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55 - UNIRIO PPGM Tese ALBERTO BOSCARINO TESE FINAL PDF
55 - UNIRIO PPGM Tese ALBERTO BOSCARINO TESE FINAL PDF
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Dedico este trabalho a minha esposa Cristina e ao meu filho Rafael.
Aos meus avós Manuel Mendes e Maria Benedicta dos Reis, o encontro de Portugal e
África na construção de nossa identidade cultural.
iv
v
AGRADECIMENTOS
Aos amigos Alexandre Geraldo, Luiz Carlos Brendler, Lelia Brazil, Mario
Louro, Claudia Waite, Julio Giannini, Jane Rodrigues do Santos, Bartolomeu Wiese,
Márcia Carnaval, Helenice Cunha, Luiz Carlos Chaves da Silva, Maria de Fátima
Chaves de Carvalho, Maria Isabel Chaves de Carvalho Nabuco, Irene Chaves da Silva,
presentes nos momentos importantes de minha vida, e que me fazem compreender
toda a dimensão da palavra irmandade.
Aos Professores Silvio Mehry, Luiz Paulo Sampaio, Roberto Gnattali, Carole
Gubernikoff, e a todos os professores do Programa de Pós-Graduação da Universidade
Federal do Estado do Rio Janeiro UNIRIO, pela seriedade e aplicação que conferem
aos seus alunos.
Aos professores Mônica Duarte, Luiz Otávio Braga e Elizabeth Travassos, que
elevam com suas ações a qualidade de conhecimento musical, inclusive no tocante ao
desenvolvimento do estudo da música popular, e que participaram da avaliação dos
ensaios e da qualificação desta pesquisa.
Aos professores que compõem a banca de defesa desta tese, Icléia Thiesen,
Heloisa Valente, Luiz Otávio Braga, Regina Meireles e Mônica Duarte.
vi
A Thais Matarazzo, Claudia Tulimoschi e Ricardo Oliveira, pelas informações
reveladas e por sua resistência em prol da manutenção das práticas culturais do fado
no Brasil.
Aos amigos e familiares, e aos meus pais Alberto e Lourdes, com grande
admiração.
vii
BOSCARINO JR., Alberto. Do Tejo ao Rio de Janeiro: uma história de fados. 2011. Tese de
Doutorado (Doutorado em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes,
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
RESUMO
viii
BOSCARINO JR., Alberto. From Tejo to Rio de Janeiro: a history of fados. 2011. Doctoral Thesis
(Doutorado em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes,
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
ABSTRACT
This is a study of the trajectory of fado in Brazil as Portuguese popular music and of
its relationship with the Portuguese immigrants established in Rio de Janeiro during
the 20th century. Fado will be analysed, as well as its means of diffusion used by the
Portuguese colonies established in the city of Rio de Janeiro during the 1950s and the
1970s, when these people organized social events in order to preserve their cultural
memory. The concept of art world of Howard Becker helps in the interpretation of the
musical and social practices around the Portuguese fado, including the analysis of the
internalized predispositions, of the artistic space, of the existent relationships between
the social networks and the way of cooperation of the social actors. The spaces of
memory of fado will be analysed based on the concept of Maurice Halbwachs, and the
collective memory which integrates its social network will be considered from the
theoretical contribution of Michel Pollak. Pierre Bourdieu’s concept is reference for
the understanding of the meanings apprehended by several cultural groups which are
part of this social network. Besides the adopted theoretical support, documental
sources are consulted and oral depositions of artists, listeners and other social agents
are collected. The research as a whole aims to contribute with the recovering of one
part of the musical history of fado, investigating the art world which involves this
musical genre in its relation with the Portuguese immigrants in the city of Rio de
Janeiro.
Keywords:
ix
BOSCARINO JR., Alberto. Tejo - Rio de Janeiro: une histoire du fado. 2011. Thèse de doctorat
(Doutorado em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes,
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
RÉSUMÉ
Étude la trajectoire du fado au Brésil comme une chanson populaire portugaise et ses
relations avec les immigrants portugais établis à Rio de Janeiro au cours du XX e
siècle. Le fado sera discuté ainsi que les moyens de diffusion utilisés par les colons
portugais pendant les années 1950 et 1970 à la ville de Rio de Janeiro, quand ils
organisent des activités sociales afin de préserver leur mémoire culturelle. Le concept
du monde de l'art, Howard Becker, aide à l'interprétation des pratiques sociales et
musicales autour du fado portugais, y compris l'analyse des prédispositions
personnelles, l'espace d'art, la relation entre les réseaux sociaux et la forme de la
coopération des acteurs sociaux. Les espaces de la mémoire du fado seront analysés
selon le concept de Maurice Halbwachs et l'idée de la mémoire collective et de
l'intégration de leur réseau social sera considérée comme provenant de la contribution
théorique de Michael Pollak. Cette recherche utilise aussi le concept d'habitus de
référence de Pierre Bourdieu pour comprendre la signification perçue par les différents
groupes culturels au sein de ce réseau social. En plus du soutien théorique adoptée,
sont consultés sources documentaires et des témoignages oraux recueillis par des
artistes, des auditeurs et d'autres agents sociaux. Toutes les recherches vise à
contribuer à la rescousse d'une partie de l'histoire de la musique fado, d'enquêter sur le
monde artistique qui entoure ce genre dans ses relations avec les immigrants portugais
dans la ville de Rio de Janeiro.
x
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 1
REFERÊNCIAS .........................................................................................................186
ANEXOS ...................................................................................................................197
xi
LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS
xii
INTRODUÇÃO
portugueses que aqui chegaram naquele período, meu avô materno imigrou para o
busca de melhores perspectivas para sua família. Como outros patrícios, deixou sua
família (mulher e dois filhos) em sua terra natal e desembarcou sozinho no Rio de
Janeiro, almejando trabalho a fim de constituir uma base segura que possibilitasse a
dinheiro e uma guitarra portuguesa, que lhe dava suporte harmônico para entoar fados,
Com o passar dos anos, meu avô constituiu uma família nova e repassou aos
pátria cada vez mais distante em sua memória. Esses fados podiam ser apreciados
doméstico.
O tema abordado nesta tese surgiu a partir de uma conversa descontraída com
amigos residentes na Espanha sobre a música da Península Ibérica, na qual era descrito
bibliográfico acerca das fontes do fado no Rio de Janeiro, quando constatei que não
relação entre a música do fado e as redes sociais nela inseridas, verificando que se
A ideia inicial era realizar uma pesquisa que evidenciasse a diferença entre o
do século XX. Mas, no decorrer da pesquisa, houve uma mudança de foco, pois o
além mar.
3
sinalizar a identidade cultural dos grupos. Desse modo, procuro interrogar as formas
através da vivência musical do povo lusitano no Rio de Janeiro e sua relação com o
fado. O objeto de estudo será delimitado a partir das relações sociais decorrentes da
quais foram de suma importância para a construção da tese. A memória coletiva dos
relações sociais e para a articulação com o mundo do fado no período referido. Assim,
resultado desses relatos é reunido aos dados históricos citados anteriormente para a
período, ou seja, a “percepção social dos fatos”, de acordo com Paul Thompson
considerações de Verena Alberti (2005) sobre a história oral vem colaborar com o
“mundo artístico” e compreendem a ação dos artistas integrados na rede social em que
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grupos culturais que integram essa comunidade servirá como referência para uma
ação do indivíduo em relação ao seu grupo, e o modo como o sujeito vê e é visto pelo
afirma:
Janeiro, dirigido a uma análise da diáspora portuguesa a partir das obras de autores
como Eulália Maria Lahmeyer Lobo (2001), Renato Pinto Venâncio (2000),
Abdelmalek Sayad (1998), Maria Beatriz Nizza da Silva (1992), Lucia Lippi Oliveira
1
Para Bourdieu (2000), o conceito de campo compreende o espaço onde ocorrem relações entre
indivíduos ou grupos sociais, movido por leis próprias e dinâmicas, cujo objetivo principal deve revelar
o êxito dos sujeitos envolvidos nas disputas de poder. O conceito de campo encontra-se associado ao
conceito de habitus, que opera como um código de conduta exercido de forma inconsciente e que
legitima e ordena o comportamento social dos agentes.
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século XIX, que deram origem às vilas operárias e, por extensão, a toda uma rede de
relações sociais decorrente do cotidiano dos operários nos seus bairros de moradia.
entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Ressalto
colônia portuguesa através dos símbolos pátrios que eram apresentados nos textos das
canções.
que articula gestos, expressão facial, timbre de voz, ambientação local e ornamentos
repassadas, além dos aspectos que contribuíram para o surgimento das casas de fado
em Lisboa, considerando toda a sua simbologia. O capítulo se encerra com uma breve
7
fontes do fado português no Rio de Janeiro entre as décadas de 1950 e 1970. Após
suas canções nos espaços disponíveis para a divulgação de tal música. Essa discussão
acontece através das fontes documentais extraídas dos relatos de artistas, radialistas e
público do gênero fado, e devem ser articuladas de acordo com as teorias de Becker
nativos das terras novas em que passariam a viver. Nesse período, se forem
incentivadas por articulações políticas bilaterais que fomentaram tal trânsito, embora
muitos portugueses tenham optado por esse processo por desconhecer toda a
da imigração portuguesa no Brasil pode ser elaborada a partir do exame dos dados
aspectos históricos.
saudade, sentimentos que o povo lusitano parece cultuar em Portugal e no seio de cada
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Janeiro, unificando esses espaços de memória. Essa imagem de travessia entre “rios” –
margens que se aproximam através dos fados com suas semelhanças e diferenças - dá
título a esta tese: “Do Tejo ao Rio de Janeiro: uma história de fados”.
.
9
CAPÍTULO 1
2
PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: DIFEL, 1986, p. 9.
10
figura de uma mulher reclinada com o olhar a contemplar o oceano. O poeta revela
que os olhos dela são “gregos” porque trazem a lembrança da herança cultural
européia, e enfatiza o olhar “esfíngico e fatal”, o qual fita o mar. A metáfora utilizada
é apropriada para definir esse povo cuja história é marcada pela expansão marítima,
remete aos portugueses que nasceram voltados para o mar e que partiram de sua terra
representado pelo mar, porque o imaginário português não apagou a era das
descobertas as quais delinearam seu futuro. Desse modo, a visão para o ocidente pode
ser articulada à diáspora dos portugueses, ao percurso que fizeram por mares
“esfíngico e fatal” do povo lusitano para o mar, enigma que buscaremos desvendar
Portugal é esse rosto que fita o mar e o seu olhar parece movido pelo desejo de se
3
Como diz o poeta Camões no início de sua epopéia Os Lusíadas (Canto I, 1), em que enaltece o valor
de seus heróis, chamados pelo poeta de “barões assinalados” os quais viajaram por “mares nunca de
antes navegados”. “As armas e os barões assinalados/ Que da Ocidental praia Lusitana,/ Por mares
nunca de antes navegados/ Passaram ainda além da Taprobana,/ Em perigos e guerras esforçados/ Mais
do que prometia a força humana,/ E entre gente remota edificaram/ Novo Reino, que tanto
sublimaram.” In: CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Edição organizada por Emanuel Paulo Ramos.
Porto: Porto Editora, 1978, p. 9.
11
nativos das novas terras em que passariam a viver. Nesse período, ao observarmos os
articulações políticas bilaterais que fomentaram tal trânsito, mas muitos portugueses
optaram por tal processo por desconhecer toda a engrenagem política a que se
pode ser elaborada a partir do exame dos dados estatísticos que envolvem a geografia
cotidiano de nossas famílias durante a maior parte do século XX. É impossível pensar
o Brasil do século passado sem lembrar-se dos folguedos, da Festa Junina, das
econômica e bem estar social. Mas há aqueles que alimentam já no embarque o desejo
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empreendimento, que deve ser recompensado pela riqueza, pelo prestígio e pelo poder.
definida pela força de trabalho que o indivíduo pode oferecer. O imigrante português
atividade profissional para a manutenção de sua família, cumprindo uma dupla função
fado, cujas letras fazem evocar aos seus ouvintes a recordação da pátria distante.
imigrante está inteiramente sujeita ao trabalho, única razão de ser que lhe é
reconhecida: ser como imigrante, primeiro, mas também como homem –
sua qualidade de homem estando subordinada a sua condição de imigrante.
Foi o trabalho que fez “nascer” o imigrante, que o fez existir; é ele, quando
termina, que faz “morrer” o imigrante, que decreta sua negação ou que o
empurra para o não-ser. (SAYAD, 1998: 54-55).
Brasil, tomamos como fonte relevante o estudo de Eulália Maria Lahmeyer Lobo,
migratório português para o Brasil entre o final do século XIX e a década de 1940.
Outro livro de referência foi editado pelo IBGE e se denomina Brasil: 500 anos de
Brasil. Esse livro contém um artigo de Renato Pinto Venâncio, intitulado “Presença
1991).4
descobertas pelos espanhóis nas colônias americanas. A maior parte dos portugueses
4
A história da imigração portuguesa no Brasil pode ser conhecida através de estudos, livros, biografias,
teses de doutorado e estatísticas oficiais. Embora alguns historiadores brasileiros utilizem como
referência principal as fontes oficiais do IBGE, diferem em suas análises no que diz respeito às datas de
início, ápice e declínio das fases do fluxo migratório português para o Brasil.
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Gerais para extração de ouro e pedras preciosas. De acordo com fontes do IBGE,
estima-se que cerca de 100.000 portugueses imigraram para o Brasil entre os anos de
1500 e 1700, fase que pode ser classificada como período de “imigração restrita”.5
através dos principais portos brasileiros. Em 1808, com a chegada da Família Real
Portuguesa, houve uma mudança no panorama social da cidade do Rio de Janeiro, pois
com dois terços de sua população constituída de negros, mestiços e mulatos, mas com
abandonadas por seus pais. Essas crianças chegaram a representar 20% do total de
de-obra coletiva do campesino pelo trabalho mecanizado na lavoura -, fato que trouxe
de massa”, tais como a crise ocorrida nas vinícolas do norte de Portugal (1886-1888),
(LOBO, 2001).
entre o final do século XIX e a década de 1930. Em 1905 já contávamos com 110
Tecidos Confiança Industrial, localizada entre os bairros Andaraí e Vila Isabel. Essas
também em outros setores. No Rio de Janeiro, entre 1949 e 1958, grande parte dos
barracas de feira livre, exercendo, assim, a hegemonia nesse setor. Além do emprego
XX, fixada entre os anos de 1961 e 1991, ainda que as evidências da redução do fluxo
IBGE, entre 1929 e 1931 houve uma redução desse fluxo (de 38.779 para 8.152
fatores, como por exemplo: a suspensão das viagens atlânticas em função da segunda
portugueses de 247 mil para 410 mil habitantes entre o final da década de 1960 e o
para países europeus como a França e a Bélgica. Entre 1981 e 1991, fatores como o
1890 (1992), a historiadora Maria Beatriz Nizza da Silva contribui com o estudo da
dinheiro aos seus parentes em Portugal. Por vezes, o imigrante não tinha uma
18
alternativa melhor, a não ser optar pela naturalização brasileira, pois sua permanência
por motivos diversos (por exemplo, a constituição familiar), indicando que “a opção
pela naturalização, quando não encarada como uma simples decisão oportunista,
décadas do século XX, e que atendeu aos interesses econômicos de cada país em
expansão do processo de colonização. A partir de 1808, por força de uma lei imperial,
(OLIVEIRA, 2002).
subvenção:
19
sociedades atuavam com propósitos diferentes, pois, para o Rio de Janeiro, era
São Paulo. Portanto, as sociedades atuaram com agentes que difundiram o Brasil na
trabalho, e atraíram imigrantes que cruzavam o Oceano Atlântico para aqui constatar a
que não se declarasse contrário a tal ato em um prazo de seis meses a contar do início
1934 e 1937:
cidadão português se deparou com muitos obstáculos para efetivar a sua transferência,
Foram muito discutidos nos anos [18]50 os casos de pessoas que aceitaram
passagem para o Brasil endividando-se perante os comandantes das
embarcações, que no Rio de Janeiro negociavam os contratos dos
passageiros com novos patrões. Os abusos nascidos dessas situações
levaram a que os candidatos à obtenção do passaporte devessem apresentar
um contrato de trabalho válido ou provar que tinham pago a viagem.
