Você está na página 1de 215

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE LETRAS E ARTES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
DOUTORADO EM MÚSICA

Do Tejo ao Rio de Janeiro: uma história de fados

ALBERTO BOSCARINO JUNIOR

RIO DE JANEIRO, 2011


Do Tejo ao Rio de Janeiro: uma história de fados
.

ALBERTO BOSCARINO JUNIOR

Tese de Doutorado submetida ao programa


de Pós-Graduação em Música do Centro de
Letras e Artes da UNIRIO, como requisito
parcial para a obtenção do grau de Doutor,
sob a orientação da Professora Dra. Martha
Tupinambá de Ulhôa e co-orientação da
Professora Dra. Icléia Thiesen

Rio de Janeiro, 2011

ii
iii
Dedico este trabalho a minha esposa Cristina e ao meu filho Rafael.

Aos meus avós Manuel Mendes e Maria Benedicta dos Reis, o encontro de Portugal e
África na construção de nossa identidade cultural.

iv
v
AGRADECIMENTOS

Agradeço a orientação da Professora Doutora Martha Tupinambá de Ulhôa


pela objetividade, precisão e clareza de sua orientação neste projeto, por sua erudição
e por seus sábios ensinamentos, e sobretudo por sua serenidade diante das dúvidas
suscitadas no decorrer deste estudo.

Agradeço o acolhimento generoso da Professora Icléia Thiesen, as indicações


bibliográficas e metodológicas e a concordância em atuar como co-orientadora da tese.

Aos amigos Alexandre Geraldo, Luiz Carlos Brendler, Lelia Brazil, Mario
Louro, Claudia Waite, Julio Giannini, Jane Rodrigues do Santos, Bartolomeu Wiese,
Márcia Carnaval, Helenice Cunha, Luiz Carlos Chaves da Silva, Maria de Fátima
Chaves de Carvalho, Maria Isabel Chaves de Carvalho Nabuco, Irene Chaves da Silva,
presentes nos momentos importantes de minha vida, e que me fazem compreender
toda a dimensão da palavra irmandade.

Aos Professores Silvio Mehry, Luiz Paulo Sampaio, Roberto Gnattali, Carole
Gubernikoff, e a todos os professores do Programa de Pós-Graduação da Universidade
Federal do Estado do Rio Janeiro UNIRIO, pela seriedade e aplicação que conferem
aos seus alunos.

Ao amigo Jorge Chaves, sábio livreiro de nossa universidade.

Aos professores Mônica Duarte, Luiz Otávio Braga e Elizabeth Travassos, que
elevam com suas ações a qualidade de conhecimento musical, inclusive no tocante ao
desenvolvimento do estudo da música popular, e que participaram da avaliação dos
ensaios e da qualificação desta pesquisa.

Aos professores que compõem a banca de defesa desta tese, Icléia Thiesen,
Heloisa Valente, Luiz Otávio Braga, Regina Meireles e Mônica Duarte.

A todos os funcionários da UNIRIO, com um agradecimento especial


direcionado ao Sr. Aristides Antonio D. Filho e a Cristina do PPGM, pela presteza e
boa vontade na resolução de nossos conflitos burocráticos.

vi
A Thais Matarazzo, Claudia Tulimoschi e Ricardo Oliveira, pelas informações
reveladas e por sua resistência em prol da manutenção das práticas culturais do fado
no Brasil.

A todos os fadistas, músicos e artistas que motivaram esta tese de doutorado,


com grande admiração ao trabalho de Maria Alcina e Adélia Pedrosa, personalidades
que tive a oportunidade de conhecer e de aprender mais sobre a cultura portuguesa.

A todos os portugueses imigrantes estabelecidos no Rio de Janeiro.

Aos amigos e familiares, e aos meus pais Alberto e Lourdes, com grande
admiração.

vii
BOSCARINO JR., Alberto. Do Tejo ao Rio de Janeiro: uma história de fados. 2011. Tese de
Doutorado (Doutorado em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes,
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

RESUMO

Estudo da trajetória do fado no Brasil como canção popular portuguesa e de sua


relação com os imigrantes portugueses estabelecidos no Rio de Janeiro no decorrer do
século XX. O fado é analisado, assim como os meios de difusão utilizados pelos
colonos portugueses estabelecidos na cidade do Rio de Janeiro entre as décadas de
1950 e 1970, quando estes organizavam eventos sociais a fim de preservar sua
memória cultural. O conceito de mundo artístico, de Howard Becker, auxilia na
interpretação das práticas musicais e sociais em torno do fado português, incluindo a
análise das predisposições interiorizadas, do espaço artístico, das relações existentes
entre as redes sociais e a forma de cooperação dos atores sociais. Os espaços de
memória do fado são analisados segundo o conceito de Maurice Halbwachs, e a
memória coletiva que integra a sua rede social é considerada a partir da contribuição
teórica de Michael Pollak. O conceito de habitus de Pierre Bourdieu é referência para
a compreensão dos significados apreendidos pelos diversos grupos culturais que
integram essa rede social. Além do suporte teórico adotado, são consultadas fontes
documentais e colhidos depoimentos orais de artistas, ouvintes e demais agentes
sociais. Toda a pesquisa visa contribuir com a reconstrução de uma parte da história
musical do fado, investigando o mundo artístico que envolve esse gênero musical em
sua relação com os imigrantes portugueses na cidade do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: 1. Fado 2. Imigração Portuguesa 3. Mundo Artístico 4. História Oral


5. Memória Coletiva.

viii
BOSCARINO JR., Alberto. From Tejo to Rio de Janeiro: a history of fados. 2011. Doctoral Thesis
(Doutorado em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes,
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

ABSTRACT

This is a study of the trajectory of fado in Brazil as Portuguese popular music and of
its relationship with the Portuguese immigrants established in Rio de Janeiro during
the 20th century. Fado will be analysed, as well as its means of diffusion used by the
Portuguese colonies established in the city of Rio de Janeiro during the 1950s and the
1970s, when these people organized social events in order to preserve their cultural
memory. The concept of art world of Howard Becker helps in the interpretation of the
musical and social practices around the Portuguese fado, including the analysis of the
internalized predispositions, of the artistic space, of the existent relationships between
the social networks and the way of cooperation of the social actors. The spaces of
memory of fado will be analysed based on the concept of Maurice Halbwachs, and the
collective memory which integrates its social network will be considered from the
theoretical contribution of Michel Pollak. Pierre Bourdieu’s concept is reference for
the understanding of the meanings apprehended by several cultural groups which are
part of this social network. Besides the adopted theoretical support, documental
sources are consulted and oral depositions of artists, listeners and other social agents
are collected. The research as a whole aims to contribute with the recovering of one
part of the musical history of fado, investigating the art world which involves this
musical genre in its relation with the Portuguese immigrants in the city of Rio de
Janeiro.
Keywords:

1. Fado 2. Portuguese Immigration 3. Art World 4. Oral History 5. Collectiv


Memory.

ix
BOSCARINO JR., Alberto. Tejo - Rio de Janeiro: une histoire du fado. 2011. Thèse de doctorat
(Doutorado em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes,
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

RÉSUMÉ

Étude la trajectoire du fado au Brésil comme une chanson populaire portugaise et ses
relations avec les immigrants portugais établis à Rio de Janeiro au cours du XX e
siècle. Le fado sera discuté ainsi que les moyens de diffusion utilisés par les colons
portugais pendant les années 1950 et 1970 à la ville de Rio de Janeiro, quand ils
organisent des activités sociales afin de préserver leur mémoire culturelle. Le concept
du monde de l'art, Howard Becker, aide à l'interprétation des pratiques sociales et
musicales autour du fado portugais, y compris l'analyse des prédispositions
personnelles, l'espace d'art, la relation entre les réseaux sociaux et la forme de la
coopération des acteurs sociaux. Les espaces de la mémoire du fado seront analysés
selon le concept de Maurice Halbwachs et l'idée de la mémoire collective et de
l'intégration de leur réseau social sera considérée comme provenant de la contribution
théorique de Michael Pollak. Cette recherche utilise aussi le concept d'habitus de
référence de Pierre Bourdieu pour comprendre la signification perçue par les différents
groupes culturels au sein de ce réseau social. En plus du soutien théorique adoptée,
sont consultés sources documentaires et des témoignages oraux recueillis par des
artistes, des auditeurs et d'autres agents sociaux. Toutes les recherches vise à
contribuer à la rescousse d'une partie de l'histoire de la musique fado, d'enquêter sur le
monde artistique qui entoure ce genre dans ses relations avec les immigrants portugais
dans la ville de Rio de Janeiro.

Mots clés: 1. Fado 2. L'Immigration portugais 3. Art monde 4. L'histoire orale 5. La


mémoire collective.

x
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 – A DERIVA DOS IMIGRANTES LUSITANOS ................................9


1.1 A imigração portuguesa no Brasil .......................................................................10
1.2 A imigração portuguesa no Rio de Janeiro: ocupação e expansão do território..22
1.3 Os imigrantes portugueses, entre empresários e operários: a indústria têxtil no
Rio de Janeiro ......................................................................................................30
1.4 Os portugueses e os espaços de divulgação do fado ..........................................38
1.4.1 A Opereta e o teatro de revista..........................................................................38
1.4.2 Casas regionais, associações culturais e filantrópicas .....................................50
1.4.3 Gravações pioneiras do fado ...........................................................................53

CAPÍTULO 2 – O FADO EM PORTUGAL .............................................................62

2.1 O fado, canção popular portuguesa ....................................................................62


2.2 Símbolos de construção e sustentação do fado português ................................71
2.3 O fado como gênero musical: o fado castiço e o fado-canção ..........................76
2.4 A interpretação vocal do fado ............................................................................86
2.5 Instrumentação e acompanhamento do fado ......................................................89
2.6 As casas de fado em Lisboa ...............................................................................91
2.7 Principais artistas do fado em Portugal ..............................................................96
2.8 Primeiras gravações do gênero em Portugal ......................................................97

CAPÍTULO 3 – PONTE LUSÓFONA: O FADO NA CIDADE DO RIO DE


JANEIRO ENTRE AS DÉCADAS DE 1950 e 1970..................................................99

3.1 O fado no Rio de Janeiro: mundo artístico e memória social ........................99


3.2 Os espaços de memória do fado na cidade: público, fadistas, radialistas e
músicos ...........................................................................................................106
3.3 Blogueiros: a manutenção da memória do fado no Brasil .............................134
3.4 As casas de fado na cidade do Rio de Janeiro entre as décadas de 1950 e
1970..................................................................................................................138
3.5 Programas radiofônicos e televisivos .............................................................142
3.6 A discografia registrada entre as décadas de 1950 e 1970 .............................153

CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................176

REFERÊNCIAS .........................................................................................................186

ANEXOS ...................................................................................................................197

xi
LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS

Exemplo 1 - “Cateretê”. Orpheo na Roça. Composição de Manoel Joaquim Maria e


Francisco Correa Vasquez. Partitura para canto e piano. ......................40

Exemplo 2 - “Fadinho Final”. Composição de Abdon Milanez. Trecho da partitura


para piano. ............................................................................................41

Exemplo 3 - “Fado de Vimioso”. Anônimo. Trecho de partitura para piano. ...........55

Exemplo 4 - “Saudades da terra”. Composição de Baiano. Fragmento da gravação


transcrito por Alberto Boscarino Junior. .............................................56

Exemplo 5 - “Fado brasileiro”. Composição de Baiano. Fragmento da gravação


transcrito por Alberto Boscarino Junior. .............................................59

Exemplo 6 - “O leilão da Mariquinhas”. Composição de João Linhares Barbosa e


Alfredo Marceneiro”. Fragmento da gravação transcrito por Alberto
Boscarino Junior. ..................................................................................79

Exemplo 7 - “Fado Menor”. Composição de Linhares Barbosa e Santos Moreira.


Fragmento da gravação transcrito por Alberto Boscarino Junior. ........80

Exemplo 8 - “Fado Mouraria”. Anônimo. Transcrição de José Lúcio Ribeiro Almeida.


......................................................................................................................................81

Exemplo 9 - “Gaivota”. Composição de Alexandre O’Neill e Alain Oulman.


Fragmento da gravação transcrito por Alberto Boscarino Junior. ........85

Exemplo 10 - “Guitarra Portuguesa”. Afinação tradicional do fado. ........................90

Exemplo 11 - Viola-baixo: afinação. ..........................................................................90

Exemplo 12 - Fragmento de “Rosinha dos Limões”. Fado de Artur Ribeiro.


Transcrição de José Lúcio Ribeiro de Almeida. ...................................91

Exemplo 13 - “Moreninha de Lisboa”. Composição de Irani de Oliveira e William


Duba. Fragmento da gravação transcrito por Alberto Boscarino Junior.
............................................................................................................160
Exemplo 14 - “O fado é bom pra xuxu”. Composição de Frederico Valério e Amadeu
do Vale. Fragmento da gravação transcrito por Alberto Boscarino
Junior. .................................................................................................164

Exemplo 15 - “Olhos Castanhos”. Composição de Francisco José e Alves Coelho.


Fragmento da gravação transcrito por Alberto Boscarino Junior. .....166

Exemplo 16 – “ O fado subiu o morro”. Composição de Manuel Taveira. Fragmento


da gravação transcrito por Alberto Boscarino Junior. .......................173

xii
INTRODUÇÃO

O tema da imigração portuguesa no Brasil entrelaça o objeto de pesquisa da tese

de doutorado com minha história familiar. Da mesma forma que milhares de

portugueses que aqui chegaram naquele período, meu avô materno imigrou para o

Brasil na década de 1910, oriundo da província de Amarante, norte de Portugal, em

busca de melhores perspectivas para sua família. Como outros patrícios, deixou sua

família (mulher e dois filhos) em sua terra natal e desembarcou sozinho no Rio de

Janeiro, almejando trabalho a fim de constituir uma base segura que possibilitasse a

vinda de seus familiares. Em sua bagagem, poucos pertences, alguma soma de

dinheiro e uma guitarra portuguesa, que lhe dava suporte harmônico para entoar fados,

chulas e outras cantigas populares portuguesas.

Com o passar dos anos, meu avô constituiu uma família nova e repassou aos

seus descendentes brasileiros parte da cultura lusitana, que compreendia a culinária, os

costumes, os princípios religiosos e a música, esta repleta de fados que evocavam a

pátria cada vez mais distante em sua memória. Esses fados podiam ser apreciados

através de programas radiofônicos ou cantarolados por meu avô no cotidiano

doméstico.

Durante a minha infância no Rio de Janeiro pude presenciar em meu núcleo

familiar o exercício de diversos costumes e características pertencentes à cultura afro-

brasileira, portuguesa e italiana (ancestralidade paterna), hábitos que não

representavam contrastes, mas sim coexistência de culturas, e eram absorvidos de

forma espontânea e natural. As reminiscências da infância rondam o universo cultural

português e me estimularam a investigar, na condição pesquisador e musicólogo


2

brasileiro, aspectos da música popular portuguesa na cidade do Rio de Janeiro e suas

formas de produção e recepção, destacando o fado português como objeto de pesquisa.

O tema abordado nesta tese surgiu a partir de uma conversa descontraída com

amigos residentes na Espanha sobre a música da Península Ibérica, na qual era descrito

um panorama sobre o Flamenco e Fado no contexto musical das mídias

contemporâneas. Posteriormente, refleti sobre o assunto e elaborei um levantamento

bibliográfico acerca das fontes do fado no Rio de Janeiro, quando constatei que não

dispúnhamos de qualquer informação de sua história na cidade, como discografia,

bibliografia ou uma análise de comportamento entre seus agentes. Assim, considerei a

relação entre a música do fado e as redes sociais nela inseridas, verificando que se

trata de um tema original no universo acadêmico e editorial.

A ideia inicial era realizar uma pesquisa que evidenciasse a diferença entre o

fadinho brasileiro e o fado castiço português, utilizando como fontes de consulta as

partituras impressas, as obras teatrais, as obras literárias, os cancioneiros editados no

Brasil e em Portugal e as gravações fonográficas realizadas nas três primeiras décadas

do século XX. Mas, no decorrer da pesquisa, houve uma mudança de foco, pois o

interesse voltou-se para a investigação sobre a cultura do fado na cidade do Rio de

Janeiro, em virtude dos primeiros contatos em trabalho de campo, quando delimitamos

o nosso objeto de estudo no período situado entre as décadas de 1950 a 1970.

O modo de organização da tese e a abordagem do tema selecionado para o seu

desenvolvimento parte principalmente do estabelecimento do imigrante português na

cidade do Rio de Janeiro. Nesse sentido, fez-se necessário avaliar o processo de

integração do imigrante português em sua comunidade e na sociedade carioca e

investigar a questão da resistência em prol da preservação da identidade nacional no

além mar.
3

Numa revisão histórica, foi destacada a função das instituições culturais

portuguesas a fim de compreendermos o papel das entidades sócio-culturais

portuguesas e os seus aspectos simbólicos, em que a cultura atua no sentido de

sinalizar a identidade cultural dos grupos. Desse modo, procuro interrogar as formas

de sociabilidade e os processos de construção da memória e da identidade social

através da vivência musical do povo lusitano no Rio de Janeiro e sua relação com o

fado. O objeto de estudo será delimitado a partir das relações sociais decorrentes da

prática interpretativa dos fadistas e da fruição da colônia portuguesa carioca.

Após a consulta de fontes primárias e secundárias, o trabalho de campo vem

acrescentar informações novas acerca da história desses imigrantes portugueses, as

quais foram de suma importância para a construção da tese. A memória coletiva dos

sujeitos foi considerada como um elemento fundamental para a compreensão das

relações sociais e para a articulação com o mundo do fado no período referido. Assim,

foram recolhidos depoimentos orais de fadistas, músicos, radialistas e público, e o

resultado desses relatos é reunido aos dados históricos citados anteriormente para a

configuração de uma análise do objeto da tese.

As fontes de consulta sobre o estudo do fado no Rio de Janeiro entre as

décadas de 1950 e 1970 podem ser encontradas em livros e fontes secundárias

diversas: em teses de doutorado acerca da imigração portuguesa no Brasil; em

fonogramas gravados no período; em levantamento da discografia do período; em

folhetos publicados especificamente como programas para apresentação do fado; em

fotografias e fontes iconográficas; em sítios da Internet e blogues que visam à

divulgação do fado no Brasil e no mundo; na audição de programas radiofônicos

atuais que apresentam em sua programação o repertório da época; em relatos e


4

depoimentos dos sujeitos que participaram da implementação e difusão do gênero na

cidade, compreendendo-se músicos, produtores, radialistas e o público.

Considerando-se todas as fontes indicadas, merecem destaque os relatos

obtidos através de entrevistas semi-estruturadas, as quais podem fornecer um

panorama do universo musical vivido à época. Nesse sentido, a história oral se

constitui como metodologia relevante em nosso estudo, em que os depoimentos

individuais colhidos através de entrevistas configuram-se também como fontes

documentais. Embora algumas vezes imbuídos de um caráter contraditório, esses

relatos podem revelar biografias, tendências morais, regras sociais, além de

construírem em geral um relato épico acerca da jornada do entrevistado, permeado de

experiências pessoais que carregam em si as vicissitudes decorrentes da diáspora. São

histórias que recuperam vestígios de acontecimentos passados, apesar de não

apresentarem verdades incontestáveis. Portanto, deve ser assinalada a percepção do

indivíduo acerca da sua história e a de outros portugueses que migraram no mesmo

período, ou seja, a “percepção social dos fatos”, de acordo com Paul Thompson

(1992). A construção da memória coletiva acerca de um fato pode abranger

depoimentos antagônicos entre sujeitos oriundos da mesma prática social. As

considerações de Verena Alberti (2005) sobre a história oral vem colaborar com o

levantamento e a organização das principais fontes orais desta pesquisa. Outros

conceitos utilizados são o de memória coletiva e identidade social, de Michael Pollak

(1992), visando avaliar o processo de integração do imigrante português no Rio de

Janeiro e a articulação com o gênero musical fado, considerando-se a recuperação de

suas histórias de vida através da memória no além mar.

O conceitos de Howard Becker (1977) são identificados a partir da sua visão de

“mundo artístico” e compreendem a ação dos artistas integrados na rede social em que
5

estão envolvidos. Através da trajetória dos artistas de fado, procurei compreender o

papel da música na conformação das sensibilidades junto ao público luso-brasileiro e

examinar a influência dos recursos de difusão da música portuguesa no Brasil por

intermédio da mídia. A diversidade dos significados apreendidos pelos diversos

grupos culturais que integram essa comunidade servirá como referência para uma

análise fundamentada nos conceitos de campo 1 e habitus de Pierre Bourdieu (2000).

Maurice Halbwachs destaca a relação do sujeito com o outro, considerando a

ação do indivíduo em relação ao seu grupo, e o modo como o sujeito vê e é visto pelo

grupo. Jean Duvignaud, em prefacio ao livro Memória Coletiva, de Halbwachs (1990)

afirma:

Maurice Halbwachs evoca o depoimento que não tem sentido senão em


relação ao grupo do qual faz parte, pois supõe um acontecimento real
outrora vivido em comum e, por isso, depende do quadro de referência no
qual evolui presentemente o grupo e o indivíduo que o atesta. Isto quer
dizer que o ‘eu’ e sua duração situam-se no ponto de encontro de duas
séries diferentes e por vezes divergentes: aquela que se atém aos aspectos
vivos e materiais da lembrança, aquela que reconstrói aquilo que não é
mais senão do passado. Que seria desse ‘eu’, se não fizesse parte de uma
‘comunidade afetiva’ de um ‘meio efervescente’, do qual tenta se afastar
no momento em que ele se ‘recorda’? (HALBWACHS, 1990: 13-14).

A tese se encontra estruturada de forma a apresentar, no primeiro capítulo, um

panorama da imigração portuguesa no Brasil e especificamente na cidade do Rio de

Janeiro, dirigido a uma análise da diáspora portuguesa a partir das obras de autores

como Eulália Maria Lahmeyer Lobo (2001), Renato Pinto Venâncio (2000),

Abdelmalek Sayad (1998), Maria Beatriz Nizza da Silva (1992), Lucia Lippi Oliveira

(2001), entre outros. Os registros históricos sobre a ocupação da cidade pelos

portugueses e a expansão do território para as áreas rurais sinalizam os marcos

1
Para Bourdieu (2000), o conceito de campo compreende o espaço onde ocorrem relações entre
indivíduos ou grupos sociais, movido por leis próprias e dinâmicas, cujo objetivo principal deve revelar
o êxito dos sujeitos envolvidos nas disputas de poder. O conceito de campo encontra-se associado ao
conceito de habitus, que opera como um código de conduta exercido de forma inconsciente e que
legitima e ordena o comportamento social dos agentes.
6

simbólicos lusitanos existentes até a presente data. A presença portuguesa na área

empresarial é assinalada através da organização das indústrias têxteis do final do

século XIX, que deram origem às vilas operárias e, por extensão, a toda uma rede de

relações sociais decorrente do cotidiano dos operários nos seus bairros de moradia.

Ainda neste capítulo, iniciamos a investigação sobre a presença do fado na cidade,

apresentando uma retrospectiva histórica acerca dos espaços de divulgação do gênero

entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Ressalto

aqui a importância do teatro musicado brasileiro para a divulgação do gênero, assim

como as associações culturais e filantrópicas, as casas regionais e os primeiros

programas radiofônicos dirigidos para a comunidade luso-carioca. Encerrando o

capítulo, comento a importância das gravações fonográficas registradas entre 1902 e

1935, e o pioneirismo de músicos e intérpretes que iniciaram a divulgação do fado na

cidade do Rio de Janeiro, colaborando para a afirmação da identidade cultural da

colônia portuguesa através dos símbolos pátrios que eram apresentados nos textos das

canções.

No segundo capítulo, é realizada uma síntese do fado como gênero musical em

Portugal. Aí são discutidos os símbolos de sustentação do fado português, que

orientam a construção simbólica do gênero musical como canção popular e

manifestação cultural: temáticas, lendas, objetos, conceitos. Musicalmente são

descritos e comentados os estilos do fado castiço e fado-canção. Outro fator a ser

destacado é a forma de interpretação vocal do fado, composta de uma performance

que articula gestos, expressão facial, timbre de voz, ambientação local e ornamentos

diversos. A instrumentação típica e a forma de acompanhamento do fado são

repassadas, além dos aspectos que contribuíram para o surgimento das casas de fado

em Lisboa, considerando toda a sua simbologia. O capítulo se encerra com uma breve
7

indicação dos principais fadistas portugueses do século XX e com uma referência às

primeiras gravações fonográficas do gênero em Portugal.

O terceiro capítulo se constitui como cerne da tese de doutorado, e investiga as

fontes do fado português no Rio de Janeiro entre as décadas de 1950 e 1970. Após

uma contextualização histórica e estrutural do fado como canção popular portuguesa e

o universo peculiar da mitologia fadista, fundamentada pelas obras de José Ramos

Tinhorão (1994), Salwa Castelo-Branco (1994) e Pinto de Carvalho (2003), passo a

discutir a relação existente entre a colônia luso-carioca e os fadistas que interpretavam

suas canções nos espaços disponíveis para a divulgação de tal música. Essa discussão

acontece através das fontes documentais extraídas dos relatos de artistas, radialistas e

público do gênero fado, e devem ser articuladas de acordo com as teorias de Becker

(1977) e de Pollak (1992).

A diáspora portuguesa ocorrida no século XX fixou colônias em todos os

continentes, difundindo e misturando aspectos de sua cultura entre os habitantes

nativos das terras novas em que passariam a viver. Nesse período, se forem

observados os elementos que conduziram o imigrante português ao deslocamento e à

fixação em um território novo, será compreendido que as imigrações foram

incentivadas por articulações políticas bilaterais que fomentaram tal trânsito, embora

muitos portugueses tenham optado por esse processo por desconhecer toda a

engrenagem política em que se encontravam envolvidos à época. Assim, uma análise

da imigração portuguesa no Brasil pode ser elaborada a partir do exame dos dados

estatísticos que envolvem a geografia e a demografia local, sem deixar de lado os

aspectos históricos.

O fado é um gênero musical português que traz consigo a melancolia e a

saudade, sentimentos que o povo lusitano parece cultuar em Portugal e no seio de cada
8

colônia portuguesa existente no mundo. No Brasil, especificamente na cidade do Rio

de Janeiro, teve o seu apogeu de popularidade entre as décadas de 1950 e 1970,

período em que surgiram vários programas radiofônicos dirigidos à comunidade

portuguesa local, além de casas de fado, restaurantes típicos, casas regionais,

programas televisivos, entre outros espaços de divulgação. Portanto, o fado partiu da

cidade de Lisboa, navegou rios e mares, e veio desembarcar na cidade do Rio de

Janeiro, unificando esses espaços de memória. Essa imagem de travessia entre “rios” –

margens que se aproximam através dos fados com suas semelhanças e diferenças - dá

título a esta tese: “Do Tejo ao Rio de Janeiro: uma história de fados”.

.
9

CAPÍTULO 1

A DERIVA DOS IMIGRANTES LUSITANOS

A Europa jaz, posta nos cotovelos:

De Oriente a Ocidente jaz, fitando,

E toldam-lhe românticos cabelos

Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;

O direito é em ângulo disposto.

Aquele diz Itália onde é pousado;

Este diz Inglaterra onde, afastado,

A mão sustenta, em que se apóia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,

O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

Fernando Pessoa, Mensagem2

2
PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: DIFEL, 1986, p. 9.
10

1.1 A imigração Portuguesa no Brasil

O poema em epígrafe faz uma descrição do mapa da Europa cuja metáfora é a

figura de uma mulher reclinada com o olhar a contemplar o oceano. O poeta revela

que os olhos dela são “gregos” porque trazem a lembrança da herança cultural

européia, e enfatiza o olhar “esfíngico e fatal”, o qual fita o mar. A metáfora utilizada

é apropriada para definir esse povo cuja história é marcada pela expansão marítima,

remete aos portugueses que nasceram voltados para o mar e que partiram de sua terra

para enfrentar o desconhecido. Para Pessoa, o ocidente é esse “futuro do passado",

representado pelo mar, porque o imaginário português não apagou a era das

descobertas as quais delinearam seu futuro. Desse modo, a visão para o ocidente pode

ser articulada à diáspora dos portugueses, ao percurso que fizeram por mares

desconhecidos no período da expansão ultramarina, pois saíram em busca de terras

novas, vogando por “mares nunca de antes navegados”. 3

Partimos, portanto, dessa imagem, numa tentativa de decifrar esse olhar

“esfíngico e fatal” do povo lusitano para o mar, enigma que buscaremos desvendar

através de um histórico da imigração dos portugueses de Portugal para o Brasil:

Portugal é esse rosto que fita o mar e o seu olhar parece movido pelo desejo de se

lançar do Tejo ao Rio de Janeiro.

3
Como diz o poeta Camões no início de sua epopéia Os Lusíadas (Canto I, 1), em que enaltece o valor
de seus heróis, chamados pelo poeta de “barões assinalados” os quais viajaram por “mares nunca de
antes navegados”. “As armas e os barões assinalados/ Que da Ocidental praia Lusitana,/ Por mares
nunca de antes navegados/ Passaram ainda além da Taprobana,/ Em perigos e guerras esforçados/ Mais
do que prometia a força humana,/ E entre gente remota edificaram/ Novo Reino, que tanto
sublimaram.” In: CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Edição organizada por Emanuel Paulo Ramos.
Porto: Porto Editora, 1978, p. 9.
11

A diáspora portuguesa ocorrida no século XX fixou colônias em todos os

continentes, difundindo e misturando aspectos de sua cultura entre os habitantes

nativos das novas terras em que passariam a viver. Nesse período, ao observarmos os

aspectos que conduziram o imigrante português ao deslocamento e à fixação em um

novo território, compreendemos que as imigrações foram incentivadas através de

articulações políticas bilaterais que fomentaram tal trânsito, mas muitos portugueses

optaram por tal processo por desconhecer toda a engrenagem política a que se

encontravam envolvidos. Inicialmente, uma análise da imigração portuguesa no Brasil

pode ser elaborada a partir do exame dos dados estatísticos que envolvem a geografia

e a demografia local, sem deixar de lado os aspectos históricos. Porém, o processo de

imigração é um evento de interesse científico, que envolve aspectos políticos, sociais,

econômicos, culturais, como adequadamente nos aponta Abdelmalek Sayad (1998):

[...] o espaço de deslocamento não é apenas um espaço físico, ele é também


um espaço qualificado em muitos sentidos, socialmente, economicamente,
politicamente, culturalmente (sobretudo através das duas realizações
culturais que são a língua e a religião) etc. Cada uma dessas especificações
e cada uma das variações dessas mesmas especificações podem ser objeto
de uma ciência particular. (SAYAD,1998: 15).

Os traços culturais característicos dos portugueses adentraram paulatinamente

no território brasileiro em cinco séculos de ocupação e imigração, e marcaram o

cotidiano de nossas famílias durante a maior parte do século XX. É impossível pensar

o Brasil do século passado sem lembrar-se dos folguedos, da Festa Junina, das

cantigas infantis da Península Ibérica, do botequim “pé-sujo” do “Seu Manel”, da

padaria do “Seu Zé”, ou do bacalhau e do vinho servidos na ceia natalina (além de

nozes, castanhas, rabanadas, etc.).

Como acontece em qualquer processo imigratório, o ato de deslocamento

acarreta ao indivíduo sonhar um futuro em que vislumbre possibilidades de melhoria

econômica e bem estar social. Mas há aqueles que alimentam já no embarque o desejo
12

do retorno à pátria e o reconhecimento de seus pares pelo sucesso do seu

empreendimento, que deve ser recompensado pela riqueza, pelo prestígio e pelo poder.

Durante o percurso de estabelecimento em uma nova região, de um lado, o imigrante

passa a visualizar os poucos objetos pessoais trazidos na viagem como signos de

identidade cultural. Estes oferecem conforto e segurança, ou seja, os objetos

imprimem no imigrante a certeza de pertencer a um coletivo organizado sob normas

comuns e a de compartilhar suas crenças e elementos culturais, de outro lado, assimila

diversas influências da nova sociedade na qual se insere.

Muitos remontam no novo lar marcas trazidas da casa de origem: retratos


de família, imagens religiosas, tapetes, objetos de decoração, tudo aquilo
que possa fazer lembrar o lugar de origem. Quase todos têm o sonho de
retorno, de preferência vitoriosos, mas muitos não conseguem realizá-lo.
Entre os vitoriosos estão aqueles que voltam à terra natal, mas apenas para
exibir os traços do êxito alcançado. (OLIVEIRA, 2001: 12).

A figura do imigrante universal está vinculada a aspectos geopolíticos e

definida pela força de trabalho que o indivíduo pode oferecer. O imigrante português

fadista, artista e representante além-mar da cultura lusitana, geralmente exerce outra

atividade profissional para a manutenção de sua família, cumprindo uma dupla função

social dentro de sua comunidade. São pescadores, operários, comerciantes e

empresários que dão continuidade ao princípio de retidão moral e social do povo

português, ao tempo que cultuam os símbolos pátrios através da música popular do

fado, cujas letras fazem evocar aos seus ouvintes a recordação da pátria distante.

Encontramos em Sayad (1998) uma definição para a relação imigrante-trabalho:

Qual será então essa definição? Afinal, o que é um imigrante? Um


imigrante é essencialmente uma força de trabalho, e uma força de trabalho
provisória, temporária, em trânsito. Em virtude desse princípio, um
trabalhador imigrante (sendo que trabalhador e imigrante são, neste caso,
quase um pleonasmo), mesmo se nasce para a vida (e para a imigração) na
imigração, mesmo se é chamado a trabalhar (como imigrante) durante toda
a sua vida no país, mesmo se está destinado a morrer (na imigração), como
imigrante, continua sendo um trabalhador definido e tratado como
provisório, ou seja, revogável a qualquer momento. A estadia autorizada ao
13

imigrante está inteiramente sujeita ao trabalho, única razão de ser que lhe é
reconhecida: ser como imigrante, primeiro, mas também como homem –
sua qualidade de homem estando subordinada a sua condição de imigrante.
Foi o trabalho que fez “nascer” o imigrante, que o fez existir; é ele, quando
termina, que faz “morrer” o imigrante, que decreta sua negação ou que o
empurra para o não-ser. (SAYAD, 1998: 54-55).

A fim de traçar um panorama histórico acerca da imigração portuguesa no

Brasil, tomamos como fonte relevante o estudo de Eulália Maria Lahmeyer Lobo,

denominado Imigração Portuguesa no Brasil, editado em 2001, que analisa o fluxo

migratório português para o Brasil entre o final do século XIX e a década de 1940.

Outro livro de referência foi editado pelo IBGE e se denomina Brasil: 500 anos de

povoamento (2000), lançado em comemoração aos 500 anos de descobrimento do

Brasil. Esse livro contém um artigo de Renato Pinto Venâncio, intitulado “Presença

portuguesa: de colonizadores a imigrantes”, e propõe uma compreensão do processo

imigratório português para o Brasil a partir da divisão de quatro períodos históricos.

Tais períodos correspondem à imigração restrita (1500-1700), à imigração de transição

(1701-1850), à imigração de massa (1851-1960) e à imigração de declínio (1961-

1991).4

A presença portuguesa no Brasil começa em 1500, acentuando-se de maneira

gradativa no momento em que surgem notícias referentes às jazidas de ouro

descobertas pelos espanhóis nas colônias americanas. A maior parte dos portugueses

que se transferiram para o Brasil no período inicial era composta de degredados,

cristãos-novos, ciganos e homens ricos. Esses portugueses ocuparam o litoral

brasileiro, dedicando-se ao cultivo de produtos primários e às atividades de

exploração. Posteriormente, promoveram a escavação de minas na região de Minas

4
A história da imigração portuguesa no Brasil pode ser conhecida através de estudos, livros, biografias,
teses de doutorado e estatísticas oficiais. Embora alguns historiadores brasileiros utilizem como
referência principal as fontes oficiais do IBGE, diferem em suas análises no que diz respeito às datas de
início, ápice e declínio das fases do fluxo migratório português para o Brasil.
14

Gerais para extração de ouro e pedras preciosas. De acordo com fontes do IBGE,

estima-se que cerca de 100.000 portugueses imigraram para o Brasil entre os anos de

1500 e 1700, fase que pode ser classificada como período de “imigração restrita”.5

Entre 1701 e 1850, período denominado de “transição”, registra-se um

acréscimo de 600.000 imigrantes portugueses que ingressaram oficialmente no Brasil

através dos principais portos brasileiros. Em 1808, com a chegada da Família Real

Portuguesa, houve uma mudança no panorama social da cidade do Rio de Janeiro, pois

membros da nobreza e profissionais liberais acompanharam a corte, assim como

portugueses oriundos de classes menos privilegiadas. Naquele ano, o Brasil contava

com dois terços de sua população constituída de negros, mestiços e mulatos, mas com

o fim do tráfico de escravos, em 1850, o fluxo migratório português para o Brasil

passou a registrar um acréscimo numérico progressivo.

A partir da segunda metade do século XIX, vislumbra-se uma alteração no

perfil social do imigrante, que é composto de um grande número de trabalhadores de

origem pobre, de mulheres e de crianças menores de 14 anos, muitas delas órfãs ou

abandonadas por seus pais. Essas crianças chegaram a representar 20% do total de

emigrados (VENÂNCIO, 2000). Esse contexto histórico foi classificado como

“imigração de massa” (1851-1960), assim denominado por apresentar um aumento

expressivo da população de imigrantes portugueses nas principais cidades brasileiras.

A introdução do sistema de exploração capitalista nas áreas rurais portuguesas,

principalmente nas regiões do Alentejo e do Ribatejo, a partir de 1850, contribuiu

bastante para o aumento do fluxo migratório português para as colônias. Foram

constituídas grandes companhias para a exploração agrícola - que substituíram a mão-


5
Consideram-se esses números como estimativa por não existirem ferramentas precisas para a coleta de
dados relativos ao respectivo período. Fonte disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/brasil500/index2.html>. Acesso em: 22 out. 2009.
15

de-obra coletiva do campesino pelo trabalho mecanizado na lavoura -, fato que trouxe

como consequência um número considerável de trabalhadores desempregados. A

abolição dos vínculos feudais sobre as possessões rurais, ocorrida em 1863, e a

restrição à livre utilização dos pastos comuns e baldios (embasada em um artigo do

código civil de 1867) favoreceram também o avanço da exploração capitalista no

campo e o êxodo de seus habitantes. (LOBO, 2001).

O Brasil, nesse período, pertenceu ao imaginário popular da nação portuguesa,

pois se apresentara como uma terra farta e com diversas oportunidades de

enriquecimento, que poderiam ser alcançadas também através do trabalho. Entretanto,

outros fatores favoreceram à imigração portuguesa no período chamado de “imigração

de massa”, tais como a crise ocorrida nas vinícolas do norte de Portugal (1886-1888),

a abolição dos escravos em 1888 e a política da república brasileira de substituição de

mão-de-obra escrava. Além disso, o serviço militar obrigatório, em Portugal, serviu

também de estímulo à imigração, uma vez que os jovens burlaram a exigência da

convocação, imigrando para o Brasil.

A última década do século XIX foi marcada pelo início do processo de

industrialização no Brasil, fomentado pela instalação de fábricas nas principais

capitais que produziam manufaturas variadas, sobretudo, de tecidos. O setor foi

beneficiado pelo protecionismo alfandegário, que proporcionou a substituição dos

armarinhos ingleses por estabelecimentos portugueses. Consequentemente, houve um

desenvolvimento do proletariado, que passou a reivindicar melhores condições sociais.

(LOBO, 2001).

A história registra que houve uma participação intensa de portugueses na

organização da indústria, do comércio e do sistema financeiro e imobiliário no Brasil


16

entre o final do século XIX e a década de 1930. Em 1905 já contávamos com 110

fábricas de tecidos no país, sendo 21 localizadas no Rio de Janeiro - entre elas a

Fábrica Aliança, estabelecida no bairro de Laranjeiras e a Companhia de Fiação e

Tecidos Confiança Industrial, localizada entre os bairros Andaraí e Vila Isabel. Essas

fábricas absorviam a mão-de-obra de uma parte considerável da colônia portuguesa

como força de trabalho propulsora do setor secundário da economia brasileira.

No quadro econômico brasileiro, o imigrante português se fez representar

também em outros setores. No Rio de Janeiro, entre 1949 e 1958, grande parte dos

produtos hortifrutigranjeiros era fornecida por chácaras administradas por portugueses,

que se encarregavam da produção, do transporte e da comercialização dos produtos em

barracas de feira livre, exercendo, assim, a hegemonia nesse setor. Além do emprego

de mão-de-obra nos setores primários e secundários da economia, a força de trabalho

do imigrante português foi empregada no setor de serviços, cujos trabalhadores

ocupavam cargos de carpinteiro, ferreiro, puxador de carrinho de alimentos, condutor

de bonde, motorneiro, fiscal, caixeiro-viajante, etc. (LOBO, 2001).

A “imigração de declínio” abarca três décadas da segunda metade do século

XX, fixada entre os anos de 1961 e 1991, ainda que as evidências da redução do fluxo

imigratório já pudessem ser percebidas desde a década de 1930. Segundo dados do

IBGE, entre 1929 e 1931 houve uma redução desse fluxo (de 38.779 para 8.152

imigrantes) em consequência da crise financeira de 1929, e em 1943, durante a

Segunda Guerra Mundial, o Brasil registrou a entrada de apenas 146 portugueses. Em

síntese, o enfraquecimento do fluxo imigratório foi ocasionado ainda por outros

fatores, como por exemplo: a suspensão das viagens atlânticas em função da segunda

grande guerra; o desenvolvimento da indústria em Portugal, que gerou novos postos de


17

trabalho; a ampliação do mercado de trabalho na Europa e o protecionismo fomentado

pelo governo brasileiro no mercado de trabalho entre 1929 e 1931.

Ressalta-se que durante esse período de declínio houve um aumento do fluxo

de entrada de imigrantes portugueses no início da década de 1970, influenciados pelos

ares da modernidade no país e pelas promessas de prosperidade decorrente do

“milagre econômico brasileiro”. Esses fatos alteraram a estatística de imigrantes

portugueses de 247 mil para 410 mil habitantes entre o final da década de 1960 e o

início da década de 1970. Os anos posteriores projetaram o fluxo migratório português

para países europeus como a França e a Bélgica. Entre 1981 e 1991, fatores como o

processo de integração de Portugal na Comunidade Européia, aliados ao estado de

envelhecimento da população portuguesa, reduziram consideravelmente a entrada de

imigrantes portugueses no Brasil. Dava-se assim o fim do período imigratório

português e o início de uma emigração de retorno. (VENÂNCIO, 2000).

Em Documentos para a história da imigração portuguesa no Brasil, 1850-

1890 (1992), a historiadora Maria Beatriz Nizza da Silva contribui com o estudo da

imigração portuguesa no Brasil. Nesse livro, ao comentar sobre a possibilidade de

opção de naturalização brasileira do imigrante português, a autora faz referência a três

aspectos da política de emigração do Governo Português. Para Portugal, era oportuno

que o emigrante português consumisse no Brasil produtos de origem portuguesa

(azeite, vinho, etc), fomentando o vínculo comercial e as exportações de gêneros

alimentícios e produtos manufaturados para o Brasil. Outro aspecto diz respeito ao

retorno do emigrante à sua terra natal, gerando filhos e dando continuidade à

integração da nação portuguesa, e, talvez o mais importante para os portugueses

naquele momento, seria que o emigrante enviasse periodicamente remessas de

dinheiro aos seus parentes em Portugal. Por vezes, o imigrante não tinha uma
18

alternativa melhor, a não ser optar pela naturalização brasileira, pois sua permanência

no mercado de trabalho estaria condicionada à apresentação de documentos que

atestassem a nacionalidade brasileira e a devida autorização de trabalho em território

nacional. Em alguns casos a adesão à nacionalidade acontecia de forma espontânea e

por motivos diversos (por exemplo, a constituição familiar), indicando que “a opção

pela naturalização, quando não encarada como uma simples decisão oportunista,

significa o profundo enraizamento e integração do imigrante na sociedade brasileira e,

portanto, o fim do retorno à pátria.” (SILVA, 1992: 69).

A migração de portugueses para o Brasil é fomentada por uma política

imigratória, que se estendeu entre a segunda metade do século XIX e as primeiras

décadas do século XX, e que atendeu aos interesses econômicos de cada país em

momentos históricos distintos. A política portuguesa de imigração do início do século

XIX tinha como objetivo a ocupação dos espaços demográficos desabitados e a

expansão do processo de colonização. A partir de 1808, por força de uma lei imperial,

os estrangeiros já podiam adquirir propriedades rurais no Brasil e promover o

estabelecimento de colônias agrícolas com a subvenção da Coroa Portuguesa.

(OLIVEIRA, 2002).

Nas duas décadas seguintes à Independência do Brasil (1822), o fluxo

imigratório português se acentuou, mas a partir de 1850 o fim do tráfico negreiro

impôs uma nova conjuntura para a organização do trabalho, procurando substituir a

força de trabalho escravo pela mão-de-obra imigrante e alterando a política de

subvenção:
19

Com o fim do tráfico de escravos, em 1850, altera-se também a legislação


referente à propriedade da terra. A política de colonização do Império, que
cedia terras de graça a estrangeiros, é então alterada e nova lei passa a
proibir a posse de terra que não fosse comprada. E é o fim do tráfico
negreiro que começa a colocar na ordem do dia a necessidade de
substituição da mão-de-obra por imigrantes. (OLIVEIRA, 2002:14).

A partir da década de 1880, o ingresso de imigrantes no país foi promovido por

duas instituições, a Sociedade Central de Imigração (1883-1891), no Rio de Janeiro, e

a Sociedade Promotora de Imigração (1886-1895), em São Paulo, que era uma

entidade fundada por eminentes fazendeiros paulistas produtores de café. Essas

sociedades atuavam com propósitos diferentes, pois, para o Rio de Janeiro, era

elaborada uma campanha que pretendia a ocupação de pequenas propriedades de

monocultura, enquanto que, em São Paulo, o objetivo era a substituição da mão-de-

obra escrava pelo trabalho assalariado do imigrante europeu, voltado para a

manutenção da produção cafeeira. A imigração foi um fator crucial para a economia

paulista do período, e em 1871 o estado já contava com outra entidade promotora de

imigração, a Associação Auxiliadora da Colonização e Imigração para a Província de

São Paulo. Portanto, as sociedades atuaram com agentes que difundiram o Brasil na

Europa como um país que apresentava a possibilidade de enriquecimento através do

trabalho, e atraíram imigrantes que cruzavam o Oceano Atlântico para aqui constatar a

improcedência de tal propaganda.

Promulgada sob o ardor federativo da recém-proclamada República, a

constituição de 1891 assegurava a nacionalização do estrangeiro residente no Brasil

que não se declarasse contrário a tal ato em um prazo de seis meses a contar do início

de vigência da lei. O início do século XX registrou o aparecimento de movimentos

nacionalistas que eram contrários ao ingresso de imigrantes no Brasil, e que

justificavam essa atitude em defesa do trabalhador brasileiro. As reservas impostas à


20

entrada de imigrantes no país passaram a integrar o texto da Constituição Federal de

1934 e 1937:

Restrições à entrada de imigrantes aparecem nas Constituições de 1934 e


de 1937. Passa-se à defesa do trabalhador nacional com a reserva de 2/3
dos empregos para os brasileiros. Os debates na Assembléia Nacional
Constituinte em 1933 dão sinais dos novos tempos em que se discutem os
limites à imigração no Brasil. A Constituição de 1934 estabelece um
sistema de cotas de 2% sobre o total dos respectivos estrangeiros fixados
no Brasil durante os últimos 50 anos, além de proibir sua concentração.
(OLIVEIRA, 2002: 19-20).

Do outro lado do Oceano Atlântico, o estado português regulamentou as bases

para o fluxo imigratório, elaborou estatísticas e inseriu na Constituição de 1838 alguns

princípios da liberdade migratória. Depois de optar pela emigração para o Brasil, o

cidadão português se deparou com muitos obstáculos para efetivar a sua transferência,

pois a emissão do passaporte dependia de autorizações da família e de órgãos

governamentais. Apesar do entrave burocrático exigido para a legalização da viagem,

o governo português também adotou medidas de proteção ao emigrante, como a

vinculação do contrato de trabalho para a expedição do respectivo passaporte:

Foram muito discutidos nos anos [18]50 os casos de pessoas que aceitaram
passagem para o Brasil endividando-se perante os comandantes das
embarcações, que no Rio de Janeiro negociavam os contratos dos
passageiros com novos patrões. Os abusos nascidos dessas situações
levaram a que os candidatos à obtenção do passaporte devessem apresentar
um contrato de trabalho válido ou provar que tinham pago a viagem.
(LEITE, 2000: 179).

A certificação do cumprimento do serviço militar foi uma constante

preocupação do governo português, e era exigida para a legalização da viagem do

emigrante. Para os menores de idade, entre 14 e 21 anos, era imposto o depósito de

uma fiança de valor elevado, que poderia superar inclusive o valor da passagem para o

Brasil, ou a nomeação de um fiador. Essa exigência incentivou o fluxo migratório

clandestino e a remessa, para o Brasil, de jovens portugueses de idade inferior a 14

anos de idade. Essa política de emigração, salvo algumas modificações, foi sustentada
21

pelo governo português entre as décadas de 1850 e 1920. Apesar das restrições

administrativas, o fluxo migratório acentuou-se no eixo 1855-1914, impulsionado pela

informação e por meios de transporte de massa modernos, como por exemplo o navio

a vapor.

Os portugueses que se estabeleceram no Brasil, mais especificamente na cidade

do Rio de Janeiro durante o período de imigração de massa (1851-1960), contribuíram

para o ingresso do Brasil na modernidade e para a formação do homem nacional,

preservando ao mesmo tempo elementos culturais identitários do povo lusitano, cujas

características podem ser percebidas na expressão da música do fado português, tema

que deverá ser analisado no capítulo dois.

Neste capítulo, levamos em conta a história da imigração portuguesa através da

recuperação de dados, de documentação e de registros históricos. Consideramos,

portanto, os dados colhidos nos livros e em estudos sobre a imigração dos portugueses

no Brasil como ponto de partida para a construção da tese. Mas, de acordo com as

reflexões dispostas no capítulo três, o que procuramos foi privilegiar a memória

individual e coletiva dos portugueses que chegaram ao Rio de Janeiro no período entre

1950-1970, em virtude da associação da pesquisa de campo realizada com fadistas e

pessoas envolvidas com o mundo do fado à memória individual e coletiva dos

portugueses. De acordo com o sociólogo Maurice Halbwachs, a história é capaz de ver

um grupo “de fora” e analisa longos períodos, enquanto que a memória coletiva se

comporta de outro modo:

A memória coletiva, ao contrário, é o grupo visto de dentro e durante um


período que não ultrapassa a duração média da vida humana, que lhe é,
freqüentemente, bem inferior. Ela apresenta ao grupo um quadro de si
mesmo, que, sem dúvida, se desenrola no tempo, já que se trata de seu
passado, mas de tal maneira que ele se reconhece sempre dentro dessas
imagens sucessivas. A memória coletiva é um quadro de analogias, e é
natural que ela se convença que o grupo permanece, e permaneceu o mesmo
22

porque ela fixa sua atenção sobre o grupo, e o que mudou, foram as relações
ou contatos do grupo com os outros. Uma vez que o grupo é sempre o
mesmo, é preciso que as mudanças sejam aparentes: as mudanças, isto é, os
acontecimentos que se produziram dentro do grupo, se resolvem elas
mesmas em similitudes, já que parecem ter como papel desenvolver sob
diversos aspectos um conteúdo idêntico, quer dizer, os diversos traços
fundamentais do próprio grupo. (HALBWACHS, 1990: 88).
Entendemos que a atuação do grupo imigrante na cidade do Rio de Janeiro tem

um valor incomensurável para o universo musical luso-brasileiro e, por isso, vamos

focalizar relatos e testemunhos de imigrantes portugueses a fim de investigar “de

dentro” de que maneira o fado conquistou o seu espaço nesta cidade. Por ora,

continuamos a revisão de dados e de fontes documentais a fim de dar início ao

processo de construção da história do fado na cidade do Rio de Janeiro no período

antes assinalado.

1.2 A imigração portuguesa no Rio de Janeiro: ocupação e expansão do território

A presença dos portugueses no Rio de Janeiro pode ser observada sob óticas

distintas, considerando o período de conquista, a fundação da cidade (1565) e a

expansão territorial urbana, a chegada da Família Real (1808), a Independência

(1822), a República (1889) e imigração em massa (Séc. XIX-XX).

De acordo com os dados do IBGE, a população da cidade do Rio de Janeiro

passou de 274.972 habitantes para 522.651 entre os anos de 1872 e 1890 e, nesse

último ano, os portugueses e seus descendentes representavam a parcela de 267.664

habitantes. Em 1920, a população da cidade contava com 1.157.973 habitantes, sendo

172.338 portugueses, ou seja, 14% da população local. Segundo estudo elaborado por

Nuno Simões, verifica-se a predominância da concentração portuguesa nos estados do

Rio de Janeiro, seguido de São Paulo, com 303.865 e 281.418 imigrantes lusitanos

respectivamente, conforme o quadro 1:


23

Quadro 1: Distribuição da população portuguesa no Brasil por estados (1929)

Localidade Total

Distrito Federal [RJ] 272338


Rio de Janeiro 31527
São Paulo 281418

Mato Grosso 1572


Goiás 334
Minas Gerais 20050
Santa Catarina 556
Paraná 1998
Espírito Santo 1900

Bahia 3697
Sergipe 137
Alagoas 260
Pernambuco 5289
Paraíba 144
Rio Grande do Norte 89

Ceará 325
Piauí 72
Maranhão 687
Pará 15631
Amazonas 8376

Fonte: SIMÕES, Nuno. O Brasil e a Emigração portuguesa. Notas para um estudo.


Coimbra: Imprensa da Universidade, 1934, p. 34.
24

O fluxo demográfico da cidade do Rio de Janeiro ampliou-se em dois períodos

importantes na História do Brasil: o primeiro, com a chegada da Família Real em

1808, ocasionando um aumento demográfico repentino; o segundo, marcado pelas

reformas promovidas pelo prefeito Pereira Passos, as quais provocaram o

deslocamento da população até então estabelecida no núcleo da cidade para outras

áreas, estas mais afastadas do centro (ROEDEL, 2002).

A transferência da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro, realizada em 1808,

trouxe mais de dez mil portugueses para a cidade, obrigando ao remanejamento de

muitas famílias residentes na região central, e a construção de residências novas. No

decorrer dos 13 anos de estadia da Família Real no Brasil, houve um aumento de

práticas e manifestações musicais na cidade do Rio de Janeiro. A música cultivada

pela corte reproduziu os cânones da aristocracia européia, paralelamente, negros e

pardos ocuparam postos como músicos nas manifestações religiosas e populares, o que

garantiu a contribuição deles nos primórdios da história da música brasileira.

As medidas adotadas por D. João VI procederam à abertura dos portos, à

manufatura de metais e tecelagem, o livre comércio, a criação da Imprensa Régia e a

Real Junta de Comércio, à fundação do Banco do Brasil e, entre outros avanços, a

instituição de uma estrutura cosmopolita na cidade do Rio de Janeiro, dando maior

ênfase às práticas sócio-culturais. Nesse contexto, a história da cidade registra o

estabelecimento de uma classe social abastada, formada principalmente por

portugueses que acompanhavam os membros da Corte e por “espanhóis, franceses,

ingleses, que viriam a formar uma classe média de profissionais e artesãos

qualificados.” (FAUSTO, 2001: 69).

Após a independência do Brasil, o Rio de Janeiro continuou acolhendo os

imigrantes portugueses que se decidiram transferir para o país, “estimulados pelo


25

contraste entre a crise econômico-política metropolitana e o dinamismo do Brasil com

a expansão cafeeira.” (LESSA, 2002: 27). O panorama musical brasileiro avançou

com a organização de sociedades musicais beneficentes e a fundação do Conservatório

Nacional de Música em meados do século XIX.

Desse modo, é a partir da segunda metade do século XIX que se inicia o

processo de expansão física do espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro, o que veio

determinar a configuração da densidade demográfica de seus bairros com a fixação da

população (negros, pardos, imigrantes), de serviços, de espaços de lazer, de indústrias

e do comércio. O movimento comercial da zona portuária contribuiu também para a

concentração de parte da colônia portuguesa, dando origem ao grêmio esportivo

lusitano mais tradicional da cidade, o Clube de Regatas Vasco da Gama:

A grande concentração de portugueses existentes no bairro da Gamboa,


Saúde e Santo Cristo deu origem, no final do século XIX, ao Clube
Dramático Filhos de Telma, na Rua do Propósito. A partir deste, originou-
se o Clube de Regatas Vasco da Gama, na Rua da Saúde, no. 283
(ROEDEL, 2002: 127).

Em função das reformas do prefeito Pereira Passos houve deslocamento de

membros da colônia portuguesa para diversas regiões da cidade. Nesses locais, podem

ser encontrados símbolos, marcas da ocupação e da vivência de imigrantes

portugueses como, por exemplo, o Clube de Regatas Guanabara, sediado no bairro de

Botafogo em 1899, resultado de uma dissidência do Clube de Regatas Vasco da Gama.

No atual bairro da Tijuca, a presença lusitana se evidencia através de espaços culturais

e religiosos. A Ilha do Governador é também outro pólo de permanência de

portugueses, como pode assinalar a Associação Atlética Portuguesa no bairro da

Portuguesa. O bairro de São Cristovão se configura como português por excelência,

porque abrigou a residência oficial da Família Real e a sede do Clube de Regatas

Vasco da Gama. Encontramos ainda o registro da presença portuguesa em outros


26

bairros como Centro, Lapa, Santa Tereza, Bairro de Fátima, percebida notadamente

por sua arquitetura.

No estudo de Roedel verificamos que, a princípio, não houve interesse

imediato pela comunidade portuguesa na ocupação de terrenos – resultado do

loteamento de chácaras e fazendas - nos subúrbios da Estrada de Ferro Central do

Brasil, Leopoldina e Zona Oeste “ressalva feita ao Méier, à Penha, e à Regional X”

(ROEDEL, 2002: 132). A Décima Região Administrativa compreende os bairros de

Olaria, Ramos, Bonsucesso, e Manguinhos, que podem ser ligados a São Cristovão

pelo bairro de Benfica, sede da CADEG, centro comercial de gêneros alimentícios, de

predominância empresarial portuguesa, espaço a que voltaremos a partir da incursão

de elementos recolhidos em trabalho de campo, conforme analisado no capítulo

terceiro desta tese.

Em relação à ocupação de terrenos no bairro da Penha, o autor justifica esse

fluxo em virtude de aspectos religiosos, assim, a Igreja da Penha veio a ser um “fator

de aglutinação dado o forte simbolismo exercido sobre a comunidade local”

(ROEDEL, 2002: 132). Os portugueses, em romaria, se dirigiram para o bairro a fim

de se confraternizarem em uma festa organizada em devoção à santa, popularmente

denominada de “Festa da Penha”.

Sabemos que desde o século XIX, a emigração de milhares de portugueses ao

Brasil concentrou, nas principais capitais brasileiras, numerosos trabalhadores que,

com suas famílias, constituíram imensas colônias lusitanas. Ao se incorporar ao modo

de vida de nosso país, o português transmitiu e atualizou hábitos e costumes de seu

povo, influenciando a cultura brasileira com estes elementos novos, inclusive as

nossas festas.
27

Entre o século XIX e o século XX, a Festa da Penha foi considerada a

festividade religiosa e popular mais tradicional da cidade do Rio de Janeiro.

Conquistando a atenção de romeiros desde o século XVIII, a ermida edificada no alto

de um penhasco do bairro da Penha, subúrbio da Leopoldina, contou com a presença

majoritária do emigrante português e de seus descendentes até o final do século XIX,

quando a festa passou a representar um espaço para a divulgação do samba e das

músicas de carnaval da época. Ao final do século XIX, a festividade já preenchia todos

os domingos do mês de outubro, contando com a presença de mais de cem mil

romeiros.

Ana Lucia Carvalho (2005)6 apurou em suas fontes a data de início da

festividade, que indica o ano de 1728 e o predomínio da presença portuguesa na festa

da Penha. A partir de 1890, a festa passou a ser frequentada também pela população

negra e mestiça, mas a partir de 1930 a comunidade portuguesa voltou a assumir a

primazia entre os romeiros celebrantes.

A confraternização popular da festa religiosa acontecia no sopé do morro onde

se encontra erigida a igreja, na atual zona da Leopoldina, e seus devotos chegavam ao

local a pé, em cavalos, burros, carroças e carros de boi, em embarcações que

navegavam até a praia de Maria Angu e, no século XX, de trem, bonde, automóvel e

ônibus. Segundo Melo Moraes Filho (1979), até a segunda metade do século XIX o

português se apresentou como elemento predominante nas festividades de Nossa

Senhora da Penha, seguindo uma prática cultural oriunda da antiga metrópole. Nesse

contexto, eram compartilhadas a culinária, a música, a dança, além de outros aspectos

característicos da cultura lusitana que amenizavam a saudade de sua terra natal:

6
Essas informações relativas às festividades na Penha podem ser encontradas na dissertação de
mestrado de Ana Lucia Carvalho (2005) denominada Cultura e história na Festa da Penha.
28

Encostados às vendas e às barracas, foliões que apeavam das andorinhas e


muitos dos que lá se achavam, preludiavam as suas toadas, suas danças
nacionais, pulando logo após no caminho. E a cana-verde, a chama-rita, o
fadinho, o vai-de-roda ferviam sapateados, não sendo dispensados os
desafios graciosos e brejeiros. O mulherio saracoteava, batia palmas a
compasso, pinoteava com seus pares, alguns dos quais, um tanto
chumbados, esfregavam as primas da viola, davam breu nas cordas da
rabeca, palheteavam os cavaquinhos, recomeçando trovas e dançados,
emendando a roda:
Chama-rita de meu peito,
Quem quer bem tem outro jeito... (MORAIS FILHO, 1979).

No artigo “Festa da Penha: Resistência e Interpenetração Cultural (1890-

1920)”, a pesquisadora Rachel Soihet (2002) comenta a estrutura da festividade

religiosa cujo ápice apresentava as missas solenes que eram acompanhadas pelos

devotos, que compareciam adornados com flores de papel e chapéus. Após a

cerimônia religiosa, os romeiros se integravam à parte popular do evento, jogando,

cantando, tocando instrumentos musicais e consumindo comidas típicas, vinho e

cerveja.

Podemos observar na crônica de Raul Pompéia (escrita em 1888) a presença da

colônia portuguesa na Festa da Penha, cuja descrição de aspectos da romaria e da

cerimônia do Te-Deum procedem à pausa para o almoço, em que cerca de vinte mil

pessoas “organizam-se em banquete” para posteriormente seguirem a festividade:

“Depois da refeição, vêm as danças e os cantos. Um delírio de samba e fados,

modinhas portuguesas, tiranas do norte.” (BANDEIRA, 1965).

Além das referências bibliográficas existentes sobre a Festa da Penha, há o

registro da presença da cultura portuguesa no curta-metragem As Festas da Penha,

produzido por Paschoal Segreto em outubro de 1900 e catalogado pela cinemateca

brasileira (ANCINE), onde se vê (ainda que não possamos ouvir, pois se trata de um

documentário desprovido de áudio) “obrigatoriamente portugueses tocando guitarras”

(TINHORÃO, 1972: 273).


29

A presença portuguesa no bairro da Penha pode ser observada ainda hoje na

arquitetura local de algumas residências, através de fachadas que apresentam brasões

do império português ou de azulejos que imprimem a estampa de seus santos devotos,

como Nossa Senhora da Penha, Nossa Senhora de Fátima e o Sagrado Coração de

Jesus. Grande parte das residências do bairro surgiu no entorno do Curtume Carioca,

empresa de capital português instalada no bairro na década de 1920, que chegou a ser

a maior indústria de curtição de couro das Américas no decorrer da década de 1950.

As ruas adjacentes ao complexo industrial foram projetadas com residências

destinadas aos operários, fato que reuniu uma grande parcela de imigrantes

portugueses que ocupara um posto na fábrica. O Curtume Carioca encerrou as suas

atividades na década de 1990.

Outro espaço importante para a colônia portuguesa é o Mercado São Sebastião,

que funciona nas proximidades da Avenida Brasil desde 1960, abrigando a Bolsa de

Gêneros Alimentícios da cidade. O mercado é constituído majoritariamente de

comerciantes portugueses, e empregou uma grande massa de imigrantes portugueses

que trabalhavam em serviços auxiliares do comércio, como motoristas, estoquistas,

ajudantes, carroceiros, empilhadores, etc.

Ao lado do bairro da Penha, o bairro da Penha Circular é outro local importante

para a história dos imigrantes lusitanos na cidade. Ali se encontra a sede da Casa do

Viseu, e suas ruas registram a passagem de moradores ilustres como a fadista Maria

Alcina, entre outros. As ruas do bairro são designadas com os nomes de artistas,

regiões e cidades portuguesas, como Av. Camões, Rua Cintra, Av. Lisboa, Rua Braga,

Rua Coimbra, Rua Ourique, Rua Cascais, Rua Castelo Branco, Rua Setubal, Rua

Santarém, Rua Timboim, Praça Almeida Garrett. A Penha Circular, assim como o
30

bairro da Penha, abriga na atualidade um grande contingente de famílias de imigrantes

portugueses e seus descendentes.

1.3 Os imigrantes portugueses, entre empresários e operários: a indústria têxtil

no Rio de Janeiro

O estudo sobre a imigração portuguesa no Rio de Janeiro acompanha o período

de industrialização da cidade, e deve contemplar a história dos operários que atuaram

nas fábricas de manufaturas diversas, assim como a de seus dirigentes. O

desenvolvimento do parque industrial brasileiro se inicia no século XIX e seu estudo

compreende a organização de vários setores de manufaturados, como a indústria têxtil

e as indústrias de chapéu, calçado, fósforo, cerveja, garrafa de vidro, vestuário,

moagem de trigo, vela e sabão, entre outros. De acordo com Wilson Suzigan (2000),

esse desenvolvimento ocorreu como parte de um processo de acumulação do capital

resultante da expansão da economia de exportação. O crescimento da indústria de

transformação7 no período envolve muitos aspectos, como a demanda por produtos

manufaturados (por exemplo, a produção de tecidos grosseiros para serem utilizados

como vestimenta dos trabalhadores ou mesmo como sacos de juta para a agricultura,

ou a produção de maquinarias para a indústria); o emprego de matéria-prima nacional

ou importada nas manufaturas, e a força motriz utilizada na indústria, que se abastecia

em maior parte de energia a vapor, ainda que também utilizasse a energia hidráulica.

(SUZIGAN, 2000).

Em muitos casos, especialmente nas indústrias têxteis, esses trabalhadores


‘livres’ consistiam, na maioria, de mulheres e crianças: as crianças viviam
normalmente nas fábricas e eram aí alimentadas, educadas e treinadas. O
salário monetário desses trabalhadores era certamente muito baixo. No
entanto, a indústria de transformação contribuiu em certa medida para uma
transição antecipada para o trabalho livre. Mais tarde, no fim do século

7
O termo “indústria de transformação” designa o tipo de indústria que transforma a matéria-prima em
produto comercial para ser consumido.
31

XIX e início do século XX, a indústria de transformação beneficiou-se da


imigração promovida pelos cafeicultores e pelo governo. De fato, diversas
indústrias tiveram grande participação de operários e técnicos imigrantes,
como as indústrias têxtil, de chapéus, calçados, cerveja, fósforos e moagem
de trigo. (SUZIGAN, 2000:126).

Dentre todas as indústrias, a têxtil representou até o ano de 1939 o setor mais

importante da economia industrial de transformação de manufaturados no Brasil, e, de

acordo com os dados recolhidos por Suzigan (2000), durante o ano de 1907 essa

indústria “empregou 34,2% dos trabalhadores na indústria de transformação, tinha

40,2% do total da força motriz instalada e 40,4% do total do capital investido”.

(SUZIGAN, 2000: 129). No Rio de Janeiro, a indústria de tecidos se apresentou de

forma majoritária na economia da virada do século XIX e XX, empregando em sua

força de trabalho homens livres, mulheres e crianças, sendo parte desses trabalhadores

associados à comunidade imigrante de portugueses. As primeiras fábricas têxteis de

algodão foram instaladas na cidade na década de 1840, sendo a primeira fábrica

denominada “Andaraí Pequeno”, no bairro do Andaraí:

A primeira [fábrica], em 1841, foi a “Andaraí Pequeno”, que operava


novecentos fusos e produzia fios de algodão para pavios de vela e tecido
grosseiro de algodão. Foi desmontada em 1865, e suas máquinas deram
origem na cidade de Parati à fábrica “Santa Teresa”, que operava ainda em
1882. Em 1852, a “Hartley”, com 76 teares e uma máquina a vapor de 30
H.P.; a fábrica “Santo Aleixo” em 1849, com 50 teares, 2.012 fusos e 50
H.P. de energia elétrica. (SUZIGAN, 2000:141).

Entretanto, o pleno desenvolvimento da indústria têxtil fluminense aconteceu

na década de 1870, com destaque para as fábricas “Brasil Industrial”, “Pau Grande”,

no município de Magé, a “São Pedro de Alcântara” e a “Petropolitana” na região de

Petrópolis, quatro das maiores fábricas de tecido de algodão estabelecidas no período.

Essas empresas contavam em seu quadro societário com comerciantes e importadores

de nacionalidade portuguesa.
32

Foi a partir de 1870 que a indústria têxtil de algodão desenvolveu-se na


cidade e província do Rio de Janeiro. Por volta de 1884, dez fábricas
haviam sido instaladas. A maior era a “Fábrica Brasil Industrial”, instalada
em 1872 em Macacos; a “Fábrica São Pedro de Alcântara” e a “Fábrica
Petropolitana”, em Petrópolis. A “Fábrica Pau Grande” (que mais tarde
seria expandida e transformada em sociedade anônima, a “Cia. América
Fabril”) e a “Fábrica Aliança”. Com esses investimentos, a cidade e a
província do Rio de Janeiro tornaram-se o principal centro da indústria
têxtil de algodão do Brasil. (SUZIGAN, 2000: 142).

Em ensaio intitulado “A colônia portuguesa na composição empresarial da

cidade do Rio de Janeiro no final do século XIX e início do XX”, Almir Pita Freitas

Filho (2002) ressalta que o desenvolvimento da indústria no Rio de Janeiro é realizado

através da ação e do investimento de imigrantes portugueses destacados.

Uma pequena parte dos portugueses residentes na cidade integrou a cúpula

diretiva das indústrias locais, como o empresário Souza Cruz, que era dirigente de uma

fábrica de cigarros, e outros, como Sotto Maior e Domingos Bebiano. Como vimos

anteriormente, as fábricas instaladas na cidade nesse período empregaram todo o tipo

de trabalhadores livres disponíveis em suas linhas de produção (por vezes famílias

inteiras), acarretando o surgimento de vilas operárias residenciais nos arredores das

respectivas fábricas, construídas por iniciativa dos empresários fabris. As vilas

operárias foram projetadas e beneficiadas com a pavimentação de ruas, a construção

de galerias subterrâneas de esgoto e a organização de espaços de educação e lazer, etc.

A vila operária, com suas casas e sua rede de serviços (capela, escola,
armazém, clube social, farmácia, cemitério, etc.), paradoxalmente,
apresentava benefícios sociais para o operariado têxtil ao mesmo tempo em
que era constituída de elementos legitimadores da dominação do patronato
fabril. Contudo, os operários têxteis se apropriaram destes aparatos
institucionais, atribuindo significado e valor às relações e ao modo de vida
que foi construído cotidianamente no interior das capelas, nas salas de aula
das escolas e nas diversas formas de lazer. (KELLER, 2006: 7).

As vilas operárias são uma forma de dominação capitalista, pois, idealizadas e

construídas pelos industriais nas cercanias das fábricas, apresentam o propósito de

envolver os operários em uma rede sócio-econômico-cultural dependente do patronato,

gerando assim uma “hierarquia da fábrica”, que se “sobrepõe e organiza o mundo da


33

vila operária, dando o sentido de sistema ao conjunto das relações entre o mundo da

fábrica (espaço de produção) e o mundo da vila operária (espaço de reprodução)”.

(KELLER, 2006: 2). Os empresários são os proprietários das residências de seus

operários e da estrutura de serviços que se apresentam no entorno da vila, como a

escola, a igreja, o mercado, o clube esportivo, a banda musical, o rancho carnavalesco,

entre outros. A hierarquia patronal tenta estender o seu domínio para as práticas

sócio-culturais, pois a manutenção do emprego e a residência do trabalhador e sua

família na vila operária estariam condicionadas a uma postura adequada que se

enquadrasse nas aspirações de conduta do patronato. Porém, segundo Keller (2006),

os operários se apropriaram dos aparatos institucionais formulados pelo complexo

fabril e souberam impor os seus valores sociais, resguardando a inviolabilidade do lar,

construindo cotidianamente “relações de amizade e de ajuda mútua, que não se

confundiam com o paternalismo fabril”. (KELLER, 2006: 11).

Essas relações consolidam a rede social luso-brasileira que implementam o

mundo artístico associado ao fado. Esse tipo de organização social reproduz hábitos e

costumes ligados à tradição portuguesa, vindo revitalizar também a música regional e

o fado como uma das manifestações artísticas cultivadas pelos portugueses na cidade

do Rio de Janeiro, conforme os relatos colhidos em campo e as entrevistas aos

fadistas, analisados no capítulo três da tese. Assim, o fado é cultuado no período 1950-

1970 e pode ser considerado um elemento de resistência da cultura portuguesa nesta

cidade. Segundo Halbwachs, a resistência não se caracteriza como uma ação

individual: “um grupo, ao contrário, não se contenta em manifestar que sofre, em

indignar-se e protestar na hora. Resiste com todas as forças de suas tradições, e essa

resistência não permanece sem efeito. Procura e tenta, em parte, encontrar o seu

equilíbrio antigo sob novas tradições” (HALBWACHS, 1990: 137).


34

A indústria têxtil de algodão representou o setor de maior importância

econômica do Rio de Janeiro, tanto como pólo produtor de tecidos quanto como centro

de distribuição, atendendo a demanda de produtos têxteis em todo o país. Em 1878 foi

fundada no bairro de São Cristovão a Cia. São Lázaro, que fabricava “roupas de meia

e algodão” (FREITAS FILHO, 2002: 180), sob a responsabilidade do empresário

português José Maria Teixeira de Azevedo.

A próxima indústria têxtil a surgir no Rio de Janeiro foi a “Cia. de Tecidos

Aliança”, fundada em 1880, e sua fábrica foi instalada no bairro de Laranjeiras,

contando com os dirigentes portugueses José Augusto Laranja e Joaquim de Carvalho,

além do sócio inglês Henrique Wittaker, que se retirou da sociedade dois anos após a

fundação.8 A Fábrica Aliança participou das feiras de exposição industrial realizadas

no Rio de Janeiro em duas edições, no ano de 1881 e 1895, e neste último ano,

apresentou números que garantiam a sua relevância frente às outras empresas do setor

no Rio de Janeiro:

Na exposição de 1895, [a Fábrica Aliança] já era apontada como a mais


importante da cidade do Rio de Janeiro, um exemplo da capacidade
industrial e empresarial do país. Sua produção anual já alcançava
8.220.000 metros de algodão; dispondo de 334 teares para fiação e 914
para tecidos; 7.886 fusos de fiar e 46.986 para tecer, e empregando 1.625
operários, dentre homens, mulheres e crianças de ambos os sexos; o capital
era de 10 mil contos de réis. (FREITAS FILHO, 2002: 183).

Essa fábrica fomentou o florescimento do comércio local e a construção de

residências novas. Em seu quadro de operários constavam trabalhadores brasileiros,

portugueses e italianos, que compartilhavam sem conflitos os espaços de convívio

social. Além disso, a fábrica ofereceu possibilidades de lazer e cultura aos seus

8
No final do século XIX, o bairro do Jardim Botânico era considerado um bairro operário, e recebeu em
1894 a instalação da “Fábrica de Fiação e Tecidos Corcovado”, tendo como administradores os
portugueses Candido da Cunha Sotto Maior e o Visconde de Figueiredo. Em 1915, contava com 26.320
fusos, 1.224 teares e 1.200 operários (FREITAS FILHO, 2002: 187). Ao encerrar as suas atividades na
metade da década de 1930, a Fábrica Corcovado teve a sua área convertida para a construção de um
parque residencial, batizado de “Jardim Corcovado”.
35

trabalhadores, abriu uma escola para as crianças, um clube social, exibições de cinema

e teatro.9

A convivência dos operários da Fábrica Aliança no bairro de Laranjeiras

ocasionou o surgimento de manifestações culturais diversas, entre elas a organização

dos ranchos carnavalescos “União da Aliança” e “Arrepiados”, e o time de futebol

“Estudantina”, que após transferir a sua sede da Rua das Laranjeiras para a Praça

Tiradentes, no centro da cidade, transformou-se em uma das mais populares gafieiras

cariocas, mantida em funcionamento até hoje. O rancho “União Aliança” reunia a

maior parte de operários da comunidade portuguesa, enquanto que o “Arrepiados”

agregava os demais trabalhadores da Fábrica Aliança.

O compositor Angenor de Oliveira, conhecido popularmente como “Cartola”,

participou do rancho “Arrepiados” durante a sua infância, pois seu pai era operário da

Fábrica Aliança e sua família residiu em Laranjeiras em uma das casas da vila

operária. Em monografia editada em 1983, sobre a vida e a obra do compositor

Cartola, verificamos que as cores verde e rosa, representativas da Escola de Samba

Estação Primeira da Mangueira, foram trazidas por Cartola do rancho “Arrepiados”:

Cartola afirmava que o União da Aliança era um clube de portugueses, que


escolheram as cores encarnado, verde e branco inspirados na bandeira de
Portugal. Já o Arrepiados [... adotou como cores] o verde e rosa, que anos
depois Cartola iria transportar para a estação Primeira da Mangueira,
quando da sua fundação. (SILVA & OLIVEIRA FILHO, 1983: 27-28).

Em depoimento registrado na biografia citada, Cartola afirmou ter participado

do carnaval e desfilado no rancho “Arrepiados” com toda a sua família na “Ala do

Satanás”, e destacou que seu pai tocava cavaquinho profissionalmente no rancho. Esse

evento marcou a primeira vez que Cartola vestiu uma fantasia carnavalesca.

9
A Fábrica Aliança fechou as suas portas no ano de 1937 e, no ano seguinte, suas instalações foram
demolidas para que, em seu lugar, fosse construído um complexo habitacional de edifícios denominado
“Jardim Laranjeiras”, existente na atualidade ao largo da Rua General Glicério.
36

A participação do empresariado português no setor industrial têxtil ainda pode

ser notada na organização da “Companhia América Fabril”, sucessora da “Companhia

Pau Grande”, de Magé, em 1890. Em expansão para a cidade do Rio de Janeiro, a

América Fabril já contava com quatro fábricas no ano de 1915, e em 1927, já era

considerada a “primeira empresa têxtil do país”. (FREITAS FILHO, 2002: 188). O

diretor-gerente da fase inicial dessa fábrica foi o português Domingos Alves Bebiano,

que permaneceu no cargo até o ano de 1914. A forte presença do capital comercial

português na origem das indústrias têxteis estabelecidas na cidade do Rio de Janeiro

pode ser observada no quadro 2:

Quadro 2: Estabelecimentos têxteis fundados no Rio de Janeiro entre 1878-1915.


Estabelecimento Época de Proprietário
Fundação
Fábrica de Tecidos São Lázaro 1877 José Maria Teixeira de Azevedo
Fábrica de Tecidos Pau Grande 1878 Santos, Peixoto & Cia.
Fábrica de Tecidos Rink 1879 Frederico Glette
Fábrica de Fiação, Tecidos e 1880 Laranjeira, Silva & Whittaker
Tinturaria Alliança
Fábrica Bonfim 1882 Marques da Costa & Cia.
Fábrica Carioca 1884 Bandeira, Steele & Cia.
Fábrica São João 1886 (?) Hall & Bellamy
Cia. Fábrica de Tecidos São 1888 Silva & Lowdes
Cristóvão
Cia. de Fiação e Tecelagem 1887 Manuel de Salgado Zenha e
Confiança Industrial Francisco Tavares Bastos
Cia. Progresso Industrial do Brasil 1893 Banco Rural e Hipotecário e Banco
Internacional do Brasil
Cia. de Fiação e Tecidos Corcovado 1889 Visconde de Figueiredo e Candido
da Cunha Sotto Maior
Cia. de Fiação e Tecidos São Félix 1891 Alfonso de Lamase

Fonte: MONTEIRO, Ana Maria F. da Costa. Empreendedores e investidores em indústria


têxtil no Rio de Janeiro: 1878-1895. Uma contribuição para o estudo do capitalismo no Brasil.
Dissertação de mestrado, UFF, 1985, p.96.
37

Segundo o artigo de Freitas Filho (2002), a atividade empresarial de liderança

portuguesa do período alcançou ainda outros setores, como a “Fábrica de Cerveja

União e Ultramarina”, organizada no centro da cidade em 1903; a “Companhia

Moinho de Ouro”, dedicada ao fabrico de café e chocolate, fundada em 1899; e a

metalúrgica “Fundição Progresso”, fundada em 1881, inicialmente estabelecida no

centro da cidade, na Rua da Conceição, e posteriormente, transferindo-se para o bairro

da Lapa na rua dos Arcos em 1910. (FREITAS FILHO, 2002).10

A partir da segunda metade do século XIX, a participação do empresariado

português na indústria têxtil do Rio de Janeiro demonstrou a importância do

investimento de capital estrangeiro para o início do desenvolvimento industrial

nacional, absorvendo a mão-de-obra de brasileiros e imigrantes de várias

nacionalidades, inclusive uma massa de proletários portugueses. O êxito alcançado por

esses empresários incentivou outros portugueses a investirem em diversos setores da

economia brasileira. Assim, a presença portuguesa empresarial foi ampliada no

comércio já existente, em quitandas, secos e molhados, padarias e etc.,

estabelecimentos que contribuíram para a organização da rede de supermercados que

se vinha estruturar no decorrer do século XX.

Para além de qualquer processo de modernização, o comércio carioca


permaneceria germinando à sombra do antigo monopólio português, o que
viria a explicar, por exemplo, por que eram portugueses aqueles que se
colocaram à frente dos supermercados Merci, Disco, Rainha, Guanabara,
Continente, Dallas, Mar e Terra, Casas da Banha e Casas Gaio Marti,
alguns recém-chegados ao Brasil, atraídos, em última instância, pelas

10
Ressaltamos ainda a existência de outras fábricas têxteis no período, que, embora não tivessem em
seu quadro de acionistas uma maioria de investidores portugueses, empregavam como mão-de-obra a
força de trabalho do imigrante lusitano, como por exemplo, a Companhia de Fiação e Tecidos
Confiança Industrial, fundada em 1885 no bairro de Vila Isabel; a Companhia de Fiação e Tecelagem
Carioca, fundada em 1886 no bairro do Jardim Botânico; a Companhia Progresso Industrial do Brasil,
que operou a partir de 1889 no bairro de Bangu; a Fábrica Aurora, de 1895, localizada no município de
Niterói e transferida em 1901 para o Bairro de Botafogo, à Rua Real Grandeza; a Companhia Tijuca,
fundada em1900 no bairro homônimo; a Companhia de Tecidos de Linho, estruturada em 1906 no
bairro de Sapopemba, atual bairro de Deodoro; a Fábrica de Tecidos Botafogo, fundada em 1907 no
bairro de Botafogo, entre outras instituições.
38

vitórias alcançadas pelo conterrâneo Manuel Antonio Sendas. (MENEZES,


2000: 179).

Essa atividade portuguesa voltada para a organização da indústria e do

comércio do Rio de Janeiro é notória, e em sua base estrutural encontramos um lugar

comum de ação para empresários e trabalhadores lusitanos, que, apesar de se

encontrarem em posições econômicas e sociais opostas, se uniram em prol da

manutenção da cultura e dos costumes portugueses. As bandas musicais, organizadas

pelos operários das fábricas, evocavam a cultura lusitana através da música, afirmando

a identidade portuguesa e auxiliando o imigrante no processo de integração do

indivíduo ao meio social carioca. Essas bandas musicais se organizavam também em

torno da cultura portuguesa e, além de apresentarem um repertório de música popular

brasileira, incluíram em seu processo de atuação, a música regional portuguesa.

A fábrica Bangu constituiu a sua banda em 1892, e foi dirigida e organizada

pelo mestre-pedreiro José Pedro de Andrade. Em 1895, já contava com 36 músicos, e

a partir de 1904 teve como regente o maestro Anacleto de Medeiros. (DINIZ, 2007:

68). A banda de música da Fábrica de Tecidos Confiança também foi organizada por

Anacleto de Medeiros e contou com a participação de músicos como Albertino

Pimentel, o “Carramona”, e o flautista Pedro Galdino. A banda da Fábrica Aliança foi

organizada por José Resende de Almeida, e foi ali que o violonista Quincas

Laranjeiras teve a sua iniciação musical na flauta, pois era operário desse

estabelecimento fabril desde os 11 anos de idade.

1.4 Os portugueses e os espaços de divulgação do fado

1.4.1 A Opereta e o teatro de revista

O ingresso da Opereta como espetáculo popular no Brasil começou em 1865

com a apresentação de Orphée aux Enfers (Orfeu nos Infernos), com música de
39

Jacques Offenbach no Café-Concerto carioca Alcazar Lyrique. Essa Opereta fazia

referência ao mito grego de Orfeu, e em função do êxito alcançado junto à elite local,

o Alcazar Lyrique passou a promover outras montagens de Companhias Francesas. A

partir de 1868, a Opereta passou a integrar o catálogo de obras cênicas nacionais, com

a estréia da Opereta-Paródia Orfeu na Roça, de Francisco Correa Vasques. Encenada

no Teatro Fênix Dramática do Rio de Janeiro, Orfeu na Roça apresentava uma paródia

da opereta de autoria de Offenbach, Orphée aux Enfers. A música da referida paródia

ficou a cargo do compositor Manoel Joaquim Maria, que, entre os números

executados, apresentou a obra musical “Cateretê”, indicando-a na partitura como fado

brasileiro. Podemos observar no exemplo musical 1 que o ritmo básico do

acompanhamento do “Cateretê” não obedece ao padrão característico do fado castiço

português, que será descrito no capítulo 2. A letra da música alude à dança do fado,

confirmando a classificação dessa obra como integrante do conjunto de danças do fado

brasileiro:

Quebra, quebra, bem quebrado

O fadinho brasileiro

Numa roda deste fado

Tudo fica prisioneiro

Tomara achar quem me diga

Quem é que pode aguentar

A mocinha brasileira

No fadinho a requebrar
40

Exemplo musical 1: “Cateretê”. Orpheo na Roça. Partitura para canto e piano. Transcrição de
Alberto Boscarino de cópia original impressa. Fonte: Biblioteca Nacional.
41

Verificamos que o ritmo notado nos dois primeiros compassos da obra e

indicado para a execução da mão esquerda do pianista corresponde ao padrão rítmico

da habanera (colcheia pontuada/semicolcheia, colcheia/colcheia), gênero musical de

origem cubano que fazia sucesso no Brasil no final do século XIX. A partir do quarto

compasso o ritmo se estabiliza próximo ao tango brasileiro, e a harmonia se estrutura

sobre os acordes de tônica e dominante na tonalidade de sol maior. O “Cateretê” de

Manoel Joaquim Maria, ao ser comparado com o “Fadinho Final”11 do compositor

Abdon Milanez (exemplo musical 2) pode nos indicar semelhanças entre as duas

obras. A tonalidade é maior (Mi Bemol), o compasso é binário simples, a harmonia se

encontra estruturada entre a tônica e a dominante, e o ritmo de acompanhamento

obedece ao padrão da habanera. Não há determinação de andamento para as duas

obras, mas a indicação como número “final” na Revista Mercúrio sugere uma peça de

caráter alegre, possivelmente próximo ao andamento allegro.

Exemplo musical 2. Trecho da partitura para piano de “Fadinho Final”, composição de Abdon
Milanez para a Revista Mercúrio (1886) de Arthur Azevedo e Moreira Sampaio. Cópia da
partitura original impressa por Narciso e Arthur Napoleão, s/d, número de matriz 3093.

11
O “Fadinho Final” é uma obra de autoria de Abdon Milanez, a qual integra a Revista Mercúrio de
Arthur Azevedo e Moreira Sampaio, encenada no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro em 1886.
42

Segundo Neyde Veneziano (2008), logo em seguida ao êxito das Operetas, o

público do Rio de Janeiro passou a perceber o teatro de revista como forma de

entretenimento, e “após as primeiras mal-sucedidas tentativas, instalou-se pelas hábeis

mãos de Arthur Azevedo em 1870. Desde então, o Rio de Janeiro distinguiu-se como a

Capital do Teatro Musical Brasileiro.” (VENEZIANO, 2008: 1). O teatro musical

brasileiro foi absorvendo elementos próprios da Ópera, como duetos e tercetos,

canções e árias que indicavam entradas e saídas, apresentação cantada dos

personagens, e apontou em direção ao carnaval carioca como tema de referência,

conforme afirma Veneziano (2008):

Quando a revista empurrou a opereta para zonas periféricas, os


procedimentos provenientes do teatro lírico já se haviam transmutado em
meio aos populares ritmos e melodias afro-brasileiros. O edifício
dramatúrgico-revisteiro permaneceu de pé e imutável por mais tempo,
arregimentando tipos, assuntos e sons genuinamente brasileiros. Nesta
linha, a melhor e mais significativa expressão deu-se entre as décadas de
1920 e 1950. Durante este período, o teatro de revista foi,
indubitavelmente, o gênero que melhor representou a idéia que o Brasil
tinha de si, dentro da tríade ideológica: mulher, malandragem e carnaval,
signos da pátria convertidos em padrão de representação teatral.
(VENEZIANO, 2008: 1).

A formação do Teatro de Revista no Brasil recebeu uma forte contribuição do

Teatro de Revista Português. Esse gênero teatral era originário da França, e segundo

Múcio da Paixão (s/d), é através da popularização da Revista na França que o Brasil

absorve o gosto por Operetas e logo depois por Revistas. Segundo o autor, as

companhias portuguesas de Teatro de Revista chegaram ao Rio de Janeiro em 1892,

estreando no dia 07 de Julho no Teatro Lucinda. A Revista encenada intitulava-se O

Burro do Senhor Alcaide, de João da Câmara e Gervásio Lobato, e foi montada pelo

empresário português Souza Bastos.


43

A Revista pode ser compreendida como um gênero teatral de variedades, com

números de dança, música e canto além de paródias políticas e sociais. Entre os

séculos XIX e XX, era denominada “revista de ano”, pois o seu enredo se inspirava no

resumo dos acontecimentos políticos e sociais ocorridos durante o ano anterior, e era

apresentado por duas personagens características do teatro francês, o compère e a

commère (compadre e comadre). O Teatro de Revista se modificou no Brasil a partir

da década de 1920 com a redução das obras em dois atos, o desaparecimento das duas

personagens que apresentavam o enredo e o aumento dos números de música e de

dança. (VENEZIANO, 1991). De acordo com Veneziano (2006), podemos observar o

universo da crônica social que era tecida nas revistas de ano encenadas no Rio de

Janeiro:

As revistas de ano pareciam procurar fixar teatral e satiricamente os


instantâneos da cidade. Pelas revistas de ano passeavam personagens-tipo
que encarnavam o perfil acabado do carioca, às vezes malandro, às vezes
cômico. Também imigrantes portugueses, ingênuos sertanejos pasmados
diante do progresso, mulheres fatais, doutores e uma galeria sem fim de
caricaturas ofereceram um panorama tão ou mais fiel para a história do que
a comédia de costumes. As doenças, os problemas financeiros e a imprensa
surgiam, neste painel anual, em forma de alegorias. (VENEZIANO, 2006:
266).

A primeira Revista foi encenada em 1859 no Teatro Ginásio, intitulada As

surpresas do senhor José da Piedade, de Figueiredo de Moraes. Encontramos

registros de uma presença significativa da música e da cultura portuguesa nesse teatro

musical de variedades, uma vez que o Brasil recebeu forte influência lusitana durante

o segundo reinado. Portanto, as repercussões “se estendiam às artes e à formação de

um gosto do público peculiar” (VENEZIANO,1991: 28). No cenário desse teatro

vemos a configuração de um tipo de português tosco e portador de vastos bigodes,

introduzido pela Revista O Bilontra (1886), de Arthur Azevedo, caracterizando de

forma humorística o personagem lusitano. Notamos que, na época, as Revistas

nacionais e portuguesas “disputavam a cena”, porque havia no elenco “sempre uma


44

mistura de portugueses e brasileiros. E as platéias também. A convivência era ótima”.

(VENEZIANO,1991: 134).

Como as Revistas apresentavam variedades e modismos musicais da época, o

Fado passou a integrar o repertório de algumas Revistas que eram dirigidas ao público

de origem portuguesa. Uma referência à música do fado pode ser encontrada na peça A

Fantasia (1896), de Arthur Azevedo, fado cantado pelo personagem D. Jaime. A

interpretação dessa canção em cena causou mal-estar à colônia portuguesa porque a

letra fazia alusão à obra “D. Jayme” do poeta português Tomás Ribeiro

(VENEZIANO,1991: 134-5):

As vozes de um fado nosso

Me põem o peito a saltar!

Eu confesso que não posso

Ver defunto sem chorar

Quando eu for por Deus chamado

Desta vida sem ventura,

Peço que me cantem o Fado

Sobre a minha sepultura.

Na tentativa de apurarmos a ocorrência do fado como música integrante no

enredo das Revistas encenadas no Brasil, outras obras foram consultadas diretamente

na Sociedade Brasileira de Autores Teatrais – SBAT, e destacamos dentre elas a peça

O Ditoso Fado, comédia original em um ato de Manoel Roussado. A obra não é

datada, mas há uma indicação a lápis que indica o ano de 1935, provavelmente o ano

em que a obra foi registrada no Brasil. De acordo com Tinhorão (1994), O Ditoso

Fado foi estreada em 1869 no Teatro Trindade em Portugal. A peça se desenrola em

um único ato e conta com apenas dois personagens em seu elenco: o Doutor Saraiva e

a Dona Violante. Há uma indicação expressa na obra onde o autor pede que a
45

orquestra comece a tocar ao levantarem a cortina, “alguns compassos antes da entrada

do Dr. Saraiva”. A obra trata do enlace matrimonial entre os personagens. Violante, no

início da cena VI, faz alusão ao fado corrido, a “marselhesa nacional” e, ao declarar a

sua preferência pela guitarra, em detrimento ao som do piano, canta o fado:

Vem chorar junto ao meu peito

O adorado instrumento

Quem me dera, ai! Quem me dera

Apagar o meu tormento

Quando pego na guitarra

Sinto logo-o quer que é

Que me fala ao coração

E me faz pular de pé

(O Ditoso Fado, Roussado, cena VI, 1935)

O começo da cena VII também exige a interpretação de um fado por Saraiva,

que, ao ouvir Violante na cena anterior, sente o desejo de executar a dança do

“sapateadinho”. A peça culmina ao som de um fado de duas quadras, e em dueto no

final.

Mais duas obras nos servem de suporte para o estudo do gênero, a primeira é

intitulada Fado e Maxixe, revista em 3 atos de João Poncho e André Brum, s/d; a

segunda, Como Nasceu um Fado: quadro-episódico e musical em 5 fases, de

Humberto Cunha, musicado pelo maestro Antonio M. Lopes em junho de 1949,

inspirado no romance A Severa12, de Julio Dantas.

12
Trata-se de uma novela lançada em 1901 pelo escritor português Julio Dantas que descreve a
sociedade portuguesa de 1848 e seus hábitos populares, tendo como personagens centrais o Conde de
Marialva e a cigana fadista Severa, que vivem um romance condenado pela sociedade da época. A
novela de Dantas foi levada ao teatro e inspirou o primeiro filme sonoro português, dirigido por José
Leitão de Barros e estreado em 1931.
46

O enredo da revista Fado e Maxixe engendra em sua trama a visita do

personagem Fado, procedente de Lisboa, ao Rio de Janeiro, onde é recepcionado pelos

personagens Maxixe e Avenida (Central) na então capital da República. Ao longo da

trama, é a vez do Maxixe atravessar o Atlântico e desembarcar na capital portuguesa e,

depois de ter sido bem acolhido em Portugal, retornou ao Brasil ovacionado pelo Zé

Pereira e pelo próprio Rei Momo. Os autores da peça criaram vários personagens para

esta obra: a 1ª. Avenida, a Rotunda, o Chalet e o Coreto; a Costureira, a Ama de Leite,

o Galucho, o Caixeiro, a Menina Pires, o Estudante, a Canção e o Fado (em Lisboa); a

Avenida (alusão à Avenida Central na cidade do Rio de Janeiro), a Capital (Federal),

Sebastião, o Maxixe, o Creado, a República, o Brasil e alguns Estados (Bahia,

Pernambuco, São Paulo, Ceará). Portanto, a obra Fado e Maxixe encena o maxixe

brasileiro e o fado português como personagens representativos dos gêneros musicais

expressivos de cada povo e reflete o intercâmbio cultural luso-brasileiro.

Foram obtidas cópias das peças citadas anteriormente, faltando o exame de

Uma História do Fado, de José Silvino Fernandes, Embaixada do Fado, de Alberto

Reis, e Como Nasceu um Fado, de Louis Pericand Benet, porque essas obras não

foram localizadas pelo setor de arquivo da SBAT. No Brasil, o registro do termo fado

na música pode indicar dois gêneros diferentes, o fado português e o fadinho

brasileiro. A pesquisa revelou a existência de algumas obras do Teatro de Revista que,

apesar da referência ao termo fado, expressam a manifestação do fadinho brasileiro,

integrado por música e dança.

A peça O Juiz de Paz na Roça (1837), de Martins Pena, é considerada pela

crítica especializada a nossa primeira comédia de costumes, e tece uma crítica aos

hábitos, instituições e membros da sociedade brasileira da primeira metade do século

XIX. O tema da obra remete à Revolução Farroupilha de 1834, por isso, o personagem
47

José se vê obrigado a contrair núpcias com Aninha, como uma tentativa de escapar ao

recrutamento militar. A estrutura da peça é constituída por um único ato composto de

vinte e três cenas e com os demais personagens envolvidos, como Manoel João, o Juiz

de Paz, O Escrivão, Maria Rosa e os Lavradores.

Na peça de teatro referida a música do fado aparece mencionada na última

cena, quando o Magistrado convoca os personagens a dançar um fado em obséquio ao

Sr. Manoel João que acabava de casar a sua filha. O juiz pede ao escrivão que vá

buscar a viola, e em seguida, que se organize a roda para o baile “Um fado bem

rasgadinho... bem choradinho...”. Um dos atores empunha a viola para o baile, e o

autor registra a existência de uma homologia entre o fado e a tirana, mas entendemos

que a representação desse ato final deixa transparecer as características do fadinho

brasileiro: “Bravo, minha gente! Toque, toque! Um dos atores toca a tirana na viola; os

outros batem palmas e caquinhos, e os mais dançam.” (PENA, 1997).

O desfecho da peça se dá com a alternância de tocador e coro entoando os

versos do fado ora anunciado:

Ganinha, minha senhora,


Da maior veneração;
Passarinho foi-se embora.
Me deixou penas na mão.

Se me dás que comê,


Se me dás que bebê,
Se me pagas as casas,
Vou morar com você. (Dançam.)

JUIZ - Assim, meu povo! Esquenta, esquenta!...

MANUEL JOÃO - Aferventa!

Tocador,

cantando -
48

Em cima daquele morro


Há um pé de ananás;
Não há homem neste mundo
Como o nosso juiz de paz.

Todos -

Se me dás que comê,


Se me dás que bebê,
Se me pagas as casas,
Vou morar com você.

JUIZ - Aferventa, aferventa!...

As peças citadas de Martins Pena e Francisco Corrêa Vasques apresentam a

dança característica do fadinho brasileiro como atração, e essa fórmula será repetida

na Opereta de costumes A Corte na Roça, de Palhares Ribeiro, com música da

compositora Chiquinha Gonzaga. A obra teve sua estréia no Teatro Príncipe Imperial

do Rio de Janeiro em 17 de janeiro de 1885, montada pela Companhia Portuguesa

Souza Bastos.

Na portada da cópia elaborada e assinada por Ernesto Rocha em 1914, lê-se o

título e a designação do gênero “Opereta em 1 acto”. A trama se passa na Fazenda das

Cebolas, região de Queimados, e a obra remete aos costumes do povo residente no

interior do país. A crítica do Jornal do Commercio (1885) comentou que as obras

musicais da peça demonstravam um “cunho característico da música de estilo

brasileiro”, e classificava a música final como um lundu, fazendo a associação desse

gênero com o habitante das áreas rurais (homem da roça).

A Corte na Roça, composta de quadros de música e dança, é iniciada com uma

quadrilha, depois apresenta uma valsa e termina com uma dança brasileira de

características híbridas que oscila entre lundu, polca e tango, dança que Edinha Diniz

classificou como maxixe (DINIZ, 1999: 118). No texto original, a indicação do gênero

é assinalada como fadinho brasileiro, conforme podemos observar:


49

JUCA, CELINA E TODOS OS OUTROS PERSONAGENS (ENTRANDO)

Ao Fado! Ao Fado!

Abram! Abram! (tocam o Fado e dançam)

CORONEL (dando uma viola a Celina) (canta)

Quem é gente lá da roça

Puxe bem suas fieiras

Quem não dança é gente mole

Não serve pra brincadeira

TODOS

Quebra quebra gente boa

Quebra quebra até morrê

Quem não dança é gente a toa

Isto é só pra (ilegível)

CHICO BENTO

Caia primeiro no Fado

A comadre que és segura

Não fique assim socegado (sic)

Quem não tem a perna dura

(A Corte Na Roça, cópia de 1914)

A dança final foi liberada pela censura com a condição de não ser repetida e,

apesar do fervoroso apelo do público que assistiu à estréia, os atores não puderam

fazer o bis “diante da imediata resolução da autoridade presente que mandou baixar o

pano” (DINIZ, 1999: 118). A Corte na Roça é mais uma obra que se apropria do fado

(fadinho) brasileiro, pois, segundo fontes encontradas até a atualidade, existe a

hipótese de o gênero de canção popular portuguesa denominado fado somente ter

integrado o repertório de nosso teatro de revistas a partir de 1896 com a peça A

Fantasia, de Arthur Azevedo.


50

A cantora Araci Cortes é conhecida como intérprete de destaque no teatro de

revista brasileiro e, dentre outros gêneros musicais, dedicou-se também ao fado. Em

1929, a artista lançou o fado “Tibe”, na revista Pátria Amada, e em 1933 cantou o

fado-marcha “Feno de Portugal”, na revista Arraial, de autoria de Mario Marques e

Cruz e Souza, encenada em Lisboa (RUIZ, 1984). As fontes relativas ao teatro de

revista brasileiro são compostas principalmente pelo roteiro da peça teatral, ficando a

parte musical passível de uma reconstituição musicológica a partir de outras fontes

como partituras ou gravações fonográficas relacionadas à literatura e à história do

teatro brasileiro. Conforme observamos nesse tópico da pesquisa, a referência ao

termo fado nas obras do teatro musicado brasileiro pode confundir os estudiosos do

tema em um primeiro momento, pois há de se considerar a diferença entre o fado

castiço português e o fadinho brasileiro, assim como a distinção de outros gêneros

similares como o cateretê e o maxixe, músicas associadas à modernidade social de

cada período.

A transformação que ocorreu no fado durante o século XX é decorrente da

inserção desse gênero musical no teatro de revista, processo que se iniciou ao final do

século XIX, gerando assim um estilo novo denominado fado-canção. A inclusão desse

tipo de canção nos espetáculos do teatro de revista foi bem aceita pela comunidade

portuguesa e passou integrar o seu imaginário, projetando o fado para outros espaços

de divulgação como as casas regionais, associações filantrópicas e etc.

1.4.2 Casas regionais, associações culturais e filantrópicas

Como visto anteriormente, a fundação das casas regionais e de algumas

associações culturais portuguesas nos servem como referência para o estudo da

ocupação e da distribuição dos imigrantes portugueses nos bairros da cidade do Rio de


51

Janeiro. O caráter associativo foi uma das características da imigração portuguesa no

Brasil, responsável pela fundação de associações culturais, filantrópicas e casas

regionais em diversos estados brasileiros, e por conseguinte, na cidade do Rio de

Janeiro.

As entidades filantrópicas tinham o objetivo de auxiliar o imigrante na

obtenção de um posto de trabalho, no socorro aos enfermos e no auxílio funeral de

seus compatriotas menos favorecidos, além de promover ações educacionais para a

formação de crianças e jovens junto à comunidade. (SILVA, 1992).

A música popular portuguesa no Brasil também pode ser compreendida através

das atividades culturais promovidas pelas diversas associações portuguesas e luso-

brasileiras existentes no Estado do Rio de Janeiro. Em uma lista atualizada fornecida

pela Federação das Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras, enumeramos 53

entidades filiadas distribuídas pelo Estado do Rio de Janeiro, concentrando-se a maior

parte delas na cidade do Rio de Janeiro. A capital do Estado conta com 41 instituições

que operam com atividades diversas, como academias literárias, bibliotecas, teatros,

associações esportivas, bandas musicais, grupos folclóricos, casas regionais, hospitais

e obras de assistência.

Além das entidades filantrópicas, recreativas e culturais fundadas pelos

portugueses na cidade do Rio de Janeiro, cabe destacar a importância das sociedades

de socorro mútuo, promotoras de um grande movimento associativista na década de

1880. Essas entidades eram formadas por trabalhadores portugueses e representaram

uma alternativa de organização da comunidade lusitana na cidade, na busca de

melhores condições de vida, principalmente em relação aos serviços sociais básicos

como saúde e educação. A precariedade das condições de vida imposta aos imigrantes

no Brasil, acarretou na adesão da comunidade portuguesa ao mutualismo, ao ponto de


52

a população proletária lusitana “não querer mais sujeitar-se à caridade e pretender

precaver-se contra a doença, a invalidez e a morte mediante uma cotização tirada do

salário do trabalhador e que depois iria beneficiar a sua família.” (SILVA, 1992:95).

Dentre as entidades de caráter cultural lusitano, o Real Gabinete Português de

Leitura13 figura como a primeira associação portuguesa fundada no Rio de Janeiro em

14/05/1837. Essa instituição possui o maior acervo de obras de autores portugueses

fora de Portugal, oferece o acesso para consulta através de sua biblioteca pública, além

de promover cursos sobre arte, história, antropologia e literatura. Outra associação de

destaque, a Real Sociedade Clube Ginástico Português14 é uma instituição luso-

brasileira centenária, fundada em 31 de Outubro de 1868 por João José Ferreira da

Costa e Antonio José Ferreira da Costa. A sede atual está localizada no centro da

cidade na Av. Graça Aranha e foi inaugurada em 1938, e a entidade possui o objetivo

de “dinamizar as atividades esportivas, artísticas, culturais e sociais, promovendo a

integração da Comunidade Luso-Brasileira”. Além dessas, há outras entidades e

associações lusitanas que constam do anexo desta tese, como o Liceu Literário

Português, a Banda Portugal do Rio de Janeiro, os Ranchos Folclóricos e as Casas

Regionais.

Na cidade do Rio de Janeiro, há vários ranchos folclóricos em atividade que

difundem a música, a dança e a cultura popular portuguesa. Os ranchos são

constituídos por imigrantes portugueses e seus descendentes, e se apresentam em

espaços públicos com trajes típicos de cada região de Portugal, dançando, cantando e

executando instrumentos musicais típicos, como o cavaquinho, a viola e a concertina.

13
Fonte: Real Gabinete Português de Leitura. Disponível em:
<http://www.realgabinete.com.br/index.htm>. Acesso: em 12 fev. 2009.
14
Fonte: Clube Ginástico Português. Disponível em: <http://www.clubeginastico.com.br/>. Acesso em:
22 fev. 2009.
53

Esses grupos folclóricos se organizam através das danças regionais ambientadas ao

som de canções populares como a cana-verde, a chula, o vira e o fado. Os principais

ranchos em atividade no Rio de Janeiro são relacionados no anexo A (p. 199).

As Casas Regionais Portuguesas são associações culturais que assinalam a

distribuição territorial da colônia portuguesa no Rio de Janeiro, com representações de

ordem regional e nacional. Cada Casa Regional se encontra fundamentada sob os

aspectos sócio-culturais de determinada região ou Concelho de Portugal, e situada em

um entorno geográfico representativo das famílias dos imigrantes. Tem por objetivo a

divulgação da cultura portuguesa através de eventos que envolvem música, culinária,

dança folclórica e outras atividades sociais como excursões, palestras, sessões de

cinema, etc. Essas agremiações surgiram no decorrer do século XX, e, embora

representem as características culturais de cada região, não se desenvolvem como um

movimento de ordem separatista, e sim como parte integrante da identidade nacional

lusitana. Relacionamos no anexo A algumas das principais Casas Regionais

estabelecidas na cidade do Rio de Janeiro.

1.5 Gravações pioneiras do fado

A primeira gravação de um fado no Brasil é registrada em 1902 (ano em que

são realizadas as primeiras gravações fonográficas no Brasil), gravada pelo cantor

Baiano com o título de “Fado Português”15. O mesmo intérprete registra em seguida

as gravações de “Fado de Hilário”, Zon-o-phone 10038, e “Fado do Soldado”, Zon-o-

phone 1515, e embora não haja indicação sobre a data de gravação, a numeração de

série indica o ano de 1902. Após um levantamento dirigido às gravações realizadas

entre os anos de 1902 e 1935, encontramos o registro 314 de fonogramas, que podem

15
Baiano. Fado Português, Zon-o-Phone, disco 10.009, lançado em 1902.
54

ser classificados em duas fases: a primeira com 134 fonogramas, entre 1902 e 1927, e

a segunda, com 180 fonogramas, a partir de 1928, quando se inicia no Brasil o sistema

de gravação elétrica. O foco de nossa pesquisa encontra-se centrado entre as décadas

de 1950 e 1970, mas, em um primeiro momento, decidimos observar as gravações

realizadas até 1935, ano representativo por conter numerosas gravações dos cantores

Manoel Monteiro, Joaquim Pimentel e José Lemos. Essas gravações nos ajudaram a

compreender o processo de fixação e divulgação do gênero musical no Brasil, e

podemos destacar os principais cantores que registraram a sua voz na interpretação dos

fados na primeira fase (gravações mecânicas): Baiano, com onze gravações (11);

Cadete, duas (2); Mario Pinheiro, quatro (4); Eduardo das Neves, quatro (4); Almeida

Cruz, vinte e cinco (25); Delfina Victor, quatorze (14); Risoleta, cinco (5); Joaquim

Ramos, sete (7); Artur Castro, sete (7) e Vicente Celestino, duas (2). A segunda fase

(gravações elétricas) compreende principalmente as gravações dos cantores Manoel

Monteiro, que possui trinta e seis (36) fonogramas; Isalinda Seramota, doze (12); José

Lemos, treze (13); Augusto Lopes, nove (9) e Almirante e o Bando de Tangarás, com

uma gravação. A discografia referida pode ser observada em tabela inserida no anexo

C e disponibilizada em Cd digital fixado na contracapa final desta tese.

O Instituto Moreira Sales disponibilizou para escuta em seu site

(http://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/) 182 gravações de fado que

integram a coleção pessoal dos pesquisadores Humberto Franceschi e José Ramos

Tinhorão. Esse acervo guarda fonogramas dos principais fados gravados no Brasil

entre 1902 e 1960, com gravações de Cadete, Mario Pinheiro, Baiano, Delfina Victor,

Os Geraldos, entre outros, constituindo-se em uma fonte importante para pesquisa do

fado produzido em nosso país.


55

Outra fonte da discografia do fado brasileiro pode ser encontrada no

levantamento organizado por Gracio Barbalho, Alcino Santos, M.A de Azevedo

(Nirez) e Jairo Severiano denominado A Discografia Brasileira 78 rpm – 1902-1964,

pesquisa editada pela Funarte em 1982 em 05 volumes, os quais registram mais de 700

gravações do gênero realizadas no Brasil. Esse catálogo reúne informações básicas

acerca dos fonogramas gravados, indicando título da canção, gênero, autores,

intérprete, ano de gravação, número de registro do fonograma, gravadora, etc.

A análise musical de uma das gravações realizadas pelo cantor Baiano, nas

primeiras décadas do século passado, pode revelar uma similaridade com o castiço

“Fado de Vimioso” (exemplo musical 3), recolhido e registrado em notação musical

em um cancioneiro português de 189316.

Exemplo musical 3. “Fado de Vimioso”. Transcrição de Alberto Boscarino do Cancioneiro de


Músicas Populares de César das Neves. Porto, vol. 3, 1898, p. 128-129.

Realizamos uma transcrição da gravação de Baiano “Saudade da terra”

(exemplo musical 4) para verificar se havia elementos comuns nas duas obras. Quanto

16
Cancioneiro de Músicas Populares. Collecção recolhida e escrupulosamente trasladada para canto e
piano por Cesar A. das Neves; coord. a parte poetica por Gualdino de Campos; pref. pelo Exmo Sr. Dr.
Teophilo Braga. - V. 1, fasc. 1 (1893)-V. 3, (1898). - Porto: Typ. Occidental, 1898-1899.
56

aos elementos musicais, foi possível observar uma semelhança estrutural nas obras

analisadas, a saber:

. Harmonia em tonalidade menor (Lá menor), alternando a tônica e a dominante;


. Melodia elaborada em graus conjuntos (na gravação, com trinados característicos);
. O ritmo melódico tende à síncope;
. Temática fadista: saudades da terra portuguesa e saudade da Severa;

. Acompanhamento instrumental organizado na forma de arpejos.

Exemplo musical 4: Fragmento de “Saudades da Terra”, Odeon, 108714, entre o ano de 1907-
12, Fado. Transcrição de Alberto Boscarino.

Não há uma indicação precisa do ano de gravação deste fonograma, considera-

se uma data provável para essa série situada entre os anos de 1907 e 1912. O cantor

Baiano gravou outra versão de “Saudades da Terra”, para a Odeon em 1912 17, sob o

número 10321, excluindo a última quadra e a frase declamada ao final como desabafo.

Apesar da má qualidade técnica da gravação, uma escuta atenta das duas

versões gravadas revela-nos que o instrumento empregado para o acompanhamento do

fado é a guitarra portuguesa. A princípio, o timbre do instrumento nos remete ao som

do violão, mas os arpejos da região aguda e a técnica de ponteio dos bordões com

dedeira tornam patente a execução atribuída à guitarra portuguesa. Essa constatação


17
Baiano. “Saudades da Terra”. Fado. Odeon, 78 rpm, disco 10321, 1912. Fonte: arquivo Humberto
Franceschi. Disponível em: < http://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/>. Acesso em: 14 mar.
2009.
57

pode sugerir que o cantor Baiano estivesse instruído na técnica da guitarra portuguesa,

além da habilidade com o violão, ampliando desse modo suas possibilidades como

intérprete.

Alguns aspectos relacionados à interpretação, acompanhamento e composição

do fado serão desenvolvidos conforme o conceito de artista integrado proposto por

Becker (1977) que envolve a prática referida ao cantor Baiano. Esses artistas

conservam elementos de cada cultura (portuguesa e brasileira) em um único mundo

artístico, como se exibissem uma interseção desses mundos, vivenciando experiências

musicais compartilhadas. Os conceitos de Becker (1977) serão apresentados no

capítulo 3 desta tese.

Os versos da canção estão organizados em quadras de sete sílabas que se

repetem, obedecendo ao princípio da redondilha maior (padrão métrico característico

de canções tradicionais) e expressando o lamento do imigrante português saudoso de

sua terra natal. O intérprete acompanha o canto de sua voz “bizarra” ao som da

guitarra portuguesa, e confessa as suas saudades (da terra, da família, da infância, das

noites de calma). No final da canção ele declara certo arrependimento por estar em

solo estrangeiro, situação que pode ser percebida na frase “Isso é diabo quando a gente

vive no país dos outros... É pior do que cachorro leproso!”.

Segue a letra na íntegra:

Nos tristes versos singelos/ao som da minha guitarra

Nos tristes versos singelos/ao som da minha guitarra

Eu vou cantar um fadinho/ na minha voz que é bizarra

Eu vou cantar um fadinho/ na minha voz que é bizarra


58

Começo pela saudade/ que o meu princípio ente encerra

Começo pela saudade/ que o meu princípio ente encerra

Nos dias da minha infância/ saudades da minha terra

Nos dias da minha infância/ saudades da minha terra

Oh, dias meus venturosos/ Oh, minhas noites de calma

Oh, dias meus venturosos/ Oh, minhas noites de calma

Que dor eu trago em meu peito/ que mágoa eu sinto in’ai alma

Que dor eu trago em meu peito/ que mágoa eu sinto in’ai alma

Professo a Deus por um dia/ a minha vida “poupaire”

Professo a Deus por um dia/ a minha vida “poupaire”

Pois quero ver minha terra/ e a minha mãe “abraçaire”

Pois quero ver minha terra/ e a minha mãe “abraçaire”

Se tudo que eu digo eu fico/ só digo que são verdades

Se tudo que eu digo eu fico/ só digo que são verdades

Coração que é “sensitiva”/ não pode cantar saudades

Coração que é “sensitiva”/ não pode cantar saudades

E lá se vão cinco anos/que a minha pátria eu não vejo

E lá se vão cinco anos/que a minha pátria eu não vejo

Nem mãe nem mais “irmanzitas”/ nem mais em quem dar um beijo

Nem mãe nem mais “irmanzitas”/ nem mais em quem dar um beijo

Isso é diabo quando a gente vive no país dos outros... É pior do que cachorro leproso!
59

Em seguida, procedemos à transcrição de outro fado, o “Fado Brasileiro”18,

interpretado pelo mesmo cantor e transcrito no exemplo musical 5. Nesse fado,

destacam-se o título “Fado brasileiro” e a designação do gênero musical, indicado no

disco como lundu. O motivo dessa canção escapa à temática fadista, pois a letra se

refere com muito humor ao “jogo do bicho” e, se comparada à gravação do fado

“Saudades da terra”, percebemos que o sotaque português dá lugar à entonação típica

carioca. Verificamos que tanto a estrutura melódica quanto a harmônica se

assemelham a da obra anterior, a forma dos versos também se repete, tendo o mesmo

andamento, assim como a instrumentação adotada (acompanhamento de acordes

arpejados ao violão).

“Fado brasileiro”

Não pode presentemente

nesse Rio de Janeiro

não pode presentemente

nesse Rio de Janeiro

o cidadão livremente

ter o ofício de bicheiro

o cidadão livremente

ter o ofício de bicheiro.

Exemplo musical 5: fragmento de “Fado Brasileiro” gravado pelo cantor Baiano. Fado.
Odeon, 120172. 78 rpm, 1912. Transcrição de Alberto Boscarino.

18
Odeon, 120172. 78 rpm, 1912.
60

Outras obras relativas ao mesmo período foram confrontadas e apresentaram

uma estrutura semelhante em sua constituição formal, compreendendo harmonia,

ritmo e concepção melódica, podendo ser citados como referência os fados “Vá

Saindo”19, “Fado Liró”20 , “Fado Português”21 e “Fado do Coração”22.

As produções discográficas do fado realizadas entre 1902 e 1935 no Brasil

apontam para um mercado consumidor do gênero, voltado diretamente para a colônia

portuguesa. O registro e a comercialização dos fonogramas auxiliaram a difusão do

gênero musical no país e pôs em evidência cantores brasileiros e portugueses que

àquela época gozavam de prestígio junto à comunidade lusitana. Assim,

compreendemos que a popularização e a distribuição dos fonogramas estão

relacionadas com os programas radiofônicos e as apresentações de fadistas realizadas

nas casas típicas regionais que aconteceriam nas décadas seguintes, simbolizando

materialmente a história do fado no Brasil. Entendemos que os conceitos estabelecidos

por Howard Becker (1977) podem contribuir para uma análise das redes sociais

constituídas nessas relações de fruição, consumo e fazer artístico.

As gravações desse período auxiliaram na construção de um ambiente propício

para a divulgação do gênero na cidade entre as décadas de 1950 e 1970, em que

observamos o ápice e a decadência do gênero fado como música de consumo da

colônia portuguesa no Rio de Janeiro. Essas três décadas registram na cidade do Rio

de Janeiro a abertura e o fechamento de restaurantes portugueses e casas noturnas

organizadas à semelhança das casas de fado de Lisboa, motivo que será analisado no

capítulo 3 desta tese.

19
Odeon, 108505, 78 rpm. 1907/1912. Gravação de Cadete.
20
Odeon, 108246, 78 rpm. 1907/1912. Gravação de Os Geraldos.
21
Odeon, 10045, 78 rpm. 1907/1913. Gravação de Pepa Delgado.
22
Odeon, 120225, 78 rpm. 1912/1913.Gravação de Eduardo das Neves
61

No próximo capítulo, apresentamos uma síntese do fado como gênero musical

realizado em Portugal. Serão discutidos e apresentados os símbolos de construção e

sustentação do fado português; uma análise do fado como gênero musical,

exemplificando os estilos castiço e canção; algumas características inerentes à

interpretação vocal do fado; a instrumentação típica e a forma de acompanhamento do

fado; o surgimento e a construção simbólica das casas de fado em Lisboa; os

principais fadistas em Lisboa durante o século XX e as primeiras gravações

fonográficas do gênero em Portugal. Portanto, o próximo capítulo servirá de base para

compor o quadro da imigração portuguesa, do fado em Portugal e, por fim, deverá

alicerçar a análise e associação dos relatos extraídos das entrevistas em trabalho de

campo (expostas no capítulo 3) acerca do fado no Rio de Janeiro, além de outras

fontes consideradas.
62

CAPÍTULO 2

O FADO EM PORTUGAL

Eis aqui, quase cume da cabeça


De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa
E onde Febo repousa no Oceano.

Luís de Camões, Os Lusíadas23

2.1 O Fado, canção popular portuguesa

É a partir da primeira metade do século XIX que os primeiros gêneros de

música popular urbana se consolidam no Brasil com a difusão do lundu e da modinha

que, segundo o consenso de musicólogos e historiadores, remontam suas origens em

referências apontadas no século anterior. O lundu surge inicialmente como dança dos

negros escravos africanos introduzidos no Brasil, transformando-se mais tarde em

canção acompanhada e música instrumental. A modinha brasileira é uma canção lírica

acompanhada ao som da viola (ou violão), já definida como gênero musical no final

do século XVIII, como variante da moda24 portuguesa.

Surge também em Portugal, na primeira metade do século XIX, a forma de

canção popular urbana que será reconhecida como a expressão musical do povo

lusitano: o fado. Existem muitas hipóteses que tentam esclarecer a origem do fado

como canção popular portuguesa, como as seguintes: o fado pode ter sido oriundo dos

cânticos dos mouros que habitaram a região Lusitânia inclusive após a reconquista

23
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. (Canto III, 20). Edição organizada por Emanuel Paulo Ramos.
Porto: Porto Editora, 1978, p. 132.
24
Segundo Mozart Araújo (1963), o termo moda portuguesa servia para designar qualquer tipo de
canção popular em meados do século XVIII, sendo difundida nos salões aristocráticos de Lisboa.
63

cristã; pode ter derivado do lundu brasileiro, introduzido por marinheiros portugueses

em Lisboa no início da década de 1820, ou mesmo por membros da Corte Portuguesa

que regressavam em 1821 (TINHORÃO, 1994); pode ser considerado uma variante

das Cantigas de Amigo ou das Cantigas de Sátira da Idade Média; e pode também ser

procedente da suíte de danças de origem brasileira denominada fado que, embora

apresentasse traços coreográficos semelhantes, diferia do lundu. Por esse motivo, as

duas danças foram por vezes confundidas pelos cronistas ou historiadores da época.

Podemos encontrar na atualidade uma expressão do que podemos considerar

como uma reminiscência da dança do fado no Município de Quissamã, região norte-

fluminense do Estado do Rio de Janeiro. A região, que ao final do século XIX

apresentou grande opulência econômica, em consequência do plantio da cana-de-

açúcar, conserva a dança do fado como tradição iniciada nesta mesma época,

manifestação que pode ser classificada como “um conjunto de danças encadeadas,

conhecida também como suíte, dançada ao som de viola e adufe, hoje substituído pelo

pandeiro. Assemelha-se [o fado de Quissamã] a uma quadrilha européia e é conduzido

por repentistas. Uma série de pequenos rituais compõe o baile.” (MATTOSO, 2003).

Como nos esclarece a antropóloga Elizabeth Travassos em um estudo publicado sobre

o fado de Quissamã, o “fado fluminense – uma suíte dançada ao som de viola e

pandeiro – nada tem em comum com a canção portuguesa de mesmo nome”.

(TRAVASSOS, 1991:166).

A hipótese de transformação do fado-canção a partir do lundu (ou do fado-

dança) brasileiro pode ser compreendida em três etapas: em 1822, com o surgimento

do lundu em Portugal e a manutenção da dança; a partir de 1840, período em que o

canto passa a ter mais importância do que a dança, incorporando o acompanhamento

da guitarra portuguesa em substituição da viola, e uma terceira fase, a partir de 1908,


64

com a disseminação e o acolhimento do fado como canção popular por grande parte da

nação portuguesa. Segundo Carvalho (1982), o fado se fez notar nas ruas de Lisboa

somente a partir de 1840. O fado português possui variantes nas três principais regiões

do país e sua interpretação denota características diferentes no Porto e em Coimbra, se

comparado ao estilo de Lisboa.

O antropólogo português Joaquim Pais de Brito (1994), assim como Pinto de

Carvalho (1982), sugere uma organização em quatro etapas para o processo de

transformação do fado: a partir da década de 1830, disseminado e acolhido de forma

popular entre a população marginal lisboeta (prostitutas, malandros, desocupados,

bandidos, etc.); no último quartel do século XIX, com a adesão da classe dominante de

Lisboa, “esboçando-se uma linha de apropriação social deste [do fado] por uma

aristocracia que progressivamente se separa de formas de sociabilidade em território

eminentemente popular.” (BRITO, 1994: 24); entre o final do século XIX e a década

de 1920, como gênero musical popular assimilado pelo teatro de revista; a partir da

década de 1930, delineia-se um novo contexto no mundo do fado: a profissionalização

do cantor de fados e dos demais músicos e a censura imposta às canções de fado pelo

Estado Novo português.

Em consequência da invasão francesa em Portugal (1808), a Corte Portuguesa

se transferiu para o Brasil e instalou-se na cidade do Rio de Janeiro com o objetivo de

fortalecer o sistema monárquico e configurar uma unidade atlântica imperial luso-

brasileira. Com a vinda para o Brasil – ao tentar se proteger dos ideais revolucionários

franceses –, a monarquia portuguesa deu início a reformas que inseriram o Brasil no

conjunto das civilizações ocidentais.

As medidas adotadas por D. João VI procederam à abertura dos portos (1808),

à manufatura de metais e tecelagem, o livre comércio, a criação da Imprensa Régia e a


65

Real Junta de Comércio, à fundação do Banco do Brasil, e entre outros avanços, a

instituição de uma estrutura cosmopolita na cidade do Rio de Janeiro, dando maior

ênfase às práticas sócio-culturais. A revolução liberal ocorrida no Porto, em 1820,

determina o regresso de D. João VI e sua corte para Portugal em 1821.

Uma hipótese aponta para a possibilidade de o fado brasileiro ter sido levado

por esses marinheiros a Portugal, na ocasião do regresso da Corte Portuguesa, e sua

afirmação como gênero musical autônomo português pode estar vinculada à

transformação ocorrida ainda nesta viagem, conforme afirma Pinto de Carvalho em

seu livro História do fado25 (1982):

Para nós, o fado tem uma origem marítima, origem que se lhe vislumbra no
seu ritmo onduloso como os movimentos cadenciados da vaga, balanceante
como jogar de bombordo e estibordo nos navios sobre a toalha líquida
florida de fosforescências fugitivas ou como o vaivém das ondas batendo no
costado, ofeguento como o arfar do Grande Azul desfazendo a sua túnica
franjada de rendas espumosas, triste como as lamentações fluctívogas [que
voga sobre as ondas do mar] do Atlântico que se convulsa glauco [tom
verde-azulado] com babas de prata, saudoso como a indefinível nostalgia da
pátria ausente. [...] O fado nasceu a bordo, aos ritmos infinitos do mar, nas
convulsões dessa alma do mundo, na embriaguez murmurante dessa
eternidade da água. (CARVALHO, 1982: 42).

A origem do fado como gênero de canção popular a partir da assimilação do

lundu brasileiro é uma tese defendida por Tinhorão (1994), em que demonstra a

semelhança entre o lundu e outra dança brasileira em voga no início do século XIX,

que se denominava também fado. O fado-dança se constituía em uma suíte de danças

com coreografia parecida a do lundu, e sua descrição pode ser encontrada no romance

25
História do fado é um livro publicado em 1903 pelo memorialista português Pinto de Carvalho,
conhecido pelo apelido de Tinop, e reúne uma série de informações sobre o fado no século XIX,
resgatando, na mesma linha do brasileiro Alexandre Gonçalves Pinto (O Choro, Funarte, 1978),
histórias, personagens, músicos, intérpretes, letras e impressões do fado português.
66

Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida.26 De acordo

com Tinhorão,

[...] levadas para Portugal, como acontecera, em meados do século XVIII,


com a fofa e o lundu, as danças do fado - acrescidas da contribuição
melódica-sentimental das cantigas de ‘pensamento verdadeiramente
poético’ citadas por Manuel Antônio de Almeida - iam percorrer caminho
próprio entre as camadas baixas de Lisboa, onde os brancos as tomariam
dos pretos e mestiços para transformar-lhes a parte cantada em canção
urbana a partir da segunda metade do século XIX. (TINHORÃO, 1988:
67).

Mário de Andrade (1955) refletia, à época, acerca da procedência do fado-

canção português a partir do fado-dança brasileiro (ou lundu), citando, entre várias

fontes, o estudo de Luiz de Freitas Branco (1929):

Após o regresso de D. João VI do Brasil, este canto dançado (o Lundum)


foi invadindo as diversas camadas da sociedade portuguesa, fixando-se nas
mais baixas e imorais, onde se transformou no canto dorido e na dança
duvidosa a que se chama Fado e bater o Fado. (ANDRADE, 1955: 4).

Vem ao encontro dessa hipótese a descrição do verbete Fado no Dicionário do

Folclore Brasileiro. Trata-se de “Canção popular portuguesa, especialmente cantada

em Lisboa e Coimbra, de origem brasileira, vinda do lundu, já divulgada entre o povo,

quando a corte portuguesa se estabeleceu no Brasil em 1808.” (CASCUDO, 381: s/d).

De acordo com o verbete da Enciclopédia da Música em Portugal no século XX, o

26
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. São Paulo: Ática, 1997.
“Todos sabem o que é fado, essa dança tão voluptuosa, tão variada, que parece filha do mais apurado
estudo da arte. Uma simples viola serve melhor do que instrumento algum para o efeito. O fado tem
diversas formas, cada qual mais original. Ora, uma só pessoa, homem ou mulher, dança no meio da
casa por algum tempo, fazendo passos os mais dificultosos, tomando as mais airosas posições,
acompanhando tudo isso com estalos que dá com os dedos, e vai depois pouco e pouco aproximando-se
de qualquer que lhe agrada; faz-lhe diante algumas negaças e vira voltas, e finalmente bate palmas, o
que quer dizer que a escolheu para substituir o seu lugar. Assim corre a roda toda até que todos tenham
dançado. Outras vezes um homem e uma mulher dançam juntos; seguindo com a maior certeza o
compasso da música, ora acompanham-se a passos lentos, ora apressados, depois repelem-se, depois
juntam-se; o homem às vezes busca a mulher com passos ligeiros, enquanto ela, fazendo um pequeno
movimento com o corpo e com os braços, recua vagarosamente, outras vezes é ela quem procura o
homem, que recua por seu turno, até que enfim acompanham-se de novo. Há também a roda em que
dançam muitas pessoas, interrompendo certos compassos com palmas e com um sapateado às vezes
estrondoso e prolongado, às vezes mais brando e mais breve, porém sempre igual e a um só tempo.
Além destas há ainda outras formas de que não falamos. A música é diferente para cada uma, porém
sempre tocada em viola. Muitas vezes o tocador canta em certos compassos uma cantiga às vezes de
pensamento verdadeiramente poético.” (ALMEIDA, 1997: 28-29).
67

fado é “um género de canção popular urbana desenvolvido em Lisboa a partir do

segundo terço do séc. XIX.” (EMPSXX, 2010: 433). Na mesma página, esse verbete

alerta para o fato de que “o estudo científico deste género está ainda hoje, em grande

parte, por fazer”. Em seguida à definição do fado, há uma enumeração de vários

aspectos possíveis apresentados como causa para que o gênero não tenha sido

investigado com a devida profundidade:

O estigma de marginalidade social que esteve durante muito tempo


associado à sua prática e a consequente relutância do meio acadêmico
institucional em abordar este tema; a emergência recente de estudos
antropológicos e etnomusicológicos de práticas musicais em contextos
urbanos em Portugal e a preferência que estes demonstraram pela
abordagem das tradições musicais rurais em desfavor das práticas urbanas;
a instrumentalização política do fado por sectores do regime salazarista,
suscitando reacções de hostilidade por parte dos círculos intelectuais
oposicionistas; a própria resistência do meio socioprofissional fadista a
qualquer intervenção analítica ou historiográfica exterior ao seu circuito
interno. (EMPSXX, 2010: 433-434).

Uma fonte importante de referência do fado português no século XIX é o

Cancioneiro de Músicas Populares, o primeiro cancioneiro editado em Portugal que

registrou em notação musical algumas obras que são indicadas como fado quanto ao

gênero musical. A coleção foi organizada por Cesar das Neves, editada no Porto em

três volumes sob a coordenação poética de Gualdino de Campos e prefácio de

Teóphilo Braga, contendo letras e músicas em notação musical para canto e piano. Os

exemplares reúnem canções populares diversas, como fados, modinhas, lundus,

serenatas, chulas, descantes, romances, entre outros gêneros. O volume I foi

organizado em 1893, o volume II em 1895 e o volume III em 1898, apresentando

músicas de gêneros variados. Nesse cancioneiro, podemos observar uma organização

gráfica e didática que, além de indicar as partituras de piano com letra, contém um

prefácio e uma introdução comentada com exemplos notados acerca da música

popular portuguesa. Os fados registrados são todos de origem portuguesa e se

enquadram na estética do fado castiço, como veremos adiante.


68

Selecionamos para análise duas obras inseridas nesse cancioneiro, “o Fado da

Severa” e o “Fado de Vimioso”. O “Fado da Severa” está notado na tonalidade de lá

menor em uma única parte de 15 compassos, que serve de base para nove estrofes de

verso. A harmonia obedece ao padrão tônica-dominante, e há uma indicação de

andamento no início da partitura que sugere o Allegretto como referência. O

acompanhamento indicado para a mão esquerda se organiza com arpejos dos acordes

de tônica e dominante, estruturados sobre a divisão rítmica de quatro colcheias por

compasso. A letra faz referência ao aniversário de morte da fadista Severa, e conta a

história aos ouvintes na primeira estrofe. O “Fado da Severa” traz uma nota

explicativa relativa ao ritmo, ao movimento e ao estilo de interpretação do fado. Tal

informação salienta que esse tipo de fado foi feito para ser ouvido e não para ser

dançado. Podemos considerar a hipótese de que a citação se refere ao momento

histórico em que surge em Portugal o fado que deixa de ser dançado para assumir a

forma de “canção”, verificando-se uma alteração na estrutura rítmica da dança, o que

leva a obra a adquirir um caráter de lamento:

Este fado, que data dos meados do presente século, é o typo primordial dos
fados populares lamentosos, mais para ser ouvido como romance do que
para ser dançado, pois lhe falta o rythmo e movimento característico. A
lettra foi recolhida pelo Exmo. Snr. Dr. Theophilo Braga. A lenda
principiana neste fado completa-se no de Vimioso.

O “Fado de Vimioso” organizado em dezoito estrofes, complementa a tragédia

descrita no “Fado da Severa”. O “Fado de Vimioso” é notado na tonalidade de lá

menor, e sua harmonia obedece ao encadeamento das funções tônica – dominante. A

estrutura formal desse fado é composta em uma única parte, dividida em duas seções:

a primeira, com doze compassos, servindo de base para as estrofes do tema, e a

segunda, com oito compassos, em forma de arpejos instrumentais dos acordes, atuando

como ponte de retorno às estrofes. O andamento indicado é o Andantino, e o


69

acompanhamento está estruturado no arpejo dos acordes de tônica e dominante,

reunindo dois grupos de quatro semicolcheias em cada compasso. As quadras

apresentam nas primeiras oito estrofes a exaltação à figura de Severa por parte do

Conde de Vimioso, e em seguida, um profundo lamento ao relembrar a sua morte.

Mas que digo! Oh desgraçado!

Que delírio é este meu?!

Como vir ao meu reclame

A Severa que já morreu.

Todos os demais fados relacionados nos três volumes do cancioneiro português

obedecem geralmente aos princípios básicos de estruturação apontados nos dois

exemplos ora examinados.

O terceiro volume do Cancioneiro de Cesar das Neves apresenta alguns

exemplos de fados recolhidos por volta de 1850, os quais mantêm ritmos sincopados e

sugerem a raiz afro-brasileira. Esses fados são indicados em andamentos mais lentos e

contêm indicações de rubato e fermatas, elementos que não faziam parte da estrutura

do fado. Essas transformações sutis foram ampliadas por influência da canção popular

portuguesa, estruturando o fado castiço:

Esta tendência sugere, assim, que a matriz do fado dançado dos negros
brasileiros se terá entretanto fundido com outras tradições poético-musicais
populares autóctones de carácter mais dolente, quer próprias da região de
Lisboa quer originárias de outras regiões do país onde se verificaram
movimentos migratórios significativos para a capital para dar
progressivamente origem àquilo que passou a constituir o fado de Lisboa
propriamente dito. (EMPSXX, 2010: 435).

O ingresso do fado no teatro musicado em Portugal se intensificou durante a

década de 1920, com destaque para as Operetas Mouraria (1926), Bairro Alto (1927) e

História do fado (1931), sendo esta canção executada por fadistas profissionais como

Ercília Costa ou Hermínia Silva. “Será neste contexto teatral, em particular, por

influência dos demais gêneros urbanos utilizados nos palcos, que tenderá a
70

desenvolver-se o novo gênero do ‘fado-canção’, já com alternância entre coplas e

refrão”. (EMPSXX, 2010: 438). Assim,

[...] por todas essas razões, é que o processo de evolução do gênero em


Portugal ao longo do séc. XIX é profundamente dinâmico, e se caracteriza,
logo desde as suas origens, por novas sínteses constantes, com o fado a
registar a cada momento mudanças estéticas significativas à medida que o
seu próprio âmbito social se vai alargando e faz interferir na sua prática
grupos sociais com perfis distintos. (EMPSXX, 2010: 435-436).

O que podemos afirmar é que, na primeira metade do século XIX, o fado-

canção já era encontrado em Portugal como canção popular de caráter urbano, e no

mesmo período a modinha e o lundu de salão se fixavam no Brasil como gênero

musical urbano.

A emigração de portugueses esteve sempre presente na história de Portugal,

sendo que o fluxo migratório se acentuou no fim do século XIX e durante o terceiro

quarto do século XX. Até a primeira metade do século XIX, o governo do Brasil

imperial expressava um interesse moderado em promover a imigração estrangeira,

pois contava com o trabalho escravo. Entretanto, com a perspectiva do fechamento do

tráfico negreiro no Atlântico, o governo brasileiro começou a considerar a

possibilidade de utilizar mão-de-obra do imigrante europeu nas plantações de café,

assim, é iniciada uma política de imigração subsidiada que, às vésperas da abolição da

escravatura (1888), objetivava trazer trabalhadores livres do exterior a fim de

substituírem os escravos.

O avanço numérico da imigração estrangeira para o Brasil pode ser avaliado

através de dados reunidos para o período entre 1880 e 1900. Esses indicadores

apontam a entrada de quase 1.700.000 mil imigrantes oficialmente registrados. Destes,

59% eram italianos, 20% eram portugueses e 12% eram espanhóis (SCOTT, 2001: 5).

Entre 1900 e 1945, o Brasil registrou o ingresso de 971.531 imigrantes portugueses

(LOBO, 1994).
71

Ao fazermos referência à imigração portuguesa, evidenciamos a separação

física do homem português diante dos valores sócio-culturais que o ligavam a sua terra

natal, e tal sensação pode ser traduzida pelo sentimento inerente ao povo lusitano: a

saudade. Mas a saudade portuguesa possui peculiaridades que fogem à tragicidade ou

à nostalgia de outros povos, como observado por Lourenço (1999):

Contrariamente à lenda, o povo português, ferido como tantos outros por


tragédias reais na sua vida coletiva, não é um povo trágico. Está aquém ou
além da tragédia. A sua maneira espontânea de se voltar para o passado em
geral, e para o seu em particular, não é nostálgica e ainda menos
melancólica. É simplesmente saudosa, enraizada com uma tal intensidade
no que ama, quer dizer, no que é, que um olhar para o passado no que isso
supõe de verdadeiro afastamento de si, uma adesão afetiva ao presente
como sua condição é mais da ordem do sonho que do real. É esse lugar de
sonho, esse lugar ao abrigo do sonho, esse passado-presente, que a “alma
portuguesa” não quer abandonar. (LOURENÇO, 1999: 14).

O tema do amor em relação à pátria é espelhado em canções e fados, em que os


fadistas tentam recuperar o passado através da memória, trazendo ao presente essa
“alma portuguesa”. Nesse sentido, o fado passa a ser uma representação do presente-
passado português.

2.2 Símbolos de construção e sustentação do fado português

As letras dos fados portugueses descrevem muitos símbolos e mitos da terra

lusitana e reúnem alguns motivos constantes que se agrupam sobre um eixo que dá

unidade ao discurso musical, e dentre estes temas, é comum a referência à cidade de

Lisboa e aos seus bairros como Alfama, Moraria, Bairro Alto e Bica. A “casa da

Mariquinhas” é outra recorrência textual, assim como a lenda de Maria Severa, para

além das touradas e os motivos religiosos portugueses. A temática fadista que evoca a

história de Maria Severa e do Conde de Vimioso simboliza a essência do fado

português em seu reduto marginal. Maria Severa foi cortesã, guitarrista e cantora de

fados, era amante do Conde de Vimioso, e faleceu prematuramente em 1846 aos 26


72

anos de idade, representando assim a alma do universo boêmio, marginal e libertário

dos primeiros fadistas.

Na transição para o séc. XX, o fado pratica-se ainda, fundamentalmente,


em Lisboa, nos diversos espaços de sociabilidade popular da capital, em
particular nas tabernas dos bairros mais pobres (Alcântara, Madragoa,
Bica, Bairro Alto, Mouraria e Alfama) e nos chamados “retiros”, um
circuito de casas de pasto da periferia imediata da capital, onde uma
população de extracção proletária urbana (operários, artesãos,
trabalhadores portuários, marinheiros, etc.) se cruza com sectores
assumidamente marginais ligados à prostituição, ao contrabando e à
pequena criminalidade urbana, bem como com as esferas secantes da
tauromaquia e da boémia aristocrática e intelectual. (EMPSXX, 2010:
436).

No “Fado de Severa”, composto por Sousa do Casacão em 1847, podemos

observar o culto ao mito da fadista, imortalizado posteriormente no quadro O Fado do

pintor José Malhoa (Figura 1):

Chorai, fadistas, chorai


que uma fadista morreu,
hoje mesmo faz um ano
que a Severa faleceu.

Morreu, já faz hoje um ano,


das fadistas a rainha,
com ela o fado perdeu
o gosto que o fado tinha.
(“Fado de Severa”, Sousa do Casacão, 1847)
73

Figura 1: MALHOA, José. O Fado, 1910. Óleo s/tela, 1,51x1,86 cm. Disponível em:
<http://ofadodemalhoa.no.sapo.pt/> Acesso em: 20/06/2008.

Outro mito corrente diz respeito à cidade de Lisboa e seus bairros mais

populares, como Mouraria, Alfama, Madragoa, Bairro Alto e Bica, sendo a Mouraria

talvez o mais cantado entre os fadistas, talvez por abrigar à vez a residência de Severa

e a Casa da Mariquinhas, um lupanar popular da cidade. Podemos observar esta

temática recorrente no fragmento do fado “Bairros de Lisboa”, de Carlos Conde e

Alfredo Marceneiro:

Vamos ambos pela mão


De duas rimas de fado
Aos bairros de tradição
Na bohemia do passado

Não quero entrar em despique


Mas se o quisesse fazer
Seria o Campo de Ourique
O primeiro a enaltecer.
74

Mas o bairro de mais fama


Todo fadista e marujo
É a linda e velha Alfama
Do Norberto de Araújo.

Lembro mais a nostalgia


Embora no mesmo agrado
De um resto de Mouraria
Que inda tem sabor a fado. (…)

(“Bairros de Lisboa”, Carlos Conde e Alfredo Marceneiro)

As touradas também traduzem parte do espírito boêmio fadista, sendo um tema

constante nas letras desta canção lusitana, pois sempre tiveram uma constante ligação:

durantes as corridas, o povo exaltava os toureiros através de letras acompanhadas pela

música do fado. Por fim, os vendedores de rua com seus pregões, o Tejo, bem como

outros personagens populares, participam da temática fadista, retratando em verso os

hábitos e costumes do povo lisbonense.

A guitarra portuguesa é um instrumento que se associa ao fado por integrar o

conjunto que acompanha os cantores, mas regularmente é utilizada como símbolo

ilustrativo de cartazes publicitários ou como peça decorativa nas casas de fado. A

vestimenta característica é outro traço de identificação para o fadista, cabendo o traje

social negro (fato) para os homens e o xale na mesma cor para as mulheres. O

ambiente adequado para a apresentação do fado nas casas típicas gerou uma

simbologia própria, que envolve o espectador e sua postura de respeito ao intérprete

que diz: “silêncio que se vai cantar o fado!”, os garçons, que servem no salão de

acordo com o desenvolvimento do espetáculo, e o artista, com gestos e expressões (por

vezes exageradas), que exprimem o sentimento de ausência peculiar ao gênero

musical.

Quando se começa a cantar as luzes diminuem de intensidade, impõe-se


silêncio absoluto (‘Silêncio que se vai cantar o fado!’ é a fórmula que
frequentemente se lê em inscrições nas paredes ou se ouve na voz de um
eventual apresentador) e cessa por momentos qualquer serviço de
75

restaurante ou de bar (‘Não sirvam! Não sirvam!’, ouve-se Amália


recomendar insistentemente, numa gravação ao vivo de 1955, aos criados
de mesa do Café Luso quando vai iniciar uma das suas actuações).
(EMPSXX, 2010: 445).

O sociólogo Pierre Bourdieu, em sua obra intitulada O poder simbólico (2000),

elabora o conceito de campo, o qual apresenta uma análise sobre a ação dos sujeitos

dentro do campo cultural, espaço em que se desenvolvem as relações entre os

indivíduos ou instituições. A relação de poder que ocorre no interior do campo cultural

posiciona os objetos utilizados por seus produtores como meios estratégicos para se

atingir o poder, e a identificação dos sujeitos no campo pode ser individual ou

coletiva. Assim, o campo representa um espaço de conflitos e de concorrência, onde é

travada uma luta pelo estabelecimento do controle do capital que domina este campo.

Bourdieu reflete sobre dois estados de ação da história, o estado objetivado e o

estado incorporado. O primeiro estado, objetivado, diz respeito à história que se

conserva no decorrer do tempo em bens materiais como edifícios, monumentos, livros,

obras de arte, máquinas, equipamentos, bem como em bens imateriais, como teorias

científicas, direitos adquiridos, uma obra musical. O segundo estado é o incorporado e

se aproxima do conceito de habitus, que compreende um conjunto de ações que

permite desenvolver ou mesmo conceber estratégias individuais ou coletivas. Podemos

tomar como exemplo a prática musical de uma cantora de fados que se veste de negro

e se adorna com seu xale da mesma cor; interpreta a canção inclinando a cabeça para

trás e emprega gestos manuais que reproduzem um padrão constante em sua rede

social, obedecendo a uma lei imanente que pode validar sua prática social ou cultural.

“É uma relação de pertença e de posse na qual o corpo apropriado pela história se

apropria, de maneira absoluta e imediata, das coisas habitadas por essa história”.

(BOURDIEU, 2000: 83).


76

Percebemos que esses símbolos foram reproduzidos na organização do fado no

Rio de Janeiro, e sua prática sócio-cultural é relatada e discutida no capítulo 3 desta

tese.

2.3 O fado como gênero musical: o fado castiço e o fado-canção

Quanto à classificação do gênero, são considerados duas categorias básicas, o

fado castiço (conhecido como fado clássico, fado-fado ou fado tradicional,

considerado o mais antigo e autêntico dos fados) e o fado-canção. O primeiro abarca

três modalidades diferentes de fado: o fado “Corrido”, o fado “Mouraria” e o fado

“Menor”. Esses fados obedecem a um esquema rítmico e harmônico fixo, baseado na

relação harmônica I-V, de modo que os dois primeiros estilos são construídos sobre o

modo maior e o terceiro sobre o modo menor. Segundo Salwa Castelo-Branco (1994):

Utilizando estes padrões como base, a melodia é improvisada ou composta


com várias letras numa das estruturas poéticas mais comuns, tais como
quadras, quintilhas, sextilhas ou décimas. O padrão de acompanhamento, o
esquema harmônico I-V e a métrica regular de 4/4 são os elementos
identificadores destes fados e são fixos. Todos os outros estilos podem
variar. (CASTELO-BRANCO, 1994: 134).

O artigo citado indica, em notação musical, exemplos de alguns padrões de

acompanhamento dos três estilos do fado castiço, além de fazer referência ao fado-

canção, caracterizado por apresentar uma “estrutura poética e musical em que alternam

estrofes e refrão”. (CASTELO-BRANCO, 1994: 136). No fado-canção a melodia é

fixa, a improvisação vocal é limitada e a harmonia mais complexa, se compararmos

esses elementos aos característicos do fado castiço.

O fado “O leilão da Mariquinhas” é apresentado como exemplo de fado

Corrido em uma gravação dos fadistas Fernando Maurício e Francisco Martinho, com

letra de Linhares Barbosa. A letra original desse fado é de Silva Tavares, com o título

“Casa da Mariquinhas”, assim, é comum entre os fadistas criar letras novas para as
77

melodias populares dos fados. Essa versão foi também gravada por Alfredo

Marceneiro.

“O leilão da Mariquinhas”

Ninguém sabe dizer nada

da famosa Mariquinhas

A casa foi leiloada

venderam-lhe as tabuinhas

Ainda fresca e com gagé

encontrei na Mouraria

a antiga Rosa Maria

e o Chico do Cachené

Fui-lhes falar, já se vê

e perguntei-lhes, de entrada

p'la Mariquinhas coitada?

Respondeu-me o Chico: e vê-la

tenho querido saber dela

ninguém sabe dizer nada.

E as outras suas amigas?

A Clotilde, a Júlia, a Alda

a Inês, a Berta e Mafalda?

e as outras mais raparigas?

Aprendiam-lhe as cantigas

as mais ternas, coitadinhas

formosas como andorinhas

olhos e peitos em brasa

que pena tenho da casa

da formosa Mariquinhas
78

Então o Chico apertado

com perguntas, explicou-se

a vizinhança zangou-se

Fez um abaixo assinado,

diziam que havia fado

ali até madrugada

e a pobre foi intimada,

a sair, foi posta fora

e por more duma penhora

a casa foi leiloada.

O Chico foi ao leilão

arrematou a guitarra

o espelho a colcha com barra

o cofre forte e o fogão,

como não houve gambão

porque eram coisas mesquinhas

trouxe um par de chinelinhas

o alvará e as bambinelas

e até das próprias janelas

venderam-lhe as tabuinhas.

Uma análise do exemplo musical 6 apresenta a estrutura formal de um fado

Corrido construído na tonalidade de sol maior sobre acordes de tônica e dominante. Na

introdução, a guitarra portuguesa apresenta os seus arpejos característicos desse tipo

de fado, que irão percorrer toda a obra como um contracanto à voz. O violão emprega

um acompanhamento padrão, alternando a fundamental e a quinta do acorde em sua

condução. O compasso é binário simples e o andamento, rápido, fixado em 142 bpm.


79

Os cantores entremeiam o canto cuja narrativa revela o arremate do espólio dos

pertences da personagem Mariquinha.

Exemplo musical 6. Fragmento do fado Corrido “O leilão da Mariquinhas”, de João


Linhares Barbosa e Alfredo Marceneiro. Interpretação de Fernando Maurício e Francisco
Martinho em disco do selo FF, EAN 30103, 1 LP, faixa 1A, 1980. Transcrição de Alberto
Boscarino.
80

Um segundo fado castiço é denominado de fado Menor. Além do modo da

tonalidade (menor) indicado por esse gênero de fado, outra característica distintiva é o

seu andamento em tempo lento. O exemplo musical 7 indica o andamento de 40 bpm

em um compasso binário simples. A estrutura harmônica da obra se baseia na relação

tônica menor – dominante. A guitarra portuguesa dialoga com o violão com melodias

e arpejos construídos sobre essa harmonia, e o violão, além de manter o ritmo padrão

de acompanhamento, acrescenta uma linha melódica cantabile de condução ao baixo,

valendo-se da liberdade oferecida pelo andamento vagaroso.

Exemplo musical 7. Fragmento do “Fado Menor”, de Linhares Barbosa e Santos


Moreira. Interpretação de Amália Rodrigues em Disco Columbia VC, 1962. EP 45
rpm. Transcrição de Alberto Boscarino.
81

O fado Mouraria é composto em tonalidade maior entre os andamentos andante

e moderato, e sua estrutura harmônica se sustenta sobre as funções de tônica e

dominante. O exemplo musical 8 foi transcrito pelo musicólogo e coronel de artilharia

português José Lúcio Ribeiro de Almeida, que mantém uma página na Internet 27

dedicada aos cordofones portugueses, à sua construção e ao aprendizado. O

andamento indicado é de 100 bpm, e a guitarra portuguesa apresenta um desenho

padrão para o acompanhamento desse tipo de fado. Outra característica indicada pode

ser observada no desfecho da obra, com a cadência final realizando o movimento de

dominante – tônica.

Exemplo musical 8. “Fado Mouraria”. Tradicional. Transcrição de José Lúcio Ribeiro


de Almeida. Disponível em:
<http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:s1cjKHYvDeEJ:www.jose-
lucio.com/Rosa/3_Mouraria.pdf+jos%C3%A9+lucio+ribeiro+de+almeira+fado+mouraria&hl
=pt- > Acesso em: 12 jan. 2011.
27
Disponível em: <http://www.jose-lucio.com/> Acesso em: 12 jan. 2011.
82

Os fados castiços mantêm essas estruturas formais sobre melodias novas ou

acrescenta outras letras que serão interpretadas pelos cantores de fado, sendo

necessário ao fadista indicar para o músico a tonalidade e o tipo de fado que deseja

cantar.

A consolidação do fado canção como gênero musical pode ser observada em

duas fases distintas. Na primeira, a partir dos anos 1920, esse estilo de canção popular

passa a ser um elemento constante e fundamental dentro do teatro de revista português

(apesar de participar desse contexto desde a década de 1880) e, na segunda fase, a

partir da década de 1960, tomando como base as composições realizadas por Alain

Oulman para a interpretação da fadista Amália Rodrigues.

Em um artigo intitulado Fado: um gênero musical, Marcos Júlio Sergl (2008)

resume a trajetória do fado como canção popular portuguesa, abordando aspectos

como a voz do intérprete, o acompanhamento e a estrutura formal dos fados. O autor

expõe uma visão sobre a matriz do fado-canção, associando a sua transformação a

partir do formato castiço como consequência de uma adaptação necessária ao teatro de

revista. De acordo com Sergl (2008):

Os autores de revistas privilegiam a forma de alternância entre refrão e


estrofes, característica da canção teatral, em detrimento das formas castiças
do fado. As melodias, justapondo tonalidades maiores e menores, são mais
elaboradas e são geralmente associadas a um texto fixo. O refrão deve ser
composto com um desenho melódico cativante, fácil e capaz de ser
reproduzido imediatamente pelo público. O retorno ao fim de cada estrofe
sem preparo para o refrão, implica em coerência interna do texto, que rompe
com a dinâmica de improvisação fundada sobre o caráter repetitivo da
estrutura musical. Letra e música são indissociáveis pela característica
narrativa do texto, que exige melodias próprias para seu discurso. Assim
surge o fado-canção moderno, que vai ser adotado como parte fundamental
do repertório de grandes fadistas, em particular de Amália Rodrigues.
(SERGL, 2008: 164).
83

O fado-canção “Gaivota” é uma composição de Alexandre O'Neill e Alain

Oulman, e assinala a modernidade no fado através de sua letra, construída entre a

temática fadista do mar português e da liberdade. A melodia, harmonização e arranjo

conferem também à canção um ar contemporâneo, equiparando a música portuguesa

da década de 1960 a outras músicas modernas como o tango de Piazzola, o jazz norte-

americano ou a bossa-nova brasileira. A poesia de “Gaivota” é assim declamada:

“Gaivota”
Alexandre O'Neill e Alain Oulman

Se uma gaivota viesse


trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração


no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração, etc..

Se ao dizer adeus à vida


as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração, etc.


84

A transcrição de um trecho dessa música é apresentada no exemplo musical 9,

indicando um andamento em torno de 100 bpm e instrumentação típica, constituída do

acompanhamento da guitarra portuguesa e do violão. O início da obra se dá em tempo

rubato, e o autor utiliza a aproximação cromática do acorde dominante para criar um

efeito de suspensão e mistério na introdução. O diálogo da guitarra com a voz se dá de

forma mais contrapontística, deixando de adotar clichês e padrões harmônicos

estabelecidos pelo fado castiço. A obra se estrutura sobre um compasso quaternário

simples.
85

Exemplo musical 9. Fragmento do fado-canção “Gaivota”, de Alexandre O'Neill e Alain


Oulman. Gravação de Amália Rodrigues no disco “Fado corrido”, EP 45 rpm, Columbia VC,
1964. Transcrição de Alberto Boscarino.

A estrutura do fado castiço e do fado-canção foi reproduzida no Brasil pelos

fadistas aqui radicados, e adotada em regravações do gênero ou em composições

novas, sendo mantida a inflexão da linha melódica, a composição formal, a construção

harmônica, o andamento e as temáticas que inspiram as letras. Entretanto, algumas


86

obras novas foram criadas no Brasil a partir da combinação de outros gêneros musicais

com o fado, como o fado-marcha, o fado-fox, o fado-baião e o fado-samba,

concedendo autenticidade a autores e intérpretes. Além disso, combinações

instrumentais diversas inerentes ao universo do fado foram empregadas nos arranjos,

buscando uma aproximação de padrões culturais diferentes. Alguns desses exemplos

podem ser observados no capítulo 3, em que discutiremos aspectos relativos ao mundo

artístico português situado na cidade do Rio de Janeiro, incluindo a análise de

repertório, público e intérpretes, além de outros temas relacionados ao fado no Rio de

Janeiro.

2.4 A interpretação vocal do fado

A interpretação singular do cantor de fados vem unificar o discurso do fadista

em sua rede social, classificando cada fadista em relação aos demais artistas em uma

hierarquia de valores característicos do gênero. É comum ouvir-se dos espectadores:

“este fadista canta bem o fado menor; àquele, prefiro ouvir as desgarradas 28; não gosto

da interpretação do fado canção dessa cantora!”. Cabe notar que a interpretação do

fado (como é comum em outros gêneros populares) se aprende através da oralidade,

sendo desenvolvida em práticas culturais comuns ao povo português.

A voz típica do fadista de Lisboa costuma ser suave e rouca, e sua emissão é

projetada para uma ressonância de cabeça. O intérprete lança mão de ornamentos,

trinados, glissandos, melismas, utilizando um sistema próprio de afinação que

possibilita uma improvisação sobre quartos de tom, “aspecto que distancia o fado do

28
Cantar ao estilo da “Desgarrada”, ou cantar “à Desgarrada”, modalidade alegre ou humorística do
fado que conta uma história com ironia, sendo interpretada como um desafio entre dois intérpretes. Na
maioria das vezes, os versos são improvisados.
87

campo da música exclusivamente tonal”. (SERGL, 2008: 165). A voz do intérprete

pode oscilar de andamento, acelerar ou ralentar o ritmo durante uma obra, enquanto o

conjunto mantém um andamento constante, criando um clima de expectativa para o

ouvinte. A conclusão da obra é padrão para quase todos os fados, com uma suspensão

realizada pelo intérprete na última estrofe. Nesse momento, o conjunto silencia,

aguardando a retomada do intérprete, que encerra a canção com entonação

determinada; o cantor é acompanhado de um crescendo executado pela guitarra e pelo

violão. A performance do fadista é constituída de um conjunto de convenções

organizado a partir da década de 1920:

Uma grande parte das convenções interpretativas que regem ainda hoje as
práticas do fado tem a sua origem no período de institucionalização e
regulamentação dos anos de 1920 e 1930, sob o condicionamento
simultâneo do processo de profissionalização dos intérpretes, da
implantação do sistema das casas de fado, da censura estatal às letras e da
formatação imposta pelo disco e pela rádio. (EMPSXX, 2010: 444).

O artigo escrito por Salwa Castelo-Branco em colaboração com Ruy Vieira

Nery, intitulado Vozes e guitarras na prática interpretativa do fado (CASTELO-

BRANCO, 1994), discute a forma de interpretação do gênero. A autora expõe o

universo existente entre intérprete e ouvinte, que se expande para além dos parâmetros

musicais básicos de melodia, harmonia e ritmo, a fim de destacar a importância da

expressão corporal na percepção da obra. De acordo com Castelo-Branco, “o fado é

um gênero performativo que envolve intérpretes e públicos num processo

comunicativo, utilizando formas expressivas verbais, musicais, faciais e corporais”

(CASTELO-BRANCO, 1994: 125).

A interpretação do artista/fadista pode ser observada através da temporalidade

do próprio fado, em virtude da presença ou da ausência de luz nos ambientes de


88

apresentação do fado, como se houvesse uma “dissolução da consciência do tempo”,

ou até mesmo uma “perda de seu controle”. Segundo Pais de Brito (1994):

De certo modo, ele existe hoje, mantém-se enquanto categoria que


escapou ao tempo. Ao contrário do teatro, que tem ciclos – a Revista
daquele ano ou do outro, as estréias ou as reposições – o fado não produz
cronologia interna e só existe como qualquer coisa que venceu o tempo ou
lhe escapou. Uma ‘imortalidade’ feita de estereótipos que poderemos
designar por tradição inventada. Esta atemporalidade é reforçada pelo
modo de produção nocturna do fado. A noite, sendo um tempo de ruptura,
configurando a transgressão e a libertação em relação ao trabalho e a uma
complexa e instituída rede de relações sociais que têm uma existência
diurna, transporta consigo, pela ausência de rigidez de horários e pela
própria inalterabilidade do envolvimento em penumbra, uma dissolução
da consciência do tempo, uma perda do seu controle. Na casa de fados, a
partir dos anos 30, espelham-se em simultâneo a evocação de um passado
fundador, que constitui o fado em tradição – pela iluminação com velas,
alguns elementos decorativos evocando as touradas ou aspectos dos
bairros da cidade –, e um registo fora do tempo que o canto de alguma
forma capturou nos módulos codificados da sua emissão. (BRITO, 1994:
34-35).

A performance do cantor de fados compreende um conjunto de práticas que

ultrapassa o limite da técnica vocal. O artista agrega gestos e fatores do ambiente

(decoração típica, pouca iluminação) à sua interpretação, procurando reforçar a

expressão do gênero musical e efetivar uma comunicação adequada entre os agentes

da ação (cantores/músicos) e a sociedade a eles relacionada. A prática interpretativa do

fadista no Brasil pode ser compreendida através do conceito de habitus de Bourdieu

(2000), exemplificada nos relatos inseridos no capítulo 3 de nossa pesquisa.


89

Figura 2. Fadistas em Lisboa. Disponível em:


<http://jupestana2.blogspot.com/2011/02/fado.html> Acesso em: 14 Jan. 2011

2.5 Instrumentação e acompanhamento do fado

O acompanhamento instrumental do gênero torna-se uma temática importante

em discussão por levar em conta os instrumentos tradicionais, as novas formações

instrumentais, a formação técnica dos músicos e a hierarquia existente entre esses

músicos na organização do acompanhamento harmônico e melódico do fado. O


90

acompanhamento padrão é estruturado com base em uma guitarra portuguesa e uma

viola acústica (similar ao violão brasileiro), e é comum encontrarmos uma segunda

guitarra e/ou uma viola-baixo (no Brasil conhecido como violão-baixo). A viola

portuguesa mantém uma correspondência com o violão brasileiro, e a afinação é

disposta a partir das cordas primas com as notas mi, si, sol, ré, lá, mi. A guitarra

portuguesa é constituída de pares de cordas dobradas e oitavadas, e sua afinação

tradicional mais utilizada é conhecida como “afinação do fado”, possuindo a seguinte

sequência:

Exemplo musical 10: Guitarra portuguesa: afinação tradicional do fado (afinação do fado).
Fonte: CASTELO-BRANCO, Salwa El-Shawan. Vozes e guitarras na prática interpretativa do
fado. In: Fado: vozes e sombras. Lisboa: Museu Nacional de Etnologia-Electa-Instituto
Camões, 1994, p.132.

A ordem da disposição das cordas da viola-baixo é indicada no exemplo

musical 11, e possui a mesma afinação do contrabaixo tradicional.

Exemplo musical 11: Viola-baixo: afinação.

A liderança do conjunto acompanhador dos fados é exercida geralmente pelo

primeiro guitarrista e, por vezes, pelo violeiro, caso este goze de muita experiência,

determinando assim uma hierarquia para a organização da base instrumental

necessária para a interpretação do gênero. A viola fica responsável pela sustentação do


91

ritmo e da harmonia; a viola-baixo, como o próprio nome indica, sustenta o caminho

harmônico dos baixos; a guitarra é a grande expressão instrumental do fado e se

apresenta como uma espécie de coadjuvante do intérprete vocal, complementando a

ambientação melancólica da música através de arpejos, trinados e solos intercalados ao

canto dos fadistas. O exemplo musical 12 apresenta um modelo do acompanhamento

característico da guitarra portuguesa e da viola sobre o fragmento de um fado do

compositor Artur Ribeiro. A transcrição foi realizada por José Lúcio Ribeiro de

Almeida, e o acompanhamento da viola registra o ritmo padrão adotado para os

demais fados.

Exemplo musical 12. Fragmento de “Rosinha dos Limões”. Fado de Artur Ribeiro.
Transcrição de José Lúcio Ribeiro de Almeida. Disponível em: <http://www.jose-
lucio.com/Rosa/Rosi.htm. >. Acesso em: 12 jan. 2011.

2.6 As casas de fado em Lisboa

Conforme Pais de Brito (1994) e Carvalho (1982), o fado, em sua fase inicial

de constituição como gênero musical popular, compreende, em suas duas primeiras

etapas (entre 1830 e 1890), a formação, a acomodação e a aceitação do gênero na

sociedade lisbonense. Nesse período, a prática do fado esteve associada aos espaços

frequentados por tipos de pessoas consideradas à margem da sociedade, como


92

tabernas, ruas, prostíbulos e praças de touro. Durante as últimas décadas do século

XIX, o fado ampliou a sua prática para os salões aristocráticos, mas essa música

continua sendo difundida nos espaços marginais de forma genuína sem qualquer

preocupação com a imagem ou idealização moral.

Essa questão moral gerou críticas de diversos segmentos da sociedade,

inclusive de intelectuais que não reconheciam no fado uma música digna de

representação da cultura portuguesa, como Eça de Queiroz. O memorialista Pinto de

Carvalho (1982) descreve o ponto de vista do escritor em relação ao fado:

Eça de Queiroz, criticando o fado, os bairros pífios de Lisboa, e o faditismo,


escreveu: ‘Atenas produziu a escultura, Roma fez o direito, Paris inventou a
revolução, a Alemanha achou o misticismo. Lisboa que criou? O Fado...
Fatum era um deus no Olimpo; nestes bairros é uma comédia. Tem uma
orquestra de guitarras e uma iluminação de cigarros. Está mobilada com
uma enxerga [colchão grosseiro]. A cena é no hospital e na enxovia
[masmorra]. O pano de fundo é uma mortalha.’ (CARVALHO, 1982: 53).

Desde o seu aparecimento em Lisboa, o fado atraiu um grupo de detratores

que, em um surto de moralização, pretendiam erradicá-lo do seio da sociedade

portuguesa por considerá-lo como uma chaga social. Mas havia aqueles que

trabalhavam na defesa do gênero musical como parte integrante da cultura portuguesa,

como o escritor Julio Dantas que, rebatendo os ataques proferidos à música do fado,

declarou: “uma canção não faz degenerados; os degenerados é que podem ter uma

predileção por esta ou aquela canção”. 29

O debate acerca da essência moral do fado pode ter definido esse gênero

musical como expressão cultural cujos sentimentos são atemporais, em uma

associação do cotidiano laboral árduo do indivíduo e da canção do marinheiro saudoso

29
DANTAS, Julio. In: A canção do Sul, Ano 1, número 7, 13 mai. 1923.
93

de sua terra. O jornal A Canção do Sul30 publicou artigos que buscaram defender o

fado de seus opositores, elevando sua condição moral entre a sociedade e

possibilitando que essa música pudesse ser cantada em ambientes familiares por

mulheres e crianças. É durante a década de 1930 que o fado caminha para um sentido

de organização profissional, pois transforma artistas marginais em profissionais e

procede à abertura dos espaços legítimos de difusão e contemplação dessa música, as

casas de fado. Nesse momento, o fado já não é apenas um gênero musical, mas uma

forma concreta de exprimir a razão cultural do povo português.

É nesta altura que a tendência para a profissionalização e para a


transformação do fado em espetáculo comercial é acompanhada por um
grande impulso na abertura de casas que se especializam na sua
apresentação. Estas, procurando atingir um público vasto, de modo a
rentabilizarem-se, vão configurar-se em função de uma burguesia que,
desde os anos 20, transformara os cafés e clubes no centro da sua atenção,
desenvolvendo o gosto pelos espaços boémios, pelas danças e músicas
modernas. (KLEIN; ALVES, 1994: 40).

A partir dessa conformação, o fado passa a se desvincular do estigma da

marginalidade para ingressar em outra dimensão, no âmbito de música portuguesa,

presente nos lares, nas ruas e nos salões aristocráticos. Essa mudança de ótica em

relação a esse gênero promove uma reconfiguração do fado, percebida através da

decoração característica das casas de fado, que passaram a ser ornamentadas com os

símbolos populares e próprios de Lisboa; signos de caráter marítimo, símbolos

camponeses do catolicismo popular, além da alusão às festas de Santo Antonio, aos

vasos de cravo e ao galo de Barcelos. Mesclados a esses, são utilizados elementos da

simbologia fadista, como a guitarra portuguesa, fotos de fadistas ilustres como

Hermínia Silva e Marceneiro, xales negros dependurados, lanternas vermelhas e uma


30
O Jornal A Canção do Sul foi editado entre 1923 e 1949 em Lisboa. É uma publicação dedicada ao
fado, que trazia biografias, letras de músicas, além de outras informações. Houve outros jornais em
Portugal que mantiveram esse mesmo tipo de matéria, como a Guitarra de Portugal (1922-1947) e A
voz de Portugal (1954-1959). Um resumo sobre estas edições pode ser observado no artigo intitulado
“O fadista enquanto artista”, de Rita Jerônimo e Teresa Fradique. In Fado: vozes e sombras. Lisboa:
Museu Nacional de Etnologia-Electa-Instituto Camões, 1994, p. 92-105.
94

reprodução do quadro Fado do pintor Malhoa. Portanto, o fado se torna a

representação da alma nacional, dando margem à expressão da nostalgia e à

transformação do fado em tradição. A interpretação dos fados e a organização do

repertório dos artistas obedecem a uma ordem específica, que determina qual o cantor

que deve se apresentar e a hora de fazê-lo:

Na generalidade das ‘casas típicas’, a execução é organizada por blocos


inseridos ao longo do serão, que vão alternando com serviços de
restaurante, actuando em cada um deles três ou quatro fadistas cuja ordem
de apresentação tende a fazer-se pelo menos experiente e terminando no de
maior prestígio. Cada fadista canta três ou quatro fados, o que dá a cada
bloco uma duração aproximada de quinze a vinte minutos. Num elenco que
conte com uma figura particularmente destacada, esta pode não actuar logo
nos primeiros blocos da noite, do mesmo modo que, quando há nele um
guitarrista de especial reputação, um ou mais blocos podem incluir
igualmente uma peça exclusivamente instrumental, a chamada ‘guitarrada’.
(EMPSXX, 2010: 445).

No final da década de 1940, as casas de fado passam a se organizar como

restaurantes típicos, e tendem a consolidar um tipo de espetáculo que colabora com a

afirmação da identidade cultural portuguesa em Portugal ou em qualquer outro espaço

de divulgação do fado. O termo típico caracteriza a tradição nas casas de fado,

impondo um critério de estabilidade do gênero (musical e social): “o fado é tão mais

típico e verdadeiro quanto mais intensamente souber recriar, em condições

‘socialmente dignificantes’, as ambiências populares.” (KLEIN; ALVES, 1994: 42).

A maior parte das casas de fado se concentrou no Bairro Alto de Lisboa, e direcionou

sua programação para uma clientela de turistas, acrescentando números de dança

folclórica ao espetáculo. Ao final da noite, o espaço é exclusivo dos fadistas, que se

apresentam para um público seleto e reduzido, pois grande parte dos turistas se retira

do restaurante logo após o jantar. Segundo Marcos Sergl (2008),


95

Após o final da Segunda Guerra Mundial, as casas de fado estão no auge de


suas atividades, com elencos de fadistas e guitarristas estáveis atuando em
regime de exclusividade e com público cativo, atestando a consolidação de
um mercado profissional. Colabora para esse crescimento o afluxo de
turistas interessados nas praias do sul de Portugal e da Espanha, que buscam
conhecer ‘casas típicas’ ou ‘restaurantes típicos’. No final da década de
1950, fadistas mais conhecidos realizam, nos meses de verão, turnês por
cafés, teatros, auditórios e festas populares em todo o território de Portugal
e por outros países nos quais as comunidades de imigrantes são mais
numerosas, tornando-se conhecidos e reforçando a venda de seus discos.
(SERGL, 2008: 168).

Há o registro, na cidade de Lisboa, ainda na década de 1960, do surgimento de

algumas casas de fado que apostam na espontaneidade de artistas amadores que ali se

apresentam sem receber remuneração da casa. Esses estabelecimentos são conhecidos

como próprios para a atividade do “fado vadio”, termo depreciativo adotado em

oposição ao fado profissional organizado nos principais restaurantes típicos de Lisboa.

As principais casas de fado que se encontram funcionando em Lisboa na

atualidade são o “Café Luso”, na Travessa Queimada, 10, no Bairro Alto, fundada em

1927; o “Faia”, na Rua da Barroca, 48, no Bairro Alto; “A Severa” , fundada em

1955, na Rua das Gáveas 55, no Bairro Alto; a “Adega Machado”, na Rua Norte 31,

Bairro Alto, fundada em 1937; a “Adega Mesquita”, na Rua Diário de Notícias, 107,

no Bairro Alto, fundada em 1938, além de outra dezena de restaurantes típicos

dedicados à música do fado na capital portuguesa.

Nos últimos anos, tem-se percebido o declínio da frequência de público nessas

casas e muitas chegaram a encerrar suas atividades nas últimas décadas do século XX.

Segundo Klein e Alves (1994), o surgimento dos restaurantes típicos foi consequência

da evolução dos padrões estéticos e ideológicos de um período histórico.

Hoje, desfazadas (sic, defasadas) dos gostos dominantes – são quase todas
dos anos 50 e 60, ou mesmo anteriores, não tendo aberto nenhuma nos anos
80 e 90 -, assiste-se ao seu fechamento em cadeia; nos últimos dez anos
desapareceram em Lisboa cerca de trinta restaurantes típicos. (KLEIN;
ALVES, 1994: 55).
96

O histórico aqui exposto apresenta um resumo acerca da organização do fado

em Portugal, e leva em conta o ápice e o declínio das casas de fado em Lisboa. Assim,

é referência básica para uma possível aproximação das casas de fado que surgem no

Rio de Janeiro entre as décadas de 1950 e 1970, relacionadas e enfatizadas no próximo

capítulo.

2.7 Principais artistas do fado em Portugal

A primeira geração de artistas expoentes do fado no século XX pode ser

observada através da contribuição de fadistas como Ercilia Costa, Alfredo Marceneiro,

Fernando Farinha, Fernando Maurício, Hermínia Silva, Lucília do Carmo e Maria

Teresa de Noronha, entre outros adeptos do fado castiço. A figura da fadista Amália

Rodrigues é apontada como uma artista renovadora do fado, seguida por artistas como

Carlos do Carmo, Maria da Fé e Beatriz da Conceição. Além desses fadistas,

destacamos a atuação de músicos como os guitarristas Carlos Paredes, Armandinho,

Raul Nery, José Nunes, Jaime Santos, entre outros. As fadistas que mais se destacaram

no século XX em Portugal foram Maria Teresa de Noronha, especialista em fados

castiços que manteve um programa radiofônico na Rádio Emissora Nacional

Portuguesa entre 1938 e 1958 (os fadistas Manoel Monteiro e Joaquim Pimentel

atuaram no Rio de Janeiro em funções e períodos semelhantes) e Amália Rodrigues,

que atuou em casas de fado, no teatro de revista, no cinema e passou a liderar o

processo de renovação do fado na década de 1960, a partir das obras do compositor

Alain Oulman.

Por participarem da mesma rede social, os fadistas brasileiros seguiram a

influência de diversos intérpretes do fado português, filiando o seu repertório e estilo a


97

fadistas como Alfredo Marceneiro (fado castiço) e Amália Rodrigues (fado-canção),

entre outros. A constatação dessas influências estilísticas pode ser apreciada nas

gravações fonográficas dos fadistas luso-brasileiros (relacionadas no capítulo 3) e nos

relatos concedidos por fadistas e público.

2.8 Primeiras gravações do gênero em Portugal

O pioneirismo da primeira gravação fonográfica de um fado era creditado, até

o ano de 2004, ao cantor brasileiro Baiano, ao seu fonograma intitulado “Fado

Português”, gravado em 1902. Após a descoberta de uma coleção de discos de 78

rotações de propriedade do inglês Bruce Mastin31, foi anunciada através da imprensa a

existência de uma gravação de fado realizada na cidade do Porto em 1900. Segundo o

governo português, essa coleção conta com aproximadamente oito mil fonogramas, a

maior parte relativa a gravações de fados nas primeiras décadas do século XX,

contendo o registro de gravadoras como a Columbia, Victor, His Master´s Voice e

Grammophone.

Esse acervo registra as primeiras gravações do gênero em Portugal, realizadas

por artistas como Eduardo de Souza, Rodrigues Vieira, José Bastos, Almeida Cruz,

Maria Victoria, Reinaldo Varela, Isabel Costa e Delfina Victor, entre outros. Deve-se

ao português José Moças o crédito de tal descoberta, e desde então o pesquisador

negocia com o governo português a aquisição desse espólio musical. A partir do

estudo desse acervo musical será possível comparar nos fonogramas brasileiros as

principais características do fado castiço no início do século XX.

31
Fonte: Aleluia: a colecção de fado é (finalmente) nossa. Disponível em:
<http://cronicasdaterra.com/cronicas/2007/06/14/aleluia-a-coleccao-de-fado-e-finalmente-nossa/>.
Acesso em: 19 fev. 2009.
98

Como exemplo de gravações fonográficas portuguesas do início do século XX,

podemos citar os fonogramas registrados pelo artista, cantor e compositor Manassés de

Lacerda32 (Manassés Ferreira de Lacerda Botelho, Sabrosa, 1885 – Brasil, 1962),

realizados entre 1905 e 1907. Nessa mesma época foram publicadas três séries de

edições musicais que levavam o título de “Fados e Canções Portuguesas”, cantadas

por Manassés de Lacerda para cilindros e discos de máquinas falantes. Cada série

continha 10 músicas com notas em partitura convencional, acrescida da letra do fado,

tendo sido editada pela casa Arthur Barbedo na cidade do Porto. Ainda foram

impressas duas edições posteriores contendo parte da obra de Manassés de Lacerda,

em 1914, pela Casa Moreira de Sá (Porto), e em 1916, em uma edição luso-brasileira

associada à promoção do Vinho do Porto Constantino Quinado.

Esse capítulo resume um breve histórico sobre as práticas culturais do fado na

cidade de Lisboa, e propõe uma ligação para a discussão da representação do fado na

cidade do Rio de Janeiro. Buscamos uma contextualização histórica do fado,

considerando o discurso oficial de Portugal da época revisitada nesta tese. Os símbolos

portugueses que constituem o mundo artístico conceituado por Becker (1977) serão

revistos no capitulo seguinte, quando será tratada a representação do fado no Rio de

Janeiro fundamentada em fontes bibliográficas e em relatos dos sujeitos envolvidos

nessa rede social.

32
Fonte: Guitarra de Coimbra. Disponível em:
<http://guitarradecoimbra.blogspot.com/2005/12/viagem-pelo-canto-e-pela-guitarra-de.html> Acesso
em: 20/02/2009 e Arquivos do Fado. Disponível em:
<http://arquivosdofado.blogspot.com/2009/03/manasses-de-lacerda-o-nosso-blogue-vai.html> Acesso
em: 20 fev. 2009.
99

CAPÍTULO 3

PONTE LUSÓFONA: O FADO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO ENTRE


AS DÉCADAS DE 1950 E 1970

És samba e jongo, xiba e fado, cujos


acordes são desejos e orfandades
de selvagens, cativos e marujos;
e em nostalgias e paixões consistes
lasciva dor, beijo de três saudades,
flor amorosa de três raças tristes.

Olavo Bilac, Música brasileira33

3.1 O fado no Rio de Janeiro: mundo artístico e memória social

A epígrafe remete à música brasileira, que é composta das “três raças tristes”, e

indica a possibilidade de diálogo entre esses gêneros musicais tão miscigenados como

o próprio povo brasileiro, capaz de realizar a integração das músicas européia, africana

e indígena. O poeta faz referência ao fado como um desses elementos de fusão

cultural.

O fado é um gênero musical português que traz consigo a melancolia e a

saudade, sentimentos que o povo lusitano parece cultuar em Portugal e no seio de cada

colônia portuguesa existente no mundo. Para Eduardo Lourenço, em Portugal, “antes

de ser pensada, a saudade foi cantada e é filha e prisioneira do lirismo que primeiro lhe

deu voz” (LOURENÇO, 1999: 13). No Brasil, especificamente na cidade do Rio de

Janeiro, o ápice de popularidade desse gênero ocorreu entre as décadas de 1950 e

1970, período em que surgiram vários programas radiofônicos dirigidos à comunidade

portuguesa local, além de casas de fado, restaurantes típicos, casas regionais,

programas televisivos, entre outros espaços de divulgação.

33
BILAC, Olavo. Música brasileira. Poesias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 23ª. ed., 1964,
p. 263.
100

Todas as reflexões elaboradas neste capítulo se fundamentam em aspectos da

cultura e da diáspora portuguesa, especificamente a fixação de imigrantes portugueses

na cidade do Rio de Janeiro e suas práticas musicais, tendo como referência a música

do fado. As redes sociais 34 que emanam das práticas culturais assinaladas podem ser

observadas através do conceito de “mundos artísticos e tipos sociais”, explicitado por

Howard S. Becker em artigo publicado em 1977 no Brasil, editado no livro Arte e

Sociedade, sob a organização de Gilberto Velho. Becker discorre sobre os conceitos de

“mundo” e “mundo artístico”: o primeiro conceito afirma o conjunto de ações

elaboradas por pessoas e organizações que são fundamentais para a produção de

“acontecimentos e objetos caracteristicamente produzidos por aquele mundo”

(BECKER, 1977: 9); o segundo, amplia o conceito ao mesmo mundo que organiza os

seus objetos em formas artísticas, ou seja, “mundo artístico” é o que produz e

conceitua a arte. (BECKER, 1977: 9). Para Becker, o mundo artístico se organiza

através da rede de indivíduos e pela relação estabelecida entre esses indivíduos no

fazer artístico, nele compreendendo músicos, atores, compositores, fabricantes de

instrumentos musicais, público, etc, através de convenções e ações que permitem “a

existência de atividades cooperadas para a elaboração de um produto” (BECKER,

1977: 11). Portanto, o centro da reflexão de Becker, em relação ao conceito de mundo

artístico, prioriza a cooperação dos indivíduos que se integram para a realização de

uma determinada obra, destacando que, para o autor, o processo de construção

desenvolvido através das redes sociais é mais importante do que a obra de arte ou

mesmo do que o artista que a produz.

A difusão, apreciação e consumo do fado entre as décadas de 1950 e 1970 na

cidade do Rio de Janeiro revelam uma prática musical característica, organizada pelos

34
O termo “rede social” anuncia uma estrutura social composta por pessoas ou organizações,
relacionada por relações diversas como a família, a religião, etc.
101

imigrantes portugueses locais, e que acontecia paralelamente à propagação de gêneros

musicais brasileiros como o choro, o samba e a bossa-nova. A referida prática

envolvia uma rede social específica e contava com alguns aspectos e espaços de

divulgação próprios, os quais passamos a enumerar: a aquisição de instrumentos

musicais típicos, como a guitarra portuguesa e o violão-baixo; o processo de

aprendizagem de tais instrumentos; a hierarquia e organização dos conjuntos musicais;

a relação profissional entre músicos e cantores; a forma de registrar as canções, em

notação ou através da oralidade; os arranjos e as produções fonográficas organizadas

para o mercado brasileiro; a relação do público com seus artistas; o reconhecimento

dos artistas em sua terra natal, entre outros aspectos.

As fontes de consulta sobre o estudo do fado no Rio de Janeiro entre as

décadas de 1950 e 1970 podem ser encontradas em artigos publicados; em teses de

doutorado acerca da imigração portuguesa no Brasil; em fonogramas gravados no

período; em levantamento da discografia do período; em folhetos publicados

especificamente como programas para apresentações; em fotografias e fontes

iconográficas; em sítios da Internet e blogues que visam à divulgação do fado no

Brasil e no mundo; na audição de programas radiofônicos atuais que apresentam em

sua programação o repertório da época; em relatos e depoimentos dos sujeitos que

participaram da implementação e difusão do gênero na cidade, compreendendo-se

músicos, produtores, radialistas e o público; em livros como o já citado trabalho de

Eulália Maria Lahmeyer Lobo e o artigo de Renato Pinto Venâncio.

Considerando-se todas as fontes indicadas, optamos por incluir neste capítulo

uma síntese dos relatos obtidos através de entrevistas semi-estruturadas, as quais

podem fornecer um panorama parcial do universo musical vivido à época. Nesse

sentido, a história oral se constitui como perspectiva relevante do estudo, assim, os


102

depoimentos individuais colhidos através de entrevistas configuram-se também como

fontes documentais. Embora algumas vezes imbuídos de um caráter contraditório,

esses relatos podem revelar dados biográficos, tendências morais, regras sociais, além

de construírem em geral um relato épico acerca da jornada do entrevistado, permeado

de experiências pessoais que carregam em si as vicissitudes decorrentes da diáspora

portuguesa. São histórias que recuperam vestígios de acontecimentos passados, como

se trouxessem reminiscências, refletindo uma versão da verdade. Portanto, chamamos

atenção para a percepção do indivíduo acerca da história, ou a “percepção social dos

fatos”, de acordo com Paul Thompson (1992). Para este autor, as informações obtidas

nas entrevistas revelam diversos significados sociais, e devem ser complementadas por

dados de outras fontes. O pesquisador deve analisar o nível de importância dos fatos

relatados pelo entrevistado, sua forma de participação no objeto pesquisado e o tempo

que foi empreendido para tal tarefa. O local escolhido para a entrevista pode interferir

no resultado, assim como a maneira como o entrevistador elabora e dirige as perguntas

para o entrevistado. O entrevistador deve observar a subjetividade dos relatos de seu

depoente, pois cada indivíduo apresenta a sua versão da história, sujeita a princípios

peculiares de ordem política, moral e religiosa.

Na história oral, a entrevista gravada é que se torna a fonte para a

documentação primária, e sua transcrição, apesar de já representar uma interpretação

do entrevistador, é fundamental para a análise de uma “versão do passado”, sugerida

através do relato subjetivo do entrevistado. Nas palavras de Thompson:

O argumento em favor de uma entrevista completamente livre em seu fluir


fica mais forte quando seu principal objetivo não é a busca de informações
ou evidência que valham por si mesmas, mas sim fazer um registro
“subjetivo” de como um homem, ou uma mulher, olha para trás e enxerga a
própria vida, em sua totalidade, ou em uma de suas partes. (THOMPSON,
1992: 258).
103

Segundo Alberti (2005), ao trabalharmos com a história oral, devemos observar

que existem várias fases que devem ser organizadas para a obtenção de um resultado

satisfatório da pesquisa. Em primeiro lugar, é preciso definir o projeto de pesquisa em

todas as suas etapas, com objetivos, hipóteses, delimitação do objeto, quadro teórico,

cronograma de atividades e uma supervisão contínua de orientação. A escolha do

método deve ser determinada pelo objeto de trabalho, que pode implicar o estudo

prévio de fontes bibliográficas, documentos, iconografia, cruzando-se os dados com os

documentos produzidos, através dos depoimentos realizados, ou mesmo,

desconsiderando-se as fontes anteriormente consultadas.

A escolha dos entrevistados é outro fator importante que deve ser estruturado

na pesquisa, e “não deve ser predominantemente orientada por critérios quantitativos,

por uma preocupação com amostragens, e sim a partir da posição do entrevistado no

grupo, do significado de sua experiência”. (ALBERTI, 2005: 31). A autora nos orienta

também acerca do número de entrevistados necessários à consecução do objeto de

estudo, assim como o tipo de entrevista que deve ser escolhida pelo pesquisador. Há as

“entrevistas temáticas”, que mantêm o foco de investigação na ação do entrevistado no

objeto de estudo (neste caso, o tema do fado), e aquelas classificadas como “história

de vida”, cuja trajetória biográfica do entrevistado se sobrepõe à importância do tema

escolhido, pois nesse tipo de entrevista a “preocupação maior não é o tema e sim a

trajetória do entrevistado”. (ALBERTI, 2005: 38).

A manipulação dos aparelhos de gravação de áudio e vídeo para o registro dos

depoimentos orais deve ser realizada pelo pesquisador-entrevistador com amplo

domínio técnico, tomando cuidado com o armazenamento das entrevistas em um

banco de dados que possibilite a transcrição dos relatos e consultas posteriores. A

técnica de obtenção de documentos através da história oral implica um diálogo entre o


104

depoente e seu entrevistador, “uma construção e interpretação do passado atualizado

através da linguagem falada” (ALBERTI, 2005: 24), acreditando-se que, durante o ato

da entrevista, o entrevistador pode contribuir com intervenções que conduzem o

entrevistado a resgatar dados históricos, ou mesmo a direcionar o relato do depoente

para determinados aspectos do tema.

O texto citado de Verena Alberti (2005) sobre a história oral nos auxilia no

levantamento e na organização das principais fontes de nossa pesquisa, assim como os

conceitos teóricos de Howard Becker (1977) definidos a partir da sua visão de “mundo

artístico”. Ao par dos teóricos acima citados, os estudos do sociólogo Michael Pollak

(1989)35 podem contribuir para uma reflexão sobre memória, o que vem auxiliar na

compreensão sobre a relação entre a memória dos indivíduos responsáveis pela

recuperação do gênero fado e a atualização ou revitalização do fado na cidade do Rio

de Janeiro. Para além da memória individual, procuramos investigar como a memória

coletiva dos portugueses (artistas ou não) se afirma em nossa cidade, considerando-se

o distanciamento da pátria e o encontro com novos referentes musicais em função do

contato com uma cultura nova. Pollak pondera que o trabalho com a memória é

fomentado pela história, afirmando, em relação à memória coletiva que:

A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações


do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas
mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de
pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos
diferentes: partidos, sindicatos, igrejas, aldeias, regiões, clãs, famílias,
nações etc. A referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e
das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar
respectivo, sua complementaridade, mas também as oposições irredutíveis.
(POLLAK, 1989: 9).

35
Artigo de Michael Pollak intitulado Memória, esquecimento, silêncio. In: Revista Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, 1989. Michael Pollak (Viena, 1948; Paris, 1992) é pesquisador do Centre
National de Recherches Scientifiques – CNRS, ligado ao Institut d'Histoire du Temps Present e ao
Groupe de Sociologie Politique et Morale.
105

Os conceitos de Pollak (1992) vão ao encontro das ideias de Alberti (2005),

pois aquele autor considera que há o “problema da ligação entre memória e identidade

social, mais especificamente no âmbito das histórias de vida, ou daquilo que hoje,

como nova área de pesquisa, se chama de história oral.” (POLLAK, 1992: 1).

Passamos a seguir a uma reflexão sobre esses conceitos, relacionando-os aos dados

obtidos em entrevistas realizadas com personagens ligados ao meio artístico do fado e

que atuam no Rio de Janeiro, buscando associar os pressupostos teóricos com o objeto

de estudo. O quadro 3 sintetiza os agentes sociais que através de relatos contribuíram

para a realização da tese.

Quadro 3. Quadro de entrevistados.

No. Nome Idade* Proce- Ano de Profissão Ligação Tipo Data da Observa-
dência chegada com a Social entrevista ções
ao cultura (Becker)
Brasil portuguesa

01 Manuel Pinto Marques 64 anos Castro 1962 Comerci- Público 24/10/2009 Primo da
Daire, ante apreciador fadista
Viseu Maria
Alcina

02 Ramiro Damaia 62 anos Leiria 1956 Pescador Fadista Integrado 21/01/2010

03 José Mendes Chança 76 anos Beira 1962 Empresá- Produtor e Integrado 15/03/2010
rio Radialista

04 Carlos Silva e Souza 68 anos Rio de Músico Músico de Integrado 03/11/2010


(Caçula Hilário) Janeiro Fado

05 Nelson Gonçalves 81 anos Rio de Engenhei Público 26/01/2011


Calafate Janeiro -ro apreciador

06 Maria Alcina Pinto da 72 anos Castro 1953 Empresá- Fadista Integrado 02/02/2011
Costa Duarte Daire, ria
Viseu

* Ano de referência: 2011

Nessa perspectiva, passamos a relatar os dados recolhidos em depoimentos

obtidos durante o trabalho de campo.


106

3.2 Os espaços de memória do fado na cidade: público, fadistas, radialistas e

músicos

Os “espaços de memória” podem ser revisitados nos relatos do publico e de

artistas integrados que compõem o mundo artístico do fado no Rio de Janeiro. A

primeira entrevista foi realizada no dia 24 de outubro de 2009, entre 17.00 e 19.00 h,

no restaurante “Cantinho das Concertinas”, situado na loja 11 da Rua 16 da CADEG

(Centro de Abastecimento do Estado da Guanabara), no bairro de Benfica, na cidade

do Rio de Janeiro. Esse contato teve a intenção de explorar junto à comunidade

portuguesa referências acerca da música do fado e de seus espaços de fruição nesta

cidade. O “Cantinho das Concertinas” é administrado pelo comerciante português

Carlos Cadavez, que promove semanalmente – aos sábados - a apresentação de

músicos e cantores que divulgam a música folclórica portuguesa, e reúne um pequeno,

porém, assíduo, contingente da colônia luso-brasileira. Nesse espaço podemos ouvir

gêneros musicais portugueses diversos, como o “vira”, a “cana-verde” e o “desafio à

desgarrada”.

Nesse trabalho de campo, estabeleci comunicação com um senhor, conhecido

como Rocha, (fotógrafo oficial do jornal Portugal em Foco), naquele momento,

portando uma máquina fotográfica profissional. O Senhor Rocha prestou informações

de forma espontânea sobre o funcionamento daquele estabelecimento popular, e

indicou alguns contatos na cidade a fim de contribuir para o avanço de nossa pesquisa.

Cruzamos o interior do pequeno restaurante, dirigindo-nos a um pátio externo com

mesas e cadeiras posicionadas ao largo onde a festa acontecia, pois lá havia um

pequeno palco improvisado. Nesse momento, um conjunto musical formado por três
107

concertinas36, um cavaquinho, um baixo elétrico e um bumbo embalavam a festa. Um

dos músicos que tocava a concertina cantava ao microfone as canções que atraíam ao

baile cerca de dez pares, cuja formação podia coincidir ou variar em gênero e idade:

comadres, casais, pais e filhas, etc.

A festa, que bem lembrava um “arrasta-pé” brasileiro, terminou logo a seguir

com um agradecimento dos músicos ao público. Os músicos se voltaram para uma

mesa central, e o tocador de concertina mais jovem começou a acompanhar uma

senhora que cantava uma canção chamada de cana-verde37. A partir daí, mais vozes

foram-se juntando ao grupo, até chegar a um número aproximado de 14 cantores. A

seguir, o tocador da concertina passou a acompanhar dois senhores em um “desafio à

desgarrada”, gênero popular de fado que alterna um interlúdio musical da concertina

ao improviso rimado de cada desafiante, lembrando, guardadas as suas

particularidades, o partido-alto carioca.

Até este momento todo o processo por mim testemunhado no local se

relacionava com os conceitos propostos por Howard Becker (1977) em seu “mundo

artístico”, e pude vislumbrar a organização dos segmentos funcionais da rede social

que ali se estabelecia. Os músicos se classificavam na categoria de artistas integrados,

possuíam domínio técnico dos instrumentos e do repertório e se diferenciavam do

grupo de 14 vozes que cantava uma “cana-verde”, estes inseridos na categoria de

“artistas populares”. A cooperação entre os segmentos também foi percebida pelo

gesto de uma senhora que ocupava uma mesa no pátio externo e que era responsável

pelo pagamento do cachê aos músicos, realizado com o discreto repasse de uma cédula

36
A concertina (acordeon diatônico) é um aerofone de palhetas, acionado por fole e que apresenta
teclados e botões: a mão direita se encarrega da melodia e dos acordes no teclado diatônico, enquanto a
mão esquerda exerce a função dos “baixos” nos botões. A concertina assemelha-se à sanfona no Brasil.
37
Cana-verde: dança e canção popular portuguesa, cantada em quadras.
108

de cinquenta reais que, dobrada no interior de sua mão, passava à mão do respectivo

instrumentista que ali atuara. Os elos se completavam com outros sujeitos importantes

para o funcionamento da festa, como os pares de dançarinos, as crianças que

brincavam ao redor das mesas, os garçons e os cozinheiros, o fotógrafo que tudo

registrava, os políticos ligados à comunidade portuguesa, etc.

Após o término da cantoria, conversei com um dos cantores, que é

frequentador habitual desse evento, o Sr. Manuel Pinto Marques, 63 anos, natural de

Castro Daire, região do Viseu, e residente no Rio de Janeiro desde 1962. O referido

senhor se apresentou como primo da cantora de fados, Maria Alcina, natural da mesma

região que o Sr. Manuel Pinto. Ele informou que fixou residência no Rio de Janeiro,

na Av. Brás de Pina 534, no bairro da Penha Circular, onde reside. Na atualidade, é

diretor da “Casa do Viseu”, casa regional portuguesa estabelecida no mesmo bairro.

O Sr. Manuel Pinto declarou que, antes de migrar para o Brasil, o seu contato

com o fado na região do Viseu se dava apenas pelo meio radiofônico, pois não havia

casas de fado na região. Dentre os fadistas que ouvia, o artista que mais lhe chamava a

atenção era o cantor Fernando Farinha. Após o seu estabelecimento na cidade do Rio

de Janeiro, citou como referência o fadista português Antonio Mourão e o programa

radiofônico de Joaquim Pimentel, denominado “Programa dos astros”, apresentado na

Rádio Vera Cruz do Rio de Janeiro em torno do ano de 1964.

O informante Manuel Pinto considera a cantora Maria Alcina a principal

referência do fado no Brasil, mas diz que, embora possua um vínculo familiar com a

mesma, admirou sempre o trabalho da fadista Helia Costa – que, segundo ele,

interpretava fados de forma mais elaborada do que Maria Alcina. Na entrevista,

Manuel Pinto salientou que os fados interpretados por Helia Costa possuíam “uma
109

poesia antiga, porém com maior valor sentimental”. Declarou também que

testemunhou a atuação de outros fadistas nesta cidade como Adélia Pedrosa, Lina

Cunha, Ester de Abreu, Antonio Campos e Lúcia dos Santos. O Sr. Manuel Pinto

afirmou ainda que não gostava da interpretação do fadista Antonio Campos, pois em

sua opinião ele “nunca cantou fados”. Essa fala de Manuel Pinto demonstra que ele

não gostava do tipo de interpretação de Antonio Campos, o que indica um modo de

expressão muito particular do Sr. Manuel como ouvinte. O fadista Antonio Campos é

reconhecido por muitos membros da comunidade portuguesa como um expoente do

fado no Brasil, além de ter conquistado o apreço de fadistas de renome como Maria

Alcina, Adélia Pedrosa, Helia Costa, Maria de Lourdes, entre outros artistas. Tal

constatação sugere um contraste de idéias entre o relato de Manuel Pinto e o senso

comum ditado pela comunidade portuguesa.

Para grande parte dessa comunidade, Antonio Campos é possuidor de uma

interpretação adequada a um fadista, assim como detentor de um timbre e entonação

que emocionam os ouvintes em suas gravações. Além disso, as suas composições

contribuem também para a construção do seu perfil de fadista. De acordo com Alberti

(2005), a construção da memória coletiva acerca de um fato pode abranger

depoimentos antagônicos entre sujeitos oriundos da mesma prática social:

Assim, não é mais fator negativo o depoente poder “distorcer” a realidade,


ter “falhas” de memória ou “errar” em seu relato; o que importa agora é
incluir tais ocorrências em uma reflexão mais ampla, perguntando-se por
que razão o entrevistado concebe o passado de uma forma e não de outra e
por que razão e em que medida sua concepção difere (ou não) das de outros
depoentes. (ALBERTI, 2005: 19).

Ao término do nosso primeiro contato, o cantor Manuel Pinto citou o nome de

alguns participantes do evento: o seu contendente no desafio, um cantor amador,

conhecido como Lino; no cavaquinho, Jorge; na concertina, citou o nome do músico

Hilário Cardinal, e elogiou um músico ausente no dia, o José Bigorrilho. Enfim,


110

declarou que, nesse evento, o fado se faz presente de forma esporádica, sendo um

espaço mais apropriado para a música folclórica regional portuguesa.

O entrevistado Manuel Pinto enumerou alguns personagens relevantes na

difusão do fado na cidade, que atuaram ou participaram da rede social pertencente ao

fado entre as décadas de 1950 e 1970, para uma melhor compreensão do panorama

cultural que envolve o mundo artístico do fado no Rio de Janeiro. A entrevista

colaborou para a contextualização do fado na cidade do Rio de Janeiro desde a década

de 1950, e de seus principais artistas atuantes. As impressões do depoente, expostas a

partir de sua experiência, indicam a posição do entrevistado naquele grupo, assim

como sua relação com a cultura portuguesa, conforme as observações de Alberti

(2005) acerca da história oral.

O engenheiro químico Nelson Gonçalves Calafate (Rio de Janeiro, 05/03/1930)

é ouvinte e apreciador do gênero fado, e concedeu o seu depoimento em 26 de janeiro

de 2011. Nasceu no bairro da Ilha do Governador, e é membro da Academia Luso-

Brasileira de Letras. Quando completou dois anos de idade, Calafate se mudou com a

família para Portugal, pois seus familiares são oriundos da região da Póvoa do Varzim,

Freguesia de Fão, cidade de Esposende. Retornou ao Brasil e se formou como

engenheiro químico em 1954, casando-se em 1957 com a engenheira química Bettina

Alice. Sua ascendência portuguesa estreita o seu vínculo com a comunidade

portuguesa local, que o conduz a participar com maior freqüência de eventos sócio-

culturais luso-brasileiros. Como o seu interesse pela cultura portuguesa é amplo, o Sr.

Calafate passou a ser um ouvinte assíduo dos programas radiofônicos difundidos na

cidade, e consolidou a amizade de alguns fadistas e músicos residentes no Rio de

Janeiro, como as cantoras Maria Alcina, Helia Costa e Lúcia dos Santos.
111

Em 2010, ao completar 80 anos, editou um livro de memórias com 163

crônicas e realizou um grande jantar para 80 pessoas, entre familiares e amigos da

comunidade portuguesa, que na oportunidade puderam contemplar a interpretação da

fadista Maria Alcina, acompanhada pelo guitarrista Victor Lopez. Em seu livro,

Calafete dedica uma crônica de louvor à fadista Amália Rodrigues, e, após relacionar

o início da carreira da cantora com os fados clássicos, expressa a sua opinião acerca da

estética do fado da década de 1960:

No início dos anos 60, a partir de um luso-francês – Alain Oulman, nascido


em Portugal – ligando uma melodia carregada de ambiente a uma forma
definida porém ampla, se permitiu que a voz de Amália se transfigurasse e
transformasse, desdobrando-se nas suas incessantes improvisações, e
abrangendo as formas de poesia. (CALAFATE, 2010: 371).

O Sr. Calafate declarou que os artistas portugueses que mais lhe agradavam

durante as décadas de 1960 e 1970 eram as fadistas Maria Alcina, Lúcia dos Santos e

Hélia Costa, e os fadistas Francisco José e Antonio Campos, e que acompanhava com

fervor as apresentações destes artistas nas casas de fado da Zona Sul carioca, como o

“Fado”, o “Lisboa à Noite” e a “Desgarrada”.

Um hábito que o Sr. Calafate mantém há décadas é o de acompanhar os

programas radiofônicos dedicados à comunidade portuguesa, procurando sempre estar

atualizado com as notícias de Portugal e com os acontecimentos sócio-culturais da

colônia portuguesa no Rio de Janeiro, além, claro, de ouvir os seus fados prediletos:

“Canoas do Tejo”, “Rua do Capelão”, “Lisboa não seja francesa” e “Nem às paredes

confesso”, entre outros. Fez referência, como exemplo, ao programa de Joaquim

Pimentel e de Antonio Campos na Rádio Bandeirantes. No final da entrevista, o Sr.

Nelson Calafate concedeu uma lista contendo o nome de vários programas

radiofônicos que ele acompanha na atualidade.


112

Retomamos Becker (1977) e a classificação que estabelece para os artistas, a

fim de saber de que maneira os cantores de fado atuam nessa rede social, com o

enfoque para o papel de cada um deles, considerando-se os seus relatos, que são

constituídos a partir das entrevistas realizadas em nosso trabalho de campo. Becker

(1977) pondera sobre os tipos de artistas inseridos no mundo artístico, classificados

como profissionais integrados, inconformistas, artistas ingênuos e artistas populares.

Os artistas classificados como profissionais integrados se utilizam das convenções do

mundo artístico organizado e concordam com o conceito de “obra de arte canônica”,

compondo geralmente a maior parte dos artistas que integram a rede de cooperação do

mundo artístico em questão. (BECKER, 1977: 14). Quanto aos inconformistas, são

artistas que não aceitam os padrões artísticos constituídos no mundo artístico

convencional, criando a sua própria rede de colaboradores que passa a constituir e

envolver um novo público para a fruição de suas obras, portanto, tendem à inovação.

Os artistas ingênuos, também denominados primitivos, são os que não possuem o

conhecimento dos artistas, das regras ou dos padrões convencionais estabelecidos no

interior do mundo artístico, produzindo por vezes obras semelhantes aos trabalhos

idealizados por artistas integrados ou mesmo inconformistas. (BECKER, 1977: 18).

Em seguida, passamos à exposição de alguns aspectos dos relatos dos fadistas Maria

Alcina e Ramiro Damaia, artistas integrados que residem e atuam na cidade do Rio de

Janeiro.

A cantora Maria Alcina “Fadista” (Maria Alcina Pinto da Costa Duarte, Cetos,

Castro Daire, Portugal, 12/03/1939), reconhecida como a maior fadista portuguesa

radicada no Brasil, chegou ao Rio de Janeiro em 1953, aos 14 anos de idade, e adotou

o canto como profissão, incorporando em sua vida artística a figura da fadista

tradicional. A entrevista foi concedida em 02 de fevereiro de 2011, na qual forneceu


113

dados biográficos e acrescentou depoimentos que auxiliaram na pesquisa e na

revitalização da história do fado na cidade do Rio de Janeiro.

Maria Alcina relatou que na infância em Portugal não ouvia fados, pois essa

música não era difundida em sua cidade natal, ouvia-se apenas a música folclórica.

Iniciou a sua carreira aos 20 anos de idade em 1959, sendo convidada pelo radialista e

Rei Momo Edson Santana para cantar no programa dele, na Rádio Vera Cruz, com

uma participação de 15 minutos por programa. Após três meses de atividade na Rádio

Vera Cruz, estreou o seu próprio programa intitulado “Maria Alcina: A voz de além

mar”, veiculado entre 1959 e 1964, cuja programação compreendia 30 minutos de

música portuguesa e 30 minutos de música brasileira. A Rádio Vera Cruz mantinha a

sua sede no centro da cidade, na Rua Buenos Aires 168, e, além do programa de Maria

Alcina e de Joaquim Pimentel, a depoente citou ainda o programa do guitarrista

Manoel Caramés, propagado aos sábados. A Rádio Vera Cruz pertencia à Igreja

Católica e foi sucedida pela Rádio América.

Em 1964, Maria Alcina atuou por sete meses na casa de fados “Lisboa Antiga”,

em São Paulo, de propriedade de Adélia Pedrosa. Posteriormente, retornou ao Rio de

Janeiro como uma das atrações do restaurante “O Fado”, na Rua Pompeu Loureiro em

Copacabana, de propriedade de Antonio Mestre. Maria Alcina cantou também em

outras casas de fado do Rio de Janeiro, como a “Adega do Mesquita”, o “Corridinho”,

o restaurante “Galo”, o “Lisboa à Noite”, a “Casa da Mariquinhas” e o “Cantinho da

Severa”. Sua discografia compreende 3 LPs, 4 compactos e um CD editado pela

gravadora Som Livre. Participou como fadista em telenovelas, mini-séries da Rede

Globo de Televisão, além de excursionar pelo Brasil e pela América do Sul. A cantora

exerceu a atividade de empresária e abriu um restaurante típico português no bairro de

Ipanema, denominado “A Desgarrada”, um espaço destinado à culinária e à música


114

portuguesa que funcionou entre 1976 e 2000. Da totalidade dos frequentadores do

restaurante, 90% correspondiam a membros integrantes da alta sociedade carioca,

inclusive artistas ilustres como Vinícius de Moraes e Tom Jobim, além da comunidade

portuguesa que frequentava igualmente o local. A casa possuía um cardápio típico

português, e contava com 13 profissionais na cozinha do restaurante.

Naquele local, Maria Alcina trabalhava administrando o restaurante até às 18

horas, e após esse horário, apresentava-se como cantora, recebendo diversos artistas e

autoridades como António Chainho, Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, José Maria

Nóbrega, António Mourão, Beatriz da Conceição, Lucilia do Carmo, Cidália Moreira,

Paulo de Carvalho, Sebastião Robalinho, António Campos, Sá Moraes, Lúcia dos

Santos, Mário Simões, Adélia Pedrosa, Teresinha Alves, Maria de Lourdes, Esther de

Abreu, Paula Ribas, Manoel Taveira, Sebastião Manoel, Mário Rocha, Olivinha

Carvalho, Hélia Costa, entre outros personagens do universo cultural português. Além

desses artistas, Maria Alcina citou também o nome de vários músicos ligados ao fado

na cidade, como os guitarristas Mario Rui, Antonio Rodrigues, Antonio Maria Velho,

Antonio Silveira, Lafayete Ramalho, José Manuel Rocha, e os violonistas Xavier

Pinheiro, Armando Nunes, Caçula Hilário e Leonel Vilar.

Em seu depoimento, Maria Alcina destacou o pioneirismo no Brasil dos artistas

Manoel Monteiro, Joaquim Pimentel, Esmeralda Ferreira, Maria Amado, Maria da

Luz, Maria Jose Vilar, Laurinda Monteiro (dona da “Casa da Mariquinhas” no bairro

do Maracanã), Deolinda de Oliveira, Helia Costa, Tristão da Silva, Maria Girão (uma

baiana que “cantava fados castiços como ninguém”, casada com o guitarrista Fernando

Freitas) e Francisco José. Sobre o fadista Manoel Monteiro, oriundo do Distrito do

Viseu, Maria Alcina declarou que ele era muito popular na década de 1930, e que se

apresentava em circos com Orlando Silva e Silvio Caldas. Monteiro foi anunciado
115

sempre como “cabeça de cartaz”, pois sua foto ficava em evidência nos cartazes

publicitários do circo, deixando os demais artistas em plano secundário. Atribui-se a

Monteiro o pioneirismo na difusão de programas radiofônicos de cultura portuguesa

no Brasil, assim como a divulgação do fado em espaços públicos. A fadista Maria

Alcina ressaltou, em sua vida artística, a longa parceria com o cantor Antonio Campos,

e a participação dela em programas televisivos como o Programa do Faustão, Flavio

Cavalcante, Hebe Camargo, Chacrinha, etc. Na atualidade, a cantora se apresenta com

frequência nas casas regionais lusitanas e reside na cidade do Rio de Janeiro, mas se

retirou da vida empresarial há alguns anos.

Durante a entrevista, enfatizamos a trajetória do fado como gênero musical.

Questionamos a existência de uma possível ruptura entre o fado castiço e o fado

moderno na década de 1960, principalmente a partir da interpretação de Amália

Rodrigues sobre as canções de Alain Oulman. Maria Alcina deixou transparecer que

os dois tipos de fado continuavam a coexistir nos espaços de difusão do gênero,

definindo sua visão acerca do fado castiço:

O fado castiço é bom em casas de fado a partir da meia-noite; a fadista só


canta bem realmente, só passa a ser fadista depois dos 40 quando já sofreu
muito, porque você pra cantar o fado como deve ser, você tem que sentir o
fado; e pra sentir o fado você tem que ter sofrido por amor, e quem é que
não sofreu por amor? Principalmente os fadistas, né, eu digo no meu caso
porque eu sofri muito também, mas foi um sofrimento que foi sempre
lapidando o meu espírito.

A seguir, declarou a sua admiração pela artista Amália Rodrigues, e o que

pensava sobre a trajetória de Amália como fadista tradicional:

[...] Amália nunca foi uma fadista [tradicional]; ela cantava fados, mas ela
era uma mulher que foi embaixadora de Portugal no mundo inteiro; ela
cantava fados castiços, mas não dava aquele “castiço”, que ela nunca cantou
em casa de fados... ela cantou no “Luso”, foi lançada no “Luso”, em
Portugal [...] mas teve uma estrela que brilhou muito, e é inigualável o
carisma dela, ninguém jamais pode igualar-se a ela, são pessoas que
aparecem de 200 em 200 anos. Nunca tive vontade de imitá-la, mesmo
porque minha voz é mais grave, mas [tenho grande admiração], toda
116

segunda-feira vou acender velinhas para as almas, e nunca [me] esqueço da


Amália...

Maria Alcina acredita que a fadista Hermínia Silva pode representar a figura

da cantora de fados castiços, porque Hermínia, além de possuir um repertório

tradicional, só cantava em casas de fado. Ressaltou assim a diferença existente entre o

que chama de “fadistas”, que são “cançonetistas” (cantores adeptos ao fado

tradicional) e aqueles que se apresentam para o grande público, são os artistas de

projeção internacional que costumam interpretar gêneros musicais variados.

Durante o ano de 1974, Alcina foi convidada pela junta governativa de

Portugal para uma temporada de um mês no Cassino Estoril em Lisboa. Ao cantar nas

casas de fado de Lisboa, percebia a indiferença e o preconceito dos fadistas

portugueses, que assinalavam existir uma distinção entre o cantor imigrante e o fadista

português, como se o fadista imigrante fosse um cantor de segunda categoria e,

consequentemente, incapaz de expressar a verdadeira arte do fado. Conforme

Bourdieu (2000), esses conflitos assinalam as contradições existentes no campo e são

fatos recorrentes nas relações sócio-culturais entre indivíduos de uma sociedade.

A cantora fez referência à semelhança das matrizes do fado com o samba-

canção, citando as composições de Adelino Moreira (português que iniciou a sua

carreira no Brasil como fadista), e as obras do compositor Lupicínio Rodrigues. Citou

ainda o programa televisivo “Show da Malta”, na TV Bandeirantes, de produção de

Luzinete Mello, durante a década de 1980, o qual apresentou muitos artistas

portugueses, inclusive a Amália Rodrigues.

No decorrer da entrevista, a fadista cedeu gentilmente material de vídeo para

consulta, contendo um resumo biográfico e fragmentos de sua trajetória artística. O

vídeo é intitulado “Portugueses Ilustres no Brasil” e está editado em DVD (reprodução


117

do original em VHS, Malta Editora Ltda.). Do vídeo, destacamos o evento ocorrido

em 19/09/1993, no qual Maria Alcina recebe uma homenagem em Castro Daire, lugar

em que a cantora chama de “minha aldeia”. Na ocasião, a fadista foi convidada a

inaugurar uma avenida com o seu nome. Estas são as palavras de agradecimento de

Maria Alcina:

O imigrante nunca é feliz porque nós no Brasil somos portugueses, aqui


somos brasileiros. A nossa saudade é imensa, a nossa saudade é interna,
mas tenho certeza de que o minhoto que saiu da sua terra para imigrar e
para lutar, para vencer, tem dentro da alma a força, a coragem e o amor
pelas suas raízes. Eu posso ter esquecido muitos nomes, mas quero dizer a
todos que aqui estão, imigrantes ou não, que a Avenida Maria Alcina não é
Maria Alcina, é a realização do sonho do imigrante que de longe planta
suas raízes em Castro Daire numa avenida tão bonita. (ALCINA, Maria. In:
Portugueses ilustres no Brasil, DVD, 1994).

O narrador do vídeo evidencia que o português “serrano” busca o futuro através

da imigração, caminho que visou à realização do sonho de muitos portugueses. O

filme tem início e fim na aldeia de Castro Daire, terra natal de Maria Alcina, e termina

com a fadista cantando em meio a um milharal, agarrada a uma espiga de milho, como

quem sente e quer demonstrar que é parte da Terra. Ela relembra a sua infância,

quando cantava desde cinco anos de idade, pois “sonhava que era uma princesa num

castelo”. Mais tarde, ao agradecer a homenagem referida (Avenida Maria Alcina

Fadista), volta ao tempo de infância, mas desta vez os castelos são “bem sólidos”. Em

sua fala, a fadista demonstra a necessidade de reconhecimento diante dos seus pares,

amigos e familiares portugueses que não deixaram a sua aldeia, como vimos no início

do primeiro capítulo da tese:

Essa homenagem da avenida para mim foi outro sonho maravilhoso,


imagina eu saindo de Portugal pobrezinha, sem expressão nenhuma e de
repente voltar e inaugurar uma avenida em Castro Daire. Castro Daire me
homenageando. Eu me senti assim, como nas nuvens [...] aquela
homenagem que eu não senti minha, eu senti de todos os imigrantes que
vieram de Castro Daire, de qualquer parte de Portugal, de pé descalço e
hoje tem os seus castelos bem sólidos no amor à pátria, bem sólidos aqui
no Brasil, nessa terra maravilhosa que nos acolheu. (ALCINA, Maria. In:
Portugueses ilustres no Brasil, DVD, 1994).
118

A fadista evoca em sua fala a memória coletiva do imigrante português, pois

relembra que, antes de ser reconhecida como artista trabalhou no Rio de Janeiro em

diversos setores do comércio. Considerando-se esta ótica, a história pessoal de Maria

Alcina se assemelha à história de vida da maioria dos imigrantes portugueses, porém,

com uma diferença: sua realização não é meramente econômica, pois o ofício de

fadista sempre esteve presente em sua vida, mesmo nos momentos em que assumia a

condição de empresária em seu restaurante “A Desgarrada”.

Dentre os números musicais apresentados no vídeo, destacamos o fado “Quem

sou”, cuja letra reflete imagens da diáspora portuguesa e se confunde com a temática

do fado, compreendendo a saudade, as ilusões destroçadas, o infortúnio e a desilusão.

A interpretação de Maria Alcina é acompanhada pela guitarra portuguesa de Mario

Rui e pelo violão de Caçula Hilário.

“Quem sou”

Sou bruma me desfazendo

No oceano esquecido

Onde não vão alvoradas

Neste mar vou me perdendo

Num rumo desconhecido

De marés desencontradas

Neste mar de tempestade

Jogada à sorte sem sorte

Sempre sempre em descida

Vou de saudade em saudade

Para confundir a morte

Mas sinto fugir-me a vida


119

São frias as madrugadas

O sol ficou no poente

Não voltou para me aquecer

As ilusões destroçadas

Neste naufrágio inclemente

Acompanham-me ao morrer.

No final da entrevista, quando nos despedíamos no portão de saída, Alcina fez

referência ao seu convívio com o compositor e instrumentista Jacob do Bandolim, pois

este frequentava habitualmente os encontros musicais dos fadistas. A biografia de

Jacob (PAZ, 1997) registra uma fase inicial do instrumentista como violonista

acompanhador de fados, tendo como parceiro o guitarrista Antonio Rodrigues. Em

1934, o duo Jacob-Rodrigues se apresentou no programa “Horas Luso-Brasileiras”, na

Rádio Educadora e no Clube Ginástico Português, acompanhando os fadistas Ramiro

D’Oliveira e Esmeralda Ferreira. Maria Alcina afirmou ter conhecimento de um disco

de fados gravado por Jacob do Bandolim e Antonio Rodrigues naquele período, fato

até agora desconhecido por biógrafos e historiadores da música popular brasileira.

O fadista Ramiro Damaia (Ramiro Jesus Damaia, Praia de Pedrógão, Distrito

de Leiria, Portugal, 16/05/1949) é um cantor que divide a sua vida artística com o

ofício de pescador. Chegou ao Brasil com sua família em 1956, quando contava com

sete anos de idade, a bordo do navio North King, em uma viagem de aproximadamente

13 a 14 dias. Junto com seus pais e três irmãos, a família fixou residência no Rio de

Janeiro junto à praia do Caju, porque lá havia uma colônia ativa de pescadores

portugueses, o que facilitou o estabelecimento familiar no país. O seu pai exercia o

ofício de pescador em Portugal e esse deveria ser o futuro dele e de todos os irmãos.
120

Em entrevista concedida ao autor desta tese em 21 de janeiro de 2010, Ramiro

afirmou que, na época, somente os brasileiros podiam obter licença para o trabalho de

pesca no mar, motivo que obrigou tanto a ele quanto aos irmãos a naturalizarem-se

como brasileiros. Como cabulava muito às aulas para brincar, seu pai o retirou da

escola para que assumisse a profissão de pescador.

Ramiro Damaia relatou, recorrendo a fragmentos de memória da infância em

Portugal, que em sua aldeia não havia eventos de música, assim, ele não possui

lembrança sequer das festas familiares, pois todos se dedicavam exclusivamente ao

trabalho, além disso, a família não possuía rádio. Suas primeiras impressões acerca da

música remontam à infância no Brasil e à colônia portuguesa do Caju, onde passou a

apreciar cantores de fado através do rádio, tendo à época como preferência as

interpretações do cantor português Fernando Farinha, conhecido também como o

“Miúdo da Bica”.

Assim como a cantora Adélia Pedrosa, sua vizinha de bairro, Ramiro foi

revelado como cantor aos doze anos de idade no programa de Joaquim Pimentel, na

Rádio Vera Cruz. Para essa apresentação, cantou três fados: “Eterna amizade”, “Fado

Pescador” e “Menina dos pés no chão”, com acompanhamento do Sr. Ferreira à

guitarra portuguesa e Leonel Villar ao violão. Embora não houvesse prêmio em

dinheiro destinado aos calouros, a apresentação de Ramiro lhe assegurou o primeiro

lugar entre os seus concorrentes. Ao chegar a casa, Ramiro levou uma surra da mãe,

pois a família era contrária à atuação de seus filhos em meios artísticos,

principalmente na rádio, um ambiente que os pais consideravam próprio de malandros,


121

prostitutas e “paneleiros” 38, ou seja, pessoas colocadas de alguma forma à margem da

sociedade.

Ramiro alternou a profissão de pescador com a de cantor de fados,

apresentando-se posteriormente no programa “Lima de Abreu”, na rádio Rio de

Janeiro no bairro de Vila Isabel. Casou-se em 1969 com vinte anos de idade, e passou

a atuar em casas de fado no Rio de Janeiro, como a casa “Tio Patinhas”, então situada

na Rua Joaquim Nabuco 14 em Copacabana; no restaurante “A Desgarrada”, situado à

Rua Barão da Torre, em Ipanema, e no restaurante “Lisboa à noite”, localizado na Rua

Pompeu Loureiro em Copacabana. Relatou ainda que atuou na década de 1980 em

outra casa de fados, no Jardim Guanabara, na Ilha do Governador, destacando que foi

o único cantor contratado com cachê.

De suas memórias, relatou que o bairro do Caju era um reduto de fadistas,

ressaltando os cantores Mario Pedrosa, Joaquim Pedrosa e Adélia Pedrosa. A atividade

de pesca no bairro era exercida predominantemente por portugueses que chegavam a

ocupar uma única traineira com 30 pescadores. O pescado era distribuído no Mercado

do Retiro do Caju, no Mercado da Praça XV e em algumas peixarias do bairro de

Ramos, da Ilha do Governador, etc. Ramiro declarou que ao final da década de 1950 e

durante a década de 1960, o comércio de peixe na cidade era um ofício próspero, e que

seu pai chegou a adquirir três barcos, terrenos e uma vida estável para a sua família,

trabalhando como pescador.

Adepto ao fado de estilo “castiço”, Ramiro diz haver compartilhado o palco

com diversos fadistas, como Sebastião Robalinho, Antonio Campos, Maria Alice

Ferreira, Ester de Abreu, Gilda Valença, Maria Alcina, Lúcia dos Santos, Adélia

38
Em Portugal, o termo “paneleiro” designa o homossexual do gênero masculino.
122

Pedrosa, Helia Costa, Mario Simões, Sá Moraes, Maria de Lourdes, Mario Rocha,

Olivinha Carvalho e Maria José Villar, entre outros. Afirmou que o seu fadista

preferido no Brasil é o cantor Mario Rocha, e em Portugal, os cantores Fernando

Maurício, Camané e Maria da Fé.

Como Adélia Pedrosa, Ramiro ressalta a importância do cantor Joaquim

Pimentel para a difusão do fado no Rio de Janeiro a partir da década de 1950,

sobretudo por manter um programa radiofônico de grande audiência para a

comunidade portuguesa. Disse ainda que não toca nenhum instrumento, mas tem

muito “bom ouvido”, passando para os instrumentistas todas as tonalidades de seus

fados. Residente no bairro de São Cristóvão, Ramiro nunca voltou a Portugal, e

programa realizar uma viagem ainda neste ano a fim de reencontrar sua terra natal e

divulgar o seu primeiro trabalho discográfico, gravado no Brasil em 2009. Trata-se de

um CD, intitulado “Uma Vida de Mar e Fado – Ramiro Damaia – A voz da saudade”,

que apresenta em sua portada a foto do cantor ao lado de seu barco, batizado como

“Filho Glorioso”; na contracapa, a imagem do cantor-pescador com as redes nas mãos.

O disco apresenta treze canções, e foi produzido por José Mendes Chança com

arranjos e execução instrumental de Victor Lopes, que toca violão, violão baixo,

guitarra portuguesa, gaita e teclados.

Ao ser indagado sobre os instrumentistas de fado na cidade do Rio de Janeiro,

Ramiro afirmou que, antes da década de 1960, os principais músicos que atuavam no

restrito cenário musical de fados eram os guitarristas Ferreira, Rodrigo, Lafaiete e José

Manuel Rocha; os violonistas José Manuel Rocha, Armando Nunes, Silvino Pinheiro e

Leonel Villar, - hoje todos esses artistas estão falecidos. O fadista entrevistado

comentou que as guitarras foram sempre encomendadas em Portugal, e que ele


123

desconhecia qualquer luthier na cidade39. Para ele, durante a década de 1960 não

houve uma grande repercussão entre os fadistas da cidade acerca dos fados do LP

“Busto”, da cantora Amália Rodrigues, e que apenas a cantora Maria Alcina (uma das

fadistas mais atuantes naquele período) optou por inserir em seu repertório algumas

músicas cantadas por Amália. Ramiro disse que a maioria dos cantores manteve a

influência dos fados tradicionais de Alfredo Marceneiro ou Fernando Maurício na

composição de seus respectivos repertórios.

Ramiro Damaia acredita que a comunidade portuguesa do Rio de Janeiro nunca

deu a importância devida à música do fado, pois os espaços de atuação para os

cantores eram limitados, restringindo-se a quatro casas noturnas na cidade, que

existiram entre a década de 1960 e 1980. Na atualidade, a apresentação fica restrita às

festas nas casas regionais, com preferência à atuação dos ranchos folclóricos que, com

suas concertinas, apresentam gêneros musicais diversos como o “vira” ou a “cana-

verde”, excluindo o fado como gênero musical em seu repertório. Enfatiza que o único

músico que conhece o acompanhamento de fados na atualidade é o Sr. Victor Lopes,

chamando atenção para o fato de que não existe escola ou professor de guitarra

portuguesa (ou violão) para o gênero em nossa cidade, e parece temer que o fado possa

desaparecer do Rio de Janeiro caso o Sr. Victor Lopes desista do ofício de músico.

O desinteresse da comunidade portuguesa na manutenção do fado no Rio de

Janeiro revela uma falta de preocupação desse segmento em manter a afirmação de sua

identidade cultural, e esse tema é recorrente no discurso de Ramiro. Aliado a esse

aspecto, ele ressalta a dificuldade encontrada pelos fadistas na contratação de músicos

para realizarem o acompanhamento do fado em apresentações eventuais, fato

39
Observamos que, embora Ramiro tenha declarado desconhecer qualquer luthier na cidade,
constatamos que, nesse período, a loja Bandolim de Ouro, proprietária da marca “Do Souto”, fabricava
e comercializava guitarras portuguesas no Rio de Janeiro sob a responsabilidade do luthier Silvestre.
124

retomado em vários momentos da entrevista realizada. A fala de Ramiro demonstra

uma preocupação constante com o desaparecimento do fado na cidade, pois tal fato

vem acarretar em sua vida a impossibilidade da criação e expressão artística. Ao

abordar aspectos da memória social, Pollack salienta a repetição de certos

acontecimentos na fala dos depoentes:

Se destacamos essa característica flutuante, mutável, da memória, tanto


individual quanto coletiva, devemos lembrar também que na maioria das
memórias existem marcos ou pontos relativamente invariantes, imutáveis.
Todos os que já realizaram entrevistas de história de vida percebem que no
decorrer de uma entrevista muito longa, em que a ordem cronológica não
está sendo necessariamente obedecida, em que os entrevistados voltam
várias vezes aos mesmos acontecimentos, há nessas voltas a determinados
períodos da vida, ou a certos fatos, algo de invariante. (POLLAK, 1992:
201).

Ramiro, embora não tenha enfatizado a sua classificação dentro de uma

categoria específica - como cantor profissional de fado - pode ser considerado um

artista popular de acordo com os parâmetros desenvolvidos por Becker (1977). Uma

das hipóteses que apontam nessa direção é o fato de o cantor Ramiro Damaia ter

atuado durante anos na “Casa Tio Patinhas”, um restaurante localizado no bairro de

Copacabana e reservado para a apresentação de fado vadio, isto é, um espaço onde se

apresentavam fadistas amadores.

Becker (1977), ao comentar a arte popular como categoria, afirma que esta não

se classifica em uma “comunidade artística profissional”, e que o artista popular, via

de regra, não é considerado um indivíduo especial por seus pares dentro da

comunidade em que habita, mas apenas “um membro que possui habilidades para o

exercício de determinadas atividades”. (BECKER, 1977: 22). Logo, percebemos que o

conceito de mundo artístico não obedece a um padrão rígido, mas sim flexível, pois

seus artistas cooperados e respectivas obras de arte se adaptam a transformações para

uma construção contínua desse mundo artístico.


125

Na pesquisa, o fado é observado através das relações e das convenções

estabelecidas entre artistas integrados e populares que zelam pela difusão e

manutenção de uma cultura musical tradicional de sua terra natal. Esses artistas

regravam canções lusitanas e compõem novas obras no Rio de Janeiro, constituindo

público e espaços de atuação e de divulgação do fado, além de terem o cuidado com a

instrumentação e a estética concernente ao gênero. Todos esses aspectos propiciaram a

configuração de uma rede social própria para a integração e sobrevivência da música

portuguesa nesta cidade.

Considerando-se essa linha de reflexão, como pesquisador e espectador,

destaco aspectos recolhidos em trabalho de campo no evento de fado organizado no

Clube da Portuguesa Carioca em 19 de junho de 2010. Tratava-se de um almoço que

apresentava ao final os artistas Adélia Pedrosa e Ramiro Damaia em um show

intitulado “O fado e o Mar”. Ao chegar, notei o grande salão ainda vazio, com poucas

mesas ocupadas, fato que perdurou até o final do evento. O almoço teve início às 14

horas, e o show às 17 horas, com o anúncio do Sr. Oliveira Nunes sobre os músicos e

os artistas participantes. Oliveira Nunes é um português radicado no Rio de Janeiro e

que atua na divulgação do Fado, participando de espetáculos musicais e apresentando

programas radiofônicos sobre o gênero musical, e ali atuava como apresentador e

mestre de cerimônias. Após breve apresentação, ouvimos um fado interpretado pelos

músicos Ricardo Araújo na guitarra portuguesa e pelo Sr. Bonfim ao violão. A seguir,

o Sr. Oliveira anuncia a presença de Adélia Pedrosa, a “Princesinha do Fado”, vestida

a caráter com um tradicional xale negro rendado. As músicas eram apresentadas em

seu formato tradicional, com uma introdução da guitarra portuguesa e do violão, solo

vocal, solo instrumental e o retorno vocal ao tema para desfecho da obra. Após

interpretar algumas obras, a intérprete cantou “Cais da Ribeira” e “O Tejo”, fados que
126

a emocionaram de uma forma tão intensa (podia-se perceber que a fadista chorava)

fato que a levou a perder a entrada do próximo fado, obrigando os acompanhantes a

improvisarem sobre a forma da introdução até o restabelecimento de Adélia e o início

da interpretação da canção seguinte, o fado “Casa da Mariquinhas”, com

acompanhamento do público ao som de palmas. Adélia finalizou a sua apresentação

com um fado do músico e compositor brasileiro Armando Nunes cujo trecho da letra

traduz a essência emotiva do gênero fado: “amar é beber da taça da vida o amargo

fel”. A obra foi anunciada como um fado brasileiro. Após ser aplaudida pelos

presentes, Adélia se retirou do palco enquanto Ricardo Araújo e Bonfim interpretavam

fados e outras músicas conhecidas, como o samba “Aquarela do Brasil”, tangos e

boleros.

A seguir o Sr. Oliveira anunciou o outro fadista da noite, o cantor Ramiro

Damaia. Ao contrário de Adélia Pedrosa, a vestimenta de Ramiro era informal e

inapropriada para um cantor de fados: bermuda, camiseta de alça, tênis e meia. Em

diálogo com Ramiro antes de sua apresentação, ele disse que chegou cedo ao local

para a passagem de som, mas que não pode retornar a sua casa para mudar de roupa

em conseqüência de um acidente automobilístico que havia fechado a entrada do

bairro da Ilha do Governador. Ramiro se desculpou pelos trajes e iniciou o seu show

cantando os fados “Duas Lágrimas de Orvalho” e “Bairro Alto”, dando

prosseguimento ao evento com outros fados de seu repertório. De forma idêntica à

Adélia, Ramiro também se emocionou ao iniciar a interpretação de um fado,

solicitando ao conjunto mais um giro harmônico como introdução para que pudesse

iniciar a canção.

Durante a apreciação do evento pude observar que algumas características

escapavam à organização da performance do fado em seu formato tradicional. O


127

horário determinado para a apresentação era um destes fatores, pois, além de ser

programado para um horário diurno, o show foi organizado em um palco no final do

salão, com uma janela imensa ao fundo que refletia com intensidade os raios solares

da tarde, impedindo a visibilidade dos artistas, identificáveis apenas em suas silhuetas.

O excesso de luz prejudicou a tomada de fotos e a gravação de imagens do evento.

Outro detalhe observado foi a ausência de símbolos que representassem a temática

fadista, comuns nas casas de fado e que tem o propósito de ambientar o espectador

com a cultura tradicional portuguesa. O silêncio exigido à interpretação dos fados era

respeitado pelo número de ouvintes reduzido, que se constituía de um público ligado

ao universo do fado e da cultura portuguesa. Entre eles, o radialista José Chança e a

cantora Lúcia dos Santos. Porém, podíamos ouvir sons que chegavam da área externa

do local, como os ruídos de uma partida de futebol no campo da Portuguesa (que

ficava embaixo da janela do salão) e a música que era executada em uma festa

realizada simultaneamente em outra sala do clube. O contraste da vestimenta dos

artistas salienta a precariedade da organização do evento, mas ressalta o esforço deles

para a sobrevivência e divulgação do gênero fado, pois não contam com patrocínios

estatais ou empresariais, tendo que arcar com todo o processo de produção artística e

musical (contrato de músicos, espaços de atuação, sonorização, divulgação, etc.).

Ao término do evento pude dialogar com os fadistas e os músicos sobre a

organização do espetáculo no Rio de Janeiro, e a fadista Adélia Pedrosa afirmou que

atuava com mais frequência em São Paulo, pois há ali, na atualidade, seis casas de

fado com um público assíduo constante, o que permite uma divulgação básica do

gênero musical na capital paulista. O guitarrista Ricardo Araújo, “discípulo” do

guitarrista Manuel Marques, declarou que esses espaços de divulgação ajudam na

manutenção do fado, pois é regularmente procurado por jovens músicos e pessoas


128

interessadas na aprendizagem da guitarra portuguesa, o que lhe induziu a criar e

manter um blogue40 para o aprendizado do instrumento. Nesta página eletrônica,

Ricardo disponibiliza dados acerca da guitarra portuguesa (afinação, construtores,

etc.), vídeos de estudos, exercícios, partituras dentre outras informações.

Outro relato a ser destacado no trabalho de campo é a entrevista com o Sr. José

Mendes Chança (Beira, Portugal, 1935), radialista e empresário, realizada em 15 de

março de 2010. Proprietário de uma gráfica no bairro da Cidade Nova há mais de 30

anos, na Rua Correia Vasques 34-A, o Sr Chança divide suas atividades de empresário

com o ofício de radialista. Há mais de nove anos, ele produz e apresenta um programa

radiofônico denominado “Portugal Radioesporte”, que vai ao ar aos domingos entre

11.00 h e 12.00 h, nas ondas da Rádio Bandeirantes do Rio de Janeiro, em 1360 Khz.

Esse programa teve início em 05 de agosto de 2001, direcionado principalmente para a

comunidade portuguesa no Rio de Janeiro, nele, o Sr. Chança apresenta informações

esportivas que são intercaladas com fados de diversos artistas.

O radialista-empresário é proveniente da região portuguesa da Beira. Declarou

ter chegado ao Rio de Janeiro em 1962 com a idade de 17 anos e passou a residir na

casa de sua irmã, que ficava no Largo da Segunda-Feira no bairro da Tijuca. Assim

como muitos imigrantes portugueses do período, ele optou pela imigração como uma

alternativa que o livrasse do serviço militar português. Naquele tempo, o estado

português recrutava jovens rapazes e os enviava para as linhas de frente em virtude da

guerra entre Portugal e as colônias africanas.

Em Portugal, José Chança teve contato com o fado através dos programas

radiofônicos. Relatou que ganhou um aparelho de rádio de seus pais somente aos 16

40
Disponível em http://guitarraportuguesa.musicblog.com.br/ Acesso em : 23 nov. 2010.
129

anos, e, apesar de apresentar grande euforia frente à novidade, pôde usufruir muito

pouco do aparelho, porque não possuía dinheiro para adquirir pilhas de alimentação.

Seu primeiro contato com o fado no Rio de Janeiro aconteceu na União Portuguesa de

Estudantes, cuja sede era localizada em frente à Rádio Vera Cruz, no centro da cidade.

Ali, ele e outros estudantes se reuniam semanalmente para ouvir o programa de

Joaquim Pimentel, e por vezes cruzavam a rua para presenciar o programa ao vivo. O

depoente declarou que ele e seus amigos compravam discos na única casa comercial

que vendia fonogramas de música portuguesa, situada à Rua Machado Coelho, no

bairro da Cidade Nova. Michael Pollak retoma o estudo de Maurice Halbwachs

(1968)41 a fim de ressaltar que “a memória deve ser entendida também, ou sobretudo,

como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído

coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes.”

(POLLAK, 1992: 201).

O entrevistado afirmou não haver frequentado as casas regionais localizadas na

cidade durante as décadas de 1960 e 1970 porque não possuía poder aquisitivo para tal

empresa. No referido período, as casas regionais eram freqüentadas por famílias

portuguesas de classe média alta, composta por comerciantes, empresários, etc. José

Chança declarou que o seu contato cultural com a colônia portuguesa acontecia nas

festas populares que eram abertas ao público, citando como exemplo as Festas Juninas

que aconteciam anualmente na Casa do Poveiro. José Chança acredita que o grande

impulso para a divulgação do fado no Brasil aconteceu na década de 1930 com as

interpretações do fadista Manoel Monteiro, e que o programa de Joaquim Pimentel,

difundido pela Rádio Vera Cruz a partir de 1942, foi o responsável pelo ápice da

popularidade do gênero na cidade entre as décadas de 1950 e 1970. Disse acreditar

41
HALBWACHS, Maurice. La mémoire collective, Paris: PUF, 1968.
130

também que a diminuição do fluxo de imigração portuguesa para o Brasil, ocorrido

durante a década de 1970, foi um fator determinante para a decadência do gênero

frente à colônia residente na cidade do Rio de Janeiro.

