto o
MVTR. pp. 181-2.
35
trabalho de Antoine e seu Théâtre Libre. Strindberg tinha publicado seus
[pontos de] vista sobre [26] o teatro íntimo [intimate theatre]. Pesquisas
cuidadosas de cenários e figurinos não eram desconhecidas na Europa
Ocidental. A conquista do TAM foi integrá-los, consciente e
deliberadamente, e em última instância criar um estilo de atuação no qual
o elemento dominante era a verdade humana.
36
[27] 2
O DESENVOLVIMENTO DO ‘SISTEMA’
Até o momento em que veio a fundar o TAM, Stanislávski tinha se
tornado um destacado [outstanding] ator e diretor de seu tempo. Seu
próprio relato do início de sua carreira em Minha Vida na Arte [My Life in
Art] deve ser lido com cautela. Mais do que uma autobiografia, ele é uma
justificação do Sistema. Suas realizações anteriores ao nascimento do
Sistema em 1906 foram, portanto, minoradas e é difícil obter propriamente
qualquer sentido da grande [very great] eminência que ele tinha
alcançado até ao final do século. Por mais de uma vez ele foi convidado a
participar do Maly e recusou, mas, no entanto, fez aparições como
convidado com os membros mais destacados da companhia. Muitos de
seus contemporâneos viam nele um homem com o talento e a visão para
levar adiante a grande tradição de Shchepkin, Gogol e Pushkin e
revitalizar o Teatro Russo.
Ele tinha trabalhado duro durante os 14 anos que separam o seu
curto período na escola de teatro e seu encontro histórico com
Nemirovitch. Em seu relato deste primeiro encontro, Nemirovitch
descreve-o como dando uma impressão de elegância [graceful] e
ociosidade [careless ease]. [Não] havia, além disso, nada de ‘ator’ [28]
nele, nem a voz empostada [overpitched voice] nem a extravagância dos
modos. Ele se comportou como um ser humano normal.
Este destensionamento/relaxamento [relaxation] foi conseguido
com dificuldade. Stanislávski era muito alto e, em sua juventude, inábil e
desajeitado. Ele criou uma técnica externa para si mesmo, analisando
continuamente suas próprias falhas, localizando os seus problemas – a
tensão física, a falta de resistência vocal, a falta de controle em geral
sobre suas ações – e trabalhou sobre elas. Os exercícios vocais, as horas
gastas na frente de um espelho são descritas quase dolorosamente em
Minha Vida na Arte [My Life in Art].
MVTR. pp. 80-1.
37
Houve, no entanto, problemas mais fundamentais relativos à sua
abordagem geral da arte da atuação sobre os quais ele recebeu ajuda de
outras pessoas: primeiro [com] sua falta de método, qualquer método, na
sua interpretação [playing] de um papel; [e em] segundo sua
suscetibilidade ao cliché teatral tão logo ele começasse a ensaiar.
Qualquer que fosse sua percepção intelectual da necessidade por
realismo, por verdade, por honestidade, por observação, inúmeras vezes
ele recairia em fórmulas padrão [time and time again he would fall back on
standard formulae]. No entanto ele foi muito ajudado na resolução destes
problemas por Glikeria Fedotova, a quem ele tinha encontrado
rapidamente na escola de teatro, e por seu marido, um renomado ator e
diretor.
Foi de Fedotova que Stanislávski aprendeu algo em primeira mão
de Shchepkin. Ela tinha sido uma das alunas de Shchepkin e Stanislávski
relata algumas das experiências dela em Minha Vida na Arte [My Life in
Art]. Ele a encontrou novamente em 1888 quando participou de uma
montagem beneficente juntamente com diversos atores do Maly. Este foi
seu primeiro encontro com profissionais e ele o achou desconcertante.
Ele não podia igualar [match] sua energia, preparação e disciplina. Sentia
fora de seu alcance. Ele confidenciou suas dificuldades para Fedotova e
ela respondeu, sem [29] maldade no entanto que, como ator, ele era uma
bagunça. Ela sugeriu que trabalhar mais frequentemente com ela e seus
colegas iria ajudá-lo a aprender.
Ele teve a sorte de encontrá-la novamente mais tarde no mesmo
ano. Seu marido, Fedotov, tinha recentemente retornado de Paris, onde
esteve ativo por alguns anos, e agora estava ansioso para reestabelecer-
se com o público Russo. Ele decidiu dirigir duas peças, Os Litigantes [Les
Plaideurs], de Racine, em sua própria tradução, e Os Jogadores [The
Gamblers], de Gogol. Uma série de atores amadores, incluindo
Stanislávski, foram convidados a participar. A experiência foi decisiva.
Stanislávski sentiu que não podia mais continuar a trabalhar com grupos
amadores. Fedotov conduziu-o pela mão, demonstrou a ele os elementos
38
de seu papel, e obrigou-o a entrar em contato mais próximo com a
realidade.
Da reunião de um grupo de atores e artistas fora dessa
oportunidade veio a Sociedade de Arte e Literatura [Out of this chance
coming together of a group of actors and artists came the Society of Art
and Literature]. A companhia queria ficar junto. O próprio Stanislávski
estava em uma ponta solta [at a loose end]. O grupo familiar, o Círculo
Alêxeiev, tinha chegado a um fim natural. Casamento, filhos e
responsabilidades familiares deixaram pouco tempo para o teatro amador
[for amateur theatricals]. A experiência de Stanislávski com outros grupos
amadores tinha sido desastrosa. Por uma feliz coincidência o negócio da
família teve um ano particularmente bom e Stanislávski recebeu um extra
de $25-30.000 Rublos. Isso ele usou para adquirir e redecorar as
instalações para a Sociedade.
Durante os dez anos de existência da Sociedade, Stanislávski foi
confrontado com um repertório de muito maior substância do que ele
havia encontrado até aí – Pushkin, Molière, Ostrovski, Shakespeare. Até
então sua experiência tinha sido principalmente nas formas mais leves.
Ele esteve sucessivamente [30] fascinado pelo circo, [pela] farsa
Francesa, [pela] opereta, [pelo] vaudeville e [pelo] ballet. O novo material
revelou sua falta de método e [de] técnica ainda mais claramente.
A montagem de Fedotov de Georges Dandin para a Sociedade em
1888 foi de importância crucial para o seu desenvolvimento artístico. Ele
tinha visto muitas montagens de Molière em Paris. Ele chegou, fiel à
forma, para o ensaio com cada cliché conhecido, com cada estereótipo
disponível, toda a ‘orquestração’ como colocou Fedotov. Ele foi
ridicularizado/zombado [He was laughed to scorn]. Fedotov [não] teria
nada disso [Fedotov would have none of it]. Ele pegou o jovem ator em
separado. O próprio Stanislávski descreveu como uma operação cirúrgica
como o homem mais velho cortou todo o disparate [nonsense]. O fato de
que ele foi finalmente capaz de executar uma boa performance deveu-se
ao fato de que Fedotov demonstrou cada movimento, cada gesto.
39
Stanislávski tinha um modelo que não era somente acabado na forma,
mas original e verdadeiro na concepção. Mas ele não conseguia entender
o processo pelo qual a performance começava a existir/a ser [had come
into being], [e] nem Fedotov poderia explicar isso a ele. Ninguém, na
verdade, parecia capaz de explicar isso a ele.
O que Stanislávski recebeu de seu diretor foi uma demonstração
prática do que Gogol pretendia ao visar pelo essencial, de manter o
significado da peça perpetuamente em mente, de construir personagens
em torno das ideias. Fedotov
SS. Vol. 1, p. 166.
Carta a Lucien Besnard, 20 de Julho de 1897, trad. em Stanislávski, Progresso, 1963,
pp. 231-5.
40
Se a tradição morta deveria ser banida, assim também seu
companheiro inevitável, o clichê:
SD. p. 399. Nota pessoal da tradutora, Miriam Goldina, registrada em 1920, durante um
ensaio.
41
evitando o ‘teatral’ (que destrói a vida), mas ao mesmo tempo
respeitando a natureza do próprio palco. [...]
Crise
Stanislávski tinha desenvolvido uma técnica que era puramente
externa. Ele teve que trabalhar [a partir] do exterior na esperança de que,
ao estabelecer, verdadeiramente, as características externas do papel ele
pudesse provocar alguma resposta intuitiva em si mesmo a qual o
conduziria aos aspectos psicológicos da parte/do papel [of the part].
Sua abordagem como diretor era idêntica. Ele tentou induzir um
estado criativo [creative mood] em seus atores cercando-os [34] com
SS. Vol. 1, p. 115.
Ibid.
Ibid., p. 116.
42
objetos reais, som e efeitos de iluminação. Ele impôs sua interpretação
sobre cada papel, trabalhando sem parar, e às vezes impiedosamente,
para obter cada detalhe exato. Não havia alternativa. Os membros da
companhia eram, no geral, jovens e inexperientes. O único caminho para
alcançar a unidade artística e orgânica a qual o TAM exigia era o de que
todos levassem a cabo a montagem [to carry out to the letter the
production] tal como concebida com antecedência por Stanislávski, ou
Nemirovitch.
Em geral, foi este [o] método trabalhado. Nemirovitch podia
justificadamente afirmar que o novo teatro em breve estabeleceria o
padrão pelo qual as outras companhias seriam julgadas; que [para] onde
eles conduziram outros seguiram. Uma turnê triunfante para Berlim em
1905 deu ao TAM uma reputação internacional.
Quanto ao próprio Stanislávski, sua realização nos primeiros oito
anos de existência do teatro tinha sido verdadeiramente notável. Ele
dirigiu, seja individualmente ou em colaboração com Nemirovitch, de
Tchekhov A Gaivota [Seagull] (1898), Tio Vânia [Uncle Vanya] (1899), As
Três Irmãs [Three Sisters] (1901), O Jardim das Cerejeiras [Cherry
Orchard] (1904). De Ibsen Hedda Gabler (1899), Um Inimigo do Povo [An
Enemy of the People] (1900), O Pato Selvagem [The Wild Duck] (1901),
Espectros [Ghosts] (1905). De Gorki, Pequenos Burgueses [Small People]
(1902), Ralé [ou Submundo] [The Lower Depths] (1902) e Filhos do Sol
[Children of Sun] (1905). Ele interpretou Trigorin (A Gaivota [Seagull]).
Lövborg (Hedda Gabler), Astrov (Tio Vânia [Uncle Vanya]), Stockmann
(Um Inimigo do Povo [An Enemy of the People]), Vershinin (As Três Irmãs
[An Enemy of the People]), Satin (Ralé [ou Submundo] [The Lower
Depths]) e Gaev (O Jardim das Cerejeiras [Cherry Orchard]). Não havia
nenhuma razão aparente para ele não continuar seguindo as linhas que
ele tinha tão firmemente estabelecido. Contudo quando ele saiu para suas
férias de verão na Finlândia em Junho de 1906, ele estava num estado de
Carta a Stanislávski, 07 de Agosto de 1902 ou 1903. In Arquivo Nº. 2, 1962.
43
crise, desnorteado e [35] deprimido, sem saber qual direção tomar. Ele
tinha perdido toda a fé em si mesmo. Ele se sentiu morto no palco.
Este sentimento de esterilidade o tinha atingido em Março daquele
ano, durante uma apresentação – muito provavelmente de Um Inimigo do
Povo [An Enemy of the People]. Seus músculos criavam
automaticamente a imagem externa do personagem, seu corpo repetia
mecanicamente as ações que ele tinha criado mas [não] havia nenhum
impulso interior, nenhum sentimento, nenhuma sensação de recriação,
nenhuma vida.
Esta foi uma experiência particularmente amarga para ele visto que
Stockmann lhe deu um de seus raros momentos de completa satisfação
artística quando o talento criativo e a razão/ o juízo [judgement] haviam
chegado juntos e sua ‘intuição’ funcionado.
A caracterização, as características físicas tinham brotado [sprung]
de seu inconsciente. Mais tarde ele foi capaz de identificar a origem dos
elementos particulares, mas a convergência [the coming together] da
performance tinha sido espontânea e trouxe com ela um imenso prazer.
Esse prazer tinha agora ido embora.
Houveram outros problemas fundamentais a serem resolvidos. Que
direção o próprio TAM tomaria? A morte de Tchekhov, em 1904, a qual
afetou profundamente Stanislávski, parecia marcar o fim de uma era. As
relações com Nemirovitch foram arrefecendo. Outrora colaboradores
inseparáveis, eles estavam planejando em separado [drawing apart],
incapazes de chegar a um acordo sobre as questões de política artística.
A montagem de Nemirovitch, em 1903, de Júlio César [Julius
Caesar] evidenciou [brought home] para Stanislávski as limitações de seu
método de trabalho como ator e de toda a abordagem para a
interpretação de um texto [script] a qual ele e Nemirovitch tinham
defendido. A montagem de Nemirovitch era uma obra-prima de
reconstrução histórica e arqueológica. A autenticidade dos figurinos, [36]
MVA. p. 458.
Entrevista, 29 de Abril de 1912, para a revista Estúdio [Studya].
44
adereços e decoração [decor] era incontestável [was beyond doubt]; eles
tinham sido exaustivamente pesquisados. Na verdade, as crianças eram
trazidas para ver a peça, não tanto por Shakespeare, mas para se [lhes]
dar alguma ideia de como era a vida na Roma antiga.
A abordagem histórico-arqueológica de Nemirovitch não era
essencialmente diferente da do próprio Stanislávski em suas montagens
de Czar Fiodor Ivanovitch [Tsar Fyodor Ioannovich] e A Morte de Ivan, o
Terrível [The Death of Ivan the Terrible], de Alexei Tolstoi. Desta vez, no
entanto, Stanislávski estava na ponta receptora [was on the receiving end]
como ator. Ao ser submetido ao seu próprio método ele [não]
experimentou nada além de frustração. Enquanto ele estava preocupado
em trazer à tona o dilema humano do personagem Brutus, Nemirovitch
subordinou tudo ao seu ponto de vista histórico [historical overview].
Quando a companhia se reuniu, como era o costume, para uma
leitura final antes da noite de estreia todos de repente sentiram a
realidade interior de seus papéis, como tinha [acontecido] com [as obras
de] Tchekhov. Mas para Stanislávski isso não durou. Todo o aparato
‘operístico’ da montagem [production] tornou-se opressivo para ele:
SS. Vol. 1, pp. 425-6.
45
A encenação de Tchekhov e a luta para chegar a termos com sua
escrita também levantaram dúvidas na mente de Stanislávski. Custou [it
took] todos os poderes de persuasão de Nemirovitch, todo o brilhantismo
de sua análise literária para convencer seu colega a incluir A Gaivota [The
Seagull] no repertório. Como muitos outros, Stanislávski ficou inicialmente
desconcertado com a falta de ‘ação’, a ausência de oportunidades para
efeitos de montagem. De fato, como ele mesmo admitiu, ele planejou a
montagem sem realmente entender a peça. Ele penetrou abaixo da
superfície da obra de Tchekhov apenas ligeiramente e com dificuldade.
Ainda assim, quando Nemirovitch recebeu a cópia [do plano] de
montagem, ele reconheceu o alcance da realização de Stanislávski e sua
originalidade.
Foi precisamente porque ele teve que cavar, sondar abaixo da
superfície, que os textos [scripts] de Tchekhov foram tão cruciais para o
desenvolvimento de Stanislávski. Tchekhov tampouco podia ou não iria
explicar ou ampliar o que ele havia escrito. Ele insistiu que todo o
necessário estava contido no texto. No máximo ele iria acrescentar um
comentário enigmático, prenhe de nuances [pregnant with nuances].
Típico é seu comentário para Stanislávski sobre sua atuação como
Trigorin em A Gaivota [The Seagull]. Depois de cumprimentá-lo, ele disse:
‘Foi maravilhoso. Você só precisa de sapatos furados e rever/verificar as
calças [check trousers].’ Stanislávski ficou desconcertado. Ele tinha
interpretado [played] Trigorin como um dândi num belo terno branco. Um
ano depois, ele percebeu [realised] a verdade do comentário de
Tchekhov. Ele optou pela imagem convencional de um bem-sucedido,
senão, grande escritor. Mas ele não entendeu a questão. Isso foi
fundamental para a personagem Nina, [38] que deveria se apaixonar por
um autor de segunda categoria, decadente, a quem ela transformou na
imaginação em uma figura glamorosa. Duas fotografias adjacentes no
Museu do TAM mostram a transformação que a performance de
Stanislávski sofreu.
SS. Vol. 1, p. 298.
46
Todavia onde no texto [script] ele poderia encontrar, em termos
precisos, a imagem de Trigorin de Tchekhov? Não só ele, mas também
Nemirovitch, que reivindicou uma compreensão muito mais profunda de
Tchekhov, tinha falhado em detectá-lo. Como se pode abordar um autor
que espera que se infira que Tio Vânia [Uncle Vanya] esteja vestido não
com grandes botas e em roupas desarrumadas como um fazendeiro do
interior, mas num terno elegante se embasando em uma única referência
a suas gravatas de fina seda?
Experiências como essas trouxeram toda a natureza do texto
[script] para o questionamento. Qual era o significado das palavras na
página? Se elas não continham o significado total, onde jazia o
significado? Como haveria o ator de penetrá-lo? A resposta a este
problema resultou no conceito de subtexto.
Experimento
Stanislávski sentia uma necessidade constante por seguir adiante.
Seu medo era a estagnação. No momento em que o que tinha sido fresco
e novo tornava-se rotineiro e mecânico ele atacava em uma nova direção.
Ele sentia que o TAM estava em perigo de desenvolver um estilo rígido.
Certas características de suas montagens, especialmente as pausas,
tinham-se tornado suficientemente conhecidas para serem satirizadas em
cabarés de Moscou. Havia o perigo de ficar aferrado a um naturalismo
morto. Tinha chegado a hora de expandir o repertório e defrontar-se
[grapple] com novos problemas.
[39] Em 1905 ele fundou um estúdio em que jovens atores
poderiam experimentar novas ideias e novos métodos. Ele colocou o
jovem Meyerhold no comando. Meyerhold tinha deixado o TAM em 1902,
depois de representar Konstantin em A Gaivota [The Seagull]. Ao reunir-
se com ele novamente Stanislávski o encontrou cheio de ideias, confiante
e articulado de um modo que ele próprio não era. O Realismo, os
O Estúdio na [Rua] Povarskaia, não deve ser confundido com o Primeiro Estúdio [First
Studio] de 1912.
47
detalhes autênticos estavam mortos; tinha chegado a hora para o irreal,
para os sonhos e visões. Stanislávski foi simpatizante. Ele já tinha se
aventurado pelo Simbolismo, tentando montagens de Maeterlinck.
Depois de reunir um grupo de jovens atores, ele deu a Meyerhold
sua liderança. A companhia passou o verão ensaiando em Pushkino onde
a companhia original do TAM tinha trabalhado. No outono foram
mostrados a Stanislávski alguns pequenos trechos do repertório que
havia sido escolhido: A Morte de Tintagiles [The Death of Tintagiles], de
Maeterlinck, Schluck e Jau [Schluck und Jau], de Hauptmann e uma série
de peças de um ato [a number of one-acters]. Ele ficou suficientemente
impressionado com a exibição [a ponto] de alugar [to take] um grande
teatro de 700 lugares na Rua Povarskaia, que estava temporariamente
desativado [temporarily dark]. A apresentação foi uma amarga decepção.
A Stanislávski, na época o mestre em manipular o ator, em
esconder as deficiências de uma companhia sob uma engenhosa riqueza
de detalhes, tinha sido mostrado o lado negativo de sua prática.
48
conseguiam esconder seus defeitos. Um estúdio de diretores, por
mais grandioso [splendid] que fosse, não era o que eu queria. [...]
Todas as minhas esperanças estavam concentradas sobre o ator,
em proporcionar-lhe uma base sólida para suas capacidades
criativas e uma técnica sonora [sound technique].
O começo do ‘sistema’
Tendo chegado a um beco sem saída, pelo menos naquele
momento, em sua própria atuação, ao ver suas tentativas de ampliar o
repertório e promover novas técnicas de atuação falharem, ele partiu para
a Finlândia com duas perguntas ainda apenas vagamente formuladas em
sua mente: como poderia a criatividade de um ator ser estimulada e
mantida viva; como poderia a montagem estar centrada nessa energia
criativa? Ele percebeu que em algum lugar na confusão de sua
experiência residiam as respostas, verdades as quais ele conhecia há
muito tempo.
SS. Vol. 1, p. 362.
SS. Vol. 4, p. 25.
49
Havia uma necessidade de criar alguma ordem, de separar o
material, examiná-lo, avaliá-lo e, por assim dizer, colocá-lo nas
prateleiras mentais. Questões inacabadas [Rough matter] tinham
que ser trabalhadas e polidas e assentadas [lain] como as pedras
fundamentais de nossa arte.
SS. Vol. 1, p. 285.
O ‘banco’ da edição [Norte] Americana virou uma ‘pedra’ na edição Russa.
50
Mas há muito pouco de amante em você. Você está envergonhado.
Cem mil pares de olhos estão fixados em você, esperando para
que você os faça chorar, cem mil corações estão à espera para
serem movidos por seu ideal, apaixonados, o amor desinteressado,
porque é para isso que eles pagaram e isso é o que eles têm o
direito de esperar. É claro que eles querem ouvir tudo que você diz
[43] e você tem que gritar suas palavras de amor, palavras que, na
vida, você sussurraria a uma mulher. Todos devem ver você, todos
devem entender você e por isso você deve orientar seus gestos e
seus movimentos para as pessoas mais distantes de você. Você
pode, em tais condições, pensar sobre o amor? Você pode, de fato,
experimentar o amor e os sentimentos que amor implica? Tudo o
que você pode fazer é forçar e tensionar [stretch and strain], usar
todos os seus esforços numa tentativa inútil de alcançar um fim
impossível.
SS. Vol. 1, p. 298.
SS. Vol. 1, p. 299.
51
[44] A partir do momento em que é dado aos homens de gênio
conhecer o estado criativo por natureza, é possível que as pessoas
comuns possam chegar a algum lugar próximo dele depois de
muito trabalho sobre si, mesmo se não o alcançarem em sua
plenitude, na mais alta medida, mas apenas parcialmente. Claro,
isso não vai transformar um homem medianamente talentoso em
um gênio, mas vai ajudá-lo a se aproximar de algo parecido.
Se [o estado criativo] não pode ser dominado todo de uma vez, ele
não pode ser alcançado pouco a pouco, isto é, pela construção do
todo a partir de suas partes?
SS. Vol. 1, p. 130.
SS. Vol. 1, p. 300.
52
Ele está feliz em constatar que o clima e o ar do norte harmonizam
[agree] com ele. Mas, entre nós, nosso tempo tem sido gasto muito
estranhamente. Ele não sai para caminhar, ainda menos para
tomar ar fresco. Ele se senta em uma sala meio escura, escreve e
fuma o dia inteiro. Ele parece estar escrevendo coisas muito
interessantes, o título, Um Rascunho/Projeto de um Manual da Arte
Dramática [A Draft Manual on Dramatic Art].
[46] Estudo
Stanislávski começou um período de estudo. [Não] havia, no
entanto, nenhum corpo de conhecimento existente sobre o qual ele
pudesse se embasar [draw]. O processo criativo não era um objeto de
estudo científico no início do século [XIX]. A Psicologia como uma
disciplina estava ainda na sua infância, assim como a linguística e a
Carta a Olga Knipper-Tchekova, citada em A Vida e a Criatividade de K. S. Stanislávski
[Zhizn i Tvorchestvo K. S. Stanislavskvo], Vol. 2, Moscou, 1971, pp. 32-3.
53
natureza dos atos da fala [nature of speech acts]. Ele teve que fiar-se,
portanto, na análise de sua própria atividade do dia-a-dia para obter a
comprovação de suas descobertas, [e] sempre que possível, em
quaisquer estudos científicos relevantes que estivessem disponíveis. Ele
podia, então, tentar esboçar [to draw] conclusões gerais. Ele adotou duas
estratégias, primeiro, a observação atenta de si mesmo e de seus colegas
no ensaio e dos grandes artistas, Russos e estrangeiros, em
performance: segundo, leituras de psicologia contemporânea. Foi de
grande importância em sua leitura Problemas da Psicologia Afetiva
[Problèmes de Psychologie Affective], de Ribot, a partir do qual ele
aprendeu a noção de memória afetiva, posteriormente desenvolvido em
Memória Emotiva. Outras obras de Ribot encontradas em sua biblioteca
foram As Doenças da Vontade [Les Maladies de la Volonté], Psicologia da
Atenção [Psychologie de l'Attention], As Doenças da Memória [Les
Maladies de la Mémoire], A Evolução das Ideias Gerais [L'Évolution des
Idées Générales], e A Lógica dos Sentimentos [La Logique des
Sentiments].
Ribot muniu Stanislávski com uma chave para destrancar o
inconsciente do ator. De acordo com suas teorias, o sistema nervoso
comporta [bears] os traços de todas as experiências anteriores. Elas são
gravadas na mente, embora nem sempre [estejam] disponíveis. Um
estímulo imediato – um toque, um som, um cheiro – pode
desencadear/disparar [trigger off] a memória. É possível recriar eventos
passados, reviver emoções passadas, vividamente. Não só isso;
experiências semelhantes tendem a se fundir. A memória de um incidente
específico pode evocar lembranças de incidentes semelhantes,
sentimentos semelhantes. Experiências de amor, ódio, inveja, medo veem
juntas, elas são destiladas para que [47] o indivíduo possa experimentar
uma emoção esmagadora aparentemente não relacionada a qualquer
evento particular.
SS. II, O Trabalho do Ator [Sobre si Mesmo] Parte Um Cap. IX.
54
Stanislávski percebeu que esta faculdade de uma lembrança vívida
– que na vida depende do acaso – pode ser aproveitada para a criação da
performance. Se o ator pudesse definir/determinar [define] a emoção que
fosse exigida dele a qualquer momento e então estimular um sentimento
análogo de sua própria experiência, então sua interpretação poderia
atingir um novo nível de realidade e as lacunas entre o ator como
indivíduo e o ator como performer poderiam ser preenchidas [bridged]. O
ator e o personagem se tornariam um.
SS. Vol. 1, p. 301.
SS. Vol. 1, p. 301.
55
Eles já não se sentam em seus lugares esperando para serem
‘entretidos’; eles são atraídos para assistir mais de perto e a entender.
Com o passar do tempo esta capacidade [faculty] de concentração
foi dividida em elementos menores – a solidão pública, o círculo de
atenção, orientação – para os quais foram desenvolvidos exercícios
específicos. Estes foram finalmente incorporados em O Trabalho do Ator
Sobre Si Mesmo [An Actor’s Work on Himself].
A segunda principal qualidade que ele observou nos grandes
atores foi a capacidade de crença/fé cênica [belief], para habitar o
universo criado pelo palco. Sua experiência em Júlio César [Julius
Caesar] tinha mostrado o quão difícil, às vezes, pode ser. O que acontece
no teatro não é real no [mesmo] sentido que a vida diária como
experienciada é real. Como, então, pode-se acreditar? Por um lado, há a
obrigação [injunction] para ser ‘verdadeiro’, para obter o material a partir
de modelos vivos e não de estereótipos teatrais; por outro lado, há a
irrealidade patente de tudo ao seu redor.
56
Eu percebi que os atores começam a criar no instante em que o
mágico, o criativo ‘se’ brota [springs] em suas mentes e [na] sua
imaginação. Enquanto não há nada além do mundo real, da
verdade [do] real, que é claro, temos que acreditar, o processo
criativo não terá começado. Mas então o criativo ‘se’ aparece, ou
seja, uma verdade imaginada na qual o ator pode acreditar tão
sinceramente quanto ele faz com a verdade [do] real, só que com
maior urgência. É como uma criança que acredita numa boneca,
em sua vida interior e circunstância. Tão logo o mágico ‘se’
aparece, o ator se desloca [moves out] da vida real para uma vida
imaginária que ele mesmo inventou. Uma vez que ele acredita
naquela vida, ele pode começar a ser criativo.
No teatro, a verdade é aquela que o ator acredita sinceramente;
até mesmo uma mentira descarada deve tornar-se verdade se é
para se tornar arte.
O ator ao centro
O centro de uma montagem tinha mudado decisivamente do diretor
para o ator, de quem já não se esperava que estivesse de acordo com um
SS. Vol. 1, pp. 380– 1.
SS. Vol. 2, pp. 101-2.
57
padrão predeterminado. A performance era para ser criada a partir de
seus próprios recursos. Isso não significa que a produção dependia das
manhas e caprichos emocionais [whim and emotional caprices] do elenco.
Dado o aumento da responsabilidade os atores tiveram que desenvolver
disciplinas – físicas, emocionais, intelectuais – que lhes permitiriam
colocar seus talentos a serviço da peça e [de] seu significado. Na medida
em que o próprio Stanislávski esteve preocupado, isso significa que ele
mudou, como precisamente observou Nemirovitch, de um diretor para um
professor, mentor e guia.
SS. Vol. 1, p. 310. Esta passagem aparece somente na edição [Norte] Americana de
Minha Vida na Arte [My Life in Art], de 1924.
58
Todo o elenco passou pelo mesmo:
Cada ator espremeu para fora de si a paixão que ele era obrigado
a criar...
Treinamento/Formação [Training]
Parece evidente que inicialmente Stanislávski viu sua nova
abordagem essencialmente [como] uma mudança de método de ensaio.
O que ele subestimou foi a dificuldade para os atores para seguir sua
liderança. Se muito na sua vida o tinha preparado para este novo [ponto
de] partida as outras pessoas não tinham compartilhado sua experiência,
ou, se o fizeram, não tinham atingido o seu nível de consciência.
Stanislávski foi assim levado, inevitavelmente, à noção de
treinamento/formação contínuo [/a] [continuous training].
59
perturbados pela dúvida antes de entender uma verdade que eu
tinha de fato conhecido há muito tempo, nomeadamente que na
nossa profissão tudo deve tornar-se habitual, de modo que o novo
seja transformado em algo organicamente nosso, numa segunda
natureza. Somente quando isso tiver acontecido é que poderemos
usar o que é novo sem pensar na sua mecânica. A mesma coisa
[53] se aplica ao estado criativo, o qual só irá salvar o ator uma vez
que se tenha tornado seu estado normal, natural e único. Caso
contrário o ator só copiará a aparência exterior de um conceito
radical de arte avançada [the outward forms of radical forward-
thinking art], sem justificação interior, e ele não vai nem mesmo
entender o que ele está fazendo.
SS. Vol. 1, pp. 310-11.
60
vocabulário no qual descrever conceitos artísticos, para entender
os problemas criativos e experiências. A música já há muito
reconheceu a importância deste tipo de vocabulário. A música pode
contar com regras básicas reconhecidas, e não como nós, com a
sorte.
SS. Vol.1, pp. 369-70.
s
KSA. Nº . 264, 271.
61
ela e assim desperta seus dons criativos, ou seja, estimula o
desejo para criar;
No segundo processo, ‘busca/procura/pesquisa’ [‘searching’], ele
procura dentro e fora de si mesmo pelo material psicológico
necessário para a criação;
No terceiro processo, ‘experiência/vivência’ [‘experience’], o ator
cria invisivelmente, para si mesmo. Ele cria em seus sonhos a
imagem interior e exterior do personagem que está por retratar
[portray]... ele deve adaptar a si mesmo a esta vida alienígena e
senti-la como se fosse sua própria [vida]...,
No quarto processo, ‘fiscalização/encarnação’ [‘physicalizing’], o
ator cria visivelmente para si mesmo;
No quinto processo, ‘síntese’, o ator deve reunir a um ponto de
síntese total o processo de ‘experiência/vivência’ [‘experience’] e o
processo de ‘fiscalização/encarnação’ [‘physicalizing’]. Esses dois
processos devem prosseguir simultaneamente, começar juntos,
ajudar e desenvolver um ao outro;
O sexto processo é aquele do efeito sobre o público.
KSA. Nº. 257.
KSA. Nº. 625.
SS. Vol. 7, p. 470, Carta Nº. 353.
62
Agora Stanislávski estava trabalhando com maior profundidade e
detalhamento. Os dois manuscritos de 1909 contêm em essência os
conceitos que seriam trabalhados durante o resto de sua carreira.
SS. Vol. 7, p. 451, Carta Nº. 337.
63
Tenha em mente que as mises en scène da Gaivota [Seagull]
foram feitas pelos antigos, agora completamente rejeitados
métodos de impor as emoções pessoais sobre o ator, e não pelo
novo método de estudar o ator de antemão – suas capacidades, o
material da sua parte/do seu papel [of his part], antes de criar a
mise en scène adequada. Em outras palavras, o método das
antigas mises en scène pertence ao diretor despótico, contra quem
agora eu luto, enquanto que as novas mises en scène são feitas
por diretores que dependem do ator.
SS. Vol. 8, p. 102, Carta Nº. 74. Tradução em Stanislávski, Progresso, 1963, p. 251.
≠
SS. Vol. 7, Carta Nº. 337.
64
concentração, o círculo de atenção, e os estados psicológicos
apropriados. A teoria da memória emotiva foi testada. Os atores foram
obrigados a explorar a sua própria experiência de vida, a fim de encontrar
equivalentes para os sentimentos vivenciados pelos personagens. A
completude do plano psicológico foi então percebida [realised],
fisicamente.
Stanislávski rompeu com o costume estabelecido, dizendo aos
membros da companhia que não seria necessário, como era normal, que
participassem de todos os ensaios. Ele isolou seu elenco por mais de
quatro meses. Ele estava tão preocupado com a intimidade, [com] a
natureza interior da peça que ele trabalhou na pequena sala de ensaio
[the small rehearsal theatre] e não no palco principal, subdividindo-a ainda
mais em espaços ainda menores [still further into even smaller spaces]. A
ação exterior, o movimento, o gestual foram reduzidos a quase nada. Os
atores foram obrigados a ‘irradiar’ seus sentimentos, fazer tudo através
dos olhos, por pequenas mudanças de tom e [59] inflexão, a ‘comungar’
[commune] uns com os outros. Aqui Stanislávski usou noções extraídas
do Yoga. O texto raramente era falado em voz alta. Era sussurrado,
contido [held back]. Cortes foram feitos nos discursos mais longos e as
seções omitidas foram usadas como sub subtexto.
SS. Vol. 1, p. 326.
65
envolvido o público poderia se tornar. O elenco, como Gogol tinha
recomendado, transmitiu seus sentimentos, não os apresentou.
A montagem foi um sucesso, e Stanislávski conseguiu um triunfo
pessoal com sua interpretação de Rakitin.
Ao mesmo tempo em que estava trabalhando em Um Mês no
Campo [A Month in the Country] Stanislávski estava preparando uma
montagem de Hamlet. Paradoxalmente, ele se aproximou desta mais
reflexiva e ‘psicológica’ das peças de Shakespeare não através do estado
de espírito [mood] e da atmosfera, mas através de uma análise da ação.
Os movimentos dos atores foram motivados por um querer, uma
necessidade, a qual o ator teve que [60] experimentar/vivenciar [to
experience]. Em uma conversa improvisada durante um ensaio, ele
definiu as duas abordagens contrastantes ao confrontar seus colegas com
duas perguntas. Começando como de costume com um ‘se’, ele
perguntou:
‘E se fosse 31 de Maio?’
Então ele colocou mais duas perguntas. Primeiro:
‘Se fosse 31 de Maio, o que você sentiria?’
Então:
‘Se fosse 31 de Maio, o que você faria?’
Veja acima.
66
Ler a peça
A leitura do ator é de um tipo particular. Ela não é a leitura da
crítica literária. Ela não é objetivamente analítica. É uma forma de leitura
que se destina a estimular o entusiasmo, a evocar o compromisso e a
avivar a imaginação. Ela é a primeira tentativa de ativar o inconsciente.
Ela se torna portanto um intercâmbio disciplinado entre os elementos do
texto [script] e as respostas pessoais e imagens que o ator traz a ele. A
investigação do texto [script], o claro entendimento de sua natureza e sua
relação com a própria experiência/vivência [experience] do ator é o
processo primário no ensaio a partir do qual todos os outros seguem.
[61]Assim como o estado criativo pode ser decomposto em seus
elementos assim [também] pode o processo de leitura. Para aqueles que
não têm uma resposta imediata, instintiva e apropriada ao texto [script]
existe um procedimento passo-a-passo. Stanislávski comparou o
processo a uma viagem de trem. Há aqueles, os gênios, que aceleram de
terminal a terminal; outros que têm de parar em estações intermediárias e
explorar a paisagem circundante [surrounding countryside]: outros ainda
param em paradas solicitadas [no meio do caminho] [whistle-stops].
Todos tem a mesma jornada a seguir, a diferença é o número de etapas
que a jornada demora [takes].
Stanislávski começou a estudar os problemas específicos de leitura
do texto [script] analisando sua própria prática. Os Arquivos contêm um
manuscrito do período de 1909-1911, um rascunho de capítulo e outro
datado de 1915, intitulado A História de um Personagem [The History of a
Character]. Grande ênfase é colocada sobre o uso da ‘Memória Emotiva’
para trazer o texto [script] à vida e motivar seus elementos. Stanislávski
descreve três estágios pelos quais um ator se apropria de um papel [gets
into a part]. Primeiro, ele deve reconstruir claramente em sua mente todas
as experiências delineadas no texto e aquelas que ele completou com sua
própria imaginação, até ao mais ínfimo detalhe. [Em] segundo [lugar], ele
Cadernos de Anotações 1927-8. Citado por Maria Knebel em ‘K. A Questão do Método
da Análise Ativa’ [‘K. Voprosou o Metodye Deistvennovo Analiza’], em ‘Questões da
Nova Arte Teatral’ [‘Voprosi Teatralnovo Iskousstva’], Moscou, 1978.
67
deve identificar-se com o personagem e com o cenário que o rodeia. [Em]
terceiro [lugar] vem a criação de objetivos específicos que lhe permitirão
desempenhar a linha transversal [de ação] [through-line] da obra e do
personagem. Em suas notas para os ensaios de A Aldeia de
Stepántchikovo [The Village of Stepántchikovo] (1916) ele ressalta a
importância da primeira abordagem da obra, em particular a primeira
leitura. O que ele entende por leitura preliminar é descrito [62] num artigo
que ele elaborou entre 1916 e 1920. Ela acontece em vários níveis.
1. O nível dos fatos; o que acontece, os eventos, incidentes que
constituem a ação externa e dão vida às emoções dos personagens e os
estados de sentimento.
2. O nível social: como a ação externa é determinada pela circunstância
social e histórica.
3. O nível literário: as características específicas [distinctive features] do
estilo do autor.
4. O nível estético: como o material no texto [script] se conecta com as
outras artes (visual, musical).
A leitura deste tipo pressupõe um alto nível de educação e cultura.
Stanislávski nunca fingiu que poderia ser de outra forma. Escrevendo a
um jovem aspirante a ator em 1901, ele não fez segredo da quantidade
de leitura e estudo que o menino teria de realizar antes de ser aceito para
treinamento ou poderia começar pela abordagem das grandes obras do
repertório contemporâneo. O estudo do texto [script] conduz a novas
pesquisas, visitas a museus, galerias de arte, etc., para trazer à vida o
mundo da peça.
Stanislávski concentrou muito de sua atenção no ensaio e no
treinamento sobre o primeiro nível da análise (ver Tabela 2.1). Ele
esboçou um processo lógico passo-a-passo e deu um nome específico
para cada estágio para [uma] referência rápida conveniente [for quick
convenient reference].
SS. Vol. 4 (1991), pp. 48-144.
68
Um novo status para o texto
Na prossecução de suas indagações Stanislávski chegou a
conclusões que, embora sejam senso comum [common currency] agora,
foram, na época, [63]
69
intercâmbio/a troca [Exchange] acontece. O intercâmbio/a troca
[Exchange] no teatro além disso tem um duplo contexto, uma vez que se
destina a ser entendido não somente pelos participantes, mas por
terceiros, o público.
Esta noção redefine o status do texto. As palavras impressas não
contêm o significado pleno, como nas formas puramente literárias. Elas
dependem do que jaz abaixo delas, no subtexto. O texto [script] deixa de
ser uma forma de arte baseada na organização verbal, como um poema
ou um romance, e torna-se o pretexto e o contexto para uma atividade.
Atuação já não é imitação. A tarefa não é encontrar entonações e
gestos que estejam em conformidade com as características do texto
[script], ou combinar convenções de atuação com convenções [64]
literárias. O texto [script] perde seu status como um objeto ‘lá fora’ a ser
copiado. Ele é retirado/extraído [drawn into the] do processo criativo e é
transformado por ele. O ator criativo preenche o texto [script] com sua
própria experiência/vivência [experience]. A reestruturação artística da
matéria-prima [raw material] de sua vida é controlada pela escrita. A
performance final é uma síntese de ambas. Sem esse processo de
interação e transformação só há teatro literário, teatro morto.
Por um curto período Stanislávski mesmo considerou um novo
status para o escritor. Em 1911 ele e Gorki estavam convalescendo em
Capri. Ele mostrou a Gorki seus rascunhos [draft notes] sobre o sistema.
Então os dois homens seguiram para discussões mais amplas. Eles
exploraram a ideia de um escritor trabalhando com a companhia e criando
uma peça [a partir] da improvisação do grupo. Não é certo de quem foi
esta ideia inicialmente. Stanislávski certamente discutiu isso em seu
retorno a Moscou e Gorki voltou ao assunto numa carta no ano seguinte.
Não deu em nada, mas em última análise a sua experiência conjunta
rendeu frutos no trabalho do Primeiro Estúdio [First Studio], fundado em
S. L. ‘O Teatro no qual o Dramaturgo é Soberano’ [‘The Theatre in which the Playwright
is Paramount’], pp. 171-4.
70
1914, onde a improvisação tornou-se uma característica essencial de seu
treinamento.
O contínuo sucesso pessoal como ator muniu Stanislávski com a
confirmação adicional da validade de suas ideias. Em 1910, ele
interpretou o Velho General em Mesmo um Homem Sábio Tropeça [Even
a Wise Man Stumbles], de Ostrovski. Tão completa foi a fusão entre sua
própria personalidade e a do personagem que um amigo próximo, vendo-
o das frisas [wings], não pôde reconhecê-lo. O que tinha sido um
acidente em Um Inimigo do Povo [An Enemy of the People] agora havia
se tornado prática recomendada [ordered practice] graças ao Sistema.
[65] Em 1911 o Sistema existia em uma forma primitiva, quase
exclusivamente como uma psicotécnica. Nemirovitch anunciou que o
[Sistema] seria [it was to be] adotado oficialmente pelo TAM como um
método de trabalho e em 1912 o Primeiro Estúdio [First Studio] foi
fundado com o objetivo de treinar/formar (training) jovens atores. O
próprio Stanislávski não teve tempo para encarregar-se/tomar conta [take
charge] do Studio. Ele foi, portanto colocado nas mãos de seu amigo e
colaborador Sulerjitski. Isto parece implicar que o ‘sistema’ foi
suficientemente bem formulado para alguém mais estar capacitado/ser
capaz [to be able] de ensiná-lo.
Técnica e expressão
Foram outras duas obras do repertório clássico, Mozart e Salieri,
de Pushkin (1914) e Caim [Cain], de Byron (1920), que revelaram as
inadequações no sistema tal como se apresentava [as it stood]. Na peça
de Pushkin Stanislávski foi escalado como Salieri. Ele foi um fracasso.
Sua técnica vocal era inadequada para combinar e expressar a vida
interior do papel. Ele não possuía gama/variação expressiva e
flexibilidade [He lacked epressive range and flexibility]. Ele viveu o papel,
mas o público não tinha jeito de compartilhar a vivência/experiência
[experience]. Em suas tentativas de transmitir o estado interior ele
Gurevich, L., in Sobre Stanislávski [O Stanislavskom] p. 126 (Moscou, 1948).
71
carregou as falas [dragged out the lines] com tal peso nas pausas [such
heavy pauses] que as palavras saíram praticamente uma a uma. Na hora
que ele chegava ao final da frase todos tinham esquecido sobre o que era
o começo. A qualidade de sua voz seguramente deteriorou [steadily
deteriorated]. Numa tentativa de torná-la mais melodiosa, ele recorreu a
um conjunto de truques tradicionais. O verso finamente trabalhado de
Pushkin foi totalmente perdido.
O fracasso de Stanislávski em Otelo [Othello] em 1896 também
tinha sido devido às deficiências vocais. Ele nunca dominou a arte de falar
[em] verso.
Mas não era tarefa fácil alcançar uma forma de discurso que fosse
a uma só vez elevada e poética mas [também] simples e nobre. Se ele
agora achava a fala cotidiana vulgar e empobrecida, ele não tinha tempo
para o estilo artificial, bombástico de declamação ao qual a maioria dos
atores, em caso de dúvida, recorria. Ele estava procurando por aquela
SS. Vol. 1, p. 368.
72
entrega poética, desimpedida [that poetic, uncluttered delivery] que
Shchepkin tinha encontrado [stumbled on].
Movimento expressivo
A montagem de Caim [Cain] de 1920 revelou outra área que
Stanislávski havia negligenciado na sua insistência sobre a primazia do
estado interior: [o] movimento expressivo. Liberdade de tensão e
relaxamento muscular, embora importantes em si mesmos, não foram
suficientes. Elas foram a base para um trabalho mais desenvolvido. Para
Caim [Cain], Stanislávski exigiu muito maior plasticidade e controle de seu
elenco, tanto mais porque as circunstâncias econômicas colocaram
progressivamente mais responsabilidade sobre seus ombros. Os cenários
elaborados que tinham sido originalmente planejados provaram-se muito
caros. Mesmo os cenários simplificados que foram acordados não
poderiam ser devidamente construídos por causa da falta de materiais. A
peça teve de ser carregada pelos atores. Enquanto que, graças a um
grande volume de trabalho, a pronúncia do verso era nítida, clara e
muscular [was sharp, clear and muscular], ela não foi acompanhada por
igual habilidade no lado físico. As estátuas gigantes e a decoração
arquitetônica, que estavam por trás do elenco, impuseram um cenário de
Ibid.
73
importância visual que colocou a inadequação dos atores em ainda maior
relevo.
Tempo-ritmo
Mais e mais Stanislávski tornou-se preocupado com o problema do
tempo-ritmo, tanto interno quanto externo. Dentro da ação dos eventos da
peça, as emoções têm um pulso específico e [um] padrão para elas.
Tempo, como em música, denota a velocidade de uma ação ou um
sentimento – rápido, lento, médio. Ritmo, internamente, indica a
intensidade com a qual uma emoção é experienciada: externamente ele
indica o padrão de movimentação gestual e ações as quais expressam a
emoção. A relação entre o tempo-ritmo interno e externo é extremamente
complexo e no fim das contas exigiram nada menos do que dois capítulos
SS. Vol. 1, pp. 381-2.
74
completos em O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo: O Trabalho sobre Si
Mesmo no Processo da Encarnação [An Actor’s Work Part Two].
Para alcançar a unidade orgânica de uma montagem é exigida uma
coerência rítmica tanto nas partes quanto na organização do todo.
A Stanislávski foi dada uma oportunidade de desenvolver suas
ideias sobre o assunto graças a um convite, em 1918, para ensinar [69]
atuação no Estúdio de Ópera [Opera Studio]. A presença da música com
as suas constantes mudanças de velocidade e [de] tom emocional
levaram-no a algumas conclusões:
***
Capítulos 11 e 12.
Para os cantores líricos, a palavra “coloratura” em português tem uma conotação
diferente do que tem em outras línguas. Em português, significa a execução de diversas
notas em uma única sílaba, geralmente rapidamente e com grande agilidade, podendo
ser legato ou staccato. Em inglês faz-se diferença entre coloratura e melisma, usando
“coloratura” como sinônimo de cadência melódica, e ‘melisma’ para ‘coloratura’. (N.T.)
SS. Vol. 1, p. 387.
75
Elas foram, como acontece com todas as declarações de Stanislávski
neste período, declarações de trabalho para companheiros de profissão.
Não havia intenção de publicá-las. No entanto, um dos cantores que
participaram dessas palestras, Konkordia Antarova, fez anotações
abundantes, [70] [e] a irmã de Stanislávski, Zinaida rastreou-as/coletou-as
[tracked them down] em 1938. Elas foram editadas pela Senhora
Gurevich e publicadas em Moscou em 1939 e posteriormente foram
traduzidas para o Inglês.
Até o início dos anos vinte Stanislávski havia acumulado todo o
material que foi mais tarde incorporado em A Preparação do Ator [An
Actor Prepares], A Construção do Personagem [Building A Character], e A
Criação do Papel [Creating A Role], mas isso foi uma porção [a number]
de anos antes que ele estivesse preparado para entregar o Sistema
formalmente para [ser] impresso.
Stanislávski sobre a Arte do Palco [Stanislavski on the Art of the Stage], trad. [David]
Magarshack, Londres, Faber, 1950.
76
[71] 3
ESCREVENDO O ‘SISTEMA’
O Legado
Por mais de 30 anos Stanislávski fez anotações e rascunhos para
sua ‘gramática’ ou manual sobre atuação. Livros foram projetados, mas,
com exceção de Minha Vida na Arte [My Life in Art], nunca [foram]
escritos. Houveram muitas razões para isso. Stanislávski estava sempre
indo adiante [moving forward], revendo e modificando seus métodos de
modo que nenhuma única formulação parecia satisfatória por muito
tempo. Ele se rebelou contra a noção de que seu Sistema pudesse ser
codificado uma vez por todas, ou que devesse degenerar em um conjunto
de práticas mecânicas, repetidas sem reflexão [thought] ou sentimento.
Ele experimentou o que o mero boca-a-boca [lip-service] podia fazer
durante o período do Primeiro Estúdio [First Studio] quando muitos atores
adotaram sua terminologia, mas continuaram a atuar essencialmente do
mesmo modo como antes. O vocabulário era suficiente. Ele não queria
que as ‘leis’ que ele tinha descoberto fossem identificadas com as
técnicas e exercícios que eram utilizados para compreender e dominá-las.
Se as leis eram imutáveis as técnicas
[72] eram muitas e mutáveis. Assim, depois de usar métodos de
treinamento vocal baseado sobre o trabalho de Volkonski por muitos anos
ele os abandonou por serem demasiado rígidos e passíveis de repetição
mecânica sem reflexão [thought] ou justificação interior. Ele começou
mesmo a desconfiar da própria palavra Sistema, a qual ele havia adotado
em 1909. Para denotar sua natureza provisória, primeiro veio a ser
‘Sistema’ entre aspas e, em seguida, ‘sistema’ com um ‘s’ minúsculo. Ele
teve que encontrar um jeito de transmitir seus novos métodos que fosse
acessível. Apesar de ter proferido com êxito uma série de palestras sobre
o ‘sistema’, logo após a Revolução ele percebeu que a exposição formal
Primeira[mente] publicado nos E.U. A em 1924. Primeira edição Russa em 1926. Veja
o Apêndice 1.
77
não era o melhor meio de comunicação para os atores que não estão
interessados em conceitos. Atuar é fazer, e tinha de ser encontrado um
modo de descrever o que fazer. Depois de muitas hesitações e
experimentos, ele decidiu escrever seus livros numa forma semi-ficcional.
Mas ele estava, não obstante, preocupado em outro nível, por
encontrar corroboração externa do tipo científica para a sua prática, [que]
fosse somente para ganhar credibilidade numa sociedade obcecada pelo
conhecimento ‘objetivo’. Mesmo em seus últimos anos, ele continuou a
fazer extensas anotações sobre livros tais como Reflexões sobre o Cortex
Cerebral [Reflections on the Cerebral Cortex], de Sechenov. Então, em
1936, o psicólogo comportamental Pavlov, o ícone da nova ciência
Soviética, ouviu [falar] dos experimentos de Stanislávski e contatou-o
sugerindo que eles se encontrassem e comparassem seus resultados.
Stanislávski respondeu que a melhor maneira de estudar/aprender [to
learn] sua abordagem era assistir aos ensaios e ver o ‘sistema’ em ação.
Infelizmente Pavlov estava doente demais para aceitar o convite.
Em 1928, dois ataques cardíacos puseram fim à carreira de
Stanislávski como ator e durante a sua convalescença de três anos ele
mais uma vez empreendeu [set about] a tarefa de formular suas ideias.
Ele estava se aproximando dos setenta [anos] e a tarefa agora era
urgente. Ele tinha dito quando [as a] homem jovem que sua grande
contribuição para [73] a arte do teatro seria levar a tradição do realismo
russo para o novo século. Parecia a hora para cumprir essa missão.
Conforme ele se aproximou dos setenta [anos], ele sentiu a
necessidade de passar [adiante] [to pass on] suas descobertas de alguma
forma mais concreta/permanente [permanent] às gerações mais jovens.
Ele viveu durante [through] um período de extrema agitação/turbulência
[turmoil]; ele testemunhou a Revolução de Outubro e o nascimento de
uma nova sociedade; graças ao apoio pessoal de Lenin, ele sobreviveu
às tentativas da esquerda para fechar o teatro; ele combateu o que
considerava o mecanismo e o intelectualismo da avant-garde, durante os
anos [mil novecentos e] vinte; ele manteve sua posição dentro da tradição
78
do realismo. O propósito dos livros era afirmar aquela posição como um
lembrete para as gerações mais jovens, que estavam se movendo por
novas áreas.
SS. Vol. 1, p. 407.
SS. Vol. 1, p. 408.
Ibid.
79
Stanislávski viu a si mesmo como um garimpeiro que depois de
anos vagando no meio do mato encontrou um veio de ouro e de uma
massa de areia e pedra extraiu algumas pepitas minúsculas.
≠
Ibid.
£
SS. Vol. 1, pp. 408-9.
*
Ibid.
80
1. Minha Vida na Arte [My Life in Art], o qual já foi publicado e
destina-se a mostrar o progresso de um artista a partir de uma
abordagem amadora para o conhecimento do Sistema;
2. O Trabalho [do Ator] Sobre Si Mesmo [Work on Oneself], será
dedicado ao treinamento/formação [training] do ator e dividido
em duas partes, a) [O Trabalho Sobre Si Mesmo no Processo
Criador das] Vivência[s]/Experiência[s] [Experience], b) [O
Trabalho Sobre Si Mesmo no Processo Criador da]
Encarnação/Caracterização Física [Physical Characterisation];
3. O Trabalho Sobre o Papel [Work on a Role], tratará das
partículas [de ação] [bits], [das] tarefas e [da] ação. A área de
estudo será, não as cenas, extratos ou exercícios, mas a peça
como um todo;
[76] 4. Possivelmente a ser combinado com o 3, continuará a
discussão do trabalho sobre o papel, conduzindo ao estado
criativo no qual o inconsciente se torna ativo;
5. Com base no material dos volumes anteriores este livro será
dedicado a uma discussão mais ampla dos problemas da
atuação/performance;
6. A arte do diretor – cuja tarefa é construir e manter um grupo
unitário/conjunto [ensemble];
7. Os problemas de dirigir e performar/atuar [performing] na
Opera.
SS. Vol. 8, pp. 271-2, Carta Nº. 222.
81
corpo-mente que era inerente a suas declarações iniciais. A divisão entre
a elaboração imaginativa de um papel e de sua expressão física era
artificial e constantemente negada por sua própria prática. Ele estava,
portanto, longe de feliz em dividir o Livro Dois em Experiência/Vivência
[Experience] e Caracterização Física/Encarnação [Physical
Characterisation]. [77] Isso só poderia emprestar autoridade às práticas
cada vez mais vistas como equivocadas. Mas, como lhe explicou a
Senhora Gurevich em sua carta de Dezembro de 1930, colocar todo o
material em um [único] livro significaria mais de 1200 páginas impressas.
Ele optou pelas duas partes, mas o fez com relutância conforme
percebeu que isto era potencialmente perigoso. A Parte Um [O Trabalho
Sobre Si Mesmo no Processo Criador das Vivências/Experiências], sobre
os processos internos, poderia ser tomado pelo ‘sistema’ como um todo,
fazendo-o aparecer como uma forma altamente subjetiva, extrema do
naturalismo psicológico. Toda a sequência de livros, como lhe disse a
Senhora Gurevich na mesma carta, precisaria de uma introdução que
apresentasse uma visão geral do ‘sistema’ como um todo integrado. Isso
nunca foi escrito, e a história provou que seus temores estavam bem
fundamentados. Para muitas pessoas mesmo bem informadas, O
Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo: O Trabalho Sobre Si Mesmo no
Processo Criador das Vivências/Experiências [An Actor’s Work on Himself
Part One], metade do livro, é o ‘sistema’. Mas ele não teve escolha. Havia
outros fatores a serem considerados. À parte os problemas práticos da
publicação, sua saúde estava falhando. Em qualquer caso, os capítulos
sobre a Vivência/Experiência [Experience] estavam já substancialmente
escritos e suas novas ideias estavam ainda nos estágios iniciais de
desenvolvimento. Ele teve, portanto, de se contentar com entregar [setting
down] sua teoria e prática como se apresentou, na esperança de que ele
pudesse corrigir e revisá-la mais tarde, uma vez que o esquema total
estava completo. No momento ele [estava] ocupado/comprometido
[compromised], inserindo algumas de suas novas ideias – particularmente
82
no que diz respeito à ação física – a qual ele sabia, estritamente falando,
pertencia a um estágio posterior.
A Preparação do Ator
A obra que conhecemos em Inglês como A Preparação do Ator [An
Actor Prepares] é a primeira parte do Livro Dois. Seu título completo na
edição Soviética é [O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo:] O Trabalho
Sobre Si Mesmo no Processo Criador das Vivências/Experiências [An
Actor’s Work on Himself in the Creative Process of Experience].
[78] De um modo geral, ele é um somatório do trabalho de
Stanislávski entre 1906 e 1914, quando a ênfase estava sobre o processo
interior, a psicotécnica. No esquema de desenvolvimento do ator ele
representa o trabalho do primeiro ano.
Esboços do livro estavam prontos desde o início dos anos [19]20.
Os Cadernos de Anotações [Notebooks] contém uma série de títulos
provisórios – Diário de um Estudante [Diary of a Pupil], A Arte e a
Psicotécnica do Ator [The Art and Psychotechnique of the Actor], [A]
Natureza da Criatividade do Ator [Nature of the Actor’s Creativity], Minha
Escola de Teatro [My Theatre School], [O] Sistema de Stanislávski
[Stanislavski’s System]. Diário de um Estudante [Diary of a Pupil] é a
indicação mais precisa da forma final do livro. Stanislávski torna-se
Tortsov, o professor e suas aulas são descritas por um de seus jovens
alunos, Kostia.