(LEITE, 2000: 179).
uma fiança de valor elevado, que poderia superar inclusive o valor da passagem para o
anos de idade. Essa política de emigração, salvo algumas modificações, foi sustentada
21
pelo governo português entre as décadas de 1850 e 1920. Apesar das restrições
informação e por meios de transporte de massa modernos, como por exemplo o navio
a vapor.
portanto, os dados colhidos nos livros e em estudos sobre a imigração dos portugueses
no Brasil como ponto de partida para a construção da tese. Mas, de acordo com as
individual e coletiva dos portugueses que chegaram ao Rio de Janeiro no período entre
um grupo “de fora” e analisa longos períodos, enquanto que a memória coletiva se
porque ela fixa sua atenção sobre o grupo, e o que mudou, foram as relações
ou contatos do grupo com os outros. Uma vez que o grupo é sempre o
mesmo, é preciso que as mudanças sejam aparentes: as mudanças, isto é, os
acontecimentos que se produziram dentro do grupo, se resolvem elas
mesmas em similitudes, já que parecem ter como papel desenvolver sob
diversos aspectos um conteúdo idêntico, quer dizer, os diversos traços
fundamentais do próprio grupo. (HALBWACHS, 1990: 88).
Entendemos que a atuação do grupo imigrante na cidade do Rio de Janeiro tem
dentro” de que maneira o fado conquistou o seu espaço nesta cidade. Por ora,
antes assinalado.
A presença dos portugueses no Rio de Janeiro pode ser observada sob óticas
passou de 274.972 habitantes para 522.651 entre os anos de 1872 e 1890 e, nesse
172.338 portugueses, ou seja, 14% da população local. Segundo estudo elaborado por
Rio de Janeiro, seguido de São Paulo, com 303.865 e 281.418 imigrantes lusitanos
Localidade Total
Bahia 3697
Sergipe 137
Alagoas 260
Pernambuco 5289
Paraíba 144
Rio Grande do Norte 89
Ceará 325
Piauí 72
Maranhão 687
Pará 15631
Amazonas 8376
pardos ocuparam postos como músicos nas manifestações religiosas e populares, o que
processo de expansão física do espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro, o que veio
membros da colônia portuguesa para diversas regiões da cidade. Nesses locais, podem
bairros como Centro, Lapa, Santa Tereza, Bairro de Fátima, percebida notadamente
Olaria, Ramos, Bonsucesso, e Manguinhos, que podem ser ligados a São Cristovão
fluxo em virtude de aspectos religiosos, assim, a Igreja da Penha veio a ser um “fator
nossas festas.
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romeiros.
da Penha. A partir de 1890, a festa passou a ser frequentada também pela população
navegavam até a praia de Maria Angu e, no século XX, de trem, bonde, automóvel e
ônibus. Segundo Melo Moraes Filho (1979), até a segunda metade do século XIX o
Senhora da Penha, seguindo uma prática cultural oriunda da antiga metrópole. Nesse
6
Essas informações relativas às festividades na Penha podem ser encontradas na dissertação de
mestrado de Ana Lucia Carvalho (2005) denominada Cultura e história na Festa da Penha.
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religiosa cujo ápice apresentava as missas solenes que eram acompanhadas pelos
cerveja.
cerimônia do Te-Deum procedem à pausa para o almoço, em que cerca de vinte mil
brasileira (ANCINE), onde se vê (ainda que não possamos ouvir, pois se trata de um
Jesus. Grande parte das residências do bairro surgiu no entorno do Curtume Carioca,
empresa de capital português instalada no bairro na década de 1920, que chegou a ser
destinadas aos operários, fato que reuniu uma grande parcela de imigrantes
que funciona nas proximidades da Avenida Brasil desde 1960, abrigando a Bolsa de
para a história dos imigrantes lusitanos na cidade. Ali se encontra a sede da Casa do
Viseu, e suas ruas registram a passagem de moradores ilustres como a fadista Maria
Alcina, entre outros. As ruas do bairro são designadas com os nomes de artistas,
regiões e cidades portuguesas, como Av. Camões, Rua Cintra, Av. Lisboa, Rua Braga,
Rua Coimbra, Rua Ourique, Rua Cascais, Rua Castelo Branco, Rua Setubal, Rua
Santarém, Rua Timboim, Praça Almeida Garrett. A Penha Circular, assim como o
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no Rio de Janeiro
moagem de trigo, vela e sabão, entre outros. De acordo com Wilson Suzigan (2000),
como vestimenta dos trabalhadores ou mesmo como sacos de juta para a agricultura,
em maior parte de energia a vapor, ainda que também utilizasse a energia hidráulica.
(SUZIGAN, 2000).
7
O termo “indústria de transformação” designa o tipo de indústria que transforma a matéria-prima em
produto comercial para ser consumido.
31
Dentre todas as indústrias, a têxtil representou até o ano de 1939 o setor mais
acordo com os dados recolhidos por Suzigan (2000), durante o ano de 1907 essa
força de trabalho homens livres, mulheres e crianças, sendo parte desses trabalhadores
na década de 1870, com destaque para as fábricas “Brasil Industrial”, “Pau Grande”,
de nacionalidade portuguesa.
32
cidade do Rio de Janeiro no final do século XIX e início do XX”, Almir Pita Freitas
diretiva das indústrias locais, como o empresário Souza Cruz, que era dirigente de uma
fábrica de cigarros, e outros, como Sotto Maior e Domingos Bebiano. Como vimos
A vila operária, com suas casas e sua rede de serviços (capela, escola,
armazém, clube social, farmácia, cemitério, etc.), paradoxalmente,
apresentava benefícios sociais para o operariado têxtil ao mesmo tempo em
que era constituída de elementos legitimadores da dominação do patronato
fabril. Contudo, os operários têxteis se apropriaram destes aparatos
institucionais, atribuindo significado e valor às relações e ao modo de vida
que foi construído cotidianamente no interior das capelas, nas salas de aula
das escolas e nas diversas formas de lazer. (KELLER, 2006: 7).
vila operária, dando o sentido de sistema ao conjunto das relações entre o mundo da
entre outros. A hierarquia patronal tenta estender o seu domínio para as práticas
mundo artístico associado ao fado. Esse tipo de organização social reproduz hábitos e
o fado como uma das manifestações artísticas cultivadas pelos portugueses na cidade
fadistas, analisados no capítulo três da tese. Assim, o fado é cultuado no período 1950-
indignar-se e protestar na hora. Resiste com todas as forças de suas tradições, e essa
resistência não permanece sem efeito. Procura e tenta, em parte, encontrar o seu
econômica do Rio de Janeiro, tanto como pólo produtor de tecidos quanto como centro
fundada no bairro de São Cristovão a Cia. São Lázaro, que fabricava “roupas de meia
além do sócio inglês Henrique Wittaker, que se retirou da sociedade dois anos após a
no Rio de Janeiro em duas edições, no ano de 1881 e 1895, e neste último ano,
apresentou números que garantiam a sua relevância frente às outras empresas do setor
no Rio de Janeiro:
social. Além disso, a fábrica ofereceu possibilidades de lazer e cultura aos seus
8
No final do século XIX, o bairro do Jardim Botânico era considerado um bairro operário, e recebeu em
1894 a instalação da “Fábrica de Fiação e Tecidos Corcovado”, tendo como administradores os
portugueses Candido da Cunha Sotto Maior e o Visconde de Figueiredo. Em 1915, contava com 26.320
fusos, 1.224 teares e 1.200 operários (FREITAS FILHO, 2002: 187). Ao encerrar as suas atividades na
metade da década de 1930, a Fábrica Corcovado teve a sua área convertida para a construção de um
parque residencial, batizado de “Jardim Corcovado”.
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trabalhadores, abriu uma escola para as crianças, um clube social, exibições de cinema
e teatro.9
“Estudantina”, que após transferir a sua sede da Rua das Laranjeiras para a Praça
participou do rancho “Arrepiados” durante a sua infância, pois seu pai era operário da
Fábrica Aliança e sua família residiu em Laranjeiras em uma das casas da vila
Satanás”, e destacou que seu pai tocava cavaquinho profissionalmente no rancho. Esse
evento marcou a primeira vez que Cartola vestiu uma fantasia carnavalesca.
9
A Fábrica Aliança fechou as suas portas no ano de 1937 e, no ano seguinte, suas instalações foram
demolidas para que, em seu lugar, fosse construído um complexo habitacional de edifícios denominado
“Jardim Laranjeiras”, existente na atualidade ao largo da Rua General Glicério.
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América Fabril já contava com quatro fábricas no ano de 1915, e em 1927, já era
diretor-gerente da fase inicial dessa fábrica foi o português Domingos Alves Bebiano,
que permaneceu no cargo até o ano de 1914. A forte presença do capital comercial
10
Ressaltamos ainda a existência de outras fábricas têxteis no período, que, embora não tivessem em
seu quadro de acionistas uma maioria de investidores portugueses, empregavam como mão-de-obra a
força de trabalho do imigrante lusitano, como por exemplo, a Companhia de Fiação e Tecidos
Confiança Industrial, fundada em 1885 no bairro de Vila Isabel; a Companhia de Fiação e Tecelagem
Carioca, fundada em 1886 no bairro do Jardim Botânico; a Companhia Progresso Industrial do Brasil,
que operou a partir de 1889 no bairro de Bangu; a Fábrica Aurora, de 1895, localizada no município de
Niterói e transferida em 1901 para o Bairro de Botafogo, à Rua Real Grandeza; a Companhia Tijuca,
fundada em1900 no bairro homônimo; a Companhia de Tecidos de Linho, estruturada em 1906 no
bairro de Sapopemba, atual bairro de Deodoro; a Fábrica de Tecidos Botafogo, fundada em 1907 no
bairro de Botafogo, entre outras instituições.
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pelos operários das fábricas, evocavam a cultura lusitana através da música, afirmando
a partir de 1904 teve como regente o maestro Anacleto de Medeiros. (DINIZ, 2007:
68). A banda de música da Fábrica de Tecidos Confiança também foi organizada por
organizada por José Resende de Almeida, e foi ali que o violonista Quincas
Laranjeiras teve a sua iniciação musical na flauta, pois era operário desse
com a apresentação de Orphée aux Enfers (Orfeu nos Infernos), com música de
39
referência ao mito grego de Orfeu, e em função do êxito alcançado junto à elite local,
partir de 1868, a Opereta passou a integrar o catálogo de obras cênicas nacionais, com
no Teatro Fênix Dramática do Rio de Janeiro, Orfeu na Roça apresentava uma paródia
português, que será descrito no capítulo 2. A letra da música alude à dança do fado,
brasileiro:
O fadinho brasileiro
A mocinha brasileira
No fadinho a requebrar
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Exemplo musical 1: “Cateretê”. Orpheo na Roça. Partitura para canto e piano. Transcrição de
Alberto Boscarino de cópia original impressa. Fonte: Biblioteca Nacional.
41
origem cubano que fazia sucesso no Brasil no final do século XIX. A partir do quarto
Abdon Milanez (exemplo musical 2) pode nos indicar semelhanças entre as duas
obras, mas a indicação como número “final” na Revista Mercúrio sugere uma peça de
Exemplo musical 2. Trecho da partitura para piano de “Fadinho Final”, composição de Abdon
Milanez para a Revista Mercúrio (1886) de Arthur Azevedo e Moreira Sampaio. Cópia da
partitura original impressa por Narciso e Arthur Napoleão, s/d, número de matriz 3093.
11
O “Fadinho Final” é uma obra de autoria de Abdon Milanez, a qual integra a Revista Mercúrio de
Arthur Azevedo e Moreira Sampaio, encenada no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro em 1886.
42
mãos de Arthur Azevedo em 1870. Desde então, o Rio de Janeiro distinguiu-se como a
Teatro de Revista Português. Esse gênero teatral era originário da França, e segundo
absorve o gosto por Operetas e logo depois por Revistas. Segundo o autor, as
Burro do Senhor Alcaide, de João da Câmara e Gervásio Lobato, e foi montada pelo
séculos XIX e XX, era denominada “revista de ano”, pois o seu enredo se inspirava no
resumo dos acontecimentos políticos e sociais ocorridos durante o ano anterior, e era
da década de 1920 com a redução das obras em dois atos, o desaparecimento das duas
universo da crônica social que era tecida nas revistas de ano encenadas no Rio de
Janeiro:
musical de variedades, uma vez que o Brasil recebeu forte influência lusitana durante
(VENEZIANO,1991: 134).
Fado passou a integrar o repertório de algumas Revistas que eram dirigidas ao público
de origem portuguesa. Uma referência à música do fado pode ser encontrada na peça A
letra fazia alusão à obra “D. Jayme” do poeta português Tomás Ribeiro
(VENEZIANO,1991: 134-5):
enredo das Revistas encenadas no Brasil, outras obras foram consultadas diretamente
datada, mas há uma indicação a lápis que indica o ano de 1935, provavelmente o ano
em que a obra foi registrada no Brasil. De acordo com Tinhorão (1994), O Ditoso
um único ato e conta com apenas dois personagens em seu elenco: o Doutor Saraiva e
a Dona Violante. Há uma indicação expressa na obra onde o autor pede que a
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início da cena VI, faz alusão ao fado corrido, a “marselhesa nacional” e, ao declarar a
O adorado instrumento
E me faz pular de pé
final.
Mais duas obras nos servem de suporte para o estudo do gênero, a primeira é
intitulada Fado e Maxixe, revista em 3 atos de João Poncho e André Brum, s/d; a
12
Trata-se de uma novela lançada em 1901 pelo escritor português Julio Dantas que descreve a
sociedade portuguesa de 1848 e seus hábitos populares, tendo como personagens centrais o Conde de
Marialva e a cigana fadista Severa, que vivem um romance condenado pela sociedade da época. A
novela de Dantas foi levada ao teatro e inspirou o primeiro filme sonoro português, dirigido por José
Leitão de Barros e estreado em 1931.
46
depois de ter sido bem acolhido em Portugal, retornou ao Brasil ovacionado pelo Zé
Pereira e pelo próprio Rei Momo. Os autores da peça criaram vários personagens para
esta obra: a 1ª. Avenida, a Rotunda, o Chalet e o Coreto; a Costureira, a Ama de Leite,
Pernambuco, São Paulo, Ceará). Portanto, a obra Fado e Maxixe encena o maxixe
Reis, e Como Nasceu um Fado, de Louis Pericand Benet, porque essas obras não
foram localizadas pelo setor de arquivo da SBAT. No Brasil, o registro do termo fado
crítica especializada a nossa primeira comédia de costumes, e tece uma crítica aos
XIX. O tema da obra remete à Revolução Farroupilha de 1834, por isso, o personagem
47
José se vê obrigado a contrair núpcias com Aninha, como uma tentativa de escapar ao
vinte e três cenas e com os demais personagens envolvidos, como Manoel João, o Juiz
Sr. Manoel João que acabava de casar a sua filha. O juiz pede ao escrivão que vá
buscar a viola, e em seguida, que se organize a roda para o baile “Um fado bem
autor registra a existência de uma homologia entre o fado e a tirana, mas entendemos
brasileiro: “Bravo, minha gente! Toque, toque! Um dos atores toca a tirana na viola; os
Tocador,
cantando -
48
Todos -
dança característica do fadinho brasileiro como atração, e essa fórmula será repetida
compositora Chiquinha Gonzaga. A obra teve sua estréia no Teatro Príncipe Imperial
Souza Bastos.
quadrilha, depois apresenta uma valsa e termina com uma dança brasileira de
características híbridas que oscila entre lundu, polca e tango, dança que Edinha Diniz
classificou como maxixe (DINIZ, 1999: 118). No texto original, a indicação do gênero
Ao Fado! Ao Fado!