Na atualidade, o radialista Chança encontra muita dificuldade em manter o seu

programa no ar, queixa-se da falta de patrocínio de empresários e do apoio da

comunidade portuguesa local. Lamenta o encerramento do “Programa Radiofônico

Joaquim Pimentel”, apresentado e produzido na Rádio Bandeirantes pelos cantores

Antonio Campos e Helia Costa desde 1978. O programa teve sua última edição no dia

28 de fevereiro de 2010, era apresentado semanalmente aos domingos entre 12.00 e

13.00 h em seguida ao programa de José Chança. O programa apresentado por

Campos e Helia Costa representava a continuação do programa original de Joaquim

Pimentel, iniciado em 17 de outubro de 1942, permanecendo no ar por 68 anos

ininterruptos. Segundo Chança, a falta de patrocínio foi a principal causa de seu

encerramento.

Em certo momento da entrevista, José Chança foi indagado sobre suas

preferências musicais do mundo fadista. Respondeu que gosta muito do cantor

Francisco José e que teve a oportunidade de assisti-lo em apresentações realizadas no

restaurante chamado “Casa Adega de Évora”, de propriedade de Francisco José,

situado à Rua Santa Clara em Copacabana, e no restaurante “O Fado”, localizado

também em Copacabana, de propriedade do fadista Tony de Matos. Revelou ainda sua

admiração pela cantora Amália Rodrigues e por todo o seu empenho para a

modernização e divulgação do fado. Dentre os cantores radicados no Rio de Janeiro,

citou o fadista Mario Simões, que canta ao estilo de Francisco José; o fadista Ramiro

Damaia, influenciado por outro fadista, Alfredo Marceneiro, além dos cantores

Antonio Campos e Tony de Matos; as cantoras Maria Alcina, Helia Costa e Olivinha
131

Carvalho, e em São Paulo, Adelia Pedrosa e Maria de Lourdes. Ao final da entrevista,

José Chança citou um personagem do mundo fadista carioca, o Sr. Oliveira Nunes,

(parente da fadista portuguesa Maria da Fé), que anunciava em casas noturnas os

cantores de fado em suas apresentações.

Além de cantores e público, o mundo artístico do fado contempla músicos

instrumentistas que participaram da configuração dessa cultura na cidade como artistas

integrados, e sua função na rede social pode ser analisada no relato seguinte.

O músico Carlos Silva e Souza (Rio de Janeiro, 25/08/1943), violonista

popularmente conhecido nas rodas de choro por “Caçula”, também integrou os

conjuntos de fado no Rio de Janeiro entre 1961 e 1980. Em entrevista concedida em

03 de novembro de 2010, o músico declarou que, por ser reconhecido por seus pares

como um instrumentista acompanhador hábil no “Programa dos Astros” da Rádio

Vera Cruz, em que atuou, ingressou no universo dos fadistas, em 1961, a convite do

violonista Silvino Pinheiro, tocando violão-baixo e depois violão, sendo chamado de

“Caçula Hilário”, em alusão ao fadista português Hilário. Inicialmente, integrou como

músico de violão-baixo um trio com os músicos Ferreira à guitarra e Leonel Vilar ao

Violão. Em outra formação, atuou como baixista com os músicos Rodrigues

“Vendaval” na primeira guitarra, Silvino Pinheiro ao violão e Manuel Rocha na

segunda guitarra. O depoente informou ter gravado com esse quarteto, em 1964, num

disco da cantora Ester de Abreu. Gravou com Antonio Campos, Sebastião Robalinho e

Maria Alcina, além de ter acompanhando diversos fadistas como Manoel Taveira,

Antonio Maria (guitarrista) e Helio Ferreira. Suas memórias acerca do fado na cidade

resgatam ainda a destreza do violonista Xavier Pinheiro, com quem atuou durante

muitos anos na “Adega de Évora” no Rio de Janeiro.


132

As referências aos artistas ligados ao universo cultural do fado no Rio de

Janeiro encontram-se dispersas em arquivos de jornal, na contracapa de alguns discos

e, principalmente, na memória de seus sujeitos celebrantes. A reconstituição dos dados

biográficos, artísticos e discográficos dos principais artistas é um dos objetivos desta

pesquisa, e, se cruzarmos os relatos e averiguarmos a consistência das fontes,

poderemos reconstituir parte da história dos músicos que acompanharam os fadistas

em suas apresentações.

O guitarrista Antonio Ferreira da Conceição já atuava em 1929, e gravou neste

ano, em solo de guitarra portuguesa, a valsa “Saudades de Portugal” e o “Fado da

Conceição”, obras de sua autoria e com o acompanhamento de violão do músico

Henrique Xavier Pinheiro. Especialista em música portuguesa, Antonio Ferreira

compôs e gravou inúmeras obras dentre fados, viras e corridinhos, além de outros

gêneros musicais como valsas, fox-trotes, jotas e marchas. Em 1931, participou da

gravação do fado “Canção transmontana” na voz do fadista Benício Barbosa, além de

acompanhar durante vários anos os fadistas Manoel Monteiro e Joaquim Pimentel em

shows e gravações. Em 1938, gravou na RCA Victor quatro músicas com o cantor

José Lemos: "Corridinho do Sul", a marcha “Amor de perdição”, o “Vira da saudade"

e o fado-marcha "Duas Pátrias".

Em 1956, Antonio Ferreira teve o orgulho de ver a consagração da valsa

“Elza”, em parceria com Xavier Pinheiro, regravada por Jacob do Bandolim no LP

“Valsas evocativas”. A importância de Antonio Ferreira é grande para a história do

fado no Rio de Janeiro, pois, segundo relatos de nossos informantes entrevistados, o

músico continuou atuando nessa cidade até a década de 1960.


133

Outros guitarristas que atuaram entre as décadas de 1950 e 1970 foram citados

por nossas fontes, como Fernando Freitas, Jorge Freitas, José Nunes, José Manuel

Rocha, Antonio Maria, Lafayete Ramalho e Antonio Rodrigues. Segundo os

declarantes, a técnica da guitarra portuguesa era passada de um músico para outro

através da observação e da oralidade, como se tratasse de uma tradição familiar. Não

havia na época métodos eficientes editados ou instrumentos no mercado brasileiro,

pois as guitarras eram importadas de Portugal.

Complementando o suporte instrumental e harmônico no acompanhamento dos

intérpretes fadistas, relacionamos os principais violonistas que se destacaram no Rio

de Janeiro no período em questão, como José Manuel Rocha (que também era

guitarrista), os brasileiros Armando Nunes e Caçula Hilário, Silvino Pinheiro, elogiado

sempre por sua musicalidade e precisão técnica, e Leonel Vilar, casado com a fadista

Maria José Vilar.

Outro violonista importante é Henrique Xavier Pinheiro, baiano de Salvador e

residente no Rio de Janeiro, que também tocava guitarra portuguesa. Xavier atuou na

Rádio Vera Cruz, acompanhando fadistas e cantores portugueses, inclusive no

Programa de Joaquim Pimentel, e no início da década de 1930, formou dupla com o

iniciante Luiz Gonzaga, depois reconhecido como o “Rei do Baião”. Parceiro do

guitarrista Antonio Ferreira da Conceição, gravou em 1929 no selo Parlophon a valsa

“Saudades de Portugal”, o “Fado da Conceição”, a marcha “Vasco da Gama” e a valsa

“Elza”, estas duas últimas dobrando a guitarra portuguesa com Antonio Ferreira. A

partir da década de 1930, Xavier Pinheiro gravou diversas obras em dueto com

Antonio Ferreira, e participou da gravação dos fados “Duas almas” e “Variações em lá

menor” do fadista Carlos Campos, dentre outras músicas; gravou com Manoel

Monteiro e Joaquim Pimentel, e se fez presente no cenário musical carioca até a


134

década de 1960. Os dados biográficos de Xavier Pinheiro e de Antonio Ferreira podem

ser consultados no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, nos sites

<http://www.dicionariompb.com.br/a-f-da-conceicao/dados-artisticos> e

<http://www.dicionariompb.com.br/xavier-pinheiro>.

3.3 Blogueiros: a manutenção da memória do fado no Brasil

Nos dias atuais, mídia e tecnologia constituem uma alternativa de ação que

atua na preservação da memória do fado no Brasil, disponibilizando através de

blogues e sites especializados alguns dados biográficos dos fadistas, fotos, discografia,

entre outras referências.

Os blogues são organizados por familiares de artistas ligados ao fado e

pesquisadores da cultura popular, que assumem a responsabilidade de registrar e

divulgar a música portuguesa sem contar com subvenção financeira oficial de qualquer

espécie para a manutenção do projeto. O empreendimento de Claudia Tulimoschi,

filha da fadista Adélia Pedrosa e neta do comunicador Alberto Maria Andrade (do

programa “Caravela da Saudade”), envolve a organização de blogues e podcasts42,

como o “Mundo Fado Brasil” 43, blogue que disponibiliza informações acerca do fado

no país, além de gravações, fotos e o endereço eletrônico de vários fadistas; O blogue

de Adélia Pedrosa44, com fotos, gravações, dados artísticos e dados biográficos; seu

site pessoal45, que também inclui informações e depoimentos que podem justificar o

seu empenho no resgate histórico deste gênero musical. Por ser filha de uma

renomada fadista, Claudia Tulimoschi conviveu com diversos artistas desde sua

42
Blogue ou Blog é um site eletrônico disponível na Internet que permite a postagem e a atualização de
fotos e artigos, bem como a comunicação entre idealizadores e visitantes. Podcast ou Podcasting é um
formato de veiculação de programas de áudio na Internet, apresentando as músicas em formato mp3.
43
Disponível em http://mundofadobrasil.blogspot.com/ > Acesso em 14 jan. 2011.
44
Disponível em < http://adeliapedrosa.blogspot.com/> Acesso em 14 jan. 2011.
45
Disponível em < http://clautulimoschi.blogspot.com/p/fado.html> Acesso em 14 jan. 2011.
135

infância, e presenciou a apresentação destes fadistas em casas de fado e reuniões

familiares, testemunha ocular dos elos constituintes da rede social que conecta o

universo do fado. Em seu site, registra um depoimento sobre os motivos que a

conduziram ao empenho de tal tarefa:

Faço o que faço, que é pouco, muito pouco, de coração, com o mais
profundo sentimento de amor e gratidão por tudo que o Fado deu a minha
mãe e a mim. Me alimentou, me educou, me agasalhou. Me criou. E
o mínimo que posso fazer é ser grata. (...) Quero ver o Fado de volta ao
Brasil, como merece. Quero que nossos artistas emigrantes que tanto
lutaram e ainda lutam, sejam reconhecidos aqui no Brasil, e
principalmente em sua Pátria. Já que não canto, como minha mãe, escrevo e
falo como meu avô. Essa é a minha luta. Quem quiser e quem puder que se
junte a mim. Juntos podemos fazer muito. (Disponível em: <
http://clautulimoschi.blogspot.com/p/fado.html> Acesso em 14 jan. 2011).

Uma referência das redes sociais relacionadas à prática interpretativa do fado

pode ser observada no blogue “Mundo Fado Brasil” 46, e diz respeito ao estudo da

relação entre fado e imigração. Nesse site, encontramos informações sobre o prestígio

do fado entre as décadas de 1960 e 1980, como a indicação de que o gênero musical

gozou de ampla divulgação na mídia e de boa recepção por parte da população

brasileira, e por conseguinte da colônia portuguesa no Brasil. Dentre os programas que

divulgaram a música portuguesa, o site destaca os programas televisivos "Caravela da

Saudade", "Casa do Casemiro", "Portugal sob o Mesmo Céu", "Imagens de Além-

Mar", "Todos Cantam a Sua Terra". Os fadistas se apresentavam também nos

programas de Flavio Cavalcanti e Hebe Camargo, entre outros. O blogue “Mundo

Fado Brasil” foi criado em 2008, e até o primeiro semestre de 2011 recebeu o acesso

de mais de 12.300 visitantes.

46
Disponível em: <http://mundofadobrasil.blogspot.com/ > Acesso em: 15 out. 2009.
136

Claudia Tulimoschi criou e mantém em sociedade com o radialista português

Oliveira Nunes uma rádio que transmite programas através da Internet, a “Web Rádio

Portugal” que tem como objetivo garantir

[...] a disseminação das tradições portuguesas e assegurar a divulgação do


trabalho de artistas emigrantes que tanto lutaram e ainda lutam pela
divulgação da cultura de sua saudosa Pátria, em especial a música, e mais
especificamente o Fado. (Disponível em: <
http://www.radioportugal.com.br/>. Acesso em: 12 jan. 2011).

A “Web Rádio Portugal” apresenta uma programação semanal que contém

programas como “Cardápio Cultural”, “Música Portuguesa de Todos os Tempos”,

“Mundo Fado”, “Seleções Portuguesas”, “Navegar é Preciso” e “Lusitânia Expresso”.

O site se mantém no ar com o patrocínio de empresas como a distribuidora de bebidas

“Lidador” e a “MTD Transportes”.

A pesquisadora e escritora paulista Thais Matarazzo criou, em 2008, um

blogue pessoal47 com informações sobre artistas portugueses e brasileiros, e

disponibiliza em formato de artigos resumos biográficos de fadistas, fotos e links para

vídeos postados no site You Tube48 e gravações fonográficas em formato mp3. Seu

trabalho criterioso de pesquisa inclui uma monografia sobre as Irmãs Meirelles, além

de entrevistas com diversos fadistas e artistas da música brasileira. A pesquisadora

também mantém um programa na “Rádio Web Portugal”, em colaboração com a

comunicadora Claudia Tulimoschi.

A divulgação do fado em meios digitais destaca ainda o site de Sebastião

Robalinho 49, organizado por sua filha Priscila Robalinho, o blogue da fadista Maria de

Lourdes50 e o site de Manuel Taveira 51, idealizado por seu filho Ruy Taveira, que

47
Disponível em: http://thmatarazzo.bloguepessoal.com/. Acesso em: 12 jan. 2011.
48
Disponível em: http://www.youtube.com/?gl=BR&hl=pt Acesso em: 12 jan. 2011.
49
Disponível em: < http://www.sebastiaorobalinho.blogspot.com/> Acesso em: 14 jan. 2011.
50
Disponível em: < http://mariadelourdesfado.blogspot.com/2009/04/blog-post.html> Acesso em: 12
jan.2011.
137

disponibilizam discografia, fotos, links para vídeos, biografias e gravações

fonográficas.

Os mundos artísticos se encontram em constante movimento, e se desenvolvem

de forma progressiva ou mesmo promovendo uma ruptura radical nas obras de arte

produzidas e apreciadas por sua rede social. Algumas redes desaparecem ou se

transformam, ocasionando o surgimento de novos mundos artísticos. Durante o século

XX, o mundo artístico do fado estava associado aos espaços de difusão do gênero

musical e da cultura portuguesa, que incluía as casas de fado, os programas de rádio e

televisão, os fonogramas e imagens registrados em discos de 78 rpm, LPs, Fitas K7,

Fitas de vídeo, CDs e DVDs. A partir do século XXI, o implemento de novas

tecnologias amplia o campo de divulgação e a rede social associada ao fado,

transformando o seu mundo artístico. Adventos como a rede digital possibilitam o

acesso e o envio de arquivos de áudio em formato mp3.

Becker (1982) utiliza a metáfora da revolução para exemplificar o processo de

ruptura nos padrões rotineiros de cooperação, e a metáfora da deriva para definir as

transformações ocorridas em um mundo artístico organizado, e que tende a solucionar

os seus problemas de forma natural e gradual. No caso do fado no Rio de Janeiro (e no

Brasil), os blogues e as tecnologias digitais assumem o papel de agentes mantenedores

deste gênero musical e da cultura portuguesa, tendo em vista que não existem casas de

fado ou espaços específicos de atuação na cidade, bem como cursos voltados para o

ensino da música portuguesa em geral. A tecnologia digital apresenta uma nova forma

de comunicação entre seus agentes, mas não pode ser considerada como um processo

51
Disponível em: < http://manueltaveira.blogspot.com/> Acesso em: 14 jan. 2011.
138

revolucionário que promova uma ruptura na rede social, pois, como nas

transformações ocorridas “à deriva”, os agentes envolvidos no processo acabam

aceitando e compreendendo essas transformações como um processo de

desenvolvimento natural, ou seja, no mundo do fado, mesmo na era da cibernética, a

ênfase é na continuidade e no resgate do tradicional. Novos agentes (os blogueiros)

surgem para manter acesa a chama do cultivo ao gênero musical.

3.4 As casas de fado da cidade do Rio de Janeiro entre as décadas de 1950 e 1970

Os espaços mais comuns destinados à difusão do fado na cidade do Rio de

Janeiro são os restaurantes típicos organizados à semelhança das casas de fado de

Lisboa. Localizados em sua maioria na Zonal Sul do Rio de Janeiro, as casas de fado

eram ambientadas com símbolos da cultura lusitana (cartazes de monumentos e

cidades de Portugal, o Galo de Barcelos, a bandeira e o escudo de Portugal, etc.) e com

elementos da temática fadista (o xale negro, a guitarra portuguesa, o quadro alusivo à

fadista Severa, etc.).

Os restaurantes eram frequentados por uma parcela de portugueses residentes

na cidade composta de empresários, comerciantes e diplomatas, mas segundo o

depoimento da fadista Maria Alcina, proprietária do restaurante “A Desgarrada”, a

maior parte dos clientes destes estabelecimentos se constituía de cariocas e turistas

brasileiros, e 90% de seu público total era composto por membros integrantes da alta

sociedade carioca.

Em seções noturnas, entremearam-se números folclóricos, comida e fados nos

restaurantes que contaram por vezes com um elenco fixo de músicos e cantores.

Algumas destas casas pertenciam aos próprios artistas, que dividiam a sua vida entre o

fazer artístico e empresarial. Durante o dia, o cuidado com o estoque de bebidas e


139

alimentos, a administração da limpeza do estabelecimento e da cozinha, o trato e a

negociação com os fornecedores, a rotina fiscal de recolhimento de impostos e

tributos, o processo de preparação dos pratos típicos e sobremesas, atividades próprias

de qualquer empresário que se dedique a tal negócio. O turno da noite chega e o

empresário cede lugar ao profissional de relações públicas, que necessita estar

elegantemente preparado para receber seus músicos, artistas convidados e os primeiros

clientes ilustres. Com o avançar da noite ocorre outra metamorfose, e agora é o artista

que se manifesta, que se une aos músicos e canta para uma platéia silenciosa que está

ali ansiosa para ouvir a voz do seu ídolo.

Figura 3. Restaurante “O Fado”, Copacabana, RJ, final da década de 1960. - Adélia Pedrosa,
Tony de Matos, Mário Rocha, Antonio Rodrigues (Guitarra) e Leonel Vilar (Violão).
Disponível em:
<http://picasaweb.google.com/clautulimoschi/ComOutrosFamosos?authkey=aIKB997X3dY#
5114562576175415266> Acesso em: 11 jan. 2011.
140

No Rio de Janeiro, como visto anteriormente, três casas pertenciam a fadistas

reconhecidos: a “Casa Adega de Évora” na Rua Santa Clara em Copacabana, de

propriedade do cantor Francisco José; o restaurante “Fado”, na Rua Barão de Ipanema

156, em Copacabana, de propriedade do cantor Tony de Matos, e o restaurante “A

Desgarrada”, na Rua Barão da Torre 667, em Ipanema, de propriedade da cantora

Maria Alcina, que funcionou neste local entre 1976 e 2000. Maria Alcina, que à época

residia na parte superior do estabelecimento comenta sobre suas ocupações múltiplas:

Durante o dia, eu era a gata borralheira, fazia sobremesas, fazia compras,


contactava, também a vida social artisticamente, porque freqüentava muito
o [Clube] Caiçaras, tinha que fazer tudo isso porque [era] para chamar
pessoas depois, né, tem que haver um convívio com inteligência, né. Era
assim: durante [a preparação d]o show, até mais ou menos seis horas da
tarde, a Maria Alcina de calça jeans, camiseta, arrumando, fazendo
sobremesas, dando ordens, etc. depois, às nove e meia, descia a princesa,
vestido longo, toda arrumada. Nossa casa era muito bem freqüentada...

No Rio de Janeiro, as casas de fado possuíam um elenco fixo e acolhiam

diversos artistas locais, além de artistas provenientes de outros Estados brasileiros e de

Portugal. Entre a década de 1960 e 1970, não seria incomum testemunhar a presença e

a apresentação de artistas portugueses renomados nas casas de fado do Rio de Janeiro,

fadistas como Carlos do Carmo ou Amália Rodrigues, conforme relata Maria Alcina:

“Ela na minha casa cantava assim... Ela [Amália] vinha pro Canecão. Acabava no

Canecão e ia lá pra casa ... e íamos até as sete da manhã, depois íamos ver nascer o sol

na Urca, que é a coisa mais linda que tem...”.

As casas de fado de Lisboa são organizadas ao final da década de 1940,

voltadas para a divulgação do gênero no país e para o entretenimento de turistas que

visitavam Portugal e deixavam ali suas divisas. No Rio de Janeiro, as casas de fado

atendiam a um público de poder aquisitivo superior que pertencia à classe média

carioca, o que justifica a distribuição local da maioria destes estabelecimentos entre o

bairro de Copacabana e Ipanema.


141

A seguir, como indicam os depoimentos, relacionamos um quadro dos

restaurantes que funcionaram na cidade entre as décadas de 1950 e 1970:

Quadro 3: Restaurantes portugueses no Rio de Janeiro entre 1950 e 1970.


DENOMINAÇÃO ANO ENDEREÇO BAIRRO PROPRIETÁRIOS
Casa da Mariquinhas 1959 Desconhecido Maracanã
Cantinho da Severa 1960 Rua Raul Pompéia Copacabana
Restaurante “Galo” Rua Cinco de Julho, Copacabana
Rua Francisco Otaviano Copacabana
Lisboa à Noite 1969 Rua Pompeu Loureiro Copacabana Francisco José
Sr. Saraiva
Casa Adega de Évora 1968 Rua Santa Clara Copacabana Francisco José
Maria da Graça
O Fado 1968 Rua Pompeu Loureiro Copacabana Tony de Matos
Rua Barão de Ipanema 156 Antonio Mestre
Corridinho 1950 Rua Xavier da Silveira Copacabana Antonio Mestre
Tio Patinhas 1969 Rua Joaquim Nabuco Copacabana
A Desgarrada 1976 Rua Barão da Torre Ipanema Maria Alcina
Adega do Mesquita Desconhecido
Parreira do Rio Lima 1955 Rua General Bruce São Cristovão

Localizadas fora da Zona Sul da cidade, casas de fado como a “Casa da

Mariquinhas” no bairro do Maracanã e o restaurante “Parreira do Rio Lima” em São

Cristóvão atendiam a um grande número de membros da comunidade portuguesa que

concentravam suas residências nesses bairros. Segundo os relatos obtidos em nossas

entrevistas, o espetáculo musical se organizava de forma idêntica às outras casas da

Zona Sul, mantendo um padrão de qualidade entre público e artistas. A única casa

citada fora deste contexto foi a casa “Tio Patinhas” em Copacabana, que se dedicava à

apresentação do Fado Vadio 52. Nas fotos anexadas nesta seção, podemos observar a

ambientação temática destas casas de fado, bem como reconhecer alguns músicos e

artistas da época.

As casas de fado, construídas através de convenções simbólicas na capital

portuguesa, aqui se reproduziram à semelhança de suas matrizes lusitanas. Constituem

52
Fado vadio é uma designação utilizada em Portugal para descrever um fado cantado por músicos
amadores que se apresentam em estabelecimentos comerciais que não possuem a organização comercial
das casas de fado tradicionais. Essas casas se encontram abertas para fadistas amadores e profissionais
que ali queiram se apresentar.
142

uma parte primordial da rede social que legitima o mundo artístico organizado dos

fadistas no Rio de Janeiro, pois é neste espaço que o artista se manifesta como fadista,

integrando-se com os vários elementos de sua cultura e os membros de sua

comunidade.

3.5 Programas radiofônicos e televisivos

O pioneirismo dos programas radiofônicos é creditado aos fadistas Manoel

Monteiro e Joaquim Pimentel entre as décadas de 1930 e 1940. É, portanto, a partir da

década seguinte que a relação público e artista será intensificada, em decorrência do

trânsito e do estabelecimento de artistas portugueses na cidade, do acréscimo do

número de fonogramas gravados e do surgimento das casas de fado em alguns pontos

da Zona Sul carioca.

O fadista Manoel Monteiro (São Martinho de Cimbres, Portugal, 15/5/1909,

Rio de Janeiro, RJ, 26/11/1990) chegou ao Brasil acompanhado de seu pai em 1923,

quando contava com 14 anos de idade. Iniciou a sua carreira como cantor em 1933,

atuando no programa “Luso-Brasileiro” da Rádio Educadora do Brasil, tendo gravado,

no mesmo ano, para o selo Odeon, os fados “O teu olhar” e “O último fado”, ambos de

autoria do compositor Carlos Campos. Manoel Monteiro gravou fados, marchas, viras

e obras de diversos autores brasileiros, como Vicente Paiva, Kid Pepe, Roberto

Martins, David Nasser e Osvaldo Santiago. O referido fadista se apresentou em circos

na cidade do Rio de Janeiro, dividindo o espaço artístico com cantores como Orlando

Silva e Silvio Caldas. Em 1939, realizou uma turnê em Portugal, nas cidades de

Coimbra, Porto e Lisboa, acompanhado do sambista Moreira da Silva.

As atividades artísticas de Manoel Monteiro foram primordiais para a

comunidade portuguesa estabelecida na cidade do Rio de Janeiro, pois ele atuou nos
143

espaços destinados à divulgação do fado, (circos, teatros, rádios, televisão) além de

apresentar, a partir de 1933, um programa radiofônico de música e cultura portuguesa

na Rádio Vera Cruz do Rio de Janeiro. Entre 1966 e 1968, Monteiro apresentou um

programa de TV denominado “Revista do Rádio em Portugal”, divulgando o trabalho

de diversos artistas brasileiros e portugueses. A comunidade luso-brasileira

reconheceu a importância da trajetória artística do fadista em um evento realizado no

Teatro Carlos Gomes do Rio de Janeiro em 1949.

Como ocorreu com a fadista Maria Alcina, Manoel Monteiro foi homenageado

em sua terra natal, Cimbres, emprestando o seu nome para uma rua local, além de ser

reconhecido em diversas cidades brasileiras, pois há sete ruas com seu nome nelas

assinalado.

Podemos fazer uma referência ao cantor Joaquim Pimentel como destaque no

período focalizado frente à colônia portuguesa. Joaquim Pimentel (Freguesia do

Cedofeita, Porto, 15/07/1910, São Paulo, 15/07/1978) começou a obter êxito como

cantor de fados na cidade de Lisboa. Em 1934 veio pela primeira vez ao Brasil com

outros artistas portugueses, como Maria do Carmo, Maria do Carmo Torres, Filipe

Pinto, Branca Saldanha, Alberto Reis, Eugénio Salvador e Lina, e retornou

posteriormente para uma temporada mais ampla entre 1939 e 1946. A partir de 1947,

Pimentel se estabeleceu definitivamente no Brasil, inicialmente no Rio de Janeiro,

onde atuou como radialista, compositor, poeta, ator, fadista e apresentador de TV,

divulgando e promovendo o fado como canção popular portuguesa. Gravou diversos

discos de 78 rpm, em que reuniu um repertório composto de obras como “Vendaval”,

“Só nós dois”, “Mulheres há muitas”, “Malmequer”, “Confissão”, “Não penses mais

em mim”, “A freira”, “Duas mortalhas”, entre outros. Suas músicas foram gravadas

por diversos fadistas, inclusive pela cantora portuguesa Amália Rodrigues.


144

Figura 4: Joaquim Pimentel. Disponível em:


<http://picasaweb.google.com/catalunyacoy/Fadistes#>. Acesso em: 11 jan. 2011.

Atuou como radialista na Rádio Vera Cruz em um programa que se

denominava “Programa dos Astros”, estreado em 17 de outubro de 1942. Revelou e

acolheu inúmeros expoentes do fado no Brasil, como Adélia Pedrosa, Maria Alcina,

Antonio Campos, Sebastião Robalinho, entre outros músicos e artistas. Joaquim

Pimentel foi um comunicador experiente, esteve à frente de programas televisivos de

cultura portuguesa, como o programa “A Casa do Casemiro”, na TV Continental do

Rio de Janeiro, em 1968, além do já mencionado “Programa dos Astros”, em que

atuou continuadamente por 36 anos.

Na década de 1970, Pimentel transfere a sua residência para São Paulo e funda

com Adélia Pedrosa e Terezinha Alves o restaurante “Lisboa Antiga”, que funcionou

como uma das mais importantes casas de fado da capital paulista. De todas as músicas

de Joaquim Pimentel, o fado “Só nós dois” pode representar bem a dimensão criativa

do artista. Esse fado foi gravado e cantado por quase todos os fadistas de sua geração,

assim como por cantores brasileiros como Nelson Gonçalves, Fafá de Belém e

Vanusa.
145

“Só nós dois”

Só nós dois é que sabemos

O quanto nos queremos bem

Só nós dois é que sabemos

Só nós dois e mais ninguém

Só nós dois avaliamos

Este amor, forte, profundo...

Quando o amor acontece

Não pede licença ao mundo.

Durante a década de 1950 as principais emissoras que transmitiam programas

direcionados para a comunidade portuguesa eram a Rádio Tupi, a Rádio Rio de

Janeiro, a Rádio Tamoio, a Rádio Vera Cruz e a Rádio Nacional. Para os fadistas, o

programa mais importante e de maior audiência na comunidade portuguesa era o

“Programa dos Astros” de Joaquim Pimentel. Apresentado ao vivo no estúdio da Rua

Buenos Aires em formato de programa de auditório, o “Programa dos Astros” foi

inaugurado em 17/10/1942, e revelou grandes nomes da música portuguesa no Brasil,

como Adélia Pedrosa, Sebastião Robalinho, Antonio Campos, Ramiro Damaia,

Claudia Ferreira entre outros. Inaugurado na Rádio Vera Cruz, após a morte de

Joaquim Pimentel (em 1978) o “Programa dos Astros” passou a ser apresentado na

Rádio Bandeirantes, aos domingos, pelos fadistas Antonio Campos e Helia Costa,

encerrando sua difusão em fevereiro de 2010. O fim do programa radiofônico

idealizado por Pimentel e a dificuldade de patrocínio encontrada pelos radialistas para

a manutenção de seus programas foi tema de um artigo crítico publicado por Claudia

Tulimoschi no “Jornal Mundo Lusíada On Line” intitulado “Música portuguesa no

Brasil - O fim de uma era”, cujo trecho reproduzimos a seguir:


146

O fim do “Programa Joaquim Pimentel” é um marco lamentável, que nos


mostra que a verdade é que a cultura portuguesa no Brasil está
agonizando. E o pior e mais vergonhoso, o programa está acabando por
falta de patrocínio, assim como também o “Programa Seleções
Portuguesas - Show da Malta”, apresentado por Oliveira Nunes, e mais
outros dois programas. Só no início deste ano de 2010 quatro programas
terão suas transmissões encerradas e um outro terá seu horário reduzido
por falta de apoio financeiro. (...) O último programa Joaquim Pimentel
foi ao ar no último dia 28 de fevereiro [de 2010], às 12 horas na radio
Bandeirantes AM do Rio de Janeiro. Mas ao contrário de um ser humano
ele pode renascer, sempre há tempo de se fazer algo. Mexa-se quem
puder e tiver o mínimo de consciência, e quem tem ou teria a obrigação
de promover a cultura portuguesa no mundo. (Disponível em:
<http://www.mundolusiada.com.br/COLUNAS/ml_artigo_660.htm>.
Acesso em: 09 dez. 2010).

O êxito dos apresentadores de rádio e seus artistas junto a uma determinada

comunidade envolve uma reflexão acerca do processo de comunicação que interliga as

duas partes. As rádios, através de sua programação musical – nesse caso, a

apresentação de composições e de artistas cantores de fado -, criam uma ramificação

de relações sociais porque geram uma rede de relações interpessoais que se constroem

a partir de um sentimento comum e de uma experiência compartilhada. Esses

programas fazem uma ponte entre a música e os ouvintes, oferecendo-lhes uma

sustentação, que assim se configura em virtude da rede de relações constituída por

esses espectadores e por seus comunicadores e artistas.


147

Figura 5. Adélia Pedrosa - Rádio Vera Cruz - Programa dos Astros de Joaquim Pimentel
Disponível em:
<http://picasaweb.google.com/clautulimoschi/RDioVeraCruzProgramaDosAstrosDeJoaquimP
imentelOComeO?authkey=qRsHd6FEti4#5114238675511754418>. Acesso em: 10 jan. 2011.

Os fadistas entrevistados em nossa pesquisa foram unânimes em ressaltar a

importância do programa de Joaquim Pimentel para a formação deles como intérpretes

e para a iniciação de suas carreiras como artistas profissionais. Ressaltamos que a

maior parte desses artistas só teve contato com o fado no Rio de Janeiro, quer seja por

se transferirem para o Brasil em idade infantil ou por não possuírem rádios

transmissores em suas regiões de origem em Portugal. Assim aponta o depoimento de

Ramiro Damaia, e a mesma observação pode ser aplicada à fadista Adélia Pedrosa.

O programa de Joaquim Pimentel apresentava sucessos de fadistas portugueses

e um programa de calouros que contava com um grande número de artistas luso-

brasileiros. Cantores como Antonio Campos, Maria Alcina, Ramiro Damaia e Adélia

Pedrosa, entre outros, passaram da condição de ouvintes para a situação de intérpretes,

sendo reconhecidos por conterrâneos portugueses no Brasil e, na maior parte das

vezes, em Portugal. Os senhores Manoel Pinto e Nelson Calafate, na condição de


148

ouvintes e membros reconhecidos da comunidade portuguesa, declararam haver tido

contato com o fado em Portugal por meio radiofônico ainda durante a infância, e que o

programa de Joaquim Pimentel possibilitou a continuidade de contato com essa

música, além de oferecer possibilidades novas de escuta com artistas luso-brasileiros

que não eram veiculados na rádio portuguesa. Esses depoentes possuem, nos dias

atuais, o hábito de acompanhar os programas radiofônicos remanescentes dirigidos à

comunidade portuguesa local.

O músico Caçula Hilário tem seu nome vinculado à história do fado no Rio de

Janeiro por atuar como músico acompanhador no programa de Joaquim Pimentel e ali

constituir uma rede de amigos e, assim, ingressar na rede social de artistas do gênero

fado na cidade. Caçula incorpora os padrões característicos dos estilos variados do

fado e se reveste de um habitus musical que lhe conferia prestígio como músico,

mantendo livre trânsito entre os demais fadistas.

A relação que envolve público (ouvintes), artistas, comunidade (anunciantes) e

comunicadores (radialistas) é complexa, e sua efetivação pressupõe o reconhecimento

recíproco de múltiplos discursos. Os discursos são regulados pelas regras

estabelecidas entre os sujeitos, e esse conjunto de regras - parte do aprendizado dos

indivíduos na sociedade - é passado por herança cultural de geração em geração. A

aceitação da autoridade só pode ser reconhecida e legitimada pelas partes envolvidas

no discurso. Os programas dirigidos à comunidade portuguesa foram produzidos por

membros integrantes da própria comunidade, herdeiros dos códigos, das regras e da

cultura que assumiam a função de emissor no contrato. De outro lado, a recepção é

legitimada pelos demais membros da comunidade, e a ação da rede social que opera

dentro do mundo artístico pode ser observada na relação existente entre a emissão e a

recepção, na condição do vínculo das partes e em seu processo de produção de sentido.


149

Figura 6. Reunidos nesta foto estão, entre amigos, todos os artistas do Programa dos Astros, de
Joaquim Pimentel. Ao centro, atrás de Joaquim Pimentel, Adélia Pedrosa, ainda de tranças.
Disponível em:
<http://picasaweb.google.com/clautulimoschi/ComOutrosFamosos?authkey=aIKB997X3dY#
5136073536412024210>. Acesso em: 10 jan. 2011.

A história da televisão no Brasil se inicia em 1950 e, no ano seguinte, a TV

Tupi do Rio de Janeiro inicia as suas transmissões, procurando apresentar um formato

adequado ao público brasileiro com programas de variedades, entretenimento,

telejornais e “inventando” o seriado de telenovelas. 53

A música e os artistas portugueses estiveram presentes no início da história da

TV no Brasil. Esses artistas atuaram em telenovelas, em programas culturais e

organizaram os seus próprios programas de cultura portuguesa, estes voltados para a

comunidade luso-brasileira. A cantora Gilda Valença, por exemplo, atuou como atriz

53
A história da televisão no Brasil pode ser observada através da obra Historia da comunicação - rádio
e TV no Brasil, de Maria Elvira Bonavita Federico, Petrópolis: Vozes, 1982.
150

nas telenovelas “Antonio Maria” (1968), “A Fábrica” (1971) e “O preço de um

homem” (1971), todas na TV Tupi.

Os principais programas dedicados a entrevistas e divulgação da música e da

cultura portuguesa eram veiculados na TV Tupi, TV Continental e TV Rio. Na TV

Tupi, o programa "Caravela da Saudade" teve início em 1964, era apresentado por

Alberto Maria de Andrade, o qual recebeu ilustres fadistas e artistas portugueses.

Hoje, existe uma versão radiofônica 54 desse programa, propagada via Internet por

Claudia Tulimoschi, sua neta.

A TV Continental (Canal 9) foi a terceira emissora de televisão inaugurada no

Rio de Janeiro, e operou entre 1959 e 1972. Em 1960, a referida emissora alcançou um

enorme êxito de audiência com o programa “Figura de Francisco José”, que era

apresentado pelo próprio cantor e transmitido nas noites de sábado em horário nobre.

Além desse programa, a TV Continental exibiu “Domingo em Portugal”, apresentado

por Olivinha Carvalho e "A Casa do Casemiro", programa produzido pelo fadista

Joaquim Pimentel, cujo cenário reproduzia o ambiente de uma adega típica

portuguesa. A foto reproduzida na figura 6 fornece a dimensão da importância do

programa para a comunidade luso-brasileira, cujo elenco reunia nomes de artistas

reconhecidos no universo do fado no Brasil, como Adélia Pedrosa, Maria Alcina e

Antonio Campos, entre outros.

54
O programa é veiculado aos sábados às 20:00h com reapresentação aos domingos às 10:00h na Web
Radio Portugal , no site <http://webradioportugal.blogspot.com/.>.
151

Figura 7. Adélia Pedrosa, Maria Alcina, Antonio Campos, Casemiro, Joaquim Pimentel, Dr.
Felner da Costa, Maria Girão, Tristão da Silva, Luisa Salgado, Maria José Vilar, Leonel Vilar,
Antonio Mestre, Dr. Noel de Arriaga e amigos, no Programa “A Casa do Casemiro”, na TV
Continental - Rio de Janeiro.
Disponível em:
<http://picasaweb.google.com/clautulimoschi/ComOutrosFamosos?authkey=aIKB997X3dY#
5114562391491821490>. Acesso em: 10 jan. 2011.

A TV Rio (Canal 13) mantinha a sua sede em Copacabana, no antigo Cassino

Atlântico, e funcionou em sua primeira fase entre os anos de 1955 e 1977. Nessa

emissora, era veiculado o programa "Imagens de Além-Mar", apresentado e produzido

o pelo fadista Tony de Matos.

Houve outros programas televisivos que mantiveram uma audiência regular

frente à comunidade luso-brasileira, como o denominado "Revista do Rádio em

Portugal", conduzido pelo fadista Manoel Monteiro entre 1966 e 1968, além dos

seguintes, “Portugal sob o mesmo Céu" e "Todos cantam sua terra".

O fado esteve presente também em programas de variedades como “Noite de

Gala”, apresentado por Flavio Cavalcanti na TV RIO (1955-1966) e, em seguida, na

TV Tupi. Esse gênero é contemplado no programa de Hebe Camargo e na Discoteca


152

do Chacrinha, programa apresentado pelo comunicador Abelardo Barbosa e que

lançou em 1971 o cantor Roberto Leal como intérprete de música portuguesa.

Em uma entrevista concedida à professora Heloisa Valente pelos fadistas

Manoel Joaquim Ramos e Lídia Miguez 55, artistas e radialistas radicados na cidade de

Santos em São Paulo, o rádio é apontado como um dos principais lugares de difusão

do fado, acolhendo diversos intérpretes da região como os cantores Berta e Antonio

Lopes. Em Santos, a primeira emissora de rádio foi a Rádio Clube, fundada em 1926,

seguida da Rádio Atlântica de Santos (década de 1930), Radio Cacique, Rádio Cultura

de São Vicente, Rádio Universal, Rádio Tribuna e Rádio Guarujá, todas emissoras

com programas de música dedicados à comunidade portuguesa. Em uma pesquisa de

Mônica Ferrari Nunes sobre os “processos de codificação da memória simbólica e

afetiva gerados pela escuta do fado entre imigrantes portugueses na cidade de Santos”

(NUNES, 2008: 207), são analisadas algumas letras dos fados mais solicitados pelo

público ouvinte do programa “Presença Portuguesa”, transmitido pela Rádio Universal

AM pelos fadistas-radialistas Lídia Miguez e Manoel Joaquim Ramos. A autora

considera que o fado atua como um marcador da memória (em sua dimensão

simbólica ou neurobiológica) do imigrante português radicado no Brasil, auxiliando a

reafirmação de sua identidade cultural lusitana. Segundo Mônica Nunes, os locutores

do programa radiofônico observado utilizam símbolos e narrativas que se referem aos

espaços míticos e reais do povo português, como a religião católica e o mar, entre

outros:

55
VALENTE, Heloísa de A. Duarte. Eu queria cantar-te um fado... Entrevista com Manoel Joaquim
Ramos e Lídia Miguez. In: VALENTE, Heloísa (Org.). Canção d’além-mar: o fado e a cidade de
Santos. São Paulo: Realejo, 2008, p.109.
153

O programa Presença Portuguesa rememora musicalidades e falas que


conectam a comunidade a escutas abandonadas há tempos; atua como
resistência à velocidade imposta pela tecnologia que descarta rapidamente
todas as realizações midiáticas, afinal um programa que está no ar há mais
de sessenta anos revela bem mais do que uma produção bem elaborada.
Exibe a permanência de certas linguagens na cultura, como a linguagem
do fado, e assegura ao rádio sua aptidão para conectar os sentidos, por
meio da expressão de vozes recalcadas e da escuta de paisagens sonoras
reinventadas pela memória. (NUNES, 2008: 226).

O ensaio de Mônica Nunes trata da relação entre o imigrante português e sua

memória simbólica e afetiva observada através da escuta radiofônica do fado, seja

através de gravações fonográficas ou de interpretações realizadas ao vivo nos estúdios

da rádio. Embora esse estudo retrate um panorama de programação-escuta dos dias

atuais, podemos utilizar as mesmas referências para a relação fado-locutor-ouvinte

existentes nos programas de rádio difundidos no Rio de Janeiro entre as décadas de

1950 e 1970.

Segundo Eulália Lobo, os programas radiofônicos mais importantes no Rio de

Janeiro foram transmitidos desde a década de 1950 pelas emissoras Tupi e Tamoio, e a

partir de 1960, veiculados também pelas emissoras Imprensa FM, Mundial,

Metropolitana, Manchete, Nacional, Vera Cruz, perfazendo uma programação semanal

de 85 horas. (LOBO, 2001: 267).

3.6 – Discografia registrada entre as décadas de 1950 e 1970.

Segundo as referências apuradas no trabalho de pesquisa organizado por

Gracio Barbalho, Alcino Santos M. A de Azevedo (Nirez) e Jairo Severiano e

intitulado A Discografia Brasileira 78 rpm – 1902-1964, registram-se mais de 700

gravações do gênero fado realizadas no Brasil até o ano de 1964. O catálogo citado

apresenta o registro de 242 fonogramas entre 1950 e 1964, e os artistas que aparecem

com um maior número de gravações no período referido são Ester de Abreu, Gilda
154

Valença, Olivinha Carvalho, Terezinha Alves, Tony de Matos, Manoel Monteiro, além

da cantora Amália Rodrigues que realizou gravações no Rio de Janeiro.

Somam-se a essas gravações mais 26 fonogramas de Sebastião Robalinho, 15

de Adélia Pedrosa e 24 de Maria Alcina, cuja discografia não está inserida no

levantamento de Nirez e Severiano em A Discografia Brasileira 78 rpm – 1902-1964,

perfazendo um total de 307 fonogramas observados até o presente momento. Esta

discografia do fado português no Brasil está listada no anexo da tese.

Segundo a Enciclopédia da Música Brasileira (1998), a discografia de Manoel

Monteiro é composta de cerca de 65 discos de 78 rpm56, compreendendo 127

fonogramas. Entre 1950 e 1959, período a que se refere nossa pesquisa, Monteiro

deixou registrado 9 discos - um deles, na Odeon (1950), e os demais, na gravadora

Todamérica – que somam 26 fonogramas, com destaque para os fados “Rosinha dos

limões”, “Foi Deus”, “Uma casa portuguesa” e “Nem às paredes confesso”.57

Sua projeção artística está associada tanto à cultura portuguesa quanto à cultura

brasileira, posto que o cantor gravou também diversas marchinhas para o carnaval.

Assim sendo, é provável que a acepção do termo luso-brasileiro seja muito adequada

para o fadista, cujo sentimento de duplo orgulho pátrio pode ser observado no “Fado

Manoel Monteiro”, gravado em disco Odeon de 78 rpm (1937), de autoria de A.

Ferreira e Gonçalves Dias:

56
O disco de 78 rpm era feito de goma-laca em forma circular e achatado, utilizado no registro de áudio
durante a primeira metade do século XX. Foi manuseado a fim de reproduzir fonte sonora através de
gramofones e toca-discos.
57
Esses temas foram todos gravados pelo selo Todamérica com os números da matriz a seguir:
“Rosinha dos limões” (fado slow TA572/dezembro de 1953); “Foi Deus” (fado TA732/fevereiro de
1955); “Uma casa portuguesa” (canção TA532/setembro de 1953) e “Nem às paredes confesso” (fado
TA864/setembro de 1955).
155

“Fado Manoel Monteiro”

Sou português e grito ao mundo inteiro


Filho de gente humilde, mas honrada
E se adoro o Brasil hospitaleiro
Jamais esquecerei a Pátria amada.

Brasil e Portugal trago-os no peito


Unidos pela amizade e pela história
Se devo a Portugal o meu respeito
Ao Brasil devo toda minha glória.

Sinto pela minha Pátria devoção


Mas amo tanto a Pátria brasileira
Amo a segunda mais do que a primeira.

E por ser do Brasil um grande amigo


Sou brasileiro afirmo muita vez
E sinto orgulho igual de quando sinto
Nasci em Portugal, sou português.

Portugal é meu torrão natal


A Pátria mãe de heróis e de guerreiros
Mas se o Brasil nasceu de Portugal
Eu sou portanto irmão dos brasileiros.

A letra do “Fado Manoel Monteiro” registra o orgulho do fadista em se

manifestar através do fado e da cultura portuguesa, e assinala também um duplo

sentimento por integrar a cultura brasileira e ser reconhecido como um irmão entre os

seus pares. Monteiro representa o exemplo do artista integrado, que conhece

profundamente e divulga as práticas sociais ligadas ao fado e à canção popular

portuguesa, ao tempo em que colabora com a música brasileira, realizando gravações

de gêneros musicais como o samba e a marcha carnavalesca e afirmando o seu

discurso de amizade e irmandade entre os dois países.

A discografia da fadista Adélia Pedrosa58 compreende 7 discos com 32

fonogramas gravados entre 1950 e 1978. Segundo informações contidas no blogue

58
Conforme resumos biográficos inseridos em anexos, em que se apresentam os demais fadistas
comentados nesta seção do capítulo 3.
156

“Portal do Fado”59, Adélia Pedrosa gravou o seu primeiro disco compacto com duas

faixas: uma desgarrada com o fadista Sebastião Robalinho e o fado “Sou filha de um

pescador”. Sua discografia inclui álbuns gravados pela Masterplay (O fado e o mar),

Parlophone (Anda ver Lisboa), Ofir (Fados de Portugal), Alvorada/Chantceller (Ellen

de Lima e Adélia Pedrosa) RCA Victor (Só nós dois), Valentim de Carvalho e FF em

Portugal (Fado), além da gravadora Som Livre no Brasil (Portugal com amigos).