Ele não estava de modo algum certo de que tinha tomado a
decisão correta ao abandonar a exposição formal e é verdade que alguns
críticos acham o mascaramento de Stanislávski, finamente disfarçado
[thinly disguised] como Tortsov, um dispositivo desnecessário. A forma
ficcional, no entanto, permitiu a Stanislávski apresentar os problemas da
atuação como experiências vividas e descrever [os] exercícios em ação.
Stanislávski é ambos, o mestre, Tortsov e o aluno, Kostia (O diminutivo de
seu primeiro nome, Constantin). Assim, o Stanislávski idoso se encontra
com o jovem ator que ele já foi. O livro é uma destilação de seu próprio
83
processo de aprendizagem. Kostia e seus companheiros estudantes
seguem o caminho de descoberta que o próprio Stanislávski trilhou [took].
Eles são os primeiros [a serem] confrontados com a noção da atuação
como processo, não imitação, polarizada na oposição entre a escola do
ser e a escola da representação. Posteriormente eles investigam os
elementos básicos da psicotécnica – o Mágico ‘Se’, [as] Circunstâncias
Dadas, [a] Solidão Pública, o Círculo de Atenção, [a] Comunicação, etc.
Ao final do livro eles têm explorado os processos internos do ator.
O termo russo ‘Voploshchenye’ é difícil de traduzir. Literalmente ele significa
‘encarnação’ [incarnation], ‘personificação’ [embodiment]. Ambos os termos no Inglês, no
entanto, têm conotações irrelevantes.
Veja o Apêndice I para uma discussão sobre as diferenças editoriais das edições em
Russo e em Inglês.
84
anos 1932-5.≠ Numa carta à Senhora Gurevich datada [de] 17 de
Fevereiro de 1932, ele fala de capítulos sobre o Desenvolvimento da
Expressão Física, Voz e Linguagem, Caracterização, e o Estado Criativo
Sobre o Palco. Em 1935 ele fez uma lista da ordem dos capítulos que ele
imaginava. A fim de enfatizar a continuidade com a Parte Um, a qual
continha catorze capítulos, ele começa enumerando a partir de 15.
≠
KSA. Nº. 68. 274, 520, 663
KSA. Nºs. 263, 368.
85
10. Presença de Palco.
11. Ética e Disciplina.
12. Estado Teatral Externo.
13. Estado Teatral Geral.
[81] 14. Fundamentos do Sistema.
15. Como Usar o Sistema.
Ver Apêndice 1.
86
characterisation]. Ele é um modelo e não a afirmação [statement] de uma
prática invariável. Stanislávski foi, por consenso, o mais inventivo e
estimulante dos diretores, imediatamente sensível [responsive] às
dificuldades dos atores. Confrontado com suas necessidades, embora ele
não vá comprometer os elementos do sistema, as [82] ‘leis’, ele não
permitirá que a aplicação do Sistema na prática seja inibida por qualquer
coisa que ele tenha escrito ou dito em outro lugar. Ele nunca abordou
duas peças da mesma maneira. Quando necessário, os estágios de
preparação, separados para fins de explicação foram encurtados
[telescoped] ou combinados de acordo com a situação real.
A Parte Dois, [que] trata do trabalho sobre Otelo [Othello], foi
elaborada entre 1930 e 1933, e está intimamente relacionado com o plano
de montagem o qual Stanislávski estava trabalhando na época. A Parte
Três, [que] trata do Inspetor Geral [The Government Inspector], de Gogol,
data de 1936-7 e é sua única declaração concernente às suas ideias
posteriores sobre o método de trabalho.
O ‘sistema’: um diagrama
Os arquivos contêm uma série de esboços/rascunhos [sketches]
nos quais Stanislávski fez numa tentativa de apresentar o Sistema de
forma esquemática. Há uma consideração rumo ao fim de O Trabalho do
Ator Sobre Si Mesmo: O Trabalho Sobre Si Mesmo no Processo Criador
da Encarnação [An Actor’s Work on Himself Part Two] de uma elaborada
‘ajuda visual’ que foi composta [set up]. O livro de Robert Lewis Método
ou Loucura [Method or Madness] também contém um diagrama que ele
obteve [took down] em Moscou no início dos anos [mil novecentos e]
trinta. O diagrama que segue aqui é substancialmente baseado sobre o
qual aparece no Volume 4 da edição Soviética das Obras Completas
[Collected Works], complementado com material de outras fontes (Veja a
Figura 3.1).
SD. p. 393.
87
A espinha [dorsal] do diagrama vai da premissa do Sistema –
Através do Consciente para o Inconsciente [1] para a razão para a
performance, a Supertarefa [Supertask] [15], a qual deve permanecer
provisória até que tenha sido verificada e refinada através do processo de
ensaio. A consecução da Supertarefa [Supertask] [15] depende da
perspectiva do ator [para] o [83] Papel [13] e da Linha Transversal de
Ação [Through-Action] [14]. Em sequência vêm os fundamentos da
performance, [a] Ação Física [2] e as Circunstâncias Dadas do Aforismo
de Pushkin [3].
[84] Para operar dentro dos princípios do Sistema o ator tem três
faculdades naturais básicas, cada uma sujeita ao controle consciente em
graus variados – o Intelecto [6], o qual pode conceituar e fazer
julgamentos e está disponível como um instrumento consciente; a
Vontade [5], que está menos sujeita ao comando; e [o] Sentimento [4],
que está [ainda] menos sujeito a comando.
[A] Vivência/Experiência [Experience] [7], [a]
Encarnação/Caracterização Física [Physical Characterisation] [8] e [a]
Leitura [9] são as estratégias disponíveis durante a preparação e [o]
ensaio da peça. [9] fornece informações sobre as Circunstâncias Dadas.
No lado esquerdo estão os elementos reunidos sob a
Vivência/Experiência [Experience], que conduzem ao Estado Teatral
Interior [10]. No lado direito estão os elementos da
Encarnação/Caracterização Física [Physical Characterisation], que
conduzem ao Estado Teatral Exterior [11]. [10] e [11], se combinam para
formar o Estado Teatral Comum [12].
88
15 SUPEROBJETIVO PROPOSTO
Controle e Finalização E D
L E
A
7 VIVÊNCIA/ 8 ENCARNAÇÃO/ 9 LEITURA
Ç
EXPERIÊNCIA CARACTERIZAÇÃO FÍSICA Factual
Ã
O Social
Faculdades Humanas
4 SENTIMENTO 5 VONTADE 6 INTELECTO Literária
– Representação, julgamento
P Estética
a
2 AÇÃO FÍSICA 3 AFORISMO DE PUSHKIN
p Circunstâncias Dadas
e
l
1 ATRAVÉS DO CONSCIENTE PARA O
INCONSCIENTE
89
[83] Figura 3.1. Sistema de Stanislávski
[85] 4
O MÉTODO DE AÇÃO FÍSICA
Insatisfação
Nos últimos cinco anos de sua vida, a prática de Stanislavski passou por
uma mudança quase tão radical quanto a que ele tinha experimentado
nos cinco anos seguintes a suas férias na Finlândia. Desta vez não houve
uma crise imediata para precipitar a mudança. Pelo contrário, o TAM era
muito bem sucedido, com uma reputação internacional. Os métodos
atuais estavam, em geral, produzindo resultados. No entanto, Stanislávski
estava insatisfeito. Parecia-lhe que a integridade do Sistema precisava
ser reestabelecida. Ele passou muitos anos analisando o processo
criativo, dividindo-o em seus componentes. Agora havia uma necessidade
de reenfatizar a sua unidade orgânica. Muitas vezes, no seu ponto de
vista, atores e diretores selecionam aquelas partes do Sistema que lhes
atraem, ou às quais eles acham mais acessíveis, e ignoram o resto.
Havia ainda, apesar do sucesso global, dificuldades básicas, a
mais importante das quais permaneceram [era] a abordagem inicial do
ator ao papel. A insistência de Stanislávski sobre a importância do estágio
primário na criação de uma performance nunca variou e se houve uma
mudança radical na disposição/ordenação do [86] seu processo de ensaio
[in his ordering of the rehearsal process] ela surge da sua percepção de
que a síntese dos elementos do Sistema vêm não ao final, mas é inerente
ao começo, [está] na primeira aproximação ao texto [script].
Os métodos de ensaio que Stanislávski tinha desenvolvido não
estavam sendo geralmente seguidos, ou, pelo menos, eles não estavam
sendo usados adequadamente. Na seção de abertura da Parte Três de O
Trabalho do Ator Sobre o Papel [An Actor’s Work on a Role], Stanislávski
escreve em termos desiludidos, que lembra daqueles sobre os quais ele
descreveu a prática teatral corrente em seus dias de juventude.
Cortado em A Criação do Papel [Creating A Role].
90
O primeiro contato [acquaintance] com um papel, a aproximação
a ele, tem lugar, na maioria dos teatros, da seguinte maneira. O
elenco se reúne para ouvir a peça ser lida para eles. Se a leitura é
feita pelo autor ou alguém que conhece a obra, tanto melhor [so
well and good]. Ele não precisa ser um bom leitor, mas conhecer a
linha interna da peça. Tais pessoas dão uma impressão correta da
obra e a esclarecem. Infelizmente, muito frequentemente, a peça é
lida por alguém que não a conhece. Nestas circunstâncias, uma
visão um tanto distorcida é transmitida aos futuros intérpretes do
texto. Isso é extremamente prejudicial uma vez que as primeiras
impressões são profundamente gravadas na mente do ator. É difícil
corrigir essas más interpretações iniciais [initial misunderstandings]
para os futuros criadores da nova montagem.
Depois da primeira leitura, na maioria dos casos, os ouvintes
têm uma impressão da obra que está longe de ser clara. Para
remediar isso, é organizado um chamado ‘bate-papo’. Quer dizer, o
elenco se reúne novamente e cada membro dá sua opinião sobre a
peça que ele ouviu. [Os pontos de] vista raramente são unânimes
sobre qualquer dado momento [given point]. [87] Na maioria das
vezes eles são bastante contraditórios e pelas razões mais
diversas e inesperadas. A confusão reina nas mentes daqueles
prestes a interpretar o texto [script].
Mesmo aqueles que aparentemente têm algum conceito da obra
perdem seu controle sobre ela. É ruim ser privado de suas
opiniões. Depois dessas conversas os artistas estão tão confusos
sobre seus novos papéis como eles estariam se se deparassem
com um enigma que tivessem de resolver rapidamente. É doloroso
e cômico ver o quão indefesos eles estão. Também é deplorável e
vergonhoso por causa da impotência de nossa psicotécnica. A fim
de penetrar a misteriosa intimidade de um papel, os artistas que
não estão equipados com um sistema tentam forçar uma entrada
de qualquer maneira que podem. Sua única esperança é que
algum acidente feliz irá deixá-los passar. Eles não podem fazer
mais do que agarrar-se a palavras como ‘intuição’, ‘subconsciente’
as quais eles de fato, não entendem. Se eles estão com sorte e [a]
fortuna está com eles, [a] consideram como um ato da Providência,
um presente dos deuses.
Se a sorte não está com eles, passam horas encarando o texto
aberto, tentando todas as maneiras de penetrar no papel [to get
into the part], não só mental, mas fisicamente. Tensos, exaustos
por seus esforços, eles tentam se concentrar murmurando as
palavras do texto, as quais são bastante estranhas para eles. Sua
gesticulação e expressões faciais, que não são motivadas a partir
do interior, não são reais, elas são trejeitos horríveis. Quando
nenhuma outra ajuda está próxima eles vestem trajes e
maquiagem de forma a aproximar-se do papel pela [aparência]
exterior.
91
É difícil entrar em um corpo que não é do seu próprio tamanho.