TODOS
CHICO BENTO
A dança final foi liberada pela censura com a condição de não ser repetida e,
apesar do fervoroso apelo do público que assistiu à estréia, os atores não puderam
fazer o bis “diante da imediata resolução da autoridade presente que mandou baixar o
pano” (DINIZ, 1999: 118). A Corte na Roça é mais uma obra que se apropria do fado
1929, a artista lançou o fado “Tibe”, na revista Pátria Amada, e em 1933 cantou o
revista brasileiro são compostas principalmente pelo roteiro da peça teatral, ficando a
termo fado nas obras do teatro musicado brasileiro pode confundir os estudiosos do
cada período.
inserção desse gênero musical no teatro de revista, processo que se iniciou ao final do
século XIX, gerando assim um estilo novo denominado fado-canção. A inclusão desse
tipo de canção nos espetáculos do teatro de revista foi bem aceita pela comunidade
portuguesa e passou integrar o seu imaginário, projetando o fado para outros espaços
Janeiro.
parte delas na cidade do Rio de Janeiro. A capital do Estado conta com 41 instituições
que operam com atividades diversas, como academias literárias, bibliotecas, teatros,
e obras de assistência.
como saúde e educação. A precariedade das condições de vida imposta aos imigrantes
salário do trabalhador e que depois iria beneficiar a sua família.” (SILVA, 1992:95).
fora de Portugal, oferece o acesso para consulta através de sua biblioteca pública, além
Costa e Antonio José Ferreira da Costa. A sede atual está localizada no centro da
cidade na Av. Graça Aranha e foi inaugurada em 1938, e a entidade possui o objetivo
associações lusitanas que constam do anexo desta tese, como o Liceu Literário
Regionais.
espaços públicos com trajes típicos de cada região de Portugal, dançando, cantando e
13
Fonte: Real Gabinete Português de Leitura. Disponível em:
<http://www.realgabinete.com.br/index.htm>. Acesso: em 12 fev. 2009.
14
Fonte: Clube Ginástico Português. Disponível em: <http://www.clubeginastico.com.br/>. Acesso em:
22 fev. 2009.
53
um entorno geográfico representativo das famílias dos imigrantes. Tem por objetivo a
phone 1515, e embora não haja indicação sobre a data de gravação, a numeração de
entre os anos de 1902 e 1935, encontramos o registro 314 de fonogramas, que podem
15
Baiano. Fado Português, Zon-o-Phone, disco 10.009, lançado em 1902.
54
ser classificados em duas fases: a primeira com 134 fonogramas, entre 1902 e 1927, e
a segunda, com 180 fonogramas, a partir de 1928, quando se inicia no Brasil o sistema
realizadas até 1935, ano representativo por conter numerosas gravações dos cantores
Manoel Monteiro, Joaquim Pimentel e José Lemos. Essas gravações nos ajudaram a
podemos destacar os principais cantores que registraram a sua voz na interpretação dos
fados na primeira fase (gravações mecânicas): Baiano, com onze gravações (11);
Cadete, duas (2); Mario Pinheiro, quatro (4); Eduardo das Neves, quatro (4); Almeida
Cruz, vinte e cinco (25); Delfina Victor, quatorze (14); Risoleta, cinco (5); Joaquim
Ramos, sete (7); Artur Castro, sete (7) e Vicente Celestino, duas (2). A segunda fase
Monteiro, que possui trinta e seis (36) fonogramas; Isalinda Seramota, doze (12); José
Lemos, treze (13); Augusto Lopes, nove (9) e Almirante e o Bando de Tangarás, com
uma gravação. A discografia referida pode ser observada em tabela inserida no anexo
Tinhorão. Esse acervo guarda fonogramas dos principais fados gravados no Brasil
entre 1902 e 1960, com gravações de Cadete, Mario Pinheiro, Baiano, Delfina Victor,
pesquisa editada pela Funarte em 1982 em 05 volumes, os quais registram mais de 700
A análise musical de uma das gravações realizadas pelo cantor Baiano, nas
primeiras décadas do século passado, pode revelar uma similaridade com o castiço
(exemplo musical 4) para verificar se havia elementos comuns nas duas obras. Quanto
16
Cancioneiro de Músicas Populares. Collecção recolhida e escrupulosamente trasladada para canto e
piano por Cesar A. das Neves; coord. a parte poetica por Gualdino de Campos; pref. pelo Exmo Sr. Dr.
Teophilo Braga. - V. 1, fasc. 1 (1893)-V. 3, (1898). - Porto: Typ. Occidental, 1898-1899.
56
aos elementos musicais, foi possível observar uma semelhança estrutural nas obras
analisadas, a saber:
Exemplo musical 4: Fragmento de “Saudades da Terra”, Odeon, 108714, entre o ano de 1907-
12, Fado. Transcrição de Alberto Boscarino.
se uma data provável para essa série situada entre os anos de 1907 e 1912. O cantor
Baiano gravou outra versão de “Saudades da Terra”, para a Odeon em 1912 17, sob o
número 10321, excluindo a última quadra e a frase declamada ao final como desabafo.
do violão, mas os arpejos da região aguda e a técnica de ponteio dos bordões com
pode sugerir que o cantor Baiano estivesse instruído na técnica da guitarra portuguesa,
além da habilidade com o violão, ampliando desse modo suas possibilidades como
intérprete.
Becker (1977) que envolve a prática referida ao cantor Baiano. Esses artistas
sua terra natal. O intérprete acompanha o canto de sua voz “bizarra” ao som da
guitarra portuguesa, e confessa as suas saudades (da terra, da família, da infância, das
noites de calma). No final da canção ele declara certo arrependimento por estar em
solo estrangeiro, situação que pode ser percebida na frase “Isso é diabo quando a gente
Que dor eu trago em meu peito/ que mágoa eu sinto in’ai alma
Que dor eu trago em meu peito/ que mágoa eu sinto in’ai alma
Nem mãe nem mais “irmanzitas”/ nem mais em quem dar um beijo
Nem mãe nem mais “irmanzitas”/ nem mais em quem dar um beijo
Isso é diabo quando a gente vive no país dos outros... É pior do que cachorro leproso!
59
disco como lundu. O motivo dessa canção escapa à temática fadista, pois a letra se
assemelham a da obra anterior, a forma dos versos também se repete, tendo o mesmo
arpejados ao violão).
“Fado brasileiro”
o cidadão livremente
o cidadão livremente
Exemplo musical 5: fragmento de “Fado Brasileiro” gravado pelo cantor Baiano. Fado.
Odeon, 120172. 78 rpm, 1912. Transcrição de Alberto Boscarino.
18
Odeon, 120172. 78 rpm, 1912.
60
ritmo e concepção melódica, podendo ser citados como referência os fados “Vá
nas casas típicas regionais que aconteceriam nas décadas seguintes, simbolizando
por Howard Becker (1977) podem contribuir para uma análise das redes sociais
colônia portuguesa no Rio de Janeiro. Essas três décadas registram na cidade do Rio
organizadas à semelhança das casas de fado de Lisboa, motivo que será analisado no
19
Odeon, 108505, 78 rpm. 1907/1912. Gravação de Cadete.
20
Odeon, 108246, 78 rpm. 1907/1912. Gravação de Os Geraldos.
21
Odeon, 10045, 78 rpm. 1907/1913. Gravação de Pepa Delgado.
22
Odeon, 120225, 78 rpm. 1912/1913.Gravação de Eduardo das Neves
61
fontes consideradas.
62
CAPÍTULO 2
O FADO EM PORTUGAL
referências apontadas no século anterior. O lundu surge inicialmente como dança dos
acompanhada ao som da viola (ou violão), já definida como gênero musical no final
canção popular urbana que será reconhecida como a expressão musical do povo
lusitano: o fado. Existem muitas hipóteses que tentam esclarecer a origem do fado
como canção popular portuguesa, como as seguintes: o fado pode ter sido oriundo dos
cânticos dos mouros que habitaram a região Lusitânia inclusive após a reconquista
23
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. (Canto III, 20). Edição organizada por Emanuel Paulo Ramos.
Porto: Porto Editora, 1978, p. 132.
24
Segundo Mozart Araújo (1963), o termo moda portuguesa servia para designar qualquer tipo de
canção popular em meados do século XVIII, sendo difundida nos salões aristocráticos de Lisboa.
63
cristã; pode ter derivado do lundu brasileiro, introduzido por marinheiros portugueses
que regressavam em 1821 (TINHORÃO, 1994); pode ser considerado uma variante
das Cantigas de Amigo ou das Cantigas de Sátira da Idade Média; e pode também ser
duas danças foram por vezes confundidas pelos cronistas ou historiadores da época.
açúcar, conserva a dança do fado como tradição iniciada nesta mesma época,
manifestação que pode ser classificada como “um conjunto de danças encadeadas,
conhecida também como suíte, dançada ao som de viola e adufe, hoje substituído pelo
por repentistas. Uma série de pequenos rituais compõe o baile.” (MATTOSO, 2003).
(TRAVASSOS, 1991:166).
dança) brasileiro pode ser compreendida em três etapas: em 1822, com o surgimento
com a disseminação e o acolhimento do fado como canção popular por grande parte da
nação portuguesa. Segundo Carvalho (1982), o fado se fez notar nas ruas de Lisboa
somente a partir de 1840. O fado português possui variantes nas três principais regiões
bandidos, etc.); no último quartel do século XIX, com a adesão da classe dominante de
Lisboa, “esboçando-se uma linha de apropriação social deste [do fado] por uma
eminentemente popular.” (BRITO, 1994: 24); entre o final do século XIX e a década
de 1920, como gênero musical popular assimilado pelo teatro de revista; a partir da
do cantor de fados e dos demais músicos e a censura imposta às canções de fado pelo
brasileira. Com a vinda para o Brasil – ao tentar se proteger dos ideais revolucionários
Uma hipótese aponta para a possibilidade de o fado brasileiro ter sido levado
Para nós, o fado tem uma origem marítima, origem que se lhe vislumbra no
seu ritmo onduloso como os movimentos cadenciados da vaga, balanceante
como jogar de bombordo e estibordo nos navios sobre a toalha líquida
florida de fosforescências fugitivas ou como o vaivém das ondas batendo no
costado, ofeguento como o arfar do Grande Azul desfazendo a sua túnica
franjada de rendas espumosas, triste como as lamentações fluctívogas [que
voga sobre as ondas do mar] do Atlântico que se convulsa glauco [tom
verde-azulado] com babas de prata, saudoso como a indefinível nostalgia da
pátria ausente. [...] O fado nasceu a bordo, aos ritmos infinitos do mar, nas
convulsões dessa alma do mundo, na embriaguez murmurante dessa
eternidade da água. (CARVALHO, 1982: 42).
lundu brasileiro é uma tese defendida por Tinhorão (1994), em que demonstra a
semelhança entre o lundu e outra dança brasileira em voga no início do século XIX,
com coreografia parecida a do lundu, e sua descrição pode ser encontrada no romance
25
História do fado é um livro publicado em 1903 pelo memorialista português Pinto de Carvalho,
conhecido pelo apelido de Tinop, e reúne uma série de informações sobre o fado no século XIX,
resgatando, na mesma linha do brasileiro Alexandre Gonçalves Pinto (O Choro, Funarte, 1978),
histórias, personagens, músicos, intérpretes, letras e impressões do fado português.
66
com Tinhorão,
canção português a partir do fado-dança brasileiro (ou lundu), citando, entre várias
26
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. São Paulo: Ática, 1997.
“Todos sabem o que é fado, essa dança tão voluptuosa, tão variada, que parece filha do mais apurado
estudo da arte. Uma simples viola serve melhor do que instrumento algum para o efeito. O fado tem
diversas formas, cada qual mais original. Ora, uma só pessoa, homem ou mulher, dança no meio da
casa por algum tempo, fazendo passos os mais dificultosos, tomando as mais airosas posições,
acompanhando tudo isso com estalos que dá com os dedos, e vai depois pouco e pouco aproximando-se
de qualquer que lhe agrada; faz-lhe diante algumas negaças e vira voltas, e finalmente bate palmas, o
que quer dizer que a escolheu para substituir o seu lugar. Assim corre a roda toda até que todos tenham
dançado. Outras vezes um homem e uma mulher dançam juntos; seguindo com a maior certeza o
compasso da música, ora acompanham-se a passos lentos, ora apressados, depois repelem-se, depois
juntam-se; o homem às vezes busca a mulher com passos ligeiros, enquanto ela, fazendo um pequeno
movimento com o corpo e com os braços, recua vagarosamente, outras vezes é ela quem procura o
homem, que recua por seu turno, até que enfim acompanham-se de novo. Há também a roda em que
dançam muitas pessoas, interrompendo certos compassos com palmas e com um sapateado às vezes
estrondoso e prolongado, às vezes mais brando e mais breve, porém sempre igual e a um só tempo.
Além destas há ainda outras formas de que não falamos. A música é diferente para cada uma, porém
sempre tocada em viola. Muitas vezes o tocador canta em certos compassos uma cantiga às vezes de
pensamento verdadeiramente poético.” (ALMEIDA, 1997: 28-29).
67
segundo terço do séc. XIX.” (EMPSXX, 2010: 433). Na mesma página, esse verbete
alerta para o fato de que “o estudo científico deste género está ainda hoje, em grande
aspectos possíveis apresentados como causa para que o gênero não tenha sido
registrou em notação musical algumas obras que são indicadas como fado quanto ao
gênero musical. A coleção foi organizada por Cesar das Neves, editada no Porto em
Teóphilo Braga, contendo letras e músicas em notação musical para canto e piano. Os
gráfica e didática que, além de indicar as partituras de piano com letra, contém um
menor em uma única parte de 15 compassos, que serve de base para nove estrofes de
acompanhamento indicado para a mão esquerda se organiza com arpejos dos acordes
história aos ouvintes na primeira estrofe. O “Fado da Severa” traz uma nota
informação salienta que esse tipo de fado foi feito para ser ouvido e não para ser
histórico em que surge em Portugal o fado que deixa de ser dançado para assumir a
Este fado, que data dos meados do presente século, é o typo primordial dos
fados populares lamentosos, mais para ser ouvido como romance do que
para ser dançado, pois lhe falta o rythmo e movimento característico. A
lettra foi recolhida pelo Exmo. Snr. Dr. Theophilo Braga. A lenda
principiana neste fado completa-se no de Vimioso.
estrutura formal desse fado é composta em uma única parte, dividida em duas seções:
segunda, com oito compassos, em forma de arpejos instrumentais dos acordes, atuando
apresentam nas primeiras oito estrofes a exaltação à figura de Severa por parte do
exemplos de fados recolhidos por volta de 1850, os quais mantêm ritmos sincopados e
sugerem a raiz afro-brasileira. Esses fados são indicados em andamentos mais lentos e
contêm indicações de rubato e fermatas, elementos que não faziam parte da estrutura
do fado. Essas transformações sutis foram ampliadas por influência da canção popular
Esta tendência sugere, assim, que a matriz do fado dançado dos negros
brasileiros se terá entretanto fundido com outras tradições poético-musicais
populares autóctones de carácter mais dolente, quer próprias da região de
Lisboa quer originárias de outras regiões do país onde se verificaram
movimentos migratórios significativos para a capital para dar
progressivamente origem àquilo que passou a constituir o fado de Lisboa
propriamente dito. (EMPSXX, 2010: 435).
década de 1920, com destaque para as Operetas Mouraria (1926), Bairro Alto (1927) e
História do fado (1931), sendo esta canção executada por fadistas profissionais como
Ercília Costa ou Hermínia Silva. “Será neste contexto teatral, em particular, por
influência dos demais gêneros urbanos utilizados nos palcos, que tenderá a
70
musical urbano.
sendo que o fluxo migratório se acentuou no fim do século XIX e durante o terceiro
quarto do século XX. Até a primeira metade do século XIX, o governo do Brasil
substituírem os escravos.
através de dados reunidos para o período entre 1880 e 1900. Esses indicadores
59% eram italianos, 20% eram portugueses e 12% eram espanhóis (SCOTT, 2001: 5).