Entre as interpretações célebres de Adélia Pedrosa encontramos o fado “Garota

da Beira-Mar”60, composta para ela por Joaquim Pimentel e José Magalhães. Este fado

conta um pouco a história da fadista, filha, neta e bisneta de pescadores:

Nasci à beira do mar

criei-me junto da praia

as ondas vinham beijar

a barra da minha saia

em noites de lua cheia

ouvindo as ondas bater

o mar rolando na areia

até parecia dizer:

Ai canta, canta

garota da beira mar

o teu destino teu fado

é viver sempre a cantar...

foi o mar, sim, foi o mar

com sua voz fatalista

quem me ensinou a cantar

fez de mim uma fadista

59
Disponível em: <http://www.portaldofado.net/content/view/502/#comment-409>. Acesso em: 12 nov.
2010.
60
Disco Parlophone, Portugal, LMEP 1281, 1964.
157

Os fados "Sou Filha de Um Pescador", "Maria do Mar" e a desgarrada "O

Fadista e a Peixeirinha" também foram escritos e dedicados a Adélia Pedrosa.

Figura 8. Adélia Pedrosa em show no Edifício Manchete. Entre outros, na foto: Juscelino
Kubitschek, Roberto Marinho e Adolpho Bloch. Disponível em:
<http://www.fotolog.com.br/adeliapedrosa/65217962>. Acesso em: 11 jan. 2011.

Segundo informações do Dicionário Cravo Albin da Música Popular

Brasileira61, a discografia de Ester de Abreu é inaugurada, no Brasil, no ano de 1950

com o fado-canção “Já não sei”, de autoria de Antonio Mestre, e o fado “Pomar da

Vida”, de Renê Bittencourt, fonogramas gravados em um disco do selo Continental.

Em 1951, a referida cantora gravou o fado-baião "Ai, ai Portugal", de Humberto

Teixeira e Luiz Gonzaga, e o baião "Carro de boi", de Humberto Teixeira e Caribé da

Rocha. No ano seguinte, gravou para o selo Sinter o fado-canção “Coimbra”, de José

Galhardo e Raul Ferrão, seguido de outros êxitos como a marcha carnavalesca "Cabral
61
Disponível em:
<http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asp?tabela=T_FORM_A&nome=Ester+de+Abreu.>.
Acesso em: 25 out. 2009.
158

no carnaval", do compositor Blackout, e a canção “Quero-te outra vez”, de Paulo

Tapajós e Jorge Henrique. Em 1954, gravou pela RCA Victor o seu primeiro LP, e em

1955, pela gravadora Sinter, outro LP com o maestro Lirio Panicali. Além desses

fonogramas, sua discografia compreende ainda 30 gravações em 78 rpm, realizadas no

Brasil entre 1950 e 1962, e contém, além de fados e canções, outros gêneros musicais

brasileiros como o samba e a marcha carnavalesca. Ester de Abreu atuou em filmes

brasileiros, como “Um pirata do outro mundo”, sob a direção de Luiz de Barros em

1957.

Destacamos aqui a gravação da marcha-fado “Moreninha de Lisboa”, em dueto

com o cantor Francisco Carlos,62 que é uma gravação do selo RCA Victor de 1955,

obra composta por Irani de Oliveira e William Duba. Nessa gravação, o gênero

musical parece fundir-se a partir do gênero fado e da marcha carnavalesca, deixando

transparecer a colaboração ou a afirmação multicultural. A interpretação empostada de

Francisco Carlos obedece ao estilo brasileiro da época e se contrasta com a

interpretação de Ester, que expõe em sua entonação a tradição lusitana. O resultado

final é de complementaridade, fato que conduz o ouvinte a uma escuta linear e que

imprime na obra uma sensação de naturalidade formal. A letra aborda a dualidade

pátria (português/brasileiro), sugere a fusão musical (samba/vira) e instiga a junção

afetiva que pode acontecer entre indivíduos de culturas diferentes (homem

brasileiro/mulher portuguesa). Verificamos a letra a seguir:

“Moreninha de Lisboa”

(Francisco) Linda morena / Lá de Lisboa


O meu carinho / Quero te dar
(Ester) Lindo moreno / Sou toda tua
Desde o dia que te vi
Que eu vivo a te adorar

62
Ester de Abreu e Francisco Carlos. “Moreninha de Lisboa”. fado-marcha de Irani de Oliveira e
William Duba. RCA Victor, 801466, Lado A, 78 rpm, 1955.
159

(Francisco) Linda morena / Trigueirinha de Lisboa


Tu és mesmo muito boa / Quero que sejas meu par
Por isso mesmo / Tenho ainda a esperança
De aprender a tua dança / Para contigo bailar...

(Ester) Lindo moreno / Do Brasil lindo e fagueiro


Por um samba brasileiro / O meu coração suspira
Por isso mesmo / Se tu és de fato bamba
Ponha a me ensinar um samba / Que eu vou te
Ensinar o vira...

(Dueto) O vira que se dança lá no Minho


É um passo pra cá outro pra lá
(Francisco) É o samba que se dança bem juntinho
Eu duvido que a morena queira um samba dançar

(Ester) E o samba só se dança agarradinho


Seu maestro vira o vira
Bota um samba pra tocar.

A música registra uma inovação em sua letra e estrutura musical (é uma fusão

do fado português com a marcha brasileira), e pode evocar os preceitos apontados por

Becker (1982) para a inovação artística concernente a cada mundo artístico,

associando mais uma vez a metáfora da deriva para justificar tal transformação. A

marcha é um gênero musical pertencente às duas culturas, e as interpretações atendem

a peculiaridades rítmicas e formais características de cada país. De acordo com

Becker, os mundos artísticos não consideram estas transformações como mudanças

significativas, pois não envolvem alterações que obriguem às partes a resolução de

problemas complexos.

Nesta canção encontramos um gênero musical fundido a partir de dois gêneros

autônomos (fado e marcha), composto em um compasso quaternário. Após uma

introdução apresentada pelos cantores em tempo rubato (acompanhados com acordes

arpejados do violão), a canção se estabiliza no andamento allegro, em torno de 120

bpm. A instrumentação utilizada também sugere uma coexistência de culturas, pois,

enquanto o violão sustenta a harmonia e os baixos para a interpretação dos cantores,


160

ouvimos um acordeão que nos remete ao típico ambiente das concertinas lusitanas, ao

tempo que uma flauta intercala a obra com contrapontos que nos lembram o universo

do choro carioca. Percebemos ainda o acompanhamento percussivo de um triângulo

que acompanha toda a obra. O violão adota um ritmo de acompanhamento padrão

como o utilizado no acompanhamento do fado corrido, mas a estrutura harmônica da

obra se aproxima mais do choro, pois no início da canção a harmonia caminha para

uma modulação passageira no tom vizinho da dominante, e depois para o tom

homônimo menor da tonalidade principal que é Si Bemol. A obra termina com uma

cadência da dominante para a tônica, semelhante às conclusões características do fado

corrido.

O exemplo musical 13 destaca um fragmento da obra analisada, apresentando

as partes relativas à voz principal e ao acompanhamento do violão.

Exemplo musical 13. Fragmento do fado-marcha “Moreninha de Lisboa”, de Irani de Oliveira


e William Duba. RCA Victor, 801466, lado A, 78 rpm, 1955. Interpretação de Ester de Abreu
e Francisco Carlos. Transcrição de Alberto Boscarino.
161

A cantora Gilda Valença realizou a sua primeira gravação em 1953 com a

marcha-fado "Uma casa portuguesa", composição de V.M. Sequeira, Raul Ferreira e

Arthur Fonseca, registrada em disco Sinter, e adotou o nome artístico de Gilda

Valença para não ser confundida com a cantora Gilda de Abreu. A intérprete Gilda

Valença gravou duas músicas em 1954: o "Corridinho nº 1", dos compositores Melo

Jr. e Silva Tavares, e o "Fado de Vila Franca", do compositor João Nobre. Deixou

aproximadamente 37 fonogramas gravados entre 1953 e 1969, com fados, corridinhos,

marchinhas carnavalescas e sambas, além de outros gêneros portugueses e brasileiros.

Faleceu no final da década de 1980.

A fadista Olivinha Carvalho gravou o seu primeiro disco na Columbia, no ano

de 1940, quando contava com nove anos, a convite do compositor Braguinha. O disco

de 78 rpm registra duas faixas dos compositores Antonio Russo e Américo Morais: o

vira “Folhas ao vento” e o fado “Evocação”. No ano de 1944, estréia no cinema

nacional, no filme “Berlim na batucada”, de Luis de Barros. No ano seguinte,

participou de mais dois filmes: “Cem garotas e um capote”, de Milton Rodrigues, e

“Pif-Paf”, de Luís de Barros. Nos anos seguintes, contracenou em outros filmes, como

“Esta é fina” de 1948, “Fogo na canjica”, no mesmo ano, e “Eu quero é movimento”,

no ano de 1949, todos com direção de Luís de Barros. Gravou dezenas de discos 78

rotações e alguns LPs. Na década de 1960, Olivinha passou a apresentar um programa

de TV denominado “Domingo em Portugal”, que era transmitido semanalmente na TV

Continental do Rio de Janeiro. Em decorrência do sucesso do programa, em 1968,

registrou um LP denominado "Domingo em Portugal", que contou com a participação

dos fadistas Antônio Campos, Maria Alcina, Mário Simões, Alexandre Correia, Lúcia

dos Santos e Paulo Barcelos.


162

A música “O fado é bom para xuxu”, que é denominada também de “Fado

carioca” ou “Fado xuxu”, foi gravada originalmente por Amália Rodrigues com

acompanhamento de orquestra de cordas, e, durante sua estada no Rio de Janeiro em

1945, se tornou a canção culminante da revista “Boa Nova”, apresentada no Teatro

República. A versão gravada por Olivinha Carvalho 63 alterou as duas estrofes

iniciais64, e em relação à estrofe final, modificou a expressão “Um portuguesinho de

raça” por “brasileiro sem chalaça” e “o Alfacinha de raça”. O termo “brasileiro sem

chalaça” faz referência ao brasileiro residente na cidade que não é natural do Rio de

Janeiro, ou mesmo ao imigrante português de êxito que retorna com frequência a

Portugal.

“O fado é bom pra xuxu”

O fado teve destino

de ir ao cassino

ver as meninas

e até já banca o granfino

ao lado das bailarinas

Vai pra farra e pra folia

em companhia de uma baiana

que amarras um certo dia

num show de Copacabana

Com sambinhas

e modinhas

63
Disco Copacabana, número M2213.
64
O fado,/ canção bizarra / pôs a samarra / todo trecheiro / e lá foi com a guitarra / até ao Rio de
Janeiro. / Fez-se um fadista atrevido / tão destemido / e de tal marca / que até já é conhecido / p'ro
fadistão da Fuzarca. A Música é de Frederico Valério e a letra é de Amadeu do Vale.
163

abacate

vitamate

Guaraná

maracujá

e caruru

Com cocada

batucada para ti

abacaxi e goiabada

o fado é bom pra xuxu.

Brasileiro sem chalaça (o Alfacinha de raça)

bebe cachaça

come pipoca

e no catete até passa

por cidadão carioca.

Às vezes vai à favela calça chinela

todo se bamba...

e o fado canção singela

agora é todo do samba.

Destacamos este fado gravado por Olivinha Carvalho para ressaltar a

contribuição desta artista para a inovação do fado e para a integração da comunidade

luso-carioca na cultura brasileira. A gravação obedece à estrutura binária do fado, e foi

registrada na tonalidade de Mi bemol maior. A introdução apresenta quase toda a

instrumentação escolhida para esta versão, pois a guitarra divide o solo com órgão; o

contrabaixo conduz a harmonia junto com acordes da guitarra, e a bateria alterna o

bumbo na marcação e o prato no contratempo. Durante toda a obra, nota-se a sutileza


164

do acompanhamento da bateria, executada com a “vassourinha” ao invés da baqueta.

A primeira parte da obra se configura como um fado tradicional, com a acentuação da

caixa da bateria nos contratempos, assumindo assim a função do violão. Nesta versão

de Olivinha, o refrão assume o caráter de um samba, com mudança da condução

rítmica da bateria e aceleração do andamento, retornando a seguir ao andamento

original ao redor de 84 bpm.

Retomamos aqui a associação anteriormente citada ao princípio de inovação

artística proposto por Becker (1982) e sua referência à metáfora da deriva. O exemplo

musical 14 apresenta um fragmento da obra com transcrição de voz e bateria.

Exemplo musical 14. Fragmento do fado “O fado é bom pra xuxu”, de Frederico Valério e
Amadeu do Vale. Discos Copacabana, M 2213, lado B, 78 rpm. Interpretação de Olivinha
Carvalho. Transcrição de Alberto Boscarino.

Em 1951, o cantor Francisco José gravou em Madrid um disco de 78 rpm com

a canção “Olhos castanhos”, retornando a esta cidade no mesmo ano para gravar mais

três discos que incluíam as canções "Sou doido por ti", "Deixa falar o mundo" e "Ana

Paula". Obteve enorme êxito com suas gravações e apresentações, e realizou uma
165

turnê internacional, visitando países como França, Hungria, Alemanha, Itália, Espanha

e Estados Unidos, impingindo um ar de modernidade à canção romântica portuguesa.

Chegou ao Brasil em 1954, fixando residência no bairro de Copacabana no Rio

de Janeiro. A estadia no Brasil redimensionou a carreira de Francisco José como

cantor popular português junto à comunidade portuguesa e ao público brasileiro. Em

1960, Francisco José regravou pelo selo Sinter a canção “Olhos castanhos”, que se

transformou em um grande êxito no ano seguinte, foi um fenômeno de vendas que

alcançou a marca de um milhão de cópias apenas no mercado discográfico brasileiro.

A composição, em parceira com Alves Coelho, é um bolero ambientado com

orquestração romântica típica do período, e a letra nos remete à temática característica

das modinhas, com o bordão do amor inatingível, visto que a fixação pelo olhar da

amada não deixa transparecer o ato de posse carnal do poeta. Verificamos assim a letra

original:

“Olhos castanhos”

Teus olhos castanhos


De encantos tamanhos
São pecados meus,
São estrelas fulgentes,
Brilhantes, luzentes,
Caídas dos céus,
Teus olhos risonhos
São mundos, são sonhos,
São a minha cruz,
Teus olhos castanhos
De encantos tamanhos
São raios de luz.

Olhos azuis são ciúme


E nada valem para mim,
Olhos negros são queixume
De uma tristeza sem fim,
Olhos verdes são traição
São cruéis como punhais,
Olhos bons com coração
Os teus, castanhos leais.
166

Exemplo musical 15. “Olhos Castanhos”. Bolero de Francisco José e Alves Coelho. Discos
Sinter, 1960. Interpretação de Francisco José. Transcrição de Alberto Boscarino.

É importante ressaltar que a referência da poesia portuguesa se inicia com a

música através dos cancioneiros, que difundiram nos palácios a arte medieval das

cantigas de amigo, amor e escárnio e mal-dizer. Citamos a professora Cleonice

Berardinelli, que discorre sobre o “eu lírico” camoniano, em que o tema do olhar é

recorrente:

Nos poemas de amor (amor não correspondido) o elemento mais


freqüente são os olhos, causadores da pena amorosa - os dela, porque
foram vistos e não vêem; os dele, porque vêem e não são vistos, ou
porque não podem ver. (BERARDINELLI, 2000: 180).

O mesmo motivo pode ser observado no soneto, incipit “Um mover d’olhos,

brando e piadoso” de Luís de Camões65, em que a graça e a beleza de Circe são

enumeradas de forma gradativa segundo a caracterização de gestos femininos que

65
CAMÕES, Luís de. As Rimas de Camões (1974).
167

inquietam o sujeito lírico porque tanta beleza foi capaz de transformar o seu

pensamento:

Um mover d’olhos, brando e piadoso,

sem ver de quê; um riso brando e honesto,

quase forçado; um doce e humilde gesto,

de qualquer alegria duvidoso;

um desejo quieto e vergonhoso;

um repouso gravíssimo e modesto;

üa pura bondade, manifesto

indicio da alma, limpo e gracioso;

um escolhido ousar; üa brandura;

um medo sem ter culpa; um ar sereno;

um longo e obediente sofrimento

esta foi a celeste fermosura

da minha Circe, e o mágico veneno

que pôde transformar meu pensamento.

A discografia de Francisco José compreende 24 discos com 109 fonogramas,

registrados em 33, 45 e 78 rpm. Em 1961, lançou o disco "A Figura de Francisco

José". Em 1973, obteve um grande êxito em Portugal com a canção “Guitarra toca

baixinho”, e regressou definitivamente ao seu país natal na década de 1980. Em 1983,

lançou o seu último trabalho discográfico, que incluía a canção "As crianças não

querem a guerra". Posteriormente, exerceu uma breve atividade na política nacional e

retornou ao seu ofício original, ao universo do fado.

Ainda na década de 1980, concluiu o curso de Matemática e lecionou na

Universidade da Terceira Idade de Lisboa. O verbete da Enciclopédia da Música em


168

Portugal no século XX (EMPSXX) resume seus dados artísticos e biográficos, e

destaca que “a principal marca do seu estilo interpretativo consiste no vibrato intenso

na emissão das vogais e na clareza da enunciação do texto.” (EMPSXX, 2010: 663).

Além dos fadistas destacados nesta seção, outros artistas merecem ser

mencionados, pois contribuíram para a difusão do fado na cidade do Rio de Janeiro e

integram a rede social do mundo artístico em questão. Estes fadistas mantinham

contato com o público através de programas radiofônicos, televisivos, de

apresentações em casas de fado e por intermédio de gravações fonográficas

comerciais.

O poeta e fadista Antonio Campos (Ovar, Distrito de Aveiro, Portugal

11/09/1934) chegou ao Brasil em maio de 1953 aos 19 anos de idade. O artista é autor

de inúmeras obras como “Dá tempo ao tempo”, “Amor marinheiro”, “Renúncia” e

“Não acordes a minha dor”. Iniciou a sua carreira como fadista no “Programa dos

Astros” de Joaquim Pimentel, e em 1962, já atuava profissionalmente na Adega

“Lisboa Antiga”, de propriedade das cantoras Adélia Pedrosa e Terezinha Alves em

São Paulo.66

Reconhecido por sua destreza interpretativa ao estilo da “Desgarrada”, quase

sempre em dueto com a fadista Maria Alcina, recebeu o título carinhoso de “Rei da

Desgarrada”, conferido por amigos de seu meio artístico. Antonio Campos produziu e

apresentou em parceria com a fadista Helia Costa o “Programa Joaquim Pimentel”,

veiculado semanalmente na Rádio Bandeirantes do Rio de Janeiro entre os anos de


66
Além de se apresentar no eixo Rio - São Paulo, esteve mais de vinte vezes em Portugal, atuando em
várias casas de fado, como a tradicional “Faia”, e se apresentou em Buenos Aires e em La Plata, na
Argentina, bem como em vários estados brasileiros. Participou de inúmeros programas de Rádio e TV
no Brasil e em Portugal e gravou fonogramas de suas obras nesses dois países. Os dados biográficos de
Antonio Campos foram extraídos do programa radiofônico veiculado em 15 de agosto de 2009 no site
“Mundo Fado Brasil”, apresentado por Claudia Tulimoschi e disponível no blogue do “Mundo Fado
Brasil” no endereço <http://mundofadobrasil.podbean.com/category/antonio-campos/>.
169

1978 e 2010. Seus fados foram gravados por artistas como Maria da Fé, Cidália

Moreira, Tony de Matos, Adélia Pedrosa, Maria Alcina, Pedro Vilar, Francisco José,

entre outros. Como poeta, produziu mais de 300 poemas; artista sensível que

conseguiu expressar em poucas linhas a sua condição de português e brasileiro:

De países em países, jamais saímos daqui

Ficam sempre as raízes, e há tanto de nós por aí...

O fadista Tony de Matos teve uma trajetória artística de êxito no período,

sendo admirado como intérprete no Brasil e em Portugal, deixando registrada uma

discografia que compreende mais de uma centena de fonogramas. Gravou o seu

primeiro disco em Madrid, intermediado pelo editor Manuel Simões, obtendo êxito

com a canção “Cartas de amor”. A partir de 1952 passa a cantar no teatro de revista, e

em 1953, atuou pela primeira vez no Brasil, na cidade de São Paulo, numa temporada

de três meses.

Estabeleceu-se no Rio de Janeiro entre 1957 e 1962, atuando como cantor e

empresário. Em sociedade com Maria Sidónio, passou a administrar uma casa de fados

no bairro de Copacabana, o restaurante típico “O Fado”, além de trabalhar na rádio e

em programas de televisão. Por vezes, participava de até sete apresentações diurnas,

reservando a noite para cantar em seu próprio estabelecimento comercial. Em 1962,

gravou um LP que lhe proporcionou muito êxito, e que incluía as obras “Só nós dois”,

“Procuro e não te encontro”, “Vendaval” e “Lado a lado”.

Fadista associado ao estilo de interpretação do fado castiço, Sebastião

Robalinho cantou em diversas casas de fado no Rio de Janeiro, como o restaurante

“Galo”, no “Corridinho”, no “Fado”, na “Adega de Évora”, na “Casa da Mariquinhas”,

no “Lisboa à Noite”, e no “Cantinho da Severa”, entre outras.


170

Gravou o seu primeiro disco, um compacto duplo, com a fadista Adélia

Pedrosa pela gravadora Todamérica, intitulado “O Fado e o Mar”. No ano de 1968,

gravou o seu primeiro LP, e até 1974 registrou mais três discos, dois LPs e um

compacto duplo. Em 1979, lançou um novo trabalho discográfico, um LP com a

parceria da fadista Maria Alcina, intitulado “Do fado à desgarrada”.

Transcrevemos a seguir a nota de apresentação constante na contracapa de seu

LP “O Fado na Voz Castiça de Sebastião Robalinho”, cujo texto é assinado por

Cristiano Martins. Apesar de extensa, a redação ajuda o ouvinte apreciador de fados a

compreender a dimensão estilística a que o artista se encontra filiado, enaltecendo o

estilo castiço em detrimento dos fados modernos em voga à época.

Muito embora os profundos golpes do chamado 'modernismo' hajam ferido,


em contundente desrespeito à tradição, o imortal Fado Castiço,
emprestando-lhe inclusive lascivos traços do 'bas-fond' social, o certo é que
ainda tem por aí - tanto em Portugal quando no Brasil - quem não abdique
do velho e tão querido Fado-Símbolo. Para mim, que já vivo há cinco
décadas e há mais de três entendo o Fado como coisa imutável, o CASTIÇO
é uma espécie de catecismo fadista, uma oração divinal, de doutrinação
musical das massas populares lusitanas. É uma 'Ave Maria' cantada com as
mãos nas algibeiras. De pé... e de 'cachenet'. Com samarra [espécie de
casaca] e alamares [enfeite com cordão trançado formando alça à frente].
Com o 'tinto' em canjirões [vaso grande e com a boca larga]. Com o caldo
fumegante em malgas [tijela] de barro tosco. Com o silêncio respeitoso de
quem escuta, para que os lacrimosos acordes das guitarras emprestem ao
CASTIÇO - em ritmo divinal - o sacramento espiritual que lhe é devido. Há
três décadas - lá nos mouriscos bairros lisboetas - uma voz roufenha, mas
segura deliciava a sensibilidade fadista deste modesto lusitano de Vila Nova
de Gaia. Era a voz inconfundível do 'quarentão' Alfredo Marceneiro, o mais
castiço dos castiços, o FADISTA-REI a cujos pés ajoelhavam fidalgos e
rufiões. Hoje, nestas brasílicas plagas onde se diz haver nascido o Fado, é
um conterrâneo meu - da vetusta e também invicta Vila Nova de Gaia -
quem teima em se manter como arauto do Fado Castiço, pregoeiro
inarredável de uma linha fadista, qua a alma lusitana jamais deixará que se
pise ou que se apague. É afinal o Sebastião Robalinho - sempre ele na
defesa do Velho Fado - quem representa no Brasil, qual Fadista-Legado de
um 'Papa-Marceneiro', a eterna religiosidade do Fado-Símbolo.

Ajoelhemos!
Ouçamos!
E, com Sebastião Robalinho, rezemos o CASTIÇO!
171

O fadista Manuel Taveira (Manuel Artur dos Santos Taveira, Armamar, Viseu,

Portugal, 1939, Portugal, 20/10/2002) chegou ao Brasil em 12 de Junho de 1958.

Considerado no meio artístico como o mais afinado dos cantores portugueses

radicados no Brasil, gravou canções célebres, como o fado “Saudosa Mouraria”, de

Muniz Andrada; “Casa da Mariquinhas” e “Canoas do Tejo”, sendo sua a primeira

gravação desta música no Brasil. Como compositor, teve obras gravadas por Francisco

José, Hermínia Silva e Manuel Fernandes, entre outros. O fadista Manoel Taveira

excursionou em turnê pelo nordeste do Brasil e na Argentina.

Destacamos em sua discografia o fonograma “O fado subiu o morro”, que

provoca um diálogo entre culturas musicais:

“O fado subiu o morro”

Quando vim de Portugal

eu só cantava o fado

aqui cheguei, gostei do samba

do “caldo”

subi ao morro

estive lá passeando

e vejam só

o que eu saí cantando...

É da madrugada

ai, lá no morro do Salgueiro

vai ter cuíca e tem pandeiro

tem teco-teco e tamborim

e a batucada tem um sabor tão diferente

que suaviza a alma da gente

e não se pode mais parar

agora o fado

que para sempre hei de lembrar


172

ai, mas o samba minha gente,

ai, também tem o seu lugar

A letra da música promove o intercâmbio cultural entre os dois gêneros

musicais – fado e samba, pois o fadista português, que só cantava o fado, visita o

morro do Salgueiro e se encanta com a batucada que “suaviza a alma da gente”. Ao

final, a letra aponta uma divisão de apreço do fadista entre os dois gêneros, pois o

samba “também tem o seu lugar”. Os dois gêneros musicais apresentados na obra

compartilham a pulsação binária como elemento de unificação do ritmo, e a forma

compreende partes com dois momentos diferenciados pelo arranjo, gênero musical,

letra, andamento e interpretação. A introdução do tema é apresentada com um solo de

violão de cordas metálicas que nos lembra o timbre da guitarra portuguesa, com uma

escala ascendente em terças seguida de acordes que, após um crescendo e um

ralentando, executa um arpejo final para o início do canto. Inicia-se o fado no

andamento de 62 bpm, e o arranjo define a instrumentação com o acompanhamento de

um órgão elétrico, do violão, da guitarra portuguesa e de uma bateria. Após a

expressão “é da madrugada”, interpretada com melismas em tempo rubato, dá-se

início ao samba, em andamento de 88 bpm. A instrumentação é a mesma, mas os

músicos agora adotam uma postura mais vigorosa e animada em sua interpretação,

aproximando-se do gênero samba. A acentuação do contratempo na bateria é o que

garante a unidade formal da obra, ou seja, sugere um samba sem abandonar a

acentuação característica do fado. O exemplo musical 16 apresenta um fragmento do

fado analisado.
173

Exemplo musical 16. Fragmento do fado “O fado sobe o morro”, de Manuel Taveira. Disco
Phillips, LP 832 926, lado B, 33 rpm. Interpretação de Manuel Taveira. Transcrição de
Alberto Boscarino.

O fadista Mario Simões, ao início de sua carreira artística, gravou no ano de

1968, pela gravadora MusicDisc, um disco compacto com quatro faixas, destacando-

se a faixa “Só nós dois” de autoria de Joaquim Pimentel, e que passou a integrar a

trilha sonora da telenovela “Antonio Maria” na TV Tupi. Em seguida, gravou o LP

“Meus braços te esperam”, com 12 fonogramas. Em sua trajetória artística, dividiu o

palco com artistas como Miltinho, Olivinha Carvalho, Marlene, Emilinha Borba,

Jamelão, Carlos José, Elen de Lima, Carlos Galhardo, Linda Batista, entre outros.

Sua discografia inclui ainda um LP denominado “Mario Simões romântico”,

gravado pelo selo Porto Cali; um CD que reúne uma coletânea de sucessos, lançado

em 2006; no ano de 2008, um CD denominado “Mário Simões Amor e Saudade”, com

músicas que enaltecem o imigrante e afirmam o sentimento de saudade como uma

característica do povo português.


174

As biografias referidas demonstram em parte a trajetória sócio-cultural de

alguns artistas luso-brasileiros e o nível de inserção de cada indivíduo na rede social

ligada à comunidade portuguesa do Rio de Janeiro. Suas histórias e seus depoimentos

remetem ao fascínio do homem português pelo mar, percebido através das letras dos

fados ou das histórias de vida do fadista-pescador Ramiro Damaia ou da fadista Adélia

Pedrosa. Ao mesmo tempo, a nostalgia por sua terra natal é profunda, e precisa ser

relembrada através das letras dos fados ou das atividades promovidas por sua

comunidade junto às casas regionais. Eduardo Lourenço nos lembra que o povo

português sempre voltou o olhar para o mar, para as descobertas ultramarinas;

Fernando Pessoa chamou Portugal de “rosto da Europa”, rosto que serve ao continente

para enxergar o ocidente, e Luís de Camões cantou em versos a força dos heróis

navegantes quinhentistas.

O levantamento e a análise da discografia dos artistas citados revelou que a

maior parte deles contribuiu para a história da música brasileira com gravações de

gêneros musicais em moda no período estudado, como a marcha carnavalesca, o

samba-canção, o baião, a bossa-nova e o samba. Dentre eles, destacamos a cantora

Olivinha Carvalho, Gilda Valença, Ester de Abreu, Manoel Monteiro, Joaquim

Pimentel, Francisco José, Manuel Taveira, Mario Simões e Maria Alcina, entre outros

fadistas.

Durante o período delimitado nesta tese, a música do fado também integrou

repertório discográfico de artistas brasileiros como Ângela Maria, Cauby Peixoto,

Hebe Camargo, Nelson Gonçalves, Bibi Ferreira e, na atualidade, é cultuado por

cantoras como Fafá de Belém e Maria Betânia. A cantora Ângela Maria lançou, em
175

1977, um LP com doze faixas intitulado “Os mais famosos fados”67, com os títulos

mais populares da história do gênero como “Foi Deus”, “Perseguição”, “Nem às

paredes confesso” e “Só nós dois”, entre outros êxitos. Em 1954, a artista Hebe

Camargo gravou para o selo Odeon os fonogramas “Tudo isto é fado” e “Festa

Portuguesa”. A projeção de Hebe junto à colônia portuguesa colaborou para o seu

prestígio na televisão como atriz e para a interpretação da personagem fadista Magali

Pinto na telenovela “As pupilas do Senhor Reitor”, exibida pela TV Tupi em 1970.

Ao comentar a turnê de Cauby Peixoto aos Estados Unidos, em 1956, Rodrigo

Faour (2001) relacionou algumas gravações do cantor que faziam sucesso naquele

período, com destaque para as canções “Blue Gardenia” e “Canção do Rouxinol”.

Nesse mesmo ano, a gravação do fado “Lisboa Antiga” foi sucesso no Brasil e nos

Estados Unidos, chegando a ser uma das músicas mais executadas nas rádios

estadunidenses:

Vale dizer que tal fado chegaria até ao top ten do hit parade americano
naquele ano, na versão da orquestra de Nelson Riddle, e que, no Brasil,
entre as diversas gravações que o fado recebeu, a de Cauby foi a de maior
sucesso. Não era para menos. Ele parecia inteiramente à vontade no
fraseado melódico português da canção. (FAOUR, 2001: 93).

Outro fado que alcançou grande êxito na voz de Cauby Peixoto foi o fado “Um

dia em Portugal”, de Jair Amorim e Evaldo Gouveia, lançado em 1964 no disco

intitulado “Cauby Interpreta”68. A representação da legitimidade do artista em sua

comunidade é firmada através das centenas de fonogramas registrados no período,

revelando um mercado consumidor substancial, através dos programas de rádio e

televisão, além, é claro, da apresentação ao vivo dos artistas em casas regionais,

teatros e casas de fado.

67
Discos Copacabana, COLP 12127, 1977.
68
“Cauby Interpreta”. 1964, Discos RCA Victor, BBL 1260.
176

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi Deus
Que me pôs no peito
Um rosário de penas
Que vou desfiando
E choro a cantar
E pôs as estrelas no céu
E fez o espaço sem fim
Deu o luto às andorinhas
Ai, e deu-me esta voz a mim.

“Foi Deus”69

A voz acima referida “chora” e canta” simultaneamente, é parte de um poema

que foi gravado por muitos fadistas, inclusive pelas cantoras Maria Alcina e Adélia

Pedrosa. Essa letra representa a dor cantada pelos fadistas em seu “rosário de penas”, e

a interpretação da música revela a maneira “dramática” de se cantar o fado, pois este

canta a tristeza, a saudade e a dor: é através da voz que o artista expressa o seu pranto.

O objeto de nossa pesquisa está centrado no estudo do gênero musical popular

português denominado Fado, e na investigação sobre a importância que esse tipo de

música representou para a construção da identidade portuguesa na cidade do Rio de

Janeiro entre as décadas de 1950 e 1970, período indicado por músicos e fadistas

portugueses como representante do ápice e declínio das práticas musicais do gênero na

cidade. Procuramos compreender a trajetória do fado no Brasil como canção popular

portuguesa e sua relação com os imigrantes portugueses estabelecidos no Rio de

Janeiro no decorrer do século XX. Para tal estudo, consideramos os espaços de

divulgação próprios para a execução das músicas, que são o teatro de revista, as festas

familiares ou religiosas, as associações culturais, os restaurantes típicos, as casas de

fado, os programas radiofônicos e a discografia do período.

69
O Fado “Foi Deus”, de autoria de Alberto Janes, foi interpretado por Maria Alcina em 2008 na
Câmara de Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro em homenagem às Comunidades dos Países de
Língua Portuguesa - CPLP e na Rede Globo de Televisão na Minissérie “Maysa”.
177

As fontes consultadas sobre a imigração portuguesa no Brasil revelou que o

ingresso do maior contingente de imigrantes lusitanos foi observado entre o período de

1851 e 1960 (considerado como imigração de massa), com uma maior concentração

nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Segundo fontes do IBGE 70, sabemos

que entre 1884 e 1959 chegaram oficialmente ao Brasil 1.368.258 portugueses, com

traços culturais característicos, que afirmavam a sua identidade frente às diferenças

sociais, durante o período de estabelecimento das comunidades de origem portuguesa

no país. Analisamos o processo legal estabelecido pelas políticas de

emigração/imigração dos dois países e os fatores que contribuíram para a imigração de

um número expressivo de trabalhadores portugueses para o Brasil entre 1851 e 1960.

Em Portugal, contribuíram para esse quadro o avanço da exploração capitalista rural, a

crise ocorrida nas vinícolas da região norte e o serviço militar obrigatório. No Brasil,

dentre os fatores que favoreceram a imigração portuguesa, destacamos a abolição dos

escravos em 1888, e a necessidade da substituição da força de trabalho escravo pelo

trabalhador europeu e asiático; o início do processo de industrialização e o

desenvolvimento da indústria têxtil no Rio de Janeiro.

A organização das vilas operárias tinha como objetivo exercer um controle do

trabalhador fabril, vinculando a cessão da moradia à organização do trabalho e

buscando, desse modo, evitar conflitos sociais. Essa era uma maneira inteligente de o

empresário exercer uma influência sobre o operário porque era exigido um perfil

docilizado dos trabalhadores, embora, na prática, nem sempre fosse possível conseguir

a subserviência absoluta. Alguns trabalhadores burlavam o controle patronal, gerando

certos conflitos no interior desse espaço e vindo afirmar a identidade do grupo.

70
Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/povoamento/tabelas/imigracao_nacionalidade.htm>. Acesso em: 18
jul. 2009.
178

As bandas de música das fábricas têxtil foram dirigidas por maestros eminentes

como Anacleto de Medeiros e José Resende de Almeida, mesclando em seu repertório

músicas portuguesas e brasileiras. É através da integração dos habitantes das vilas

operárias que se constituíram as bandas musicais das fábricas, que deram origem a um

embrião dessa rede social e que, mais tarde, foram se manifestar na ampliação do

mundo artístico do fado.

Os portugueses se fixaram em diversos bairros e regiões da cidade, construindo

os seus símbolos de identidade e registrando-os materialmente em casas, igrejas,

associações culturais e esportivas. É comum passar por um bairro da periferia e avistar

uma casa de origem portuguesa com símbolos religiosos, como azulejos com motivos

de santos retratando São José e a Virgem de Fátima, ou o Galo de Barcelos no topo

das casas. A afirmação da identidade dos imigrantes portugueses pode ser percebida

através da reflexão de Maria Manuela Alves Maia (2008), que afirma a existência de

uma identidade imigrante em oposição ao termo usual luso-brasileiro:

Os imigrantes não querem o Portugal atual e sim o que lhes ficou na


memória. Por outro lado, também não se reconhecem como brasileiros.
Logo, nos parece terem forjado para si mesmos uma terceira possibilidade,
uma ‘identidade imigrante’, em lugar de uma identidade luso-brasileira. O
contorno desta identidade é marcado pelas raízes fincadas em um tempo
que não existe mais concretamente, e, sim, na imaginação e na emoção.
Trazendo na mala um bem comum: a lembrança de Portugal, considerado
como bem mais precioso, a identidade imigrante passa a ser uma realidade
feita de saudade e estranhamento. (MAIA, 2008: 212).

A investigação sobre o ingresso do fado no Teatro de Revista do século XIX

demonstrou que esse espaço de entretenimento colaborou com a difusão do gênero

musical no Brasil e em Portugal. A referência musical adotada em Portugal foi o fado

castiço, e no Brasil, as obras de Martins Pena e Arthur Azevedo apresentaram o

fadinho brasileiro como número final de canto e dança. É notória a diferença entre os

gêneros, o que nos leva a deduzir que o fadinho brasileiro inserido nessas Revistas era
179

um número musical que pertencia à suíte de danças do fado brasileiro em voga durante

o século XIX. Entretanto, o fado castiço português pode ser notado nas revistas

brasileiras de finais do século XIX e nas primeiras décadas do século XX.

Entre 1902 e 1935 encontramos o registro de 413 fonogramas gravados no Rio

de Janeiro, os quais incluem composições do cantor Baiano, Cadete Mário Pinheiro,

Eduardo das Neves, Vicente Celestino e Manoel Monteiro, entre outros. A análise

realizada de duas gravações do cantor Baiano confirma que estas são classificadas na

categoria de fado castiço. A escuta atenta dessas gravações induz a uma hipótese de

que o cantor Baiano executava também a guitarra portuguesa em suas canções.

No capítulo 2, demonstramos a trajetória do fado em Portugal desde a sua

constituição com o objetivo de fundamentar a discussão acerca desse gênero em toda a

pesquisa. Refletimos sobre gênese do fado, o símbolo de construção de identidade, a

temática fadista, os instrumentos que acompanham o fado, as performances artísticas e

os principais artistas que configuraram o fado em Portugal durante o século XX.

Terminamos o capítulo com um breve comentário sobre as primeiras gravações do

gênero fado em Portugal, ressaltando o levantamento do espólio organizado sob a

coleção de discos de 78 rotações de propriedade do inglês Bruce Mastin.

Definido o objeto de estudo, optamos por iniciar um contato em pesquisa de

campo a fim de realizar um levantamento das fontes básicas necessárias para a

construção e desenvolvimento da tese.

Agora, é óbvio que a coleta de representações por meio da história oral,


que é também história de vida, tornou-se claramente um instrumento
privilegiado para abrir novos campos de pesquisa. Por exemplo, hoje
podemos abordar o problema da memória de modo muito diferente de
como se fazia dez anos atrás. Temos novos instrumentos metodológicos,
mas sobretudo, temos novos campos. A rigor, sem assumir o ponto de vista
do positivismo ingênuo, podemos considerar que a própria história das
180

representações seria a história da reconstrução cronológica deste ou


daquele período. (POLLAK, 1992: 207).

A impressão do primeiro contato realizado no campo de pesquisa me remeteu

diretamente ao conceito de mundo artístico de Howard Becker (1977), pois consegui

visualizar, no ato de observar, a possibilidade de analisar o espaço artístico e

classificar alguns integrantes da rede social que ali se estabelecia. O ingresso no local

de reunião da CADEG me transportou instantaneamente do bairro de Benfica carioca

para o Benfica lisboeta. O cheiro das sardinhas fritas e do bacalhau, as falas com

sotaque lusitano carregado, as gargalhadas e os gestos exagerados, a música das

concertinas, a dança de pares, tudo se encaixava na configuração de uma rede social da

colônia portuguesa nesta cidade. Havia naquele espaço artistas integrados que atuavam

conjuntamente com artistas populares, familiares que cantavam em uníssono todas as

canções, outros que se manifestavam com a dança, enfim, podia perceber que todos

estavam ali em comunhão, como se tivessem estabelecido regras num contrato social.

Uma parte da história da imigração portuguesa no Brasil pode ser

compreendida através dos relatos orais das famílias que se estabeleceram na cidade do

Rio de Janeiro, revelando a história de seus antepassados e os sujeitos celebrantes da

cultura lusitana na cidade. O espaço do fado é o espaço da cidade. Como música

popular portuguesa de caráter urbano, o fado se manifesta no Brasil nos grandes

centros urbanos como no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para uma análise das

relações desenvolvidas entre os seus agentes e a comunidade portuguesa, adotamos os

conceitos de “mundo artístico” e de “redes sociais” propostos por Howard Becker

(1977), assim como a classificação do autor em relação aos artistas. Outros conceitos

utilizados são os espaços de memória segundo Maurice Halbwachs (1990) e o de

memória coletiva e identidade social, de Michael Pollak (1992), visando avaliar o


181

processo de integração do imigrante português no Rio de Janeiro, considerando-se a

recuperação de suas histórias de vida através da memória no além mar.

Nesta tese, o fado é observado através das relações e das convenções

estabelecidas entre artistas integrados que zelam pela difusão e manutenção de uma

cultura musical tradicional de sua terra natal. Esses artistas regravaram canções

lusitanas e compuseram novas obras no Rio de Janeiro, constituindo público e espaços

de atuação e de divulgação do fado, além do cuidado com a instrumentação e a estética

concernente ao gênero. Todos esses aspectos propiciaram a configuração de uma rede

social própria para a integração e sobrevivência da música portuguesa nesta cidade.

As entrevistas realizadas com alguns agentes da rede social do mundo artístico

do fado ajudaram a construir um quadro com os principais tipos sociais que transitam

nesse universo, como cantores, instrumentistas, radialistas, apresentadores,

comerciantes, empresários e público ouvinte. Dentre todos os depoentes consultados,

a cantora Maria Alcina foi a que forneceu um maior número de detalhes acerca da

história do fado naquele período, bem como uma convincente visão da condição do

imigrante fadista-empresário-trabalhador, exercida em sua casa de fados popular

situada no bairro de Ipanema, “A Desgarrada”. É a narrativa da história pessoal da

artista que representa a história dos imigrantes portugueses na cidade:

É como se, numa história de vida individual - mas isso acontece


igualmente em memórias construídas coletivamente - houvesse elementos
irredutíveis, em que o trabalho de solidificação da memória foi tão
importante que impossibilitou a ocorrência de mudanças. Em certo sentido,
determinado número de elementos tornam-se realidade, passam a fazer
parte da própria essência da pessoa, muito embora outros tantos
acontecimentos e fatos possam se modificar em função dos interlocutores,
ou em função do movimento da fala. (POLLAK, 1992: 201).

A difusão, apreciação e “consumo” do fado nesse período na cidade do Rio de

Janeiro revelaram uma prática musical característica, organizada pelos imigrantes


182

portugueses locais, e que acontecia paralelamente à propagação de gêneros musicais

brasileiros como o choro, o samba e a bossa-nova. A prática referida envolvia uma

rede social específica e contava com alguns aspectos e espaços de divulgação próprios,

os quais passamos a enumerar: a aquisição de instrumentos musicais típicos, como a

guitarra portuguesa, trazida ou adquirida em Portugal; o processo de aprendizagem dos

instrumentos, que compreende técnica e estilo; a hierarquia e a organização dos

conjuntos musicais; a relação profissional entre músicos e cantores; a forma de

registrar as canções, em notação ou através da oralidade; os arranjos e as produções

fonográficas organizadas para o mercado brasileiro; a relação do público com seus

artistas; o reconhecimento dos artistas em sua terra natal, entre outros aspectos.

As transcrições e análises inseridas no capítulo 3 demonstram dois aspectos da

ação dos artistas integrados do mundo artístico na cidade do Rio de Janeiro: a

manutenção dos signos ligados ao fado tradicional e o aporte de elementos novos, que

fazem uma ponte entre as culturas portuguesa e brasileira. Assim, o fado se une ao

baião, à marcha, ao samba, gerando leituras novas do gênero musical lusitano. Essas

combinações musicais podem atuar no sentido de manter a atualização ou a

subsistência do gênero musical.

O levantamento e a análise da discografia do fado produzida no Rio de Janeiro

entre as décadas de 1950 e 1970 demonstraram a existência de um mercado

consumidor representativo na comunidade luso-brasileira, com o registro de mais de

trezentos fonogramas. Foi a partir da discografia consultada que constatamos a

existência de um “hibridismo musical” entre o fado e a música brasileira, que pode ser

observado em alguns fonogramas assinalados e examinados na tese. O êxito obtido

pela canção “Olhos castanhos”, gravada em 1960 pelo cantor português Francisco

José, representa um marco na história da indústria fonográfica brasileira, pois alcançou


183

um número expressivo de vendas com mais de um milhão de cópias distribuídas no

mercado brasileiro. Quanto à definição de gênero musical, constatamos que a música

referida oscila entre o fado e bolero, e o seu êxito evidencia a consolidação de um

mercado consumidor organizado no interior da comunidade portuguesa no Brasil,

envolvendo público e artistas. Alguns artistas brasileiros consagrados contribuíram

com o registro discográfico e a divulgação do fado no Brasil e no exterior. Cantores

como Ângela Maria, Hebe Camargo e Cauby Peixoto gravaram fados entre as décadas

de cinquenta e setenta, e Cauby, em turnê pelos Estados Unidos em 1956, alcançou o

top ten do hit parade estadunidense.

A tese ressaltou a configuração do mundo artístico associado ao fado na cidade

do Rio de Janeiro, apontando os principais fadistas e músicos que atuaram no período

delimitado por este estudo, com destaque para os cantores Joaquim Pimentel e Manoel

Monteiro, porque, tanto a obra quanto o desempenho artístico deles serviram de

influência para os jovens fadistas que se formaram no interior da comunidade

portuguesa da cidade. Nesses fadistas, nota-se a manutenção do habitus concernente

ao gênero musical e à cultura portuguesa, além de contribuírem com gravações e

interpretações de outros gêneros musicais, como a marcha carnavalesca e o samba.

Constatamos a inexistência de reconhecimento desses artistas pela cultura oficial

portuguesa, pois a maioria de seus nomes não constam nos verbetes dos dicionários

musicais de Portugal, nem mesmo nos mais atualizados, como a Enciclopédia da

Música em Portugal no Século XX (2010), organizado pela musicóloga Salwa Castelo-

Branco. Como não constam nos verbetes dos dicionários musicais brasileiros, nossos

fadistas ficam à deriva da história, à espera de um reconhecimento oficial que, por

justiça, permita-lhes a inserção no contexto dos demais artistas e fadistas que


184

contribuíram para a constituição, divulgação e preservação do gênero musical no

mundo.

A investigação sobre os espaços de divulgação do fado na cidade contribuiu

para a organização de quadro expositivo das casas de fado existentes na cidade entre

as décadas de 1950 e 1970. Organizadas à semelhança das casas de fado de Lisboa,

situavam-se em maior parte na Zona Sul carioca e pertenciam a fadistas renomados,

como Francisco José, Tony de Matos e Maria Alcina, que alternavam suas funções

entre o palco e a administração do estabelecimento comercial. Desde a década de

setenta e de maneira progressiva, as onze casas existentes no período fecharam as suas

portas, e hoje não contamos com nenhuma casa de fado funcionando na cidade do Rio

de Janeiro, apesar da expressiva presença de imigrantes portugueses e seus

descendentes que ainda residem aqui. Isso aponta para um quadro de decadência do

prestígio do gênero musical na cidade, e a falta de espaços de divulgação implica na

ocultação de uma prática cultural que impede às novas gerações o acesso ao seu

código de expressão. Não encontramos cantores fadistas nas gerações atuais de

portugueses residentes na cidade, e tampouco instrumentistas. Segundo declaração do

Fadista Ramiro Damaia, o único guitarrista remanescente é o Vitor Lopes, que reside

na cidade de Maricá, e, depois, dele, talvez o fado desapareça do cenário carioca como

expressão local. Tal quadro negativo explica o encerramento dos programas

radiofônicos dedicados à comunidade portuguesa e a redução drástica dos programas

televisivos, justificado pela falta de interesse das novas gerações de luso-brasileiros

em perpetuar a sua cultura natal, talvez por esta associada a um passado que não se

apresenta na mídia como cultura homogênea. Da opção das novas gerações por outras

músicas e culturas midiáticas (gastronômicas, comportamentais, etc.) emerge a

conformação dos antigos com o desaparecimento do gênero, como se tratasse de uma


185

condição natural, o velho sendo superado pelo novo, sem que fosse possível uma

reflexão sobre tal acontecimento.

Os aspectos negativos do desaparecimento do gênero fado na cidade do Rio de

Janeiro podem ser amenizados pela ação de alguns fadistas e agentes sociais

integrantes desse mundo artístico, como a cantora Maria Alcina, o radialista e produtor

José Chança, o radialista Oliveira Nunes, o ouvinte Nelson Calafate, entre outros. A

resistência se dá também pela dedicação e iniciativa de pesquisadoras como Thaís

Matarazzo e Claudia Tulimoschi, que através de intenso trabalho de consulta a fontes

primárias e secundárias, disponibilizam informações históricas, iconografia e arquivos

de áudio (fonogramas e entrevistas) em seus blogues na Internet, atuando como um

bastião em defesa da música do fado, seus artistas e de toda a cultura portuguesa.

Retomamos a voz que canta a ternura e a saudade, esse “misto de ventura”, a

fim de enaltecer a música como elemento de afirmação da identidade portuguesa no

Brasil. Esse pranto cantado – expressão da tristeza, do sofrimento e da dor –, expresso

na voz, no rosto, no gesto e na alma do fadista, é traduzido paradoxalmente na alegria

de cantar a saudade, que é a presença da ausência da terra, do ser português que

atravessa o mar, vindo desembarcar na cidade do Rio de Janeiro.


186

REFERÊNCIAS

1. Fontes bibliográficas

ALBERTI, Verena. Manual de história oral. 3.ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. São Paulo:
Ática, 1997.
ANDRADE, Mário de. Origem do fado. In: Revista da Música Popular. Número 6,
p.2-4, Rio de Janeiro, 1955.
ARAÚJO, Mozart de. A modinha e o lundu no século XVIII. São Paulo, Ricordi
Brasileira, 1963.
BANDEIRA, Manuel; ANDRADE, Carlos Drummond de. Rio de Janeiro em prosa e
verso. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1965. Coleção Rio Quatro
Séculos, v. 5, 1965.
BECKER, Howard Saul. Mundos artísticos e tipos sociais. In: VELHO, Gilberto.
(Org.). Arte e sociedade – ensaios de sociologia da arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1977,
p. 9-26.

_______________. Art worlds. Berkeley: University of California Press, 1982.


BERARDINELLI, Cleonice. Estudos Camonianos. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, Cátedra Padre Antonio Vieira, Instituto Camões, 2000.
BILAC, Olavo. Música Brasileira. Poesias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves,
23ª.ed., 1964, p. 263.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 3ª. ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
BRITO, Joaquim Pais de. Fado: vozes e sombras. Lisboa: Museu Nacional de
Etnologia, 1994, p. 16-37.
CALAFATE, Nelson Gonçalves. Nas andanças do tempo, oitent’anos de danças... Rio
de Janeiro: Nova Razão Cultural, 2010.

CAMÕES, Luís de. As Rimas de Camões. (Cancioneiro de ISM & Comentários). Fac-
símile, lição dos manuscritos e comentários por Emmanuel Pereira Filho. Edição
preparada e organizada por Edwaldo Cafezeiro e Ronaldo Menegaz. Rio de Janeiro-
Brasília/ J. Aguilar, Brasília: INL, 1974.
_______________. Os Lusíadas. Edição organizada por Emanuel Paulo Ramos. Porto:
Porto Editora, 1978.
CANCIONEIRO DE MÚSICAS POPULARES. Cancioneiro de musicas populares
contendo letra e musica de canções, serenatas, chulas, danças, descantes, cantigas
dos campos e das ruas, fados, romances, hymnos nacionaes, cantos patrioticos,
canticos religiosos de origem popular, canticos liturgicos popularisados, canções
políticas, cantilenas, cantos maritimos, etc. e cançonetas estrangeiras vulgarizadas
em Portugal / collecção recolhida e escrupulosamente trasladada para canto e piano
por Cesar A. das Neves ; coord. a parte poetica por Gualdino de Campos ; pref. pelo
187

Exmo Sr. Dr. Teophilo Braga. - V. 1, fasc. 1 (1893)-V. 3, fasc. n. 75 (1899). - Porto :
Typ. Occidental, 1893-1899.
CARVALHO, Ana Lucia. Cultura e história na Festa da Penha. Os primeiros anos da
República na vivência festiva popular. Niterói: UFF, dissertação de mestrado, 2005.

CARVALHO, Pinto de. História do fado. Dom Quixote, 1982.


CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro:
Ediouro, s/d.
CASTELO-BRANCO, Salwa. Vozes e guitarras na prática interpretativa do fado. In:
Fado: vozes e sombras. Lisboa: Museu Nacional de Etnologia, 1994, p. 124-141.
CINEMATECA BRASILEIRA. Secretaria do Audiovisual - MinC. Disponível em:
<http://www.cinemateca.gov.br/ >. Acesso em: 06 out. 2006.

DANTAS, Julio. In: A canção do Sul, Ano 1, número 7, 13 mai. 1923.


_______________. A Severa. 3ª. Ed. Porto: Domingos Barreira, 1942.
DINIZ, André. O Rio Musical de Anacleto de Medeiros – A vida, a obra e o tempo de
um mestre do choro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

ENCICLOPÉDIA DA MÚSICA BRASILEIRA – ERUDITA, FOLCLÓRICA E


POPULAR. 3ª. Ed. São Paulo: Arte editora, 1998.
ENCICLOPÉDIA DA MÚSICA EM PORTUGAL NO SÉCULO XX. Direção de
Salwa Castelo-Branco. Lisboa: Círculo de Leitores, 2010.
FADO: Vozes e Sombras. Catálogo realizado com apoio do Instituto Camões. Museu
Nacional de Etnologia. Lisboa: Electa, 1995.

FAOUR, Rodrigo. Bastidores: Cauby Peixoto: 50 anos da voz e do mito. Rio de


Janeiro: Record, 2001.
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2001.
FEDERICO, Maria Elvira Bonavita. Historia da comunicação - rádio e TV no Brasil.
Petrópolis: Vozes, 1982.

FREITAS FILHO, Almir Pita. A colônia portuguesa na composição empresarial da


cidade do Rio de Janeiro no final do século XIX e início do XX. In: LESSA, Carlos
(Org.). Os lusíadas na aventura do Rio moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.
163-197.
HALBWACHS, Maurice. La mémoire collective, Paris: PUF, 1968.
_______________. A memória coletiva. Tradução de Laurente Léon Schaffter. São
Paulo: Editora Vértice, 1990.

JERÔNIMO, Rita & FRADIQUE, Teresa. O fadista enquanto artista. In: Fado: vozes e
sombras. Lisboa: Museu Nacional de Etnologia, 1994, p. 92-105.
188

JORNAL DO COMMERCIO, 23 de Janeiro de 1885.


KELLER, Paulo Fernandes. Cotidiano operário & Complexo fabril: fábrica com vila
operária em Paracambi-RJ. In: Enfoques, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 1-14, 2006.
KLEIN, Alexandra Naia & ALVES, Vera Marques. Casas do Fado. In: Fado: vozes e
sombras. Lisboa: Museu Nacional de Etnologia, 1994, p. 37-57.
LEITE, Joaquim da Costa. O Brasil e a emigração portuguesa (1855-1914). In:
FAUSTO, Boris. (org.). Fazer a América. 2ª. Ed. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 2000.
LESSA, Carlos. Rio, uma cidade portuguesa? In: LESSA, Carlos (Org.). Os lusíadas
na aventura do Rio moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.23-61.
LIMA, Maria Helena Beozzo. A missão herdada: um estudo sobre a inserção de
imigrante. 1974. 299f. Dissertação (Mestrado em Antropologia). Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro.
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Portugueses en Brasil en el siglo XX. Madrid:
Editorial MAPFRE, 1994.
_______________. Migração Portuguesa no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2001.
LOURENÇO, Eduardo. Mitologia da saudade: seguido de Portugal como destino.
São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

LYRA DE APOLO – Jornal de modinhas, lundus, fadinhos e poesias. Typographia de


J. F. de Campos, julho –setembro, 1869; fevereiro – março, 1870. (SORPR 03347,
03354/ BN).
MAIA, Maria Manuela Alves. Imigração e identidade: um estudo sobre famílias
portuguesas no Rio de Janeiro. 2008. 213 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais).
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, PUC-SP, São Paulo.
MATTOSO, Guilherme de Queirós. A festa do fado de Quissamã. Comunicação
apresentada na 6ª Conferência Brasileira de Folkcomunicação, nos dias 3-6 de abril de
2003.

MENEZES, Lená Medeiros de. 1997. “Bastidores: um outro olhar sobre a imigração
no Rio de Janeiro”. In: Acervo Revista do Arquivo Nacional. V. 10, n. 2, p. 03-16.
_______________. Jovens Portugueses: Histórias de Trabalho, Histórias de Sucessos,
Histórias de Fracassos. In: GOMES, Ângela de Castro. (Org.). Histórias de Imigrantes
e de Imigração no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 7Letras, 2000, p. 164-182.
MONTEIRO, Ana Maria F. da Costa. Empreendedores e investidores em indústria
têxtil no Rio de Janeiro:1878-1895. Uma contribuição para o estudo do capitalismo
no Brasil. Dissertação de mestrado. Niterói, ICHF, UFF, 1985.

MORAES FILHO, Melo. Festas e tradições populares do Brasil. Belo Horizonte:


Editora Itatiaia, 1979.
189

NOGUEIRA, Ana Maria de Moura. Como nossos pais – uma história da memória da
imigração portuguesa em Niterói, 1900/1950. 1998. Dissertação (Mestrado em
História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
Fluminense.
NUNES, Mônica Rebecca Ferrari. À escuta do fado: memórias de afetos e vínculos.
In: VALENTE, Heloísa (Org.). Canção d’além-mar: o fado e a cidade de Santos. São
Paulo: Realejo, 2008, p. 205-232.
OLIVEIRA, Lucia Lippi. O Brasil dos imigrantes. 2ª.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
OSÓRIO, Antonio. A mitologia fadista. Lisboa: Livros Horizonte, 1974.
PAIXÃO, Múcio da. O theatro no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Brasília, s.d.
PAZ, Ermelinda de Azevedo. Jacob do Bandolim. Rio de Janeiro: Funarte, 1997.

PENA, Martins. O Juiz de Paz da Roça. São Paulo: Publifolha, 1997 (Biblioteca
Folha; 5).
PESSOA, Fernando. Mensagem. Introdução, notas explicativas e bibliografia de
Carlos Felipe Moisés. São Paulo: DIFEL, 1986.
PINTO, Alexandre Gonçalves. O Choro. Rio de Janeiro, Funarte, 1978.
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Revista Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, 1989, p. 3-15.
_______________. Memória e identidade social. In: Revista Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992, p. 200-215.
ROEDEL, Hiran. Comunidade portuguesa na cidade do Rio de Janeiro: mobilidade e
formação de territórios. In: Os Lusíadas na aventura do Rio moderno. Carlos Lessa
(Org.). Rio de Janeiro: Record, 2002.

RUIZ, Roberto. Teatro de Revista no Brasil: do início à Primeira Guerra Mundial.


Rio de Janeiro: INACEN, 1988.
SANTOS, Alcino; BARBALHO, Gracio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A.
DISCOGRAFIA BRASILEIRA 78 rpm – 1902/1964, vol. 1. Rio de Janeiro: Funarte,
1982.
SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os paradoxos da alteridade. Prefácio de Pierre
Bourdieu. Tradução Cristina Murachco. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo,
1998.

SCOTT, Ana Silvia Volpi. As duas faces da imigração portuguesa para o


Brasil.(décadas de 1820-1930). Comunicação apresentada no Congresso de Historia
Econômica de Zaragoza, Espanha, 2001.
SERGL, Marcos Júlio. Fado: um gênero musical. In: VALENTE, Heloísa (Org.).
Canção d’além-mar: o fado e a cidade de Santos. São Paulo: Realejo, 2008.
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Documentos para a história da imigração
portuguesa no Brasil, 1850-1938. Rio de Janeiro: Nórdica, 1992.
190

SILVA, Marília T. Barboza da & OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de. Cartola, os


tempos idos. Rio de Janeiro: Funarte, 1983.
SIMÕES, Nuno. O Brasil e a emigração portuguesa. Notas para um estudo. Coimbra:
Imprensa da Universidade, 1934.

SOIHET, Rachel. Festa da Penha: Resistência e Interpenetração Cultural (1890-1920).


In: CUNHA, Maria Clementina Pereira (Org.). Carnavais e outras f(r)estas.
Campinas: Editora UNICAMP, CECULT, 2002.
SUZIGAN, Wilson. Indústria brasileira: origem e desenvolvimento. São Paulo:
Hucitec-Ed. Unicamp, 2000.
THOMPSOM, Paul. História oral: a voz do passado. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1992.
TINHORÃO, José Ramos. As origens da canção urbana. Lisboa: Editorial Caminho,
1997.

_______________. Fado: Dança do Brasil - Cantar de Lisboa. Editorial Caminho,


Lisboa, 1994.
_______________. Música popular: teatro & cinema. Rio de Janeiro: Vozes, 1972.
_______________. Os sons dos negros no Brasil: cantos, danças, folguedos: origens.
São Paulo: Art Editora, 1988.
_______________. Os negros em Portugal: uma presença silenciosa. Editorial
Caminho, 1988.
_______________. Pequena história da música popular:da modinha à lambada.
2.ed., São Paulo: Art Editora, 1991.
TRAVASSOS, Elizabeth. O fado. In: MARCHIORI, Maria Emília Prado. (Org.).
Quissamã. 1ª. ed. Rio de Janeiro: MinC/Fundação Pró-Memória/SPHAN, 1991, v., p.
166-180.

VALENTE, Heloísa de A. Duarte. Eu queria cantar-te um fado... entrevista com


Manoel Joaquim Ramos e Lídia Miguez. In: VALENTE, Heloísa (Org.). Canção
d’além-mar: o fado e a cidade de Santos. São Paulo: Realejo, 2008, p. 101-141.

_______________(Org.). Canção d’além-mar: o fado e a cidade de Santos. São


Paulo: Realejo, 2008,
VENÂNCIO, Renato Pinto. Presença portuguesa: de colonizadores a imigrantes. In:
VAINFA, Ronaldo (Org.). Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE,
2000, p. 61-77.
VENEZIANO, Neyde. O teatro de revista no Brasil: dramaturgia e convenções. São
Paulo: Ed. Universidade Estadual de Campinas, 1991.

_______________. Teatro de Revista no compasso da história. Conexões imediatas e


atuais. In: MALUF, Sheila Diab & AQUINO, Ricardo Bigi de (Orgs.). Dramaturgia
em cena. Maceió: EDUFAL, 2006, p.261-278.
191

_______________. Melodrama e tecnologia no musical brasileiro. In: V Congresso da


Abrace. Criação e reflexão crítica. 2008. Belo Horizonte. Anais... Disponível em:
<http://www.portalabrace.org/vcongresso/textosdramaturgia.html>. Acesso em: 20
mai. 2010.
2. Discografia consultada

AMÁLIA RODRIGUES. “Fado menor”. Linhares Barbosa e Santos Moreira


[compositores]. Disco Columbia VC, 1962, EP 45 rpm.

_______________. “Gaivota”. Alexandre O’Neill & Alain Oulman [compositores].


In: Fado Corrido. Columbia VC, 1964, EP 4 rpm.

BAIANO. “Fado Português” (3 min 03 seg). Gravadora Zon-o-Phone, disco 10.009,


1902. Disponível em: <http://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/>. Acesso
em: 20 jan. 2009.

_______________. “Fado de Hilário” (3 min). Gravadora Zon-o-Phone, disco 10.038,


1902. Disponível em: <http://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/>. Acesso
em: 20 jan. 2009.
_______________. “Fado do Soldado” (3 min). Gravadora Zon-o-Phone, disco 1515,
1902. Disponível em: <http://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/>. Acesso
em: 20 jan. 2009.
_______________. “Saudades da terra”. Gravadora Odeon, disco 108714, 78 rpm,
1907-12. Disponível em: <http://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/>.
Acesso em: 14 mar. 2009.
_______________. “Fado brasileiro”. Gravadora Odeon, disco 120172, 78 rpm 1907-
12. Disponível em: <http://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/> Acesso em:
14 mar. 2009.
CADETE. “Vá saindo”. Gravadora Odeon, disco 108505, 78 rpm, 1907-12.
Disponível em: <http://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/>. Acesso em: 14
mar. 2009.
CAUBY PEIXOTO. “Cauby Interpreta”. 1964, discos RCA Victor, BBL 1260

EDUARDO DAS NEVES. “Fado do coração”. Gravadora Odeon, disco 120225, 78


rpm, 1912-13. Disponível em: <http://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/>.
Acesso em: 14 mar. 2009.
ESTER DE ABREU E FRANCISCO CARLOS. “Moreninha de Lisboa”. Irani de
Oliveira e William Duba [compositores]. RCA Victor, 801466, Lado A, 78 rpm, 1955.

FERNANDO MAURICO & FRANCISCO MARTINHO. “O leilão da Mariquinhas”.


João Linhares Barbosa e Alfredo Marceneiro [compositores]. Lisboa: FF, EAN30103.
1 LP, faixa 1A, 1980.
192

FRANCISCO JOSÉ. “Olhos Castanhos”. Francisco José e Alves Coelho


[compositores]. Discos Sinter, 1960.
MANUEL TAVEIRA. “O fado sobe o morro”, de Manuel Taveira. Disco Phillips, LP
832 926, lado B, 33 rpm.

OLIVINHA CARVALHO. “O fado é bom pra xuxu”. Frederico Valério e Amadeu do


Vale. [compositores]. Discos Copacabana, M 2213, lado B, 78 rpm.
OS GERALDOS. “Fado Liró”. Gravadora Odeon, disco 108246, 78 rpm, 1907-12.
Disponível em: <http://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/>. Acesso em: 14
mar. 2009.
PEPA DELGADO. “Fado português”. Gravadora Odeon, disco 10045, 78 rpm, 1907-
13. Disponível em: <http://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/>. Acesso em:
14 mar. 2009.
3. Partituras consultadas

MARIA, Manoel Joaquim & VASQUEZ, Francisco Correa. “Cateretê”. Orpheo na


Roça. Transcrição do autor de cópia original impressa. 1 partitura (4 p.). Canto e
piano.
MILANEZ, Abdon. “Fadinho Final”. Mercúrio (1886). Editado por Narciso e Artur
Napoleão, número de matriz 3093, s/d. 1 partitura (4 p.). Piano.
MILANO, Nicolino. Fado Liró. Rio de Janeiro: Nascimento Silva & Cia, s/ p.) 1
partitura (5 p.). Canto e piano.
“FADO DE VIMIOSO”. Domínio Público. CANCIONEIRO DE MÚSICAS
POPULARES. Cancioneiro de musicas populares contendo letra e musica de
canções, serenatas, chulas, danças, descantes, cantigas dos campos e das ruas, fados,
romances, hymnos nacionaes, cantos patrioticos, canticos religiosos de origem
popular, canticos liturgicos popularisados, canções políticas, cantilenas, cantos
maritimos, etc. e cançonetas estrangeiras vulgarizadas em Portugal / collecção
recolhida e escrupulosamente trasladada para canto e piano por Cesar A. das Neves ;
coord. a parte poetica por Gualdino de Campos ; pref. pelo Exmo Sr. Dr. Teophilo
Braga. - V. 1, fasc. 1 (1898)-V. 3, fasc. n. 75 (1899). - Porto : Typ. Occidental, 1898-
1899. 1 partitura (2 p.). Canto e piano, p. 128-129.
“FADO DA SEVERA”. Domínio Público. CANCIONEIRO DE MÚSICAS
POPULARES. Cancioneiro de musicas populares contendo letra e musica de
canções, serenatas, chulas, danças, descantes, cantigas dos campos e das ruas, fados,
romances, hymnos nacionaes, cantos patrioticos, canticos religiosos de origem
popular, canticos liturgicos popularisados, canções políticas, cantilenas, cantos
maritimos, etc. e cançonetas estrangeiras vulgarizadas em Portugal / collecção
recolhida e escrupulosamente trasladada para canto e piano por Cesar A. das Neves ;
coord. a parte poetica por Gualdino de Campos ; pref. pelo Exmo Sr. Dr. Teophilo
Braga. - V. 1, fasc. 1 (1898)-V. 3, fasc. n. 75 (1899). - Porto : Typ. Occidental, 1898-
1899. 1 partitura. Canto e piano, p. 127.
193

4. Peças teatrais consultadas

Como Nasceu um Fado: quadro-episódico e musical em 5 fases, de Humberto Cunha,


musicado pelo maestro Antonio M. Lopes, 1949.

Fado e Maxixe, Revista em 3 actos, de João Poncho e André Brum, s/d; Manuscrito.

O Ditoso Fado, comédia original em um acto de Manoel Roussado. 1935. Manuscrito.

O Juiz de Paz na Roça, de Martins Pena. Comédia em um ato de 23 cenas. 1837.

Orfeu na Roça, de Francisco Corrêa Vasques. Paródia da ópera cômica Orfeu dos
infernos, de Offenbach, 1868.

5. Entrevistas

ALCINA, Maria. Entrevista realizada na residência de Maria Alcina no bairro do


Méier em 02 fev. 2011. Rio de Janeiro, 2011. Arquivo de áudio MP3 (82 min 02 seg).
CALAFATE, Nelson Gonçalves. Entrevista realizada na residência de Nelson
Gonçalves Calafate no bairro da Lagoa em 26 jan. 2011. Rio de Janeiro, 2011.
Arquivo de áudio MP3 (80min 01seg).
CHANÇA, José Mendes. Entrevista realizada na gráfica de José Mendes Chança no
bairro da Cidade Nova em 15 mar. 2010. Rio de Janeiro, 2010. Arquivo de áudio MP3
(48 min).

DAMAIA, Ramiro. Entrevista realizada no centro do Rio de Janeiro em 21 jan. 2010.


Rio de Janeiro, 2010. Arquivo de áudio MP3 (62 min).
HILÁRIO, Caçula. Entrevista realizada com Carlos Silva e Sousa, cujo pseudônimo é
Caçula Hilário, no centro do Rio de Janeiro em 03 nov. 2010. Rio de Janeiro, 2010.
Arquivo de áudio MP3 (49 min).
MARQUES, Manuel Pinto. Entrevista realizada no centro comercial CADEG no
restaurante “Cantinho das Concertinas” no bairro de Benfica em 24 out. 2009. Rio de
Janeiro, 2009. Anotações em manuscrito.
PEDROSA, Adelia & DAMAIA, Ramiro. Contato e registro de campo realizado no
Clube da Portuguesa Carioca no bairro da Ilha do Governador em 19 jun. 2010.
Anotações em manuscrito.

6. Filmografia

MARIA ALCINA: Portugueses Ilustres no Brasil. Rio de Janeiro: Malta Editora Ltda,
1994. Um DVD (52min 39 seg), son., color.
194

7. Sites consultados
ADÉLIA PEDROSA.

Disponível em: < http://adeliapedrosa.blogspot.com/>. Acesso em: 14 jan. 2011.


ADÉLIA PEDROSA.
Adélia Pedrosa. Rádio Vera Cruz . Programa dos Astros de Joaquim Pimentel.
Disponível em:
<http://picasaweb.google.com/clautulimoschi/RDioVeraCruzProgramaDosAstrosDeJo
aquimPimentelOComeO?authkey=qRsHd6FEti4#5114238675511754418.>. Acesso
em: 10 jan. 2011.

ADÉLIA PEDROSA

Disponível em: <http://www.fotolog.com.br/adeliapedrosa/65217962>. Acesso em: 11


jan. 2011.
ALELUIA.
Aleluia: a colecção de fado é (finalmente) nossa. Disponível em:
<http://cronicasdaterra.com/cronicas/2007/06/14/aleluia-a-coleccao-de-fado-e-
finalmente-nossa/>. Acesso em: 19 fev. 2009.

CLAUDIA TULIMOSCHI.
Disponível em: < http://clautulimoschi.blogspot.com/p/fado.html>. Acesso em 14 jan.
2011.

CLUBE GINÁSTICO PORTUGUÊS.

Disponível em: <http://www.clubeginastico.com.br/>. Acesso em: 22 fev. 2009.


DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA. Disponível
em: <http://www.dicionariompb.com.br/a-f-da-conceicao/dados-artisticos> e
<http://www.dicionariompb.com.br/xavier-pinheiro>. Acesso em: 09 fev. 2011.
ESTER DE ABREU.
Disponível em:
<http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asp?tabela=T_FORM_A&nome=Ester+de
+Abreu>. Acesso em: 25 out. 2009.
FADISTAS EM LISBOA.
Disponível em: <http://jupestana2.blogspot.com/2011/02/fado.html>. Acesso em: 14
Jan. 2011.
IBGE
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/brasil500/index2.html>. Acesso em: 22 out.
2009.
195

INSTITUTO MOREIRA SALES.


Disponível em: <http://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/>. Acesso em: 12
jan. 2009.
JOAQUIM PIMENTEL.
Disponível em: <http://picasaweb.google.com/catalunyacoy/Fadistes#>. Acesso em:
11 jan. 2011.
JOSÉ LÚCIO RIBEIRO DE ALMEIDA.
Disponível em: <http://www.jose-lucio.com/>. Acesso em: 12 jan. 2011.

JOSÉ MALHOA. O Fado,1910.Óleo s/tela, 1,51x1,86 cm. Disponível em:


<http://ofadodemalhoa.no.sapo.pt/>. Acesso em: 20 jun. 2008.

MANASSÉS DE LACERDA. Guitarra de Coimbra. Disponível em:


<http://guitarradecoimbra.blogspot.com/2005/12/viagem-pelo-canto-e-pela-guitarra-
de.html>. Acesso em: 20 fev. 2009 e Arquivos do Fado. Disponível em:
<http://arquivosdofado.blogspot.com/2009/03/manasses-de-lacerda-o-nosso-blogue-
vai.html>. Acesso em: 20 fev. 2009.

MANUEL TAVEIRA.
Disponível em: < http://manueltaveira.blogspot.com/>. Acesso: em 14 jan. 2011.
MARIA DE LOURDES.
Disponível em: < http://mariadelourdesfado.blogspot.com/2009/04/blog-post.html>.
Acesso em: 12 jan.2011

MUNDO FADO BRASIL.


Disponível em: < http://mundofadobrasil.blogspot.com/ >. Acesso em: 14 jan. 2011.

MÚSICA PORTUGUESA NO BRASIL – O FIM DE UMA ERA.

Disponível em: <http://www.mundolusiada.com.br/COLUNAS/ml_artigo_660.htm>.

Acesso em: 09 dez. 2010.

PORTAL DO FADO. Disponível em:


<http://www.portaldofado.net/content/view/502/#comment-409>. Acesso em: 12 nov.
2010.

PROGRAMA DOS ASTROS DE JOAQUIM PIMENTEL.

Disponível em:

<http://picasaweb.google.com/clautulimoschi/ComOutrosFamosos?authkey=aIKB99
7X3dY#5136073536412024210>. Acesso em: 10 jan. 2011.

RÁDIO PORTUGAL.
Disponível em: < http://www.radioportugal.com.br/>. Acesso em: 12 jan. 2011.
196

REAL GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA.


Disponível em: <http://www.realgabinete.com.br/index.htm>. Acesso em: 12 fev.
2009.
RESTAURANTE “O fado”.
Disponível em:
<http://picasaweb.google.com/clautulimoschi/ComOutrosFamosos?authkey=aIKB997
X3dY#5114562576175415266>. Acesso em: 11 jan.2011.

RICARDO ARAÚJO. Disponível em: <http://guitarraportuguesa.musicblog.com.br/>.


Acesso em: 23 nov. 2010.
SEBASTIÃO ROBALINHO.

Disponível em: <http://www.sebastiaorobalinho.blogspot.com/>. Acesso: em 14 jan.


2011.
THAIS MATARAZZO.
Disponível em: <http://thmatarazzo.bloguepessoal.com/>. Acesso em: 12 jan. 2011.

YOU TUBE.
Disponível em: < http://www.youtube.com/?gl=BR&hl=pt>. Acesso em: 12 jan. 2011.
197

ANEXOS
198

ANEXO A

Casas regionais, associações culturais e filantrópicas


O Clube Recreativo Português de Jacarepaguá71, fundado em 13 de abril de
1966, e seu presidente foi o Sr. Oliverio Manuel Vizeu Carvalho. Foi organizado a
partir do Rancho Folclórico Tricanas de Coimbra, e durante mais de quatro décadas se
dedicou a propagar a cultura e a história de Coimbra, promovendo reuniões
recreativas, artísticas e bailes. A cidade do Rio de Janeiro possui outras entidades
culturais de origem luso-brasileira, como o Clube Português do Rio de Janeiro, o
Orfeão Portugal do Rio de Janeiro e o Orfeão Português.
O Liceu Literário Português72 é uma sociedade centenária, fundada em 1868. De
caráter filantrópico, possui uma biblioteca para consulta pública, um museu e três
institutos que atuam na área de pesquisa e fomento da história, da cultura e da língua
portuguesa. São oferecidos à comunidade em geral diversos cursos de extensão
acadêmica, além de um curso de especialização em Língua Portuguesa.
As entidades recreativas colaboraram mais estritamente com o processo de
expansão e fixação na terra do povo português no Brasil. Por isso, damos ênfase no
desenvolvimento deste tópico, relacionando as bandas musicais e os Ranchos
Folclóricos. Fundada em 1921, a Banda Portugal do Rio de Janeiro congregou em seus
primórdios um número majoritário de instrumentistas portugueses, mas, na atualidade,
a banda conta com noventa por cento de brasileiros em sua formação, oriundos de
Escolas de Música como a Faetec ou o Conservatório Villa-Lobos. Na atualidade, a
Banda Portugal se apresenta sob a regência e direção musical do Maestro José Soares,
incluindo em seu repertório músicas tradicionais portuguesas, além de dobrados e
polcas entre outras obras. A Banda Portugal recebe o apoio do Liceu Literário
Português na promoção e divulgação de eventos ligados às tradições da comunidade
luso-brasileira.

O Rancho de Dança Cantares do Divino Salvador73 é um grupo folclórico


representante da cultura portuguesa da região do Douro Litoral, uma das onze
províncias tradicionais de Portugal, que se encontra localizada na região Norte do país,
reunindo o distrito do Porto e alguns “concelhos” dos distritos do Aveiro e do Viseu.
Segundo informação constante no site do rancho folclórico, o grupo se apresenta com
danças e trajes típicos da região, ao som de diversas músicas do cancioneiro popular
português, como “tiranas, canas-verde, rusgas, vira-rasgado, fado da reguenga e fado-
batido, chula do Douro e vira serrano, além de outras músicas”. O Rancho Folclórico
Maria da Fonte74 foi fundado em 18 de dezembro de 1954, já atuou em vários festivais
em Portugal, e tem como objetivo divulgar a cultura minhota. É associado à Casa do
Minho, funciona como restaurante e centro cultural e está localizado no bairro do

71
. Fonte: Clube Recreativo Português de Jacarepaguá. Disponível em:
<http://www.clubeportuguesjpa.com.br/>. Acesso em: 22 fev. 2009.
72
Fonte: Liceu Literário Português. Disponível em: <http://www.liceuliterario.org.br/>. Acesso em: 12
fev. 2009.
73
Fonte: Rancho Divino Salvador. Disponível em: <http://www.ranchodivinosalvador.cjb.net/ >.
Acesso em: 20 fev. 2009.
74
Fonte: Casa do Minho. Disponível em: <http://www.casadominho-rj.com.br/ranchos.html>. Acesso
em: 20 fev. 2009.
199

Cosme Velho. O Rancho Folclórico Adulto da Casa de Viseu 75 foi fundado em junho
de 1967, com o objetivo de representar as danças típicas e a música portuguesa nas
festas típicas da Casa de Viseu, agremiação cultural localizada no bairro da Vila da
Penha. A fundação do rancho teve como padrinhos a cantora Olivinha Carvalho e o Sr.
Lima Abreu, um grande incentivador do folclore português. O Rancho Folclórico Luiz
de Camões localiza-se na cidade vizinha de Niterói e suas atividades culturais estão
relacionadas ao Clube Português de Niterói.
A Casa do Minho 76 é presidida pelo Sr. Agostinho da Rocha F. dos Santos e
desenvolve suas atividades culturais e sociais em sua sede no bairro do Cosme Velho,
abrigando um conhecido restaurante português. A associação foi fundada em março de
1924, e acolhe o Rancho Folclórico Maria da Fonte. A Casa de Espinho, fundada em
07 de setembro de 1964, é outro centro de promoção da cultura portuguesa, está
localizada no bairro de Irajá e é presidida pelo Sr. Manuel Fonseca. A Casa de Viseu 77
é presidida pelo Sr. José Antonio Marinho Nunes, e foi fundada em 15 de Julho de
1966. A sede está localizada à Rua Carlos Chamberland no bairro da Vila da Penha.
Essa entidade promove a difusão dos costumes e da cultura típica da região do Viseu
através de suas danças e cantares e é considerada uma das principais associações
culturais luso-brasileiras.
A cidade de Niterói representa outro ponto de concentração de imigrantes
lusitanos, pois recebeu um grande contingente de descendentes portugueses a partir da
década de 1920, estabelecidos inicialmente no bairro portuário da Ponta d’Areia.
Naquele ano, o censo demográfico revelou que a população da cidade de Niterói
contava com 1/6 de imigrantes, sendo a sua maioria composta de portugueses e seus
descendentes. Segundo Ana Maria de Moura Nogueira, essa comunidade guardava os
valores lusos da terra de além mar e hoje é conhecida como Portugal Pequeno
(NOGUEIRA, 2000):
Situada no canto esquerdo do litoral niteroiense, do ponto de vista de quem
chega pelo mar, a Ponta d’Areia lembra muito uma aldeia portuguesa [...].
O bairro é formado por um conjunto de casas que ainda resistem à beira do
cais, espremidas entre o mar e o morro da Penha. Ele cresceu em função
dos estaleiros que movimentaram Niterói desde a primeira metade do
século passado, empregando centenas de imigrantes em torno das
atividades ligadas à construção naval e à pesca. (NOGUEIRA, 2000:188-
189).

A música representou um dos primeiros fatores de integração da comunidade


portuguesa em Niterói. As primeiras iniciativas adotadas como suporte para a
adaptação desse grupo de imigrantes no local foram a fundação da Igreja Nossa
Senhora de Fátima, a abertura do Hospital Santa Cruz de Beneficência Portuguesa, a
fundação da Banda de Música e do Centro Musical. A autora Ana Maria de Moura
Nogueira orienta a sua pesquisa com base na organização interna da Banda de Música

75
Fonte: Rancho Folclórico Adulto da Casa de Viseu. Disponível em:
<http://escudo.sites.uol.com.br/RANCHO-FOLCLORICO.htm>. Acesso em: 22 abr. 2009.
76
Fonte: Casa do Minho. Disponível em: < http://www.minho.com.br/novo/.>. Acesso em: 20 fev.
2009.
77
Fonte: Casa de Viseu. Disponível em: <http://escudo.sites.uol.com.br/Pagina-Principal.htm>. Acesso
em: 22 fev. 2009.
200

e na disputa de poder pela direção desse grupo musical, exemplificando assim as


transformações sociais ocorridas na comunidade portuguesa de Niterói.
A Banda de Música foi estruturada com o intuito de promover apresentações
musicais e eventos sociais da comunidade, e antecede à fundação do Centro Musical
que ocorre em 1919. Esse centro foi organizado pelos comerciantes locais com o apoio
do vice-cônsul de Portugal. Ana Maria Nogueira (2000) descreve as características
básicas dos membros do Centro Musical:
Os primeiros artigos do Estatuto do Centro Musical procuram definir o
perfil do associado: este deveria ter preferencialmente nacionalidade
portuguesa ou brasileira e em casos de “outras nacionalidades”, os
candidatos deveriam ser apreciados pela diretoria, que não contava com
representação feminina. Vetava-se terminantemente a admissão de
cidadãos “comprovadamente beberrões, de aspecto pouco recomendável ou
com moléstia contagiosa”. Esta última exigência, bem como a de se usar
terno e gravata em ocasiões festivas, justificava-se pela necessidade de
controlar a frequência em um lugar naturalmente “movimentado” como era
a Ponta d’Areia nos anos 1920 e 1930. (NOGUEIRA, 2000:195).

A construção da identidade lusitana no bairro Ponta D’areia se dá nas primeiras


décadas do século XX através de suas instituições beneficentes, culturais e religiosas
fundadas, contribuindo para a estruturação urbana da cidade de Niterói e tendo a
música desempenhado uma função primordial no assentamento desse grupo
populacional.

Mais uma instituição importante para a comunidade portuguesa é o Clube


Português de Niterói78, fundado em 02 de fevereiro de 1960 e presidido por Fernando
Guedes de Azevedo. Oferecendo várias possibilidades de lazer ao seu associado, o
clube promove as atividades do Rancho Folclórico Luiz de Camões.

78
Fonte: Clube Português de Niterói. Disponível em:
<http://www.clubeportuguesdeniteroi.com.br/23064.html>. Acesso em: 23 fev. 2009.
201

ANEXO B

Resumos biográficos

A cantora Adelia Pedrosa (Praia de Pedrógão, Distrito de Leiria, Portugal,


30/11/1948) chegou ao Brasil aos doze anos de idade, fixando residência junto à
colônia portuguesa estabelecida na praia do Caju no Rio de Janeiro. Iniciou sua
carreira em 1959 cantando no “Programa dos Astros”, apresentado por Joaquim
Pimentel na Rádio Vera Cruz do Rio de Janeiro, depois integrou o elenco de um
programa de televisão (TV Continental), dirigido por Pimentel e denominado “A Casa
do Casemiro”. A referida fadista divulgou o fado em programas de rádio e TV, como o
programa “Portugal no Mundo”, transmitido pela TV Tupi, e “Todos cantam a sua
terra”, pela TV Record sob a direção de Santos Mendes. A artista fez carreira como
fadista no Brasil, além de atuar em Portugal e na Argentina. Em 1964, Adélia mudou-
se para a cidade de São Paulo, tornando-se proprietária de restaurantes típicos
portugueses nessa cidade, como o “Adega Lisboa Antiga” em sociedade com Joaquim
Pimentel e Terezinha Alves e o restaurante “Abril em Portugal”. Na atualidade, reside
em Pirassununga, interior de São Paulo, e mantém um blogue pessoal que divulga a
história do fado no Brasil, encontrado no site <http://adeliapedrosa.blogspot.com/.>.
A fadista Ester de Abreu (Ester de Abreu Pereira, Lisboa, Portugal,
25/10/1921, Rio de Janeiro, Brasil, 24/02/1997), irmã da cantora Gilda Valença,
iniciou a sua carreira numa rádio em Portugal, cantando músicas para crianças e
profissionalizando-se na Rádio Nacional de Lisboa em 1940. No ano de 1948, viaja ao
Brasil para se apresentar em uma temporada de dois meses no Hotel Copacabana
Palace. Nesse período, integra o espetáculo “Sonho nas Berlengas" e decide
estabelecer residência no Rio de Janeiro, participando posteriormente do elenco de
cantores da Rádio Nacional.

Gilda Valença (Ermenegilda Pereira, Lisboa, Portugal, 13/02/1926, final da


década de 1980), é irmã da fadista Ester de Abreu. Com 23 anos completos, Gilda
Valença desembarcou no Rio de Janeiro, em 1949, com o intuito de visitar as suas
irmãs Julieta e Éster de Abreu, então residentes na cidade, e atuou em alguns
programas radiofônicos de Ari barroso na Rádio Tupi. Regressou a Portugal para atuar
no teatro de revistas entre 1951 e 1953, dividindo o palco com a atriz Graziela Mendes
e a fadista Hermínia Silva. Retornou ao Brasil em 1953, contratada pela Companhia de
Walter Pinto para atuar e cantar no teatro de revista. Gilda Valença atuou em várias
revistas do teatro brasileiro, no programa “Revista do Rádio em Portugal”, de Manoel
Monteiro (1966-1968). No cinema, estrelou o filme “O petróleo é nosso” (1954) e
compôs o elenco de quatro filmes do ator/produtor Mazzaropi, sendo o último em
1978, intitulado “Jeca e seu filho preto”. Integrou como atriz o elenco de telenovelas
da TV Tupi, como “Antonio Maria”, exibida entre julho de 1968 e abril de 1969, onde
interpretava a personagem “Amália”; atriz da telenovela “A Fábrica”, entre março de
1971 e março de 1972, no papel da personagem “Maria da Graça”, e na telenovela “O
preço de um homem”, em 1972.
202

Descendente de portugueses, Olivinha Carvalho (Rio de Janeiro, 30/03/1930)


começou a cantar ainda na infância, e aos cinco anos de idade, já se apresentava no
programa Heraldo Português, na Rádio Cajuti do Rio de Janeiro. Ao completar dez
anos, foi contratada pelo empresário Walter Pinto para atuar ao lado de Oscarito,
Aracy Cortes, Manoel Vieira e Lurdinha Bittencourt no teatro de revista. Em 1951, foi
trabalhar na Rádio Nacional levada por Victor Costa, atuando nesta emissora ao lado
de inúmeros artistas, como a fadista Ester de Abreu, representando de forma emotiva a
comunidade luso-brasileira. Um fato a destacar acerca da biografia de Olivinha é que
a artista, embora tivesse manifestado o desejo de se apresentar em Portugal, nunca o
realizou. As fontes biográficas da fadista podem ser averiguadas através das
informações postadas no site da pesquisadora Thais Matarazzo, abaixo indicado.
Fonte: <http://thmatarazzo.bloguepessoal.com/171479/Voce-conhece-Olivinha-
Carvalho/.>.
Francisco José Galopim de Carvalho (Évora, Portugal, 16/08/1924, Portugal,
31/07/1988), conhecido no meio artístico como Francisco José, iniciou a sua carreira
de fadista e cantor romântico aos 24 anos de idade, interrompendo e abandonando a
graduação em Engenharia onde cursava o terceiro ano de estudos. O artista liderou
alguns programas de variedades na televisão brasileira, passando pela TV Tupi, TV
Rio e Continental, e nesta última, em 1960, apresentou o programa “Figura de
Francisco José”, que contribuiu para a sua popularização junto ao público brasileiro.
Em 1964, em passagem por Portugal, foi protagonista de um incidente “diplomático”,
ao participar de um programa de TV que era transmitido ao vivo: acusou a emissora
RTP (Rádio Televisão Portuguesa) de remunerar os artistas portugueses de forma
indevida porque a emissora pagava um cachê superior aos artistas estrangeiros. A
transmissão do programa foi cortada e o artista foi conduzido às dependências da
PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado, também conhecida como Polícia
Política, cujas funções mantinham semelhança com o DOPS - Departamento de
Ordem Política e Social - brasileiro), foi interrogado e processado por injúria e
difamação, o que lhe acarretou uma ordem para se retirar do país, voltando a cantar na
televisão portuguesa apenas no ano de 1980. O artista deixou um legado considerável
de obras e feitos que enalteceram tanto o gênero fado quanto a cultura popular
portuguesa. Francisco José faleceu em 31/07/1988.

Antonio Campos, além de se apresentar no eixo Rio - São Paulo, esteve mais
de vinte vezes em Portugal, atuando em várias casas de fado, como a tradicional
“Faia”, e se apresentou em Buenos Aires e em La Plata, na Argentina, bem como em
vários estados brasileiros. Participou de inúmeros programas de Rádio e TV no Brasil
e em Portugal e gravou fonogramas de suas obras nesses dois países. Os dados
biográficos de Antonio Campos foram extraídos do programa radiofônico veiculado
em 15 de agosto de 2009 no site “Mundo Fado Brasil”, apresentado por Claudia
Tulimoschi e disponível no blogue do “Mundo Fado Brasil” no endereço
<http://mundofadobrasil.podbean.com/category/antonio-campos/>.
Tony de Matos (António Maria de Matos, Porto, Portugal, 28/09/1924, Lisboa,
Portugal, 08/06/1989) é filho da atriz Mila Graça e de António Júlio de Matos. Inicia a
sua carreira artística na Companhia Rafael de Oliveira Artistas Associados, na qual
atuaram sua mãe e seu padrasto, o ator Afonso de Matos. Tony de Matos cantou nos
atos de variedades do Teatro Desmontável, onde o padrasto era diretor artístico. Em
1938, em uma turnê da companhia na região da Beira Alta, o jornal local registrou e
destacou a interpretação do jovem de 14 anos que cantava fados de Coimbra,
203

acompanhado por músicos amadores locais. Em 1945, integrou durante um período


curto o elenco de cantores da Emissora Nacional Portuguesa e, a partir de 1948, atuou
por dois anos no Café Luso de Lisboa. Tony de Matos faleceu em Lisboa em 8 de
Junho de 1989, deixando uma imensa discografia e uma importante colaboração para a
cultura portuguesa, produzindo e atuando em obras para o cinema, televisão, teatro de
revista e em shows. No Brasil, o seu restaurante “Fado”, em Copacabana, contribuiu
para a divulgação do fado e da cultura portuguesa na cidade, difundindo a arte dos
fadistas portugueses aqui estabelecidos.

Sebastião Robalinho (Freguesia do Sandim, Vila Nova de Gaia, Portugal,


29/02/1934, Rio de Janeiro, 17/12/2004) chegou ao Brasil com vinte anos de idade em
1º de abril de 1954, e iniciou a sua carreira no “Programa dos Astros”, de Joaquim
Pimentel, na Rádio Vera Cruz. Em Portugal, ainda na adolescência, cantou no estilo
castiço em noites boêmias da Ribeira, no Porto, tendo como referência o fadista
Alfredo Marceneiro. Sebastião Robalinho exerceu também a função de radialista,
mantendo no ar por 42 anos seguidos um programa radiofônico que se intitulava
“Mensagem de Portugal”, inicialmente na Rádio Metropolitana e depois na Rádio
Mundial. O fadista faleceu no Rio de Janeiro em 2004, e sua filha, Priscila Robalinho,
mantém um blogue atualizado em memória de seu pai, que pode ser encontrado no site
<http://www.sebastiaorobalinho.blogspot.com/>, onde podemos consultar dados
biográficos, discografia, e observar alguns depoimentos acerca do fadista.

Manuel Taveira participou de duas telenovelas na TV Tupi, “Antonio Maria”


(1968) e “Meu rico português” (1975), e de uma na TV Record, “As pupilas do Sr.
Reitor” (1970). Foi considerado cidadão paulistano pela Câmara Municipal da Cidade
de São Paulo em 1970, residindo nessa cidade por 20 anos e sendo homenageado ali
com o nome de uma rua. Manoel Taveira viveu no Brasil por 44 anos, dos quais 19
anos em São Paulo e 25 no Rio de Janeiro, cidade onde faleceu em 20 de Outubro de
2002.

Mario Simões (Figueira da Foz, Portugal, 1943) chegou no Brasil em 1959,


com 16 anos de idade para residir com os seus tios que já eram estabelecidos na cidade
do Rio de Janeiro. Em sua infância, em Portugal, demonstrava grande admiração pelos
fadistas Francisco José, Tony de Matos e Tristão da Silva, cantando suas músicas e
imitando os seus estilos. No Rio de Janeiro, ao ouvir o “Programa dos Astros” da
Rádio Vera Cruz, descobriu que os seus ídolos de infância eram artistas imigrantes
como ele, o que o encorajou a procurar o fadista Joaquim Pimentel a fim de realizar
um teste vocal e, no caso de ser aprovado, ser admitido no elenco de artistas da
emissora. Sua interpretação da música “Estrela da Minha Vida” lhe garantiu a
efetivação no programa e a possibilidade de se apresentar em clubes portugueses e
casas regionais da cidade. Por iniciativa da vereadora Teresa Bergher, o fadista foi
agraciado com o título de Cidadão Honorário do Município do Rio de Janeiro em
março de 2010, prêmio por seu talento musical, motivo de fortalecimento dos laços de
união entre Brasil e Portugal através do fado e da música portuguesa.

Você também pode gostar