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Estamos vivendo uma pandemia causada maior risco para quadros graves e morte: idosos
por um novo coronavírus, um grupo de agentes (acima de 60 anos), cardiopatas (particularmente
virais que causa principalmente quadros respira- hipertensos), diabéticos, pessoas com doenças
tórios, em adultos e crianças1. À doença causa- respiratórias crônicas (asma, atelectasias, bron-
da por esse vírus damos o nome de COVID-19 quiectasias, tuberculose) ou com doenças/uso de
(Coronavirus Disease, cuja disseminação iniciou medicamentos que afetem o sistema imunológico
no fim de 2019). (imunossupressores para doenças autoimunes e
quimioterápicos para o câncer), estes últimos inde-
Os sintomas mais comuns, febre e tosse seca,
pendentes de idade4.
acontecem na grande maioria dos indivíduos.
Outros sintomas frequentes em adultos são mial- Há controvérsias com relação ao uso crônico
gia, fadiga, falta de ar e secreção2. Alguns pacien- de medicamentos anti-hipertensivos que interfiram
tes evoluem para um quadro respiratório grave, que com a ECA-2, que funciona como receptor para
denominamos Síndrome Respiratória Aguda Grave entrada do COVID19 nas células. No entanto, até
(Severe Acute Respiratory Syndrome – SARS) se- o presente momento, as sociedades de cardiologia
melhante ao causado por outro coronavírus que recomendam que esses medicamentos não sejam
provocou uma epidemia nos anos de 2002/2003 suspensos, pois o descontrole das doenças cardio-
(SARS-CoV), e outro que surgiu no Oriente Médio vasculares representa elevado risco.
em 2012 (MERS-CoV). O agente etiológico que
Os Erros Inatos da Imunidade (EII) (ou
causa a COVID-19 e a pneumonia com graves
Imunodeficiências Primárias) são representados
repercussões pulmonares, é denominado SARS-
por mais de 400 doenças monogênicas, diferentes
CoV-2. Esses três coronavírus são zoonoses, ao
entre si, acometendo em diferentes intensidades
contrário dos demais vírus do grupo que acome-
diversos setores do sistema imunológico. De uma
tem seres humanos.
maneira geral, pacientes com diagnóstico de algu-
Os relatos provenientes dos primeiros países ma imunodeficiência primária apresentam o mes-
afetados, como China e Itália, e mais recentemen- mo risco que todas as pessoas para se infectar
te, Espanha e os EUA, têm apontado indivíduos de pelo coronavírus, mas apresentam riscos diferen-
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tes para ter a doença respiratória grave por esse predispõem a um quadro pulmonar mais grave,
vírus, na dependência do tipo de defeito do siste- caso venham a ter a COVID-19.
ma imunológico.
A imunoglobulina policlonal humana em uso
Ainda não há estudos ou relatos na literatura não confere proteção contra o atual coronavírus,
sobre o acometimento de pacientes com EII. No pois contém anticorpos provenientes do plasma de
entanto, considerando o tipo de defeito no setor doadores, coletado muito antes do início da pande-
imunológico, podemos dividir os EII em três grupos mia. Não há indicação para usar imunoglobulina no
de risco para a COVID-19: extremamente vulnerá-
tratamento da COVID-19. Entretanto, seu uso na
veis, moderadamente vulneráveis e de baixo risco
pneumonia grave com finalidade de imunomodu-
(ver Quadro 1)3. Pacientes com angioedema here-
lação ainda está em estudos. Somente no futuro,
ditário são considerados imunocompetentes e não
será possível fabricar imunoglobulinas a partir
apresentam risco maior do que o da população em
geral3. do plasma de indivíduos que foram infectados
pelo COVID19 e que contenham anticorpos para
Pacientes com imunodeficiência combinada
este agente. Tais produtos serão extremamente
são os de maior risco. Pacientes que foram recen-
necessários para os pacientes com deficiência
temente transplantados e que usam medicamen-
de anticorpos, pois mesmo que surja uma vaci-
tos imunossupressores também apresentam risco
na no futuro, esses pacientes não conseguirão
significativo de ter quadros mais graves pelo coro-
desenvolver uma resposta anticórpica efetiva, e
navírus. Nesses casos, as medidas de isolamento
social são fundamentais. dependerão da terapia de reposição de imuno-
globulinas, obtidas de doadores que sobrevive-
Pacientes com risco moderado são, principalmen-
ram à infecção ou que tenham recebido vacinas
te, portadores de imunodeficiência comum variável,
eficazes e seguras.
agamaglobulinemia congênita e doença granuloma-
tosa crônica. Pacientes com deficiência seletiva de Pacientes com diagnóstico de um EII no qual
IgA e defeitos de anticorpos específicos sem doen- não se indica a reposição de imunoglobulina, como
ça pulmonar, são considerados de baixo risco. é o caso da deficiência seletiva de IgA, também
Pacientes de risco moderado ou baixo, devem não têm indicação para receber imunoglobulina
obedecer às mesmas recomendações que a po- como forma de prevenção da COVID-19.