(LOBO, 1994).
71
física do homem português diante dos valores sócio-culturais que o ligavam a sua terra
natal, e tal sensação pode ser traduzida pelo sentimento inerente ao povo lusitano: a
lusitana e reúnem alguns motivos constantes que se agrupam sobre um eixo que dá
Lisboa e aos seus bairros como Alfama, Moraria, Bairro Alto e Bica. A “casa da
Mariquinhas” é outra recorrência textual, assim como a lenda de Maria Severa, para
além das touradas e os motivos religiosos portugueses. A temática fadista que evoca a
português em seu reduto marginal. Maria Severa foi cortesã, guitarrista e cantora de
Figura 1: MALHOA, José. O Fado, 1910. Óleo s/tela, 1,51x1,86 cm. Disponível em:
<http://ofadodemalhoa.no.sapo.pt/> Acesso em: 20/06/2008.
Outro mito corrente diz respeito à cidade de Lisboa e seus bairros mais
populares, como Mouraria, Alfama, Madragoa, Bairro Alto e Bica, sendo a Mouraria
talvez o mais cantado entre os fadistas, talvez por abrigar à vez a residência de Severa
Alfredo Marceneiro:
constante nas letras desta canção lusitana, pois sempre tiveram uma constante ligação:
música do fado. Por fim, os vendedores de rua com seus pregões, o Tejo, bem como
social negro (fato) para os homens e o xale na mesma cor para as mulheres. O
ambiente adequado para a apresentação do fado nas casas típicas gerou uma
que diz: “silêncio que se vai cantar o fado!”, os garçons, que servem no salão de
musical.
elabora o conceito de campo, o qual apresenta uma análise sobre a ação dos sujeitos
posiciona os objetos utilizados por seus produtores como meios estratégicos para se
travada uma luta pelo estabelecimento do controle do capital que domina este campo.
obras de arte, máquinas, equipamentos, bem como em bens imateriais, como teorias
tomar como exemplo a prática musical de uma cantora de fados que se veste de negro
e se adorna com seu xale da mesma cor; interpreta a canção inclinando a cabeça para
trás e emprega gestos manuais que reproduzem um padrão constante em sua rede
social, obedecendo a uma lei imanente que pode validar sua prática social ou cultural.
apropria, de maneira absoluta e imediata, das coisas habitadas por essa história”.
tese.
relação harmônica I-V, de modo que os dois primeiros estilos são construídos sobre o
modo maior e o terceiro sobre o modo menor. Segundo Salwa Castelo-Branco (1994):
acompanhamento dos três estilos do fado castiço, além de fazer referência ao fado-
canção, caracterizado por apresentar uma “estrutura poética e musical em que alternam
Corrido em uma gravação dos fadistas Fernando Maurício e Francisco Martinho, com
letra de Linhares Barbosa. A letra original desse fado é de Silva Tavares, com o título
“Casa da Mariquinhas”, assim, é comum entre os fadistas criar letras novas para as
77
melodias populares dos fados. Essa versão foi também gravada por Alfredo
Marceneiro.
“O leilão da Mariquinhas”
da famosa Mariquinhas
venderam-lhe as tabuinhas
encontrei na Mouraria
e o Chico do Cachené
Fui-lhes falar, já se vê
e perguntei-lhes, de entrada
Aprendiam-lhe as cantigas
da formosa Mariquinhas
78
a vizinhança zangou-se
arrematou a guitarra
o alvará e as bambinelas
venderam-lhe as tabuinhas.
de fado, que irão percorrer toda a obra como um contracanto à voz. O violão emprega
tonalidade (menor) indicado por esse gênero de fado, outra característica distintiva é o
tônica menor – dominante. A guitarra portuguesa dialoga com o violão com melodias
e arpejos construídos sobre essa harmonia, e o violão, além de manter o ritmo padrão
português José Lúcio Ribeiro de Almeida, que mantém uma página na Internet 27
padrão para o acompanhamento desse tipo de fado. Outra característica indicada pode
dominante – tônica.
acrescenta outras letras que serão interpretadas pelos cantores de fado, sendo
necessário ao fadista indicar para o músico a tonalidade e o tipo de fado que deseja
cantar.
duas fases distintas. Na primeira, a partir dos anos 1920, esse estilo de canção popular
partir da década de 1960, tomando como base as composições realizadas por Alain
da década de 1960 a outras músicas modernas como o tango de Piazzola, o jazz norte-
“Gaivota”
Alexandre O'Neill e Alain Oulman
Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.
simples.
85
obras novas foram criadas no Brasil a partir da combinação de outros gêneros musicais
Janeiro.
em sua rede social, classificando cada fadista em relação aos demais artistas em uma
“este fadista canta bem o fado menor; àquele, prefiro ouvir as desgarradas 28; não gosto
A voz típica do fadista de Lisboa costuma ser suave e rouca, e sua emissão é
possibilita uma improvisação sobre quartos de tom, “aspecto que distancia o fado do
28
Cantar ao estilo da “Desgarrada”, ou cantar “à Desgarrada”, modalidade alegre ou humorística do
fado que conta uma história com ironia, sendo interpretada como um desafio entre dois intérpretes. Na
maioria das vezes, os versos são improvisados.
87
pode oscilar de andamento, acelerar ou ralentar o ritmo durante uma obra, enquanto o
ouvinte. A conclusão da obra é padrão para quase todos os fados, com uma suspensão
Uma grande parte das convenções interpretativas que regem ainda hoje as
práticas do fado tem a sua origem no período de institucionalização e
regulamentação dos anos de 1920 e 1930, sob o condicionamento
simultâneo do processo de profissionalização dos intérpretes, da
implantação do sistema das casas de fado, da censura estatal às letras e da
formatação imposta pelo disco e pela rádio. (EMPSXX, 2010: 444).
universo existente entre intérprete e ouvinte, que se expande para além dos parâmetros
ou até mesmo uma “perda de seu controle”. Segundo Pais de Brito (1994):
guitarra e/ou uma viola-baixo (no Brasil conhecido como violão-baixo). A viola
disposta a partir das cordas primas com as notas mi, si, sol, ré, lá, mi. A guitarra
sequência:
Exemplo musical 10: Guitarra portuguesa: afinação tradicional do fado (afinação do fado).
Fonte: CASTELO-BRANCO, Salwa El-Shawan. Vozes e guitarras na prática interpretativa do
fado. In: Fado: vozes e sombras. Lisboa: Museu Nacional de Etnologia-Electa-Instituto
Camões, 1994, p.132.
primeiro guitarrista e, por vezes, pelo violeiro, caso este goze de muita experiência,
compositor Artur Ribeiro. A transcrição foi realizada por José Lúcio Ribeiro de
demais fados.
Exemplo musical 12. Fragmento de “Rosinha dos Limões”. Fado de Artur Ribeiro.
Transcrição de José Lúcio Ribeiro de Almeida. Disponível em: <http://www.jose-
lucio.com/Rosa/Rosi.htm. >. Acesso em: 12 jan. 2011.
Conforme Pais de Brito (1994) e Carvalho (1982), o fado, em sua fase inicial
sociedade lisbonense. Nesse período, a prática do fado esteve associada aos espaços
XIX, o fado ampliou a sua prática para os salões aristocráticos, mas essa música
continua sendo difundida nos espaços marginais de forma genuína sem qualquer
portuguesa por considerá-lo como uma chaga social. Mas havia aqueles que
como o escritor Julio Dantas que, rebatendo os ataques proferidos à música do fado,
declarou: “uma canção não faz degenerados; os degenerados é que podem ter uma
O debate acerca da essência moral do fado pode ter definido esse gênero
29
DANTAS, Julio. In: A canção do Sul, Ano 1, número 7, 13 mai. 1923.
93
de sua terra. O jornal A Canção do Sul30 publicou artigos que buscaram defender o
possibilitando que essa música pudesse ser cantada em ambientes familiares por
mulheres e crianças. É durante a década de 1930 que o fado caminha para um sentido
casas de fado. Nesse momento, o fado já não é apenas um gênero musical, mas uma
presente nos lares, nas ruas e nos salões aristocráticos. Essa mudança de ótica em
decoração característica das casas de fado, que passaram a ser ornamentadas com os
repertório dos artistas obedecem a uma ordem específica, que determina qual o cantor
A maior parte das casas de fado se concentrou no Bairro Alto de Lisboa, e direcionou
apresentam para um público seleto e reduzido, pois grande parte dos turistas se retira
algumas casas de fado que apostam na espontaneidade de artistas amadores que ali se
atualidade são o “Café Luso”, na Travessa Queimada, 10, no Bairro Alto, fundada em
1955, na Rua das Gáveas 55, no Bairro Alto; a “Adega Machado”, na Rua Norte 31,
Bairro Alto, fundada em 1937; a “Adega Mesquita”, na Rua Diário de Notícias, 107,
casas e muitas chegaram a encerrar suas atividades nas últimas décadas do século XX.
Segundo Klein e Alves (1994), o surgimento dos restaurantes típicos foi consequência
Hoje, desfazadas (sic, defasadas) dos gostos dominantes – são quase todas
dos anos 50 e 60, ou mesmo anteriores, não tendo aberto nenhuma nos anos
80 e 90 -, assiste-se ao seu fechamento em cadeia; nos últimos dez anos
desapareceram em Lisboa cerca de trinta restaurantes típicos. (KLEIN;
ALVES, 1994: 55).
96
em Portugal, e leva em conta o ápice e o declínio das casas de fado em Lisboa. Assim,
é referência básica para uma possível aproximação das casas de fado que surgem no
capítulo.
Teresa de Noronha, entre outros adeptos do fado castiço. A figura da fadista Amália
Rodrigues é apontada como uma artista renovadora do fado, seguida por artistas como
Raul Nery, José Nunes, Jaime Santos, entre outros. As fadistas que mais se destacaram
Portuguesa entre 1938 e 1958 (os fadistas Manoel Monteiro e Joaquim Pimentel
Alain Oulman.
entre outros. A constatação dessas influências estilísticas pode ser apreciada nas
governo português, essa coleção conta com aproximadamente oito mil fonogramas, a
maior parte relativa a gravações de fados nas primeiras décadas do século XX,
Grammophone.
por artistas como Eduardo de Souza, Rodrigues Vieira, José Bastos, Almeida Cruz,
Maria Victoria, Reinaldo Varela, Isabel Costa e Delfina Victor, entre outros. Deve-se
estudo desse acervo musical será possível comparar nos fonogramas brasileiros as
31
Fonte: Aleluia: a colecção de fado é (finalmente) nossa. Disponível em:
<http://cronicasdaterra.com/cronicas/2007/06/14/aleluia-a-coleccao-de-fado-e-finalmente-nossa/>.
Acesso em: 19 fev. 2009.
98
realizados entre 1905 e 1907. Nessa mesma época foram publicadas três séries de
por Manassés de Lacerda para cilindros e discos de máquinas falantes. Cada série
tendo sido editada pela casa Arthur Barbedo na cidade do Porto. Ainda foram
portugueses que constituem o mundo artístico conceituado por Becker (1977) serão
32
Fonte: Guitarra de Coimbra. Disponível em:
<http://guitarradecoimbra.blogspot.com/2005/12/viagem-pelo-canto-e-pela-guitarra-de.html> Acesso
em: 20/02/2009 e Arquivos do Fado. Disponível em:
<http://arquivosdofado.blogspot.com/2009/03/manasses-de-lacerda-o-nosso-blogue-vai.html> Acesso
em: 20 fev. 2009.
99
CAPÍTULO 3
A epígrafe remete à música brasileira, que é composta das “três raças tristes”, e
indica a possibilidade de diálogo entre esses gêneros musicais tão miscigenados como
o próprio povo brasileiro, capaz de realizar a integração das músicas européia, africana
cultural.
saudade, sentimentos que o povo lusitano parece cultuar em Portugal e no seio de cada
de ser pensada, a saudade foi cantada e é filha e prisioneira do lirismo que primeiro lhe
33
BILAC, Olavo. Música brasileira. Poesias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 23ª. ed., 1964,
p. 263.
100
na cidade do Rio de Janeiro e suas práticas musicais, tendo como referência a música
do fado. As redes sociais 34 que emanam das práticas culturais assinaladas podem ser
(BECKER, 1977: 9); o segundo, amplia o conceito ao mesmo mundo que organiza os
conceitua a arte. (BECKER, 1977: 9). Para Becker, o mundo artístico se organiza
desenvolvido através das redes sociais é mais importante do que a obra de arte ou
cidade do Rio de Janeiro revelam uma prática musical característica, organizada pelos
34
O termo “rede social” anuncia uma estrutura social composta por pessoas ou organizações,
relacionada por relações diversas como a família, a religião, etc.
101
envolvia uma rede social específica e contava com alguns aspectos e espaços de
esses relatos podem revelar dados biográficos, tendências morais, regras sociais, além
fatos”, de acordo com Paul Thompson (1992). Para este autor, as informações obtidas
nas entrevistas revelam diversos significados sociais, e devem ser complementadas por
dados de outras fontes. O pesquisador deve analisar o nível de importância dos fatos
que foi empreendido para tal tarefa. O local escolhido para a entrevista pode interferir
depoente, pois cada indivíduo apresenta a sua versão da história, sujeita a princípios
que existem várias fases que devem ser organizadas para a obtenção de um resultado
todas as suas etapas, com objetivos, hipóteses, delimitação do objeto, quadro teórico,
método deve ser determinada pelo objeto de trabalho, que pode implicar o estudo
A escolha dos entrevistados é outro fator importante que deve ser estruturado
grupo, do significado de sua experiência”. (ALBERTI, 2005: 31). A autora nos orienta
estudo, assim como o tipo de entrevista que deve ser escolhida pelo pesquisador. Há as
objeto de estudo (neste caso, o tema do fado), e aquelas classificadas como “história
escolhido, pois nesse tipo de entrevista a “preocupação maior não é o tema e sim a
através da linguagem falada” (ALBERTI, 2005: 24), acreditando-se que, durante o ato
O texto citado de Verena Alberti (2005) sobre a história oral nos auxilia no
conceitos teóricos de Howard Becker (1977) definidos a partir da sua visão de “mundo
artístico”. Ao par dos teóricos acima citados, os estudos do sociólogo Michael Pollak
(1989)35 podem contribuir para uma reflexão sobre memória, o que vem auxiliar na
contato com uma cultura nova. Pollak pondera que o trabalho com a memória é
35
Artigo de Michael Pollak intitulado Memória, esquecimento, silêncio. In: Revista Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, 1989. Michael Pollak (Viena, 1948; Paris, 1992) é pesquisador do Centre
National de Recherches Scientifiques – CNRS, ligado ao Institut d'Histoire du Temps Present e ao
Groupe de Sociologie Politique et Morale.
105
pois aquele autor considera que há o “problema da ligação entre memória e identidade
social, mais especificamente no âmbito das histórias de vida, ou daquilo que hoje,
como nova área de pesquisa, se chama de história oral.” (POLLAK, 1992: 1).