Onde está a abertura na armadura? O resultado é a tensão.
Mesmo aqueles momentos vitais raros que deram vida interior e
agitaram a alma depois da primeira leitura chegam a um fim
abrupto e o artista está [88] diante de seu papel como ante um
boneco de pelúcia [stuffed dummy]... Que danos isso faz à sua
energia criativa!
92
que é supérfluo vem também, informações desnecessárias, ideias
e sentimentos que, inicialmente, apenas confundem [clutter up] a
cabeça e o coração, assustam o ator e inibem a sua própria livre
criação. Assimilar o que é externo e alheio é mais difícil do que
criar com a própria inteligência e o coração.
Mas o pior de tudo, todos esses comentários, vindos de fora,
caem sobre solo sem preparo, não arado [untilled], árido. Não é
possível julgar uma obra ou as experiências que ela contém, se
você não tiver reconhecido uma parte de si mesmo nos escritos do
autor.
Se o ator está num estado preparado para aprender ideias
alheias e sentimentos armados com suas forças internas e seu
aparato externo, os quais tornam a caracterização
física/encarnação [physical caracterisation] possível; se ele sente
chão firme sob seus pés, ele irá aprender o que precisa para
aceitar ou rejeitar entre os conselhos, úteis ou não, o que lhe é
oferecido.
SS. Vol. 4, pp. 313-15.
93
[enticed]. Agora lhe parecia que qualquer tipo de tentativa direta para
evocar o sentimento ou a memória do sentimento tinha de ser evitada.
Assim como era errado para o ator ser atacado [assaulted] por uma série
[battery] de fatos e de conhecimento exterior, também era errado atacar
suas próprias emoções.
Se o intelecto pode inibir, e as emoções são volúveis, onde pode o
ator começar em sua exploração de um papel? A resposta é, com o que
está mais imediatamente disponível para ele, com o que responde mais
facilmente aos seus desejos – o seu corpo.
94
imediatamente na exploração física de O Inspetor Geral [The Government
Inspector].
No método da Ação Física, ou mais precisamente, o Método de
Análise Através da Ação Física, o ator começa criando, em sua própria
pessoa, muito frequentemente em detalhes precisos, uma sequência
lógica de ações, baseadas na pergunta ‘O que eu faria se...’, o ‘se’ sendo
suas intenções dentro das circunstâncias dadas da peça. Neste estágio,
ele está usando suas próprias palavras, não as do autor. A totalidade do
ser do ator está, portanto, comprometida desde o começo. As
circunstâncias e as ações prontamente tornam-se [they prompt become],
no processo de exploração, uma realidade pessoal.
SS. Vol. 2, pp. 380-1.
95
sua alma irá abrir-se para receber todos os objetivos interiores e
[as] emoções de seu papel...
Você não pode dominar o método das ações físicas se você não
dominar o ritmo. Cada ação física está inseparavelmente ligada
com o ritmo que a caracteriza.≠
A Criação do Papel [Creating a Role], p. 150. Veja também a p. 239.
≠
SNE. p. 170.
96
evento/acontecimento [event] pode ser, por exemplo, ‘entrando numa
escola de teatro’. Isso iria exigir do pretendente a realização de uma
série de ações por um período relativamente longo [over a fairly lengthy
period]. Elas, no entanto, só teriam significado em relação umas com as
outras. O ator, em consequência, ao invés de ficar atolado nas minúcias
de seu papel, é obrigado a pensar adiante, isto é, dinamicamente,
projetando para frente o tempo todo.
O Texto
Tendo estabelecido contato sólido [firm contact] com o material da
peça em sua própria pessoa, o ator então está pronto para começar a
assumir as características específicas do papel, quase por osmose. [94]
Não devem ser forçadas, [sem] nenhuma tentativa de atulhar sua
natureza em um molde alheio. Ele também está pronto para o texto do
autor agora que a necessidade para ele [o texto] foi criada e ele pode ser
visto como a expressão inevitável de tudo o que se passou antes. Análise
e estudo tornam-se então funções vitais e criativas.
Ao conter [holding back] o texto para uma fase posterior dos
ensaios Stanislávski não estava de forma alguma desvalorizando-o, ou
sugerindo que fosse de importância secundária para a expressão física,
ou não-verbal. Pelo contrário, ele considerou a ação verbal como a mais
artisticamente satisfatória e expressiva de todas. Ele estava muito
preocupado em manter o texto fresco. Palavras repetidas mecanicamente
durante os ensaios sem significado ou justificação tornam-se meramente
alojadas nos músculos da língua e nada mais.
Isso foi particularmente importante quando se tratou de grandes
dramaturgos como Shakespeare:
97
personagem conforme ele se desenvolve, e torná-lo seguro. As
palavras reais devem servir apenas a ação, elas são um dos meios
externos pelos quais se dá a expressão física para a essência
interior de um papel. Esperem até que as palavras sejam
absolutamente essenciais para que vocês possam cumprir suas
tarefas do modo mais positivo. [...]Então o texto [script] torna-se
indispensável e vocês terão prazer nele [you will take joy in it],
como um violinista a quem foi dado um [violino histórico feito por
um grande mestre] para tocar. Com ele pode expressar sua vida
interior, seus sentimentos secretos e agitações melhor do que com
qualquer outra coisa. Uma vez que vocês tenham [se] identificado
com a sequência das tarefas verdadeiras, genuínas de seus
papéis, logo irão entender que vocês não vão encontrar uma
melhor maneira de cumpri-las do que usando as palavras que o
gênio [95] Shakespeare escreveu. Então vocês irão agarrá-las com
as duas mãos e elas virão frescas, em plena floração, não sujas e
desgrenhadas de todo o preliminar trabalho incompleto
[sketchwork] [que] vocês tenham feito.
O Terceiro Ser
Ao trazer a personalidade do ator e o personagem do autor juntos
numa relação orgânica, Stanislávski encontrou a solução para um velho
dilema. Shchepkin tinha falado de apagar a própria personalidade para se
tornar o personagem. Mas Stanislávski veio a perceber que a única fonte
verdadeira de material para o ator é ele mesmo e que sem essa base
pessoal era impossível criar um autêntico ser humano. O processo de
criação do personagem não é o da auto anulação, mas o da
autotransformação por meio da qual as próprias experiências de vida
tornam-se a experiência do personagem. Um terceiro ser é criado, uma
fusão do personagem que o autor escreveu e a própria personalidade do
ator, o ator/papel. Seria, como ele colocou, um novo filho, com o autor
como pai, o ator como mãe, e o diretor como a parteira.
O ‘sistema’ reestruturado
No desenvolvimento de um novo método de trabalho, Stanislávski
de modo algum contradisse tudo o que ele havia escrito ou ensinado
sobre a ‘gramática’ da atuação. O Método da Ação Física só pode
SS. Vol. 4 (1957), p. 218.
98
realmente ser praticado por aqueles que dominam a técnica psicofísica
delineado em ambas as partes de O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo
[An Actor’s Work on Himself]. O que o novo método faz é trazer todos os
elementos do Sistema numa unidade maior, tornando-a orgânica ao ator e
seu processo.
[96] Em 1938, Stanislávski planejou uma montagem de Tartufo
[Tartuffe], a qual seria para demonstrar seu novo método. A escolha de
uma peça clássica em verso, ao invés de uma peça mais obviamente
‘naturalista’, foi deliberada e concebida para provar a aplicabilidade
universal do Sistema. Ele morreu enquanto a peça ainda estava em
ensaio, embora ele tenha feito trabalho o suficiente para a apresentação
[performance] seguir adiante. Sendo assim, ele não deixou nenhuma
descrição formal do novo método nem foi capaz de completar a tarefa de
revisar e reformular sua sequência de livros à luz de suas novas
descobertas. Restam apenas alguns rascunhos e anotações. Coube a
seus jovens colegas e colaboradores da época explicar e desenvolver
seus últimos experimentos.
Veja o Apêndice 1.
99
[97] 5
A PROGRESSÃO DE UMA IDEIA
As ideias de Stanislávski não ganharam aceitação imediata, nem
mesmo entre seus colegas mais próximos. A revisão radical de sua
abordagem aos problemas da atuação e [da] direção a qual ele anunciou
em seu retorno da Finlândia em 1906 e novamente sua mudança de
método em 1933, foram resistidas. Mesmo Nemirovitch não estava
totalmente convencido, até mesmo apesar do apoio público que deu, em
uma ocasião, dirigido a toda a companhia a quem ele considerava estava
sendo obstrutiva.
Foi principalmente para os jovens atores que Stanislávski voltou-se
e a quem, com o apoio de alguns amigos fiéis, ele treinou. Ele logo
percebeu que os ensaios não eram o melhor lugar para ensinar o
Sistema. Como resultado quatro Estúdios [Studios] para atores foram
fundados entre 1912 e 1921 para ensinar os alunos, juntamente com um
estúdio de ópera em 1924 para os cantores. Nos anos [mil novecentos e]
trinta, foi com um grupo de amigos e jovens atores que Stanislávski
trabalhou sobre o Método de Ação Física. Isso não quer dizer que o
próprio Stanislávski não fosse respeitado como um artista, mesmo
venerado, mas esse respeito não implica [98] aceitação automática de
suas teorias. Os métodos de trabalho do TAM foram frequentemente alvo
de escárnio e ridicularização mesmo até tão tarde quanto 1930. É talvez
só no período pós-guerra que, na União Soviética, o ‘sistema’ Stanislávski
torna-se a pedra angular do treinamento/da formação [the corner-stone of
training].
Fora da Rússia as ideias de Stanislávski foram frequentemente mal
compreendidas. Há razões históricas para isso. Originalmente elas foram
trazidas para o ocidente por atores que trabalharam tanto no TAM ou em
um dos Estúdios e tiveram a vivência/experiência [experience] do Sistema
em ação. A questão é quando eles foram ensinados e em que estágio do
SD. pp. 192-3.
100
desenvolvimento do sistema. Grotowski expressou o problema de forma
concisa:
Jerzy Grotowski, Em Busca de Um Teatro Pobre [Towards a Poor Theatre], Londres,
Methuen, 1969, p. 206.
Boleslavsky, A Arte do Ator: As Primeiras Seis Lições [Acting: The First Six Lessons],
Nova York, Theatre Arts Books, 1949. Veja também Cole e Chinoy (ed.), Atores em
Atuação [Actors on Acting], Nova York, Crown, 1970.
101
elemento fundamental na atuação era a recordação/lembrança
[recollection] da emoção. O resultado pode ser uma forma introvertida de
atuação. O Método tende a substituir as circunstâncias dadas pela
biografia do ator, a psicologia do personagem pela personalidade do ator.
O ator não reestrutura elementos de si mesmo para revelar o significado
do texto tanto quanto consegue o texto dentro do âmbito de sua própria
experiência. Nas mãos dos atores estrela [star players] ele pode produzir
resultados carismáticos. Usado por talentos menores os resultados
frequentemente podem ser autoindulgentes e ridicularizantes [self-
indulgent and stultifying]≠. Foi precisamente a esses talentos menores, no
entanto, que o Sistema foi projetado para ajudar.
Outro obstáculo para a compreensão adequada é o modo errático
no qual os livros de Stanislávski apareceram. Isto é devido [100] em
grande parte a problemas editoriais e do acidente da guerra. Minha Vida
na Arte [My Life in Art] foi publicado nos Estados Unidos em 1924. A
Preparação do Ator [An Actor Prepares] apareceu nos Estados Unidos em
1936, mas o volume complementar, A Construção do Personagem
[Building a Character] não foi publicado até 13 anos mais tarde, em 1949.
Houve mais uma lacuna de doze anos antes da publicação de A Criação
do Papel [Creating a Role], em 1961. Sob estas circunstâncias, a
totalidade do esquema de Stanislavski é difícil de captar [to grasp].
