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ABSTRACT: Some theories about the functions of language refuse to take linguistic
data into consideration. These theories do that on the basis of an anti-imanentism. In
this way, social or cultural aspects of language are considered exclusively, giving to the
interlocutors the role of ¨build up the meaning during the interactions. This paper, as a
manifest, claims that it is mandatory to reconsider the role of the linguistic data in the
meaning production. Some case studies will be investigated here.
Se alguém meio antigo se deparasse com esse título, ou até com o tema desta
mesa, talvez achasse que estamos loucos. Afinal, se ainda temos que falar da relação
entre língua e sentido, se, por hipótese, os materiais lingüísticos não têm nada a ver com
os significados, então, o que é uma língua? Se a questão do sentido se resolve com
apelos aos domínios da sociologia, da antropologia, da cultura, ou se, alternativamente,
embora considerando esses domínios de alguma forma, tudo está aberto para um leitor
“construir” o sentido de um texto, então por que falamos, isto é, por que emitimos
cadeias sonoras relativamente organizadas? Nós poderíamos objetar- lhe, evidentemente,
que há tantos problemas para quem defende uma relação estrita entre as duas faces da
língua(gem) quanto para quem defende que, a rigor, não há entre elas nenhuma relação.
homonímia/polissemia
Evidentemente, para uma teoria do signo que fosse de base saussuriana, mas que
esquecesse a homonímia (ou que não chegasse aos campos semânticos), a homonímia
seria uma prova (fraca) da inconsistência da relação entre ste e sdo. Alguém poderia
dizer que não sabe de trago é uma forma do verbo tragar ou do verbo trazer a não ser
que conhecesse as circunstâncias relevantes do uso dessas formas, e que, portanto,
qualquer atribuição de sentido não passa pelo material lingüístico, e sim pelos fatores
circunstanciais. Se não se sabe se trago quer dizer x ou y, então se conclui que trago não
quer dizer nada fora de seu uso. Esse é um raciocínio “de jerico”, porque levaria a
concluir que, pelo fato de trago ter dois sentidos, então não tem nenhum. Nem por isso
deixa de ser adotado por notáveis intelectuais que, ao invés de dizerem que se deve
considerar o lingüístico e as “circunstâncias”, imaginam que basta considerar esses
outros elementos.
A AD, em princípio, não tem problemas com a polissemia. Sua solução é: sabe-
se o que uma palavra (expressão) significa na medida de sua substituibilidade por outras
(efeito metafórico). Como a substituibilidade é comandada por uma Formação
Discursiva (FD), pelo arquivo, pela memória da FD, dirá que o sentido de uma
palavra/expressão depende da FD em que está empregada (economia sadia significará,
por exemplo, sem inflação ou com crescimento, de acordo como discurso econômico),
mas não das circunstâncias.
Isso não significa que não haja problemas: não há nade de óbvio em que uma
palavra como doce possa ser um predicado tanto de mel quanto de voz, de música ou até
mesmo de uma pessoa. Além disso, seria necessário desenvolver uma análise de casos
menos ligados a discursos “fechados”, a FDs, por serem relativamente gerais em
determinada língua em certa fase de sua história (por exemplo, os processos ditos de
gramatização: considere-se “pegar” em peguei uma pedra, peguei uma gripe, pegue o
verbo divulgar e...).
os implícitos
Esse tópico é crucial para um analista do discurso, porque o obriga a definir mais
claramente sua posição em relação à lingüística, se se entende por isso uma abordagem
da língua enquanto tal (da ordem própria da língua, para adotar uma formulação que
vigorou por muito tempo na AD). A Análise do Discurso dita francesa, como se sabe,
tem uma ligação umbilical com uma lingüística em certo sentido mais “autonomista”,
representada por projetos como o de Saussure. Para a AD, o “próprio da língua” é o
objeto específico da lingüística (sendo que a semântica, para a AD, não é simplesmente
outro componente da língua). Sem discutir explicitamente o que faz com que as
estruturas de uma língua – das quais tratam a fonologia, a morfologia e a sintaxe –
venham a ser o que são, mas excluindo, por princípio, por ideologia, que sejam
biologicamente determinadas, a AD propõe uma teoria explícita de como essas
estruturas são o lugar material em que se dão os processos discursivos (os efeitos de
sentido). Resumindo, um discurso, tal como o produz um sujeito (posicionado etc.) é
simultaneamente o resultado das determinações da língua e de um processo histórico
específico, que fazem com que a seqüência produzida e seu sentido sejam o que são.
O que pode foi explicitado assim por Courtine (1981:12):
“se os processos discursivos constituem a fonte da produção dos efeitos de sentido no discurso,
a língua, pensada como uma instância relativamente autônoma, é o lugar material em que se
realizam os efeitos de sentido. O que P. HENRY (75, p. 94) pôde formular assim:
Outro exemplo:
Para destacar o que interessa, a oração em negrito é a que é tanto porque está em
português (que, para o que interessa, admite agente da passiva / sujeito nulo) e porque
seu enunciador ocupa determinada posição ideológica, que ao mesmo tempo o faz dizer
o que diz e o “impede” de explicitar certos elementos do discurso (que um analista
recupera no arquivo, na memória discursiva). Que falta exatamente o agente da passiva,
que essa posição está vazia, descobre-se comparando essa estrutura passiva com a ativa
correspondente, Identificam ambos com a radicalização. O verbo identificar não é
estruturalmente impessoal (como chover e haver), mas no texto ocorre sem sujeito (ou
sem agente da passiva, conforme o caso). Que não é um verbo impessoal se pode
verificar facilmente, em exemplos como Eu o identifico com..., O mercado nos
identifica..., Nós vamos identificar as fontes... etc. De forma que se poderia esperar, do
ponto de vista da pura sintaxe (da pura ordem) da língua, que a posição vazia da oração
questão pudesse estar preenchida. Para “testar” a teoria, pode-se substituir X nas
seqüências Ambos são identificados por X, X identifica ambos por um “agente” mais ou
menos característico, isto é, que faça sentido mencionar no discurso em questão - um
partido político, por exemplo.
Se fizesse isso, o texto do jornal teria nomeado quem identificava o PT com
grupos cuja radicalização o partido se esforça por repudiar (com efeitos positivos para a
imagem do jornalismo, talvez).
O exemplo mostra duas coisas: se analisado em termos da AD dos primeiros
anos, a interpretação do enunciado num arquivo seria, para um analista, resultante do
fato de que em algum lugar (do arquivo) o “agente” da identificação pode ser
recuperado (o PFL, conservadores, promotores legalistas, fazendeiros reacionários... e
até jornalistas que pensam que são de esquerda, como é o caso do exemplo
mencionado).
As posições vazias, portanto, nem são de ocorrência nem de interpretação
“livre”. Tanto a ocorrência ou não de um certo elemento na cadeia quanto a
interpretação da posição eventualmente vazia são “determinadas” por uma posição e por
arquivo ou por uma memória. As análises ou leituras sintomais (de fundamento
psicanalítico) dão conta disso. E as “falhas” da língua se explicam numa teoria geral (da
incompletude, da indeterminação), cujo fundamento diz respeito ao fato de que uma
língua nunca – nunca mesmo, nem na linguagem científica - dá conta de dizer o real.
Seguindo-se essa teoria, tanto os implícitos quanto os “vazios” – formas diversas
de incompletude - se resolvem no discurso, para o qual a língua, a materialidade da
língua, é um componente crucial. Uma das razões mais fortes para a AD opor-se à
pragmática é exatamente o desprezo que essa última tem pelo que há de “estrutural” na
língua. É por idênticas razões, embora com menor fundamento, que a AD recusou
Bakhtin, acusado de sociologismo, por considerar que a enunciação, o ato
“sociológico”, sem considerar explicitamente sua base lingüística, é o verdadeiro
fenômeno linguageiro, classificando, por exemplo, trabalhos como o de Saussure de
objetivismo abstrato (ver Faraco para uma leitura adequada das relações de Bakhtin com
a lingüística).
Os exemplos analisados por Dias (2003:216-9) põem problemas específicos. Em
enunciados como
a interpretação de isso e aquilo e de poucas e boas será uma ou outra conforme o campo
(do político, da vida privada ou familiar etc.) em que são enunciados. Exemplo ainda
mais claro é
1
Um deles (que a colher seja feita de sopa, ao invés de ser de pau, de plástico etc.) pode ser
absolutamente excluído e o outro quase, se se tratar de uma receita culinária, e se se aceitar que a
memória não apenas permite sentidos, mas também julgamentos sobre gêneros.
é correntemente interpretado como ‘Maradona cheira (costumeiramente) cocaína /
Maradona é viciado em cocaína’, em virtude de ocorrências desse verbo num
determinado discurso sobre o consumo de drogas. E se aceitamos como verdadeira a
hipótese de que um enunciado sempre pode derivar para outro, não nos espantaremos
muito ao ouvir, em circunstância bem determinada,
enunciado que, além de fazer sentido nas discussões sobre quem foi o maior jogador de
futebol do mundo, também põe em questão a representação sintática de um enunciado
como Maradona cheira x. Seria bom ter à disposição uma teoria que nos dissesse
claramente se, e, se sim, por que, Maradona cheira se representa em um caso como
Maradona cheira x e, em outro, apenas como Maradona cheira.
Para concluir: creio que as soluções da AD para esses problemas é muito boa e
será talvez mais interessante ainda se: a) a AD se definir claramente por uma teoria
lingüística, ou, alternativamente, por um tipo de teoria lingüística (eu diria que, para
manter a idéia da autonomia relativa, mas mesmo a do equívoco, adotar teorias que não
admitam descrições ad hoc é mais saudável do que o inverso); b) se explicitar mais
cuidadosamente o que é e como funciona a memória discursiva, especialmente quanto a
seu efeito sobre os sujeitos que lêem/ouvem no acesso às interpretações “adequadas”,
por um lado, e às imprevisíveis, por outro; especialmente, se puder esclarecer o limite
entre as previsíveis e as outras c) se deixar de ler as teorias que propõe representações
das estruturas ambíguas (especialmente estas) como tentativas de representação – das
quais, evidentemente, pode discordar – e não como tentativas de controle, colocando no
mesmo saco de gatos, por exemplo, passagens das gramáticas pedagógicas que
condenam a ambigüidade e projetos formais de descrição de aspectos considerados
relevantes das línguas naturais, sem qualquer viés normativo ou “educativo”.
BIBLIOGRAFIA