Passamos a seguir a uma reflexão sobre esses conceitos, relacionando-os aos dados
que atuam no Rio de Janeiro, buscando associar os pressupostos teóricos com o objeto
No. Nome Idade* Proce- Ano de Profissão Ligação Tipo Data da Observa-
dência chegada com a Social entrevista ções
ao cultura (Becker)
Brasil portuguesa
01 Manuel Pinto Marques 64 anos Castro 1962 Comerci- Público 24/10/2009 Primo da
Daire, ante apreciador fadista
Viseu Maria
Alcina
03 José Mendes Chança 76 anos Beira 1962 Empresá- Produtor e Integrado 15/03/2010
rio Radialista
06 Maria Alcina Pinto da 72 anos Castro 1953 Empresá- Fadista Integrado 02/02/2011
Costa Duarte Daire, ria
Viseu
músicos
primeira entrevista foi realizada no dia 24 de outubro de 2009, entre 17.00 e 19.00 h,
desgarrada”.
indicou alguns contatos na cidade a fim de contribuir para o avanço de nossa pesquisa.
pequeno palco improvisado. Nesse momento, um conjunto musical formado por três
107
dos músicos que tocava a concertina cantava ao microfone as canções que atraíam ao
baile cerca de dez pares, cuja formação podia coincidir ou variar em gênero e idade:
senhora que cantava uma canção chamada de cana-verde37. A partir daí, mais vozes
relacionava com os conceitos propostos por Howard Becker (1977) em seu “mundo
gesto de uma senhora que ocupava uma mesa no pátio externo e que era responsável
pelo pagamento do cachê aos músicos, realizado com o discreto repasse de uma cédula
36
A concertina (acordeon diatônico) é um aerofone de palhetas, acionado por fole e que apresenta
teclados e botões: a mão direita se encarrega da melodia e dos acordes no teclado diatônico, enquanto a
mão esquerda exerce a função dos “baixos” nos botões. A concertina assemelha-se à sanfona no Brasil.
37
Cana-verde: dança e canção popular portuguesa, cantada em quadras.
108
de cinquenta reais que, dobrada no interior de sua mão, passava à mão do respectivo
instrumentista que ali atuara. Os elos se completavam com outros sujeitos importantes
frequentador habitual desse evento, o Sr. Manuel Pinto Marques, 63 anos, natural de
Castro Daire, região do Viseu, e residente no Rio de Janeiro desde 1962. O referido
senhor se apresentou como primo da cantora de fados, Maria Alcina, natural da mesma
região que o Sr. Manuel Pinto. Ele informou que fixou residência no Rio de Janeiro,
na Av. Brás de Pina 534, no bairro da Penha Circular, onde reside. Na atualidade, é
O Sr. Manuel Pinto declarou que, antes de migrar para o Brasil, o seu contato
com o fado na região do Viseu se dava apenas pelo meio radiofônico, pois não havia
casas de fado na região. Dentre os fadistas que ouvia, o artista que mais lhe chamava a
atenção era o cantor Fernando Farinha. Após o seu estabelecimento na cidade do Rio
referência do fado no Brasil, mas diz que, embora possua um vínculo familiar com a
mesma, admirou sempre o trabalho da fadista Helia Costa – que, segundo ele,
Manuel Pinto salientou que os fados interpretados por Helia Costa possuíam “uma
109
poesia antiga, porém com maior valor sentimental”. Declarou também que
testemunhou a atuação de outros fadistas nesta cidade como Adélia Pedrosa, Lina
Cunha, Ester de Abreu, Antonio Campos e Lúcia dos Santos. O Sr. Manuel Pinto
afirmou ainda que não gostava da interpretação do fadista Antonio Campos, pois em
sua opinião ele “nunca cantou fados”. Essa fala de Manuel Pinto demonstra que ele
expressão muito particular do Sr. Manuel como ouvinte. O fadista Antonio Campos é
fado no Brasil, além de ter conquistado o apreço de fadistas de renome como Maria
Alcina, Adélia Pedrosa, Helia Costa, Maria de Lourdes, entre outros artistas. Tal
contribuem também para a construção do seu perfil de fadista. De acordo com Alberti
declarou que, nesse evento, o fado se faz presente de forma esporádica, sendo um
fado entre as décadas de 1950 e 1970, para uma melhor compreensão do panorama
Brasileira de Letras. Quando completou dois anos de idade, Calafate se mudou com a
família para Portugal, pois seus familiares são oriundos da região da Póvoa do Varzim,
portuguesa local, que o conduz a participar com maior freqüência de eventos sócio-
culturais luso-brasileiros. Como o seu interesse pela cultura portuguesa é amplo, o Sr.
Janeiro, como as cantoras Maria Alcina, Helia Costa e Lúcia dos Santos.
111
fadista Maria Alcina, acompanhada pelo guitarrista Victor Lopez. Em seu livro,
Calafete dedica uma crônica de louvor à fadista Amália Rodrigues, e, após relacionar
o início da carreira da cantora com os fados clássicos, expressa a sua opinião acerca da
O Sr. Calafate declarou que os artistas portugueses que mais lhe agradavam
durante as décadas de 1960 e 1970 eram as fadistas Maria Alcina, Lúcia dos Santos e
Hélia Costa, e os fadistas Francisco José e Antonio Campos, e que acompanhava com
fervor as apresentações destes artistas nas casas de fado da Zona Sul carioca, como o
colônia portuguesa no Rio de Janeiro, além, claro, de ouvir os seus fados prediletos:
“Canoas do Tejo”, “Rua do Capelão”, “Lisboa não seja francesa” e “Nem às paredes
fim de saber de que maneira os cantores de fado atuam nessa rede social, com o
enfoque para o papel de cada um deles, considerando-se os seus relatos, que são
compondo geralmente a maior parte dos artistas que integram a rede de cooperação do
mundo artístico em questão. (BECKER, 1977: 14). Quanto aos inconformistas, são
envolver um novo público para a fruição de suas obras, portanto, tendem à inovação.
interior do mundo artístico, produzindo por vezes obras semelhantes aos trabalhos
Em seguida, passamos à exposição de alguns aspectos dos relatos dos fadistas Maria
Alcina e Ramiro Damaia, artistas integrados que residem e atuam na cidade do Rio de
Janeiro.
A cantora Maria Alcina “Fadista” (Maria Alcina Pinto da Costa Duarte, Cetos,
radicada no Brasil, chegou ao Rio de Janeiro em 1953, aos 14 anos de idade, e adotou
Maria Alcina relatou que na infância em Portugal não ouvia fados, pois essa
música não era difundida em sua cidade natal, ouvia-se apenas a música folclórica.
Iniciou a sua carreira aos 20 anos de idade em 1959, sendo convidada pelo radialista e
Rei Momo Edson Santana para cantar no programa dele, na Rádio Vera Cruz, com
uma participação de 15 minutos por programa. Após três meses de atividade na Rádio
Vera Cruz, estreou o seu próprio programa intitulado “Maria Alcina: A voz de além
sua sede no centro da cidade, na Rua Buenos Aires 168, e, além do programa de Maria
Manoel Caramés, propagado aos sábados. A Rádio Vera Cruz pertencia à Igreja
Em 1964, Maria Alcina atuou por sete meses na casa de fados “Lisboa Antiga”,
Janeiro como uma das atrações do restaurante “O Fado”, na Rua Pompeu Loureiro em
Globo de Televisão, além de excursionar pelo Brasil e pela América do Sul. A cantora
inclusive artistas ilustres como Vinícius de Moraes e Tom Jobim, além da comunidade
horas, e após esse horário, apresentava-se como cantora, recebendo diversos artistas e
autoridades como António Chainho, Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, José Maria
Santos, Mário Simões, Adélia Pedrosa, Teresinha Alves, Maria de Lourdes, Esther de
Abreu, Paula Ribas, Manoel Taveira, Sebastião Manoel, Mário Rocha, Olivinha
Carvalho, Hélia Costa, entre outros personagens do universo cultural português. Além
desses artistas, Maria Alcina citou também o nome de vários músicos ligados ao fado
na cidade, como os guitarristas Mario Rui, Antonio Rodrigues, Antonio Maria Velho,
Luz, Maria Jose Vilar, Laurinda Monteiro (dona da “Casa da Mariquinhas” no bairro
do Maracanã), Deolinda de Oliveira, Helia Costa, Tristão da Silva, Maria Girão (uma
baiana que “cantava fados castiços como ninguém”, casada com o guitarrista Fernando
Viseu, Maria Alcina declarou que ele era muito popular na década de 1930, e que se
apresentava em circos com Orlando Silva e Silvio Caldas. Monteiro foi anunciado
115
sempre como “cabeça de cartaz”, pois sua foto ficava em evidência nos cartazes
Alcina ressaltou, em sua vida artística, a longa parceria com o cantor Antonio Campos,
frequência nas casas regionais lusitanas e reside na cidade do Rio de Janeiro, mas se
Rodrigues sobre as canções de Alain Oulman. Maria Alcina deixou transparecer que
[...] Amália nunca foi uma fadista [tradicional]; ela cantava fados, mas ela
era uma mulher que foi embaixadora de Portugal no mundo inteiro; ela
cantava fados castiços, mas não dava aquele “castiço”, que ela nunca cantou
em casa de fados... ela cantou no “Luso”, foi lançada no “Luso”, em
Portugal [...] mas teve uma estrela que brilhou muito, e é inigualável o
carisma dela, ninguém jamais pode igualar-se a ela, são pessoas que
aparecem de 200 em 200 anos. Nunca tive vontade de imitá-la, mesmo
porque minha voz é mais grave, mas [tenho grande admiração], toda
116
Maria Alcina acredita que a fadista Hermínia Silva pode representar a figura
Portugal para uma temporada de um mês no Cassino Estoril em Lisboa. Ao cantar nas
portugueses, que assinalavam existir uma distinção entre o cantor imigrante e o fadista
em 19/09/1993, no qual Maria Alcina recebe uma homenagem em Castro Daire, lugar
inaugurar uma avenida com o seu nome. Estas são as palavras de agradecimento de
Maria Alcina:
filme tem início e fim na aldeia de Castro Daire, terra natal de Maria Alcina, e termina
com a fadista cantando em meio a um milharal, agarrada a uma espiga de milho, como
quem sente e quer demonstrar que é parte da Terra. Ela relembra a sua infância,
quando cantava desde cinco anos de idade, pois “sonhava que era uma princesa num
Fadista), volta ao tempo de infância, mas desta vez os castelos são “bem sólidos”. Em
sua fala, a fadista demonstra a necessidade de reconhecimento diante dos seus pares,
amigos e familiares portugueses que não deixaram a sua aldeia, como vimos no início
relembra que, antes de ser reconhecida como artista trabalhou no Rio de Janeiro em
com uma diferença: sua realização não é meramente econômica, pois o ofício de
fadista sempre esteve presente em sua vida, mesmo nos momentos em que assumia a
sou”, cuja letra reflete imagens da diáspora portuguesa e se confunde com a temática
“Quem sou”
No oceano esquecido
De marés desencontradas
As ilusões destroçadas
Acompanham-me ao morrer.
Jacob (PAZ, 1997) registra uma fase inicial do instrumentista como violonista
de fados gravado por Jacob do Bandolim e Antonio Rodrigues naquele período, fato
de Leiria, Portugal, 16/05/1949) é um cantor que divide a sua vida artística com o
ofício de pescador. Chegou ao Brasil com sua família em 1956, quando contava com
sete anos de idade, a bordo do navio North King, em uma viagem de aproximadamente
13 a 14 dias. Junto com seus pais e três irmãos, a família fixou residência no Rio de
Janeiro junto à praia do Caju, porque lá havia uma colônia ativa de pescadores
ofício de pescador em Portugal e esse deveria ser o futuro dele e de todos os irmãos.
120
afirmou que, na época, somente os brasileiros podiam obter licença para o trabalho de
pesca no mar, motivo que obrigou tanto a ele quanto aos irmãos a naturalizarem-se
como brasileiros. Como cabulava muito às aulas para brincar, seu pai o retirou da
Portugal, que em sua aldeia não havia eventos de música, assim, ele não possui
trabalho, além disso, a família não possuía rádio. Suas primeiras impressões acerca da
“Miúdo da Bica”.
Assim como a cantora Adélia Pedrosa, sua vizinha de bairro, Ramiro foi
revelado como cantor aos doze anos de idade no programa de Joaquim Pimentel, na
Rádio Vera Cruz. Para essa apresentação, cantou três fados: “Eterna amizade”, “Fado
lugar entre os seus concorrentes. Ao chegar a casa, Ramiro levou uma surra da mãe,
sociedade.
Janeiro no bairro de Vila Isabel. Casou-se em 1969 com vinte anos de idade, e passou
a atuar em casas de fado no Rio de Janeiro, como a casa “Tio Patinhas”, então situada
outra casa de fados, no Jardim Guanabara, na Ilha do Governador, destacando que foi
ocupar uma única traineira com 30 pescadores. O pescado era distribuído no Mercado
Ramos, da Ilha do Governador, etc. Ramiro declarou que ao final da década de 1950 e
durante a década de 1960, o comércio de peixe na cidade era um ofício próspero, e que
seu pai chegou a adquirir três barcos, terrenos e uma vida estável para a sua família,
com diversos fadistas, como Sebastião Robalinho, Antonio Campos, Maria Alice
Ferreira, Ester de Abreu, Gilda Valença, Maria Alcina, Lúcia dos Santos, Adélia
38
Em Portugal, o termo “paneleiro” designa o homossexual do gênero masculino.
122
Pedrosa, Helia Costa, Mario Simões, Sá Moraes, Maria de Lourdes, Mario Rocha,
Olivinha Carvalho e Maria José Villar, entre outros. Afirmou que o seu fadista
comunidade portuguesa. Disse ainda que não toca nenhum instrumento, mas tem
programa realizar uma viagem ainda neste ano a fim de reencontrar sua terra natal e
um CD, intitulado “Uma Vida de Mar e Fado – Ramiro Damaia – A voz da saudade”,
que apresenta em sua portada a foto do cantor ao lado de seu barco, batizado como
O disco apresenta treze canções, e foi produzido por José Mendes Chança com
arranjos e execução instrumental de Victor Lopes, que toca violão, violão baixo,
Ramiro afirmou que, antes da década de 1960, os principais músicos que atuavam no
restrito cenário musical de fados eram os guitarristas Ferreira, Rodrigo, Lafaiete e José
Manuel Rocha; os violonistas José Manuel Rocha, Armando Nunes, Silvino Pinheiro e
Leonel Villar, - hoje todos esses artistas estão falecidos. O fadista entrevistado
desconhecia qualquer luthier na cidade39. Para ele, durante a década de 1960 não
houve uma grande repercussão entre os fadistas da cidade acerca dos fados do LP
“Busto”, da cantora Amália Rodrigues, e que apenas a cantora Maria Alcina (uma das
fadistas mais atuantes naquele período) optou por inserir em seu repertório algumas
músicas cantadas por Amália. Ramiro disse que a maioria dos cantores manteve a
festas nas casas regionais, com preferência à atuação dos ranchos folclóricos que, com
verde”, excluindo o fado como gênero musical em seu repertório. Enfatiza que o único
chamando atenção para o fato de que não existe escola ou professor de guitarra
portuguesa (ou violão) para o gênero em nossa cidade, e parece temer que o fado possa
desaparecer do Rio de Janeiro caso o Sr. Victor Lopes desista do ofício de músico.
Janeiro revela uma falta de preocupação desse segmento em manter a afirmação de sua
39
Observamos que, embora Ramiro tenha declarado desconhecer qualquer luthier na cidade,
constatamos que, nesse período, a loja Bandolim de Ouro, proprietária da marca “Do Souto”, fabricava
e comercializava guitarras portuguesas no Rio de Janeiro sob a responsabilidade do luthier Silvestre.
124
uma preocupação constante com o desaparecimento do fado na cidade, pois tal fato
artista popular de acordo com os parâmetros desenvolvidos por Becker (1977). Uma
das hipóteses que apontam nessa direção é o fato de o cantor Ramiro Damaia ter
Becker (1977), ao comentar a arte popular como categoria, afirma que esta não
comunidade em que habita, mas apenas “um membro que possui habilidades para o
conceito de mundo artístico não obedece a um padrão rígido, mas sim flexível, pois
manutenção de uma cultura musical tradicional de sua terra natal. Esses artistas
intitulado “O fado e o Mar”. Ao chegar, notei o grande salão ainda vazio, com poucas
mesas ocupadas, fato que perdurou até o final do evento. O almoço teve início às 14
horas, e o show às 17 horas, com o anúncio do Sr. Oliveira Nunes sobre os músicos e
músicos Ricardo Araújo na guitarra portuguesa e pelo Sr. Bonfim ao violão. A seguir,
seu formato tradicional, com uma introdução da guitarra portuguesa e do violão, solo
vocal, solo instrumental e o retorno vocal ao tema para desfecho da obra. Após
interpretar algumas obras, a intérprete cantou “Cais da Ribeira” e “O Tejo”, fados que
126
a emocionaram de uma forma tão intensa (podia-se perceber que a fadista chorava)
com um fado do músico e compositor brasileiro Armando Nunes cujo trecho da letra
traduz a essência emotiva do gênero fado: “amar é beber da taça da vida o amargo
fel”. A obra foi anunciada como um fado brasileiro. Após ser aplaudida pelos
boleros.
diálogo com Ramiro antes de sua apresentação, ele disse que chegou cedo ao local
para a passagem de som, mas que não pode retornar a sua casa para mudar de roupa
bairro da Ilha do Governador. Ramiro se desculpou pelos trajes e iniciou o seu show
solicitando ao conjunto mais um giro harmônico como introdução para que pudesse
iniciar a canção.
horário determinado para a apresentação era um destes fatores, pois, além de ser
salão, com uma janela imensa ao fundo que refletia com intensidade os raios solares
fadista, comuns nas casas de fado e que tem o propósito de ambientar o espectador
com a cultura tradicional portuguesa. O silêncio exigido à interpretação dos fados era
cantora Lúcia dos Santos. Porém, podíamos ouvir sons que chegavam da área externa
ficava embaixo da janela do salão) e a música que era executada em uma festa
para a sobrevivência e divulgação do gênero fado, pois não contam com patrocínios
estatais ou empresariais, tendo que arcar com todo o processo de produção artística e
atuava com mais frequência em São Paulo, pois há ali, na atualidade, seis casas de
fado com um público assíduo constante, o que permite uma divulgação básica do
Outro relato a ser destacado no trabalho de campo é a entrevista com o Sr. José
anos, na Rua Correia Vasques 34-A, o Sr Chança divide suas atividades de empresário
com o ofício de radialista. Há mais de nove anos, ele produz e apresenta um programa
11.00 h e 12.00 h, nas ondas da Rádio Bandeirantes do Rio de Janeiro, em 1360 Khz.
ter chegado ao Rio de Janeiro em 1962 com a idade de 17 anos e passou a residir na
casa de sua irmã, que ficava no Largo da Segunda-Feira no bairro da Tijuca. Assim
como muitos imigrantes portugueses do período, ele optou pela imigração como uma
Em Portugal, José Chança teve contato com o fado através dos programas
radiofônicos. Relatou que ganhou um aparelho de rádio de seus pais somente aos 16
40
Disponível em http://guitarraportuguesa.musicblog.com.br/ Acesso em : 23 nov. 2010.
129
anos, e, apesar de apresentar grande euforia frente à novidade, pôde usufruir muito
pouco do aparelho, porque não possuía dinheiro para adquirir pilhas de alimentação.
Seu primeiro contato com o fado no Rio de Janeiro aconteceu na União Portuguesa de
Estudantes, cuja sede era localizada em frente à Rádio Vera Cruz, no centro da cidade.
Joaquim Pimentel, e por vezes cruzavam a rua para presenciar o programa ao vivo. O
depoente declarou que ele e seus amigos compravam discos na única casa comercial
(1968)41 a fim de ressaltar que “a memória deve ser entendida também, ou sobretudo,
cidade durante as décadas de 1960 e 1970 porque não possuía poder aquisitivo para tal
portuguesas de classe média alta, composta por comerciantes, empresários, etc. José
Chança declarou que o seu contato cultural com a colônia portuguesa acontecia nas
festas populares que eram abertas ao público, citando como exemplo as Festas Juninas
que aconteciam anualmente na Casa do Poveiro. José Chança acredita que o grande
difundido pela Rádio Vera Cruz a partir de 1942, foi o responsável pelo ápice da
41
HALBWACHS, Maurice. La mémoire collective, Paris: PUF, 1968.
130
Antonio Campos e Helia Costa desde 1978. O programa teve sua última edição no dia
encerramento.
admiração pela cantora Amália Rodrigues e por todo o seu empenho para a
citou o fadista Mario Simões, que canta ao estilo de Francisco José; o fadista Ramiro
Damaia, influenciado por outro fadista, Alfredo Marceneiro, além dos cantores
Antonio Campos e Tony de Matos; as cantoras Maria Alcina, Helia Costa e Olivinha
131
José Chança citou um personagem do mundo fadista carioca, o Sr. Oliveira Nunes,
integrados, e sua função na rede social pode ser analisada no relato seguinte.
03 de novembro de 2010, o músico declarou que, por ser reconhecido por seus pares
Vera Cruz, em que atuou, ingressou no universo dos fadistas, em 1961, a convite do
segunda guitarra. O depoente informou ter gravado com esse quarteto, em 1964, num
disco da cantora Ester de Abreu. Gravou com Antonio Campos, Sebastião Robalinho e
Maria Alcina, além de ter acompanhando diversos fadistas como Manoel Taveira,
Antonio Maria (guitarrista) e Helio Ferreira. Suas memórias acerca do fado na cidade
resgatam ainda a destreza do violonista Xavier Pinheiro, com quem atuou durante
em suas apresentações.
compôs e gravou inúmeras obras dentre fados, viras e corridinhos, além de outros
shows e gravações. Em 1938, gravou na RCA Victor quatro músicas com o cantor
Outros guitarristas que atuaram entre as décadas de 1950 e 1970 foram citados
por nossas fontes, como Fernando Freitas, Jorge Freitas, José Nunes, José Manuel
de Janeiro no período em questão, como José Manuel Rocha (que também era
sempre por sua musicalidade e precisão técnica, e Leonel Vilar, casado com a fadista
residente no Rio de Janeiro, que também tocava guitarra portuguesa. Xavier atuou na
“Elza”, estas duas últimas dobrando a guitarra portuguesa com Antonio Ferreira. A
partir da década de 1930, Xavier Pinheiro gravou diversas obras em dueto com
menor” do fadista Carlos Campos, dentre outras músicas; gravou com Manoel
ser consultados no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, nos sites
<http://www.dicionariompb.com.br/a-f-da-conceicao/dados-artisticos> e
<http://www.dicionariompb.com.br/xavier-pinheiro>.
Nos dias atuais, mídia e tecnologia constituem uma alternativa de ação que
blogues e sites especializados alguns dados biográficos dos fadistas, fotos, discografia,
divulgar a música portuguesa sem contar com subvenção financeira oficial de qualquer
filha da fadista Adélia Pedrosa e neta do comunicador Alberto Maria Andrade (do
como o “Mundo Fado Brasil” 43, blogue que disponibiliza informações acerca do fado
de Adélia Pedrosa44, com fotos, gravações, dados artísticos e dados biográficos; seu
site pessoal45, que também inclui informações e depoimentos que podem justificar o
seu empenho no resgate histórico deste gênero musical. Por ser filha de uma
renomada fadista, Claudia Tulimoschi conviveu com diversos artistas desde sua
42
Blogue ou Blog é um site eletrônico disponível na Internet que permite a postagem e a atualização de
fotos e artigos, bem como a comunicação entre idealizadores e visitantes. Podcast ou Podcasting é um
formato de veiculação de programas de áudio na Internet, apresentando as músicas em formato mp3.
43
Disponível em http://mundofadobrasil.blogspot.com/ > Acesso em 14 jan. 2011.
44
Disponível em < http://adeliapedrosa.blogspot.com/> Acesso em 14 jan. 2011.
45
Disponível em < http://clautulimoschi.blogspot.com/p/fado.html> Acesso em 14 jan. 2011.
135
familiares, testemunha ocular dos elos constituintes da rede social que conecta o
Faço o que faço, que é pouco, muito pouco, de coração, com o mais
profundo sentimento de amor e gratidão por tudo que o Fado deu a minha
mãe e a mim. Me alimentou, me educou, me agasalhou. Me criou. E
o mínimo que posso fazer é ser grata. (...) Quero ver o Fado de volta ao
Brasil, como merece. Quero que nossos artistas emigrantes que tanto
lutaram e ainda lutam, sejam reconhecidos aqui no Brasil, e
principalmente em sua Pátria. Já que não canto, como minha mãe, escrevo e
falo como meu avô. Essa é a minha luta. Quem quiser e quem puder que se
junte a mim. Juntos podemos fazer muito. (Disponível em: <
http://clautulimoschi.blogspot.com/p/fado.html> Acesso em 14 jan. 2011).
pode ser observada no blogue “Mundo Fado Brasil” 46, e diz respeito ao estudo da
relação entre fado e imigração. Nesse site, encontramos informações sobre o prestígio
do fado entre as décadas de 1960 e 1980, como a indicação de que o gênero musical
Fado Brasil” foi criado em 2008, e até o primeiro semestre de 2011 recebeu o acesso
46
Disponível em: <http://mundofadobrasil.blogspot.com/ > Acesso em: 15 out. 2009.
136
Oliveira Nunes uma rádio que transmite programas através da Internet, a “Web Rádio
vídeos postados no site You Tube48 e gravações fonográficas em formato mp3. Seu
trabalho criterioso de pesquisa inclui uma monografia sobre as Irmãs Meirelles, além
Robalinho 49, organizado por sua filha Priscila Robalinho, o blogue da fadista Maria de
Lourdes50 e o site de Manuel Taveira 51, idealizado por seu filho Ruy Taveira, que
47
Disponível em: http://thmatarazzo.bloguepessoal.com/. Acesso em: 12 jan. 2011.
48
Disponível em: http://www.youtube.com/?gl=BR&hl=pt Acesso em: 12 jan. 2011.
49
Disponível em: < http://www.sebastiaorobalinho.blogspot.com/> Acesso em: 14 jan. 2011.
50
Disponível em: < http://mariadelourdesfado.blogspot.com/2009/04/blog-post.html> Acesso em: 12
jan.2011.
137
fonográficas.
de forma progressiva ou mesmo promovendo uma ruptura radical nas obras de arte
XX, o mundo artístico do fado estava associado aos espaços de difusão do gênero
deste gênero musical e da cultura portuguesa, tendo em vista que não existem casas de
fado ou espaços específicos de atuação na cidade, bem como cursos voltados para o
ensino da música portuguesa em geral. A tecnologia digital apresenta uma nova forma
de comunicação entre seus agentes, mas não pode ser considerada como um processo
51
Disponível em: < http://manueltaveira.blogspot.com/> Acesso em: 14 jan. 2011.
138
revolucionário que promova uma ruptura na rede social, pois, como nas
3.4 As casas de fado da cidade do Rio de Janeiro entre as décadas de 1950 e 1970
Lisboa. Localizados em sua maioria na Zonal Sul do Rio de Janeiro, as casas de fado
brasileiros, e 90% de seu público total era composto por membros integrantes da alta
sociedade carioca.
restaurantes que contaram por vezes com um elenco fixo de músicos e cantores.
Algumas destas casas pertenciam aos próprios artistas, que dividiam a sua vida entre o
clientes ilustres. Com o avançar da noite ocorre outra metamorfose, e agora é o artista
que se manifesta, que se une aos músicos e canta para uma platéia silenciosa que está
Figura 3. Restaurante “O Fado”, Copacabana, RJ, final da década de 1960. - Adélia Pedrosa,
Tony de Matos, Mário Rocha, Antonio Rodrigues (Guitarra) e Leonel Vilar (Violão).
Disponível em:
<http://picasaweb.google.com/clautulimoschi/ComOutrosFamosos?authkey=aIKB997X3dY#
5114562576175415266> Acesso em: 11 jan. 2011.
140
Maria Alcina, que funcionou neste local entre 1976 e 2000. Maria Alcina, que à época
Portugal. Entre a década de 1960 e 1970, não seria incomum testemunhar a presença e
fadistas como Carlos do Carmo ou Amália Rodrigues, conforme relata Maria Alcina:
“Ela na minha casa cantava assim... Ela [Amália] vinha pro Canecão. Acabava no
Canecão e ia lá pra casa ... e íamos até as sete da manhã, depois íamos ver nascer o sol
visitavam Portugal e deixavam ali suas divisas. No Rio de Janeiro, as casas de fado
Zona Sul, mantendo um padrão de qualidade entre público e artistas. A única casa
citada fora deste contexto foi a casa “Tio Patinhas” em Copacabana, que se dedicava à
apresentação do Fado Vadio 52. Nas fotos anexadas nesta seção, podemos observar a
ambientação temática destas casas de fado, bem como reconhecer alguns músicos e
artistas da época.
52
Fado vadio é uma designação utilizada em Portugal para descrever um fado cantado por músicos
amadores que se apresentam em estabelecimentos comerciais que não possuem a organização comercial
das casas de fado tradicionais. Essas casas se encontram abertas para fadistas amadores e profissionais
que ali queiram se apresentar.
142
uma parte primordial da rede social que legitima o mundo artístico organizado dos
fadistas no Rio de Janeiro, pois é neste espaço que o artista se manifesta como fadista,
comunidade.
Rio de Janeiro, RJ, 26/11/1990) chegou ao Brasil acompanhado de seu pai em 1923,
quando contava com 14 anos de idade. Iniciou a sua carreira como cantor em 1933,
no mesmo ano, para o selo Odeon, os fados “O teu olhar” e “O último fado”, ambos de
autoria do compositor Carlos Campos. Manoel Monteiro gravou fados, marchas, viras
e obras de diversos autores brasileiros, como Vicente Paiva, Kid Pepe, Roberto
na cidade do Rio de Janeiro, dividindo o espaço artístico com cantores como Orlando
Silva e Silvio Caldas. Em 1939, realizou uma turnê em Portugal, nas cidades de
comunidade portuguesa estabelecida na cidade do Rio de Janeiro, pois ele atuou nos
143
na Rádio Vera Cruz do Rio de Janeiro. Entre 1966 e 1968, Monteiro apresentou um
Como ocorreu com a fadista Maria Alcina, Manoel Monteiro foi homenageado
em sua terra natal, Cimbres, emprestando o seu nome para uma rua local, além de ser
reconhecido em diversas cidades brasileiras, pois há sete ruas com seu nome nelas
assinalado.
Cedofeita, Porto, 15/07/1910, São Paulo, 15/07/1978) começou a obter êxito como
cantor de fados na cidade de Lisboa. Em 1934 veio pela primeira vez ao Brasil com
outros artistas portugueses, como Maria do Carmo, Maria do Carmo Torres, Filipe
posteriormente para uma temporada mais ampla entre 1939 e 1946. A partir de 1947,
onde atuou como radialista, compositor, poeta, ator, fadista e apresentador de TV,
“Só nós dois”, “Mulheres há muitas”, “Malmequer”, “Confissão”, “Não penses mais
em mim”, “A freira”, “Duas mortalhas”, entre outros. Suas músicas foram gravadas
acolheu inúmeros expoentes do fado no Brasil, como Adélia Pedrosa, Maria Alcina,
Na década de 1970, Pimentel transfere a sua residência para São Paulo e funda
com Adélia Pedrosa e Terezinha Alves o restaurante “Lisboa Antiga”, que funcionou
como uma das mais importantes casas de fado da capital paulista. De todas as músicas
de Joaquim Pimentel, o fado “Só nós dois” pode representar bem a dimensão criativa
do artista. Esse fado foi gravado e cantado por quase todos os fadistas de sua geração,
assim como por cantores brasileiros como Nelson Gonçalves, Fafá de Belém e
Vanusa.
145
Janeiro, a Rádio Tamoio, a Rádio Vera Cruz e a Rádio Nacional. Para os fadistas, o
Claudia Ferreira entre outros. Inaugurado na Rádio Vera Cruz, após a morte de
Joaquim Pimentel (em 1978) o “Programa dos Astros” passou a ser apresentado na
Rádio Bandeirantes, aos domingos, pelos fadistas Antonio Campos e Helia Costa,
a manutenção de seus programas foi tema de um artigo crítico publicado por Claudia
de relações sociais porque geram uma rede de relações interpessoais que se constroem
Figura 5. Adélia Pedrosa - Rádio Vera Cruz - Programa dos Astros de Joaquim Pimentel
Disponível em:
<http://picasaweb.google.com/clautulimoschi/RDioVeraCruzProgramaDosAstrosDeJoaquimP
imentelOComeO?authkey=qRsHd6FEti4#5114238675511754418>. Acesso em: 10 jan. 2011.
maior parte desses artistas só teve contato com o fado no Rio de Janeiro, quer seja por
Ramiro Damaia, e a mesma observação pode ser aplicada à fadista Adélia Pedrosa.
brasileiros. Cantores como Antonio Campos, Maria Alcina, Ramiro Damaia e Adélia
contato com o fado em Portugal por meio radiofônico ainda durante a infância, e que o
que não eram veiculados na rádio portuguesa. Esses depoentes possuem, nos dias
O músico Caçula Hilário tem seu nome vinculado à história do fado no Rio de
Janeiro por atuar como músico acompanhador no programa de Joaquim Pimentel e ali
constituir uma rede de amigos e, assim, ingressar na rede social de artistas do gênero
fado e se reveste de um habitus musical que lhe conferia prestígio como músico,
legitimada pelos demais membros da comunidade, e a ação da rede social que opera
dentro do mundo artístico pode ser observada na relação existente entre a emissão e a
Figura 6. Reunidos nesta foto estão, entre amigos, todos os artistas do Programa dos Astros, de
Joaquim Pimentel. Ao centro, atrás de Joaquim Pimentel, Adélia Pedrosa, ainda de tranças.
Disponível em:
<http://picasaweb.google.com/clautulimoschi/ComOutrosFamosos?authkey=aIKB997X3dY#
5136073536412024210>. Acesso em: 10 jan. 2011.
comunidade luso-brasileira. A cantora Gilda Valença, por exemplo, atuou como atriz
53
A história da televisão no Brasil pode ser observada através da obra Historia da comunicação - rádio
e TV no Brasil, de Maria Elvira Bonavita Federico, Petrópolis: Vozes, 1982.
150
Tupi, o programa "Caravela da Saudade" teve início em 1964, era apresentado por
Hoje, existe uma versão radiofônica 54 desse programa, propagada via Internet por
Rio de Janeiro, e operou entre 1959 e 1972. Em 1960, a referida emissora alcançou um
enorme êxito de audiência com o programa “Figura de Francisco José”, que era
apresentado pelo próprio cantor e transmitido nas noites de sábado em horário nobre.
por Olivinha Carvalho e "A Casa do Casemiro", programa produzido pelo fadista
54
O programa é veiculado aos sábados às 20:00h com reapresentação aos domingos às 10:00h na Web
Radio Portugal , no site <http://webradioportugal.blogspot.com/.>.
151
Figura 7. Adélia Pedrosa, Maria Alcina, Antonio Campos, Casemiro, Joaquim Pimentel, Dr.
Felner da Costa, Maria Girão, Tristão da Silva, Luisa Salgado, Maria José Vilar, Leonel Vilar,
Antonio Mestre, Dr. Noel de Arriaga e amigos, no Programa “A Casa do Casemiro”, na TV
Continental - Rio de Janeiro.
Disponível em:
<http://picasaweb.google.com/clautulimoschi/ComOutrosFamosos?authkey=aIKB997X3dY#
5114562391491821490>. Acesso em: 10 jan. 2011.
Atlântico, e funcionou em sua primeira fase entre os anos de 1955 e 1977. Nessa
Portugal", conduzido pelo fadista Manoel Monteiro entre 1966 e 1968, além dos
Manoel Joaquim Ramos e Lídia Miguez 55, artistas e radialistas radicados na cidade de
Santos em São Paulo, o rádio é apontado como um dos principais lugares de difusão
Lopes. Em Santos, a primeira emissora de rádio foi a Rádio Clube, fundada em 1926,
seguida da Rádio Atlântica de Santos (década de 1930), Radio Cacique, Rádio Cultura
de São Vicente, Rádio Universal, Rádio Tribuna e Rádio Guarujá, todas emissoras
afetiva gerados pela escuta do fado entre imigrantes portugueses na cidade de Santos”
(NUNES, 2008: 207), são analisadas algumas letras dos fados mais solicitados pelo
considera que o fado atua como um marcador da memória (em sua dimensão
espaços míticos e reais do povo português, como a religião católica e o mar, entre
outros:
55
VALENTE, Heloísa de A. Duarte. Eu queria cantar-te um fado... Entrevista com Manoel Joaquim
Ramos e Lídia Miguez. In: VALENTE, Heloísa (Org.). Canção d’além-mar: o fado e a cidade de
Santos. São Paulo: Realejo, 2008, p.109.
153
1950 e 1970.
Janeiro foram transmitidos desde a década de 1950 pelas emissoras Tupi e Tamoio, e a
gravações do gênero fado realizadas no Brasil até o ano de 1964. O catálogo citado
apresenta o registro de 242 fonogramas entre 1950 e 1964, e os artistas que aparecem
com um maior número de gravações no período referido são Ester de Abreu, Gilda
154
Valença, Olivinha Carvalho, Terezinha Alves, Tony de Matos, Manoel Monteiro, além
fonogramas. Entre 1950 e 1959, período a que se refere nossa pesquisa, Monteiro
Todamérica – que somam 26 fonogramas, com destaque para os fados “Rosinha dos
Sua projeção artística está associada tanto à cultura portuguesa quanto à cultura
brasileira, posto que o cantor gravou também diversas marchinhas para o carnaval.
Assim sendo, é provável que a acepção do termo luso-brasileiro seja muito adequada
para o fadista, cujo sentimento de duplo orgulho pátrio pode ser observado no “Fado
56
O disco de 78 rpm era feito de goma-laca em forma circular e achatado, utilizado no registro de áudio
durante a primeira metade do século XX. Foi manuseado a fim de reproduzir fonte sonora através de
gramofones e toca-discos.
57
Esses temas foram todos gravados pelo selo Todamérica com os números da matriz a seguir:
“Rosinha dos limões” (fado slow TA572/dezembro de 1953); “Foi Deus” (fado TA732/fevereiro de
1955); “Uma casa portuguesa” (canção TA532/setembro de 1953) e “Nem às paredes confesso” (fado
TA864/setembro de 1955).
155
sentimento por integrar a cultura brasileira e ser reconhecido como um irmão entre os
58
Conforme resumos biográficos inseridos em anexos, em que se apresentam os demais fadistas
comentados nesta seção do capítulo 3.
156
“Portal do Fado”59, Adélia Pedrosa gravou o seu primeiro disco compacto com duas
faixas: uma desgarrada com o fadista Sebastião Robalinho e o fado “Sou filha de um
pescador”. Sua discografia inclui álbuns gravados pela Masterplay (O fado e o mar),
de Lima e Adélia Pedrosa) RCA Victor (Só nós dois), Valentim de Carvalho e FF em
Portugal (Fado), além da gravadora Som Livre no Brasil (Portugal com amigos).
da Beira-Mar”60, composta para ela por Joaquim Pimentel e José Magalhães. Este fado
Ai canta, canta
59
Disponível em: <http://www.portaldofado.net/content/view/502/#comment-409>. Acesso em: 12 nov.
2010.
60
Disco Parlophone, Portugal, LMEP 1281, 1964.
157
Figura 8. Adélia Pedrosa em show no Edifício Manchete. Entre outros, na foto: Juscelino
Kubitschek, Roberto Marinho e Adolpho Bloch. Disponível em:
<http://www.fotolog.com.br/adeliapedrosa/65217962>. Acesso em: 11 jan. 2011.
com o fado-canção “Já não sei”, de autoria de Antonio Mestre, e o fado “Pomar da
Rocha. No ano seguinte, gravou para o selo Sinter o fado-canção “Coimbra”, de José
Galhardo e Raul Ferrão, seguido de outros êxitos como a marcha carnavalesca "Cabral
61
Disponível em:
<http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asp?tabela=T_FORM_A&nome=Ester+de+Abreu.>.
Acesso em: 25 out. 2009.
158
Tapajós e Jorge Henrique. Em 1954, gravou pela RCA Victor o seu primeiro LP, e em
1955, pela gravadora Sinter, outro LP com o maestro Lirio Panicali. Além desses
Brasil entre 1950 e 1962, e contém, além de fados e canções, outros gêneros musicais
brasileiros, como “Um pirata do outro mundo”, sob a direção de Luiz de Barros em
1957.
com o cantor Francisco Carlos,62 que é uma gravação do selo RCA Victor de 1955,
obra composta por Irani de Oliveira e William Duba. Nessa gravação, o gênero
final é de complementaridade, fato que conduz o ouvinte a uma escuta linear e que
“Moreninha de Lisboa”
62
Ester de Abreu e Francisco Carlos. “Moreninha de Lisboa”. fado-marcha de Irani de Oliveira e
William Duba. RCA Victor, 801466, Lado A, 78 rpm, 1955.
159
A música registra uma inovação em sua letra e estrutura musical (é uma fusão
do fado português com a marcha brasileira), e pode evocar os preceitos apontados por
associando mais uma vez a metáfora da deriva para justificar tal transformação. A
problemas complexos.
ouvimos um acordeão que nos remete ao típico ambiente das concertinas lusitanas, ao
tempo que uma flauta intercala a obra com contrapontos que nos lembram o universo
obra se aproxima mais do choro, pois no início da canção a harmonia caminha para
homônimo menor da tonalidade principal que é Si Bemol. A obra termina com uma
corrido.
Valença para não ser confundida com a cantora Gilda de Abreu. A intérprete Gilda
Valença gravou duas músicas em 1954: o "Corridinho nº 1", dos compositores Melo
Jr. e Silva Tavares, e o "Fado de Vila Franca", do compositor João Nobre. Deixou
de 1940, quando contava com nove anos, a convite do compositor Braguinha. O disco
de 78 rpm registra duas faixas dos compositores Antonio Russo e Américo Morais: o
“Pif-Paf”, de Luís de Barros. Nos anos seguintes, contracenou em outros filmes, como
“Esta é fina” de 1948, “Fogo na canjica”, no mesmo ano, e “Eu quero é movimento”,
no ano de 1949, todos com direção de Luís de Barros. Gravou dezenas de discos 78
dos fadistas Antônio Campos, Maria Alcina, Mário Simões, Alexandre Correia, Lúcia
carioca” ou “Fado xuxu”, foi gravada originalmente por Amália Rodrigues com
raça” por “brasileiro sem chalaça” e “o Alfacinha de raça”. O termo “brasileiro sem
chalaça” faz referência ao brasileiro residente na cidade que não é natural do Rio de
Portugal.
de ir ao cassino
ver as meninas
Com sambinhas
e modinhas
63
Disco Copacabana, número M2213.
64
O fado,/ canção bizarra / pôs a samarra / todo trecheiro / e lá foi com a guitarra / até ao Rio de
Janeiro. / Fez-se um fadista atrevido / tão destemido / e de tal marca / que até já é conhecido / p'ro
fadistão da Fuzarca. A Música é de Frederico Valério e a letra é de Amadeu do Vale.
163
abacate
vitamate
Guaraná
maracujá
e caruru
Com cocada
batucada para ti
abacaxi e goiabada
bebe cachaça
come pipoca
todo se bamba...
instrumentação escolhida para esta versão, pois a guitarra divide o solo com órgão; o
caixa da bateria nos contratempos, assumindo assim a função do violão. Nesta versão
artística proposto por Becker (1982) e sua referência à metáfora da deriva. O exemplo
Exemplo musical 14. Fragmento do fado “O fado é bom pra xuxu”, de Frederico Valério e
Amadeu do Vale. Discos Copacabana, M 2213, lado B, 78 rpm. Interpretação de Olivinha
Carvalho. Transcrição de Alberto Boscarino.
a canção “Olhos castanhos”, retornando a esta cidade no mesmo ano para gravar mais
três discos que incluíam as canções "Sou doido por ti", "Deixa falar o mundo" e "Ana
Paula". Obteve enorme êxito com suas gravações e apresentações, e realizou uma
165
turnê internacional, visitando países como França, Hungria, Alemanha, Itália, Espanha
1960, Francisco José regravou pelo selo Sinter a canção “Olhos castanhos”, que se
das modinhas, com o bordão do amor inatingível, visto que a fixação pelo olhar da
amada não deixa transparecer o ato de posse carnal do poeta. Verificamos assim a letra
original:
“Olhos castanhos”
Exemplo musical 15. “Olhos Castanhos”. Bolero de Francisco José e Alves Coelho. Discos
Sinter, 1960. Interpretação de Francisco José. Transcrição de Alberto Boscarino.
música através dos cancioneiros, que difundiram nos palácios a arte medieval das
Berardinelli, que discorre sobre o “eu lírico” camoniano, em que o tema do olhar é
recorrente:
O mesmo motivo pode ser observado no soneto, incipit “Um mover d’olhos,
65
CAMÕES, Luís de. As Rimas de Camões (1974).
167
inquietam o sujeito lírico porque tanta beleza foi capaz de transformar o seu
pensamento:
José". Em 1973, obteve um grande êxito em Portugal com a canção “Guitarra toca
lançou o seu último trabalho discográfico, que incluía a canção "As crianças não
destaca que “a principal marca do seu estilo interpretativo consiste no vibrato intenso
Além dos fadistas destacados nesta seção, outros artistas merecem ser
comerciais.
11/09/1934) chegou ao Brasil em maio de 1953 aos 19 anos de idade. O artista é autor
“Não acordes a minha dor”. Iniciou a sua carreira como fadista no “Programa dos
São Paulo.66
sempre em dueto com a fadista Maria Alcina, recebeu o título carinhoso de “Rei da
Desgarrada”, conferido por amigos de seu meio artístico. Antonio Campos produziu e
1978 e 2010. Seus fados foram gravados por artistas como Maria da Fé, Cidália
Moreira, Tony de Matos, Adélia Pedrosa, Maria Alcina, Pedro Vilar, Francisco José,
entre outros. Como poeta, produziu mais de 300 poemas; artista sensível que
primeiro disco em Madrid, intermediado pelo editor Manuel Simões, obtendo êxito
com a canção “Cartas de amor”. A partir de 1952 passa a cantar no teatro de revista, e
em 1953, atuou pela primeira vez no Brasil, na cidade de São Paulo, numa temporada
de três meses.
empresário. Em sociedade com Maria Sidónio, passou a administrar uma casa de fados
gravou um LP que lhe proporcionou muito êxito, e que incluía as obras “Só nós dois”,
gravou o seu primeiro LP, e até 1974 registrou mais três discos, dois LPs e um
Ajoelhemos!
Ouçamos!
E, com Sebastião Robalinho, rezemos o CASTIÇO!
171
O fadista Manuel Taveira (Manuel Artur dos Santos Taveira, Armamar, Viseu,
gravação desta música no Brasil. Como compositor, teve obras gravadas por Francisco
José, Hermínia Silva e Manuel Fernandes, entre outros. O fadista Manoel Taveira
eu só cantava o fado
do “caldo”
subi ao morro
estive lá passeando
e vejam só
É da madrugada
agora o fado
musicais – fado e samba, pois o fadista português, que só cantava o fado, visita o
final, a letra aponta uma divisão de apreço do fadista entre os dois gêneros, pois o
samba “também tem o seu lugar”. Os dois gêneros musicais apresentados na obra
compreende partes com dois momentos diferenciados pelo arranjo, gênero musical,
violão de cordas metálicas que nos lembra o timbre da guitarra portuguesa, com uma
músicos agora adotam uma postura mais vigorosa e animada em sua interpretação,
fado analisado.
173
Exemplo musical 16. Fragmento do fado “O fado sobe o morro”, de Manuel Taveira. Disco
Phillips, LP 832 926, lado B, 33 rpm. Interpretação de Manuel Taveira. Transcrição de
Alberto Boscarino.
1968, pela gravadora MusicDisc, um disco compacto com quatro faixas, destacando-
se a faixa “Só nós dois” de autoria de Joaquim Pimentel, e que passou a integrar a
palco com artistas como Miltinho, Olivinha Carvalho, Marlene, Emilinha Borba,
Jamelão, Carlos José, Elen de Lima, Carlos Galhardo, Linda Batista, entre outros.
gravado pelo selo Porto Cali; um CD que reúne uma coletânea de sucessos, lançado
remetem ao fascínio do homem português pelo mar, percebido através das letras dos
Pedrosa. Ao mesmo tempo, a nostalgia por sua terra natal é profunda, e precisa ser
relembrada através das letras dos fados ou das atividades promovidas por sua
comunidade junto às casas regionais. Eduardo Lourenço nos lembra que o povo
Fernando Pessoa chamou Portugal de “rosto da Europa”, rosto que serve ao continente
para enxergar o ocidente, e Luís de Camões cantou em versos a força dos heróis
navegantes quinhentistas.
maior parte deles contribuiu para a história da música brasileira com gravações de
Pimentel, Francisco José, Manuel Taveira, Mario Simões e Maria Alcina, entre outros
fadistas.
cantoras como Fafá de Belém e Maria Betânia. A cantora Ângela Maria lançou, em
175
1977, um LP com doze faixas intitulado “Os mais famosos fados”67, com os títulos
paredes confesso” e “Só nós dois”, entre outros êxitos. Em 1954, a artista Hebe
Camargo gravou para o selo Odeon os fonogramas “Tudo isto é fado” e “Festa
Pinto na telenovela “As pupilas do Senhor Reitor”, exibida pela TV Tupi em 1970.
Faour (2001) relacionou algumas gravações do cantor que faziam sucesso naquele
Nesse mesmo ano, a gravação do fado “Lisboa Antiga” foi sucesso no Brasil e nos
Estados Unidos, chegando a ser uma das músicas mais executadas nas rádios
estadunidenses:
Vale dizer que tal fado chegaria até ao top ten do hit parade americano
naquele ano, na versão da orquestra de Nelson Riddle, e que, no Brasil,
entre as diversas gravações que o fado recebeu, a de Cauby foi a de maior
sucesso. Não era para menos. Ele parecia inteiramente à vontade no
fraseado melódico português da canção. (FAOUR, 2001: 93).
Outro fado que alcançou grande êxito na voz de Cauby Peixoto foi o fado “Um
67
Discos Copacabana, COLP 12127, 1977.
68
“Cauby Interpreta”. 1964, Discos RCA Victor, BBL 1260.
176
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi Deus
Que me pôs no peito
Um rosário de penas
Que vou desfiando
E choro a cantar
E pôs as estrelas no céu
E fez o espaço sem fim
Deu o luto às andorinhas
Ai, e deu-me esta voz a mim.
“Foi Deus”69
que foi gravado por muitos fadistas, inclusive pelas cantoras Maria Alcina e Adélia
Pedrosa. Essa letra representa a dor cantada pelos fadistas em seu “rosário de penas”, e
canta a tristeza, a saudade e a dor: é através da voz que o artista expressa o seu pranto.
Janeiro entre as décadas de 1950 e 1970, período indicado por músicos e fadistas
divulgação próprios para a execução das músicas, que são o teatro de revista, as festas
69
O Fado “Foi Deus”, de autoria de Alberto Janes, foi interpretado por Maria Alcina em 2008 na
Câmara de Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro em homenagem às Comunidades dos Países de
Língua Portuguesa - CPLP e na Rede Globo de Televisão na Minissérie “Maysa”.
177
1851 e 1960 (considerado como imigração de massa), com uma maior concentração
nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Segundo fontes do IBGE 70, sabemos
que entre 1884 e 1959 chegaram oficialmente ao Brasil 1.368.258 portugueses, com
crise ocorrida nas vinícolas da região norte e o serviço militar obrigatório. No Brasil,
buscando, desse modo, evitar conflitos sociais. Essa era uma maneira inteligente de o
empresário exercer uma influência sobre o operário porque era exigido um perfil
docilizado dos trabalhadores, embora, na prática, nem sempre fosse possível conseguir
70
Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/povoamento/tabelas/imigracao_nacionalidade.htm>. Acesso em: 18
jul. 2009.
178
As bandas de música das fábricas têxtil foram dirigidas por maestros eminentes
operárias que se constituíram as bandas musicais das fábricas, que deram origem a um
embrião dessa rede social e que, mais tarde, foram se manifestar na ampliação do
uma casa de origem portuguesa com símbolos religiosos, como azulejos com motivos
das casas. A afirmação da identidade dos imigrantes portugueses pode ser percebida
através da reflexão de Maria Manuela Alves Maia (2008), que afirma a existência de
fadinho brasileiro como número final de canto e dança. É notória a diferença entre os
gêneros, o que nos leva a deduzir que o fadinho brasileiro inserido nessas Revistas era
179
um número musical que pertencia à suíte de danças do fado brasileiro em voga durante
o século XIX. Entretanto, o fado castiço português pode ser notado nas revistas
Eduardo das Neves, Vicente Celestino e Manoel Monteiro, entre outros. A análise
realizada de duas gravações do cantor Baiano confirma que estas são classificadas na
categoria de fado castiço. A escuta atenta dessas gravações induz a uma hipótese de
classificar alguns integrantes da rede social que ali se estabelecia. O ingresso no local
para o Benfica lisboeta. O cheiro das sardinhas fritas e do bacalhau, as falas com
colônia portuguesa nesta cidade. Havia naquele espaço artistas integrados que atuavam
canções, outros que se manifestavam com a dança, enfim, podia perceber que todos
estavam ali em comunhão, como se tivessem estabelecido regras num contrato social.
compreendida através dos relatos orais das famílias que se estabeleceram na cidade do
centros urbanos como no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para uma análise das
(1977), assim como a classificação do autor em relação aos artistas. Outros conceitos
estabelecidas entre artistas integrados que zelam pela difusão e manutenção de uma
cultura musical tradicional de sua terra natal. Esses artistas regravaram canções
do fado ajudaram a construir um quadro com os principais tipos sociais que transitam
a cantora Maria Alcina foi a que forneceu um maior número de detalhes acerca da
história do fado naquele período, bem como uma convincente visão da condição do
rede social específica e contava com alguns aspectos e espaços de divulgação próprios,
artistas; o reconhecimento dos artistas em sua terra natal, entre outros aspectos.
manutenção dos signos ligados ao fado tradicional e o aporte de elementos novos, que
fazem uma ponte entre as culturas portuguesa e brasileira. Assim, o fado se une ao
baião, à marcha, ao samba, gerando leituras novas do gênero musical lusitano. Essas
existência de um “hibridismo musical” entre o fado e a música brasileira, que pode ser
pela canção “Olhos castanhos”, gravada em 1960 pelo cantor português Francisco
como Ângela Maria, Hebe Camargo e Cauby Peixoto gravaram fados entre as décadas
delimitado por este estudo, com destaque para os cantores Joaquim Pimentel e Manoel
portuguesa, pois a maioria de seus nomes não constam nos verbetes dos dicionários
Branco. Como não constam nos verbetes dos dicionários musicais brasileiros, nossos
mundo.
para a organização de quadro expositivo das casas de fado existentes na cidade entre
como Francisco José, Tony de Matos e Maria Alcina, que alternavam suas funções
portas, e hoje não contamos com nenhuma casa de fado funcionando na cidade do Rio
descendentes que ainda residem aqui. Isso aponta para um quadro de decadência do
ocultação de uma prática cultural que impede às novas gerações o acesso ao seu
Fadista Ramiro Damaia, o único guitarrista remanescente é o Vitor Lopes, que reside
na cidade de Maricá, e, depois, dele, talvez o fado desapareça do cenário carioca como
em perpetuar a sua cultura natal, talvez por esta associada a um passado que não se
apresenta na mídia como cultura homogênea. Da opção das novas gerações por outras
condição natural, o velho sendo superado pelo novo, sem que fosse possível uma
Janeiro podem ser amenizados pela ação de alguns fadistas e agentes sociais
integrantes desse mundo artístico, como a cantora Maria Alcina, o radialista e produtor
José Chança, o radialista Oliveira Nunes, o ouvinte Nelson Calafate, entre outros. A
REFERÊNCIAS
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CANCIONEIRO DE MÚSICAS POPULARES. Cancioneiro de musicas populares
contendo letra e musica de canções, serenatas, chulas, danças, descantes, cantigas
dos campos e das ruas, fados, romances, hymnos nacionaes, cantos patrioticos,
canticos religiosos de origem popular, canticos liturgicos popularisados, canções
políticas, cantilenas, cantos maritimos, etc. e cançonetas estrangeiras vulgarizadas
em Portugal / collecção recolhida e escrupulosamente trasladada para canto e piano
por Cesar A. das Neves ; coord. a parte poetica por Gualdino de Campos ; pref. pelo
187
Exmo Sr. Dr. Teophilo Braga. - V. 1, fasc. 1 (1893)-V. 3, fasc. n. 75 (1899). - Porto :
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6. Filmografia
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194
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ADÉLIA PEDROSA
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196
YOU TUBE.
Disponível em: < http://www.youtube.com/?gl=BR&hl=pt>. Acesso em: 12 jan. 2011.
197
ANEXOS
198
ANEXO A
71
. Fonte: Clube Recreativo Português de Jacarepaguá. Disponível em:
<http://www.clubeportuguesjpa.com.br/>. Acesso em: 22 fev. 2009.
72
Fonte: Liceu Literário Português. Disponível em: <http://www.liceuliterario.org.br/>. Acesso em: 12
fev. 2009.
73
Fonte: Rancho Divino Salvador. Disponível em: <http://www.ranchodivinosalvador.cjb.net/ >.
Acesso em: 20 fev. 2009.
74
Fonte: Casa do Minho. Disponível em: <http://www.casadominho-rj.com.br/ranchos.html>. Acesso
em: 20 fev. 2009.
199
Cosme Velho. O Rancho Folclórico Adulto da Casa de Viseu 75 foi fundado em junho
de 1967, com o objetivo de representar as danças típicas e a música portuguesa nas
festas típicas da Casa de Viseu, agremiação cultural localizada no bairro da Vila da
Penha. A fundação do rancho teve como padrinhos a cantora Olivinha Carvalho e o Sr.
Lima Abreu, um grande incentivador do folclore português. O Rancho Folclórico Luiz
de Camões localiza-se na cidade vizinha de Niterói e suas atividades culturais estão
relacionadas ao Clube Português de Niterói.
A Casa do Minho 76 é presidida pelo Sr. Agostinho da Rocha F. dos Santos e
desenvolve suas atividades culturais e sociais em sua sede no bairro do Cosme Velho,
abrigando um conhecido restaurante português. A associação foi fundada em março de
1924, e acolhe o Rancho Folclórico Maria da Fonte. A Casa de Espinho, fundada em
07 de setembro de 1964, é outro centro de promoção da cultura portuguesa, está
localizada no bairro de Irajá e é presidida pelo Sr. Manuel Fonseca. A Casa de Viseu 77
é presidida pelo Sr. José Antonio Marinho Nunes, e foi fundada em 15 de Julho de
1966. A sede está localizada à Rua Carlos Chamberland no bairro da Vila da Penha.
Essa entidade promove a difusão dos costumes e da cultura típica da região do Viseu
através de suas danças e cantares e é considerada uma das principais associações
culturais luso-brasileiras.
A cidade de Niterói representa outro ponto de concentração de imigrantes
lusitanos, pois recebeu um grande contingente de descendentes portugueses a partir da
década de 1920, estabelecidos inicialmente no bairro portuário da Ponta d’Areia.
Naquele ano, o censo demográfico revelou que a população da cidade de Niterói
contava com 1/6 de imigrantes, sendo a sua maioria composta de portugueses e seus
descendentes. Segundo Ana Maria de Moura Nogueira, essa comunidade guardava os
valores lusos da terra de além mar e hoje é conhecida como Portugal Pequeno
(NOGUEIRA, 2000):
Situada no canto esquerdo do litoral niteroiense, do ponto de vista de quem
chega pelo mar, a Ponta d’Areia lembra muito uma aldeia portuguesa [...].
O bairro é formado por um conjunto de casas que ainda resistem à beira do
cais, espremidas entre o mar e o morro da Penha. Ele cresceu em função
dos estaleiros que movimentaram Niterói desde a primeira metade do
século passado, empregando centenas de imigrantes em torno das
atividades ligadas à construção naval e à pesca. (NOGUEIRA, 2000:188-
189).
75
Fonte: Rancho Folclórico Adulto da Casa de Viseu. Disponível em:
<http://escudo.sites.uol.com.br/RANCHO-FOLCLORICO.htm>. Acesso em: 22 abr. 2009.
76
Fonte: Casa do Minho. Disponível em: < http://www.minho.com.br/novo/.>. Acesso em: 20 fev.
2009.
77
Fonte: Casa de Viseu. Disponível em: <http://escudo.sites.uol.com.br/Pagina-Principal.htm>. Acesso
em: 22 fev. 2009.
200
78
Fonte: Clube Português de Niterói. Disponível em:
<http://www.clubeportuguesdeniteroi.com.br/23064.html>. Acesso em: 23 fev. 2009.
201
ANEXO B
Resumos biográficos
Antonio Campos, além de se apresentar no eixo Rio - São Paulo, esteve mais
de vinte vezes em Portugal, atuando em várias casas de fado, como a tradicional
“Faia”, e se apresentou em Buenos Aires e em La Plata, na Argentina, bem como em
vários estados brasileiros. Participou de inúmeros programas de Rádio e TV no Brasil
e em Portugal e gravou fonogramas de suas obras nesses dois países. Os dados
biográficos de Antonio Campos foram extraídos do programa radiofônico veiculado
em 15 de agosto de 2009 no site “Mundo Fado Brasil”, apresentado por Claudia
Tulimoschi e disponível no blogue do “Mundo Fado Brasil” no endereço
<http://mundofadobrasil.podbean.com/category/antonio-campos/>.
Tony de Matos (António Maria de Matos, Porto, Portugal, 28/09/1924, Lisboa,
Portugal, 08/06/1989) é filho da atriz Mila Graça e de António Júlio de Matos. Inicia a
sua carreira artística na Companhia Rafael de Oliveira Artistas Associados, na qual
atuaram sua mãe e seu padrasto, o ator Afonso de Matos. Tony de Matos cantou nos
atos de variedades do Teatro Desmontável, onde o padrasto era diretor artístico. Em
1938, em uma turnê da companhia na região da Beira Alta, o jornal local registrou e
destacou a interpretação do jovem de 14 anos que cantava fados de Coimbra,
203