Coleções de fragmentos independentes, fora de contexto, como
podem ser encontrados em O Legado de Stanislávski [Stanislavski’s
Legacy] e Manual do Ator [An Actor’s Handbook] não ajudam o estudante
a compreender a coerência do ‘sistema’. Na ausência de uma edição em
Língua Inglesa das Obras Completas [Collected Works] de Stanislávski, a
situação não pode ser retificada.
O ‘Sistema’ Stanislávski não é importante como um conjunto de
exercícios ou preceitos, os quais se seguidos religiosamente irão resultar
numa boa atuação. O conhecimento da gramática não é garantia de ser
A Herança de Stanislávski: Carta de Lee Strasberg para Christine Edwards, p. 261.
≠
Há um Método em Atuação Britânica [British Acting] citado em A Herança de
Stanislávski [The Heritage Stanislavski], pp. 268-9.
102
capaz de escrever imaginativamente; uma capacidade de manipular as
figuras de retórica não irá criar poesia. A gramática fornece uma estrutura
dentro da qual a mente criativa pode operar. O ‘sistema’ é importante
porque chama a atenção para certas questões precisas e sugere métodos
para resolvê-las. As soluções não podem simplesmente ser repetidas, ou
imitadas – que é o retorno ao clichê. As perguntas surgem cada vez que
uma peça vai ser ensaiada. O que Stanislávski oferece é um processo de
tomada de decisão que não violenta ao ator e suas possibilidades
criativas.
SS. Vol. 3, p. 309.
103
[103] Apêndice 1
Existem diferenças significativas entre as edições em Língua
Russa das obras de Stanislávski e as traduções disponíveis em Inglês.
Entre 1951 e 1964 uma edição de 8 volume das Obras Completas
[Collected Works] foi impressa na antiga União Soviética. Esta foi
suplantada por uma nova edição de 9 de volumes, a qual começou a ser
publicada em 1988. Ela Consiste de:
104
[104] Minha Vida na Arte [My Life in Art] foi encomendado por uma
editora [Norte] Americana para coincidir com a turnê do TAM [pelos] E.U.
Ele foi ditado para O. F. Boshkansakaia durante 1922 e 1923 e traduzido
capítulo por capítulo. O livro foi, na própria admissão de Stanislavski,
apressadamente organizado. A memória de Stanislávski para fatos e
datas não era boa. Ele tem mesmo o momento de seu encontro histórico
com Nemirovitch errado, afirmando que começou às dez da manhã,
enquanto que, na verdade, começou às duas da tarde. Ele decidiu que o
livro deveria ser revisado para a primeira edição Russa e pediu à Sra.
Gurevich para ajudá-lo. A edição [Norte] Americana traduzida por J. J.
Robbins apareceu em 1924, a Russa em 1926. Stanislávski rejeitou
categoricamente a edição [Norte] Americana e insistiu que ele gostaria de
ser lembrado pela edição Russa, de 1926.
O texto foi revisado novamente em 1936, quando Stanislávski o viu
como parte de sua sequência planejada de obras. A versão que forma o
Volume 1 das Obras Completas [Collected Works] é mais completa do
que a disponível em Inglês. Em particular os capítulos finais são mais
longos e mais informativos, especialmente no concernente ao
desenvolvimento/crescimento [growth] do Sistema.
Há também uma mudança da ordem dos capítulos a qual torna o
desenvolvimento de Stanislávski muito mais claro. Embora as discussões
com Gordon Craig concernentes ao Hamlet começam em 1908, a noite de
estreia não aconteceu até janeiro de 1912. A fim de entender a evolução
do pensamento de Stanislávski, é melhor portanto adotar a ordem Russa
e ler o capítulo 57 depois do capítulo 53, de modo que a relação da
montagem de Um Mês no Campo [A Month in the Country] com as
conclusões alcançadas na Finlândia seja mais aparente.
A edição Soviética também publica, num apêndice, passagens as
quais Stanislávski corta a conselho de amigos.
105
Work on Himself] também apareceu primeiro nos Estados Unidos como
A Preparação do Ator [An Actor Prepares]. Em 1928, Stanislávski sofreu
um ataque cardíaco. Ele foi para Badenweiler para ser tratado pelo
médico de Tchekhov. Lá ele se juntou a Norman e Elizabeth Hapgood
com quem formou uma estreita amizade em Nova York, em 1923, durante
a turnê [Norte] Americana. Eles agregaram suas vozes aos muitos outros
que estavam pedindo a ele que colocasse seus ensinamentos numa
forma permanente. A família Stanislávski mudou-se para Nice onde
permaneceram por vários meses com os Hapgoods como seus vizinhos.
Stanislávski continuou a trabalhar sobre O Trabalho do Ator [An Actor’s
Work] o qual estava em forma de esboço. A Sra. Hapgood traduziu o
manuscrito para o Inglês, enquanto Norman Hapgood, que era um
experiente editor e crítico de teatro, foi ativo com um lápis vermelho,
sugerindo cortes e mudanças. A Sra. Hapgood traduziu as sugestões de
seu marido de volta para o Russo para aprovação de Stanislávski.
Stanislávski assinou um contrato com a Sra. Hapgood dando-lhe plenos
poderes de procuradora para agir em seu nome no recebimento de
royalties para ele e seus herdeiros e na negociação de contratos. Como
Stanislávski escreveu à Sra. Gurevich, em Dezembro de 1930, o formato
do livro no final de 1930 era em grande parte devido aos conselhos de
Norman Hapgood. Naquele mesmo ano foi assinado um contrato com a
Editora da Universidade de Yale [Yale University Press]. Um texto em
Russo completo foi encaminhado para os Hapgoods em Nova York em
1935 e a Sra. Hapgood devotou os próximos dois anos preparando a
tradução final [para o] Inglês. Ao receber o manuscrito, a E[ditora da]
U[niversidade de] Y[ale] [YUP] o rejeitou como não comercial
principalmente por causa das repetições. Em 1935 a [editora] Livros de
Arte Teatral [Theatre Art Books] aceitou o livro sob a condição de que
cortes adicionais fossem feitos. Stanislávski concordou. Tal como
[aconteceu] com Minha Vida na Arte [My Life in Art], Stanislávski então
produziu uma edição Soviética diferente. Passagens foram reescritas e
alguns materiais transferidos para a Parte Dois. Os dois capítulos finais
106
foram substancialmente retrabalhados, [106] principalmente em resposta
a reações hostis da censura soviética. Um prefácio foi adicionado, de
novo principalmente para apaziguar as autoridades. Mesmo depois que o
livro tinha sido enviado para as impressoras, Stanislávski continuou a
rascunhar passagens para inclusão em edições posteriores. Ele ainda
estava trabalhando neles na sua morte em Agosto de 1938. O Trabalho
do Ator Sobre Si Mesmo: [O Trabalho Sobre Si Mesmo no Processo
Criador das Vivências/Experiências] [An Actor’s Work on Himself Part
One] apareceu em setembro. Ele foi republicado como Volume 2 das
Obras Completas [Collected Works] em 8 Volumes em 1954 e então
novamente, depois de um pouco menos de trabalho editorial [after further
minor editorial work], como parte da nova edição Russa em 9 volumes, de
1989. Esta versão do livro nunca foi traduzida para o Inglês. Em 1936,
para estabelecer direitos autorais [copyright] nos Estados Unidos, a Sra.
Hapgood registrou a ela e seu marido como coautores. Os direitos
autorais conjuntos desta e de outras obras publicadas de Stanislávski, foi
renovado em 1964. Depois que a primeira edição Russa apareceu em
1938, as excisões da Sra. Hapgood foram severamente criticadas. Para
combater a hostilidade crescente a [editora] Livros de Arte Teatral
[Theatre Arts Books] contratou um especialista para fazer uma
comparação detalhada do original e [d]a tradução. Isto resultou em uma
declaração autenticada declarando que, para além da eliminação das
repetições, os dois textos eram idênticos. Mais tarde, a crítica , no
entanto, colocou a precisão da tradução e a sabedoria dos cortes em
dúvida.
Em 2008, o próprio Jean Benedetti lançou uma tradução diretamente do Russo para o
Inglês juntando as duas partes do livro como queria inicialmente Stanislávski, sob o título
O Trabalho do Ator: O Diário de um Estudante [An Actor’s Work: A Student’s Diary]. N.T.
Carnicke, Sharon M., A Preparação do Ator [An Actor Prepares] em Jornal do Teatro
[Theatre Journal], Dezembro de 1984, pp. 481-94.
107
Estados Unidos em 1949, sob o título A Construção do Personagem
[Building A Character]. Existem grandes [wider] diferenças entre as
edições em Inglês e em Russo. Em 1937, a Sra. Hapgood visitou Moscou
e Stanislávski prometeu a ela o manuscrito. Sua morte em 1938 e a
guerra no ano seguinte, atrasaram a entrega até o final dos anos [mil
novecentos e] quarenta. A publicação estava [107] planejada para 1948
mas foi adiada até 1949, visto que a Sra. Hapgood tinha recebido novo
material enviado pelo filho de Stanislávski, Igor, de acordo com a vontade
de seu pai.
A versão Soviética apareceu em 1955. Ela está substancialmente
baseada, como indicado no Capítulo Três, sobre o trabalho editorial
efetuado por G. Kristi, [uma] parte sob a supervisão de Stanislávski. As
notas contêm detalhes do material de arquivo o qual havia sido
selecionado e o modo no qual ele foi reunido. Como [aconteceu] com os
volumes precedentes, material suplementar foi fornecido – revisões,
novas passagens para inserção – na preparação para uma reformulação
do todo. Há também esboços de programas de ensino para ambos,
atores e cantores.
Uma comparação do sumário [the contents page] de A Construção
do Personagem [Building A Character] e a sequência de capítulo[s] de O
Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo [: O Trabalho Sobre Si Mesmo no
Processo Criador da Encarnação/Caracterização Física [An Actor’s Work
on Himself Part Two], revela as principais diferenças. Cada livro contém
material ausente no outro. Onde capítulos cobrem o mesmo tópico,
diferentes variantes, das quais poderia haver muitas, têm sido utilizadas.
Assim, ao passo que conceitualmente os livros são próximos, ao nível do
texto são amplamente/largamente [widely] díspares.
Somos, portanto, defrontados com duas versões da mesma obra,
baseadas em dois conjuntos separados de decisões editoriais. A edição
Soviética de 1955, em comum com outros volumes produzidos como
parte das Obras Completas [Collected Works] na atmosfera Stalinista
opressiva dos [anos] 1950, foi adulterada [doctored] por razões
108
ideológicas, a fim de trazer textos de Stanislávski na linha/em
consonância [into line] com a doutrina oficial do Realismo Socialista. A
nova edição Russa de 1990 é um texto revisado e reeditado, com base
num reexame do material [do] arquivo. Apresenta-se claramente como
‘material para um livro’. Este não foi traduzido para o Inglês.
Em 2008, o próprio Jean Benedetti lançou uma tradução diretamente do Russo para o
Inglês juntando as duas partes do livro como queria inicialmente Stanislávski, sob o título
O Trabalho do Ator: O Diário de um Estudante [An Actor’s Work: A Student’s Diary]. N.T.
109
[109] Apêndice 2
Comparativo [da] Terminologia
Stanislávski usou vários termos nos diferentes períodos de sua vida. No
[ano de] 1930 ele usou dois conjuntos simultaneamente; um para seus
livros, o outro quando trabalhou no Estúdio de Ópera Dramática [Opera-
Dramatic Studio]. Elizabeth Hapgood produziu equivalentes para a
terminologia em seus livros. Eles são tabelados na página 110. [110]
Análise “O Trabalho do Estúdio de Hapgood
Ator Sobre Si Ópera Dramática
Mesmo”
Decide provisoriamente Supertarefa Supertarefa Superobjetivo
sobre o que é a peça
110
[111] Índice de Tópicos
A seguir está uma lista dos principais tópicos referidos no texto
Entre colchetes, a página no original.
111