pulação em geral. Entretanto, vale ressaltar que Até o momento, não há tratamento específico
os pacientes que apresentam defeitos na produ- para o coronavírus, como é o caso de várias outras
ção de anticorpos, os EII mais comuns, a princí- infecções virais. Alguns medicamentos vêm sendo
pio, não apresentam risco maior de infecção pelo
testados para tratar a COVID-19: cloroquina/hidro-
coronavírus, mas apresentam maior risco de evo-
xicloroquina, interferon alfa2B, antivirais usados
luir para uma infecção viral grave, ou mesmo uma
para AIDS, oseltamivir e favipiravir (usados para
complicação bacteriana após a infecção viral, tal
Influenza) e anti-IL6. No entanto, os resultados ob-
como pode ocorrer com muitas outras infecções vi-
rais. Ressaltamos que esses pacientes não terão tidos até o momento são incertos. Não há qualquer
capacidade de responder adequadamente à infec- evidência de que vitamina C, vitamina D, medica-
ção por COVID19, pois são incapazes de produzir mentos fitoterápicos ou homeopáticos tenham efei-
anticorpos. Além disso, pacientes com defeitos na to na prevenção ou no tratamento do coronavírus.
produção de anticorpos, principalmente na idade Há estudos em andamento com o uso de imuno-
adulta, podem ter sequelas pulmonares, notada- globulina hiperimune para o SARS-CoV-2, com re-
mente bronquiectasias e fibrose. Essas sequelas sultados animadores5.
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Quadro 1 - Estratificação de risco para COVID-19 em pacientes com imunodeficiências primárias (IDP)
ou erros inatos da imunidade (EII) e imunodeficiências secundárias
Imunodeficiências
Imunodeficiências Imunodeficiência Outros defeitos primários
primárias
combinadas de células T e B comum variável na produção de anticorpos
sem alteração pulmonar
Linfopenia CD4 no contexto Agamaglobulinemia e sem necessidade de
de qualquer EII congênita uso de imunoglobulina
ou antibióticos profiláticos
Qualquer EII necessitando uso Doença granulomatosa
de antibioticoprofilaxia ou crônica Deficiência de MBL
imunoglobulina com comorbidades*
Outras IDP em uso de Deficiência seletiva de IgA
Qualquer EII necessitando uso imunoglobulina ou
de antibioticoprofilaxia ou antibioticoprofilaxia
imunoglobulina E em uso de que não preencham
mais de 5 mg de prednisolona critérios do grupo 1
ao dia ou imunossupressores**
ou anticorpos monoclonais*** Defeitos do sistema
ou inibidores da JAK# do Complemento
por mais de 4 semanas (exceto de MBL)
Desordens associadas a
hemofagocitose linfohistiocítica
Imunodeficiências
Necessidade de uso de Defeitos secundários
secundárias
imunoglobulina ou antibiótico de anticorpos que não
profilático e com comorbidades* preencham os critérios
do grupo 1
Necessidade de uso de
antibioticoprofilaxia ou
imunoglobulina E em uso de
≥ 5 mg de prednisolona ao dia
ou imunossupressores** ou
anticorpos monoclonais*** ou
inibidores da JAK# por mais
de 4 semanas
Fonte: “Advice for Healthcare professionals looking after patients with immunodeficiency regarding COVID-19” de 24 de março de 2020 da UK PIN (Advanced
Care in Primary Immunodeficiency)2.
* Comorbidades: idade > 70 anos, diabetes mellitus, doença pulmonar pré-existente, insuficiência renal, hipertensão arterial sem controle, história de cardiopatia
isquêmica, hepatopatia crônica.
** Imunossupressores: azatioprina, metotrexato, micofenolato, ciclosporina, ciclofosfamida, tacrolimo, sirolimo. Não inclui hidroxicloroquina ou sulfassalazina.
*** Anticorpos monoclonais: rituximabe há < 1 ano, todos os anti-TNF, tocilizumabe, abatacept, belimumabe, anakinra, ustekinumabe, sarilumumabe,
canakinumabe.
#
Inibidores da Jak: ruxolitinibe, baracitinibe, tofacitinibe e outros.
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Concluindo, as medidas mais importantes
em pacientes adultos com EII são:
• Não usar qualquer medicamento novo sem conversar com seu médico.
• A vacina anti-influenza (vacina para gripe) está indicada, mesmo que não haja
garantias de resposta de anticorpos. Havendo dúvidas sobre aplicação de
vacinas, consulte seu médico.
Referências:
1. Raoult D, Zumla A, Locatelli F, Ippolito G, Kroemer G. Coronavirus infections: Epidemiological, clinical and
immunological features and hypotheses. Cell Stress. 2020. Mar 2. doi: 10.15698/cst2020.04.216.
2. Jiang F, Deng L, Zhang L, Cai Y, Cheung CW, Xia Z. Review of the Clinical Characteristics of Coronavirus
Disease 2019 (COVID-19). J Gen Intern Med. 2020 Mar 4. doi: 10.1007/s11606-020-05762-w.
3. Primary Immunodeficiency UK. Advice on Coronavirus (COVID-19) for PID patients [site na Internet]. Disponível
em: http://www.piduk.org/whatarepids/management/coronavirusadviceforpidpatients.
4. Liu K, Chen Y, Lin R, Han K. Clinical feature of COVID-19 in elderly patients: a comparison with young and
middle-aged patients. J Infect. 2020 Mar 11:S0163-4453(20)30116-X. doi: 10.1016/j.jinf.2020.03.005.
5. Chenguang Shen, Zhaoqin Wang, Fang Zhao, et al. Treatment of 5 Critically Ill Patients With COVID-19 With
Convalescent Plasma. JAMA. Published online March 27, 2020. doi:10.1001/jama.2020.4783.