outra embarcação, bordo com bordo”, para melhor combater. “Com muita gente arma- da a investiram e abordaram (a caravela) por duas partes”. (Dic. da Acad.). – Acometer é quase assaltar: é “investir subitamente e com decisão”. “Acometeu-nos o inimigo sem que o esperássemos tão cedo”. – Assaltar é “investir à traição, de emboscada, e decisi- vamente”. “Assaltaram os brutos a fortaleza à noite”. Também se diz: “Assaltou-nos em caminho a tormenta”. – Agredir é propria- mente “provocar, tomar ofensiva contra alguém”. “Ele não tinha motivos para agre- dir-nos tão insolitamente”. – Arremeter é “atacar com fúria, impetuosamente”, “com precipitação”. “A vaca danada arremete con- tra todos”. – Atacar é, de todos os do gru- po, o verbo de significação mais genérica: “é ir hostilmente contra alguém ou alguma coisa”. “Não se ataca impunemente a honra alheia”. “O inimigo nos atacou de frente”. “Vamos atacar o forte”. “O bandido nos ata- cará em caminho se facilitarmos”. 17 ABANDONAR, desprezar, desproteger, desamparar, desdenhar, dessocorrer, des- valer, desarrimar, desapoiar, desajudar, desfavorecer. Quanto a abandonar, escreve Bruns.: “O antigo português tinha o ver- bo bandir (“banir”, “desterrar”) 1 que nos revela a existência de um substantivo mais antigo – bandon – de que nos vem bando (“pregão”, “decreto”). Bandon era ordem de bandir. Abandonar é, pois, etimologica- mente, “não querer saber da pessoa ou da coisa que se abandona”; é “deixá-la entregue aos seus próprios recursos, os quais se repu- tam deficientes ou nulos”. Abandonar tem com efeito alguma coisa de “exilar, pôr de lado e esquecido”. “Os bárbaros abandona- ram os míseros náufragos ali na ilha deser- ta”. Diz Roq. que: “o desamparo se refere ao bem necessário de que se priva o desam- parado; o abandono se refere ao mal iminente a que se deixa exposto o abandonado. O rico que não socorre a sua família pobre a desam- para; se o faz, porém, quando esta se acha em iminente risco de perecer, ou de sacrificar 1 # O italiano conserva o verbo bandire.Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa sua honra, a abandona”. – Desdenhar é “ter em pouca conta”; é “tratar com desdém, acinte ou altivez”. “Desdenhando o poder dos homens, a santa continuou muda”. “Aquele ricaço desdenha a nossa pobreza porque nós lhe desdenhamos a arrogância”... – Quanto aos outros do grupo, a distinção será fácil des- de que se tenha em vista o respetivo radi- cal, pois em todos figura o prefixo negativo ou privativo des. – Desprezar é “não dar a alguém ou alguma coisa o apreço ou im- portância que se lhe dava”. – Desproteger é “recusar a proteção que antes se dava a alguém”, como desamparar é “negar ampa- ro”; como dessocorrer é “deixar de oferecer o socorro que se nos pede”. Como estes, entendemos: desvaler (“não acudir”); de- sarrimar (“privar de arrimo”); desapoiar (“deixar de apoiar”); desajudar (“negar ajuda, auxílio”, e antes “fazer o contrário”); desfavorecer (“negar favor”). Todos estes sinônimos têm a significação geral “de in- diferença, pouco apreço, desprezo ou pouco interesse revelado por alguém”: diferençada, pelos próprios respetivos radicais, e tão dis- tintamente que em muitos casos não seria possível, sem sacrificar alguma coisa da cla- reza e propriedade da expressão, substituir um pelo outro, ou pelos outros indistinta- mente. É simples de ver que eu me não sinto desamparado só porque um sujeito me despro- tege. “Aquele homem, mesmo desprezado pelos amigos, não foi dessocorrido de algumas almas piedosas”. “Os homens o desvaleram sempre naquelas angústias; mas os filhos fizeram mais: desarrimaram-no na velhice dolorosa: e afinal, abandonado de todo o mundo, morreu em amarguras...”. “Nesta causa pode um parente desapoiar-nos sem que nos prejudique; mas aqueles que estavam conosco e se afas- taram não fazem menos que desajudar-nos”. Só nos desfavorece aquele de cujos favores dependíamos. Nem sempre se despreza, ou se desprotege, se desampara ou se desdenha, etc., # 15 aquele a quem se abandona. Pode-se desapoiar sem desproteger; desvaler sem desdenhar. Desarri- mar não é propriamente dessocorrer, pois que só se dessocorre aquele que está em perigo ou em situação difícil; e só se desarrima a quem precisa de nós; como só se desampara aquele a quem devíamos valer, e só se abandona a quem, na perdição ou na desgraça, tinha di- reito a ser por nós socorrido. 18 ABANDONO, desafetação, naturalidade, negligência, simpleza, descuido, ingenui- dade, singeleza, lhaneza, desalinho, in- dolência, desídia, incúria, inércia, inação, desleixo, desmazelo, languidez, desaperce- bimento, abstração, distração, acídia, pre- guiça, ócio, segnícia, moleza. – Abandono é um galicismo (neste grupo) que pode per- feitamente ser incorporado na língua, ape- sar de certos caprichos fúteis de um mal- -entendido purismo. É estranha a aplicação do termo feita por Bruns. depois de o haver definido como sinônimo de naturalidade. – “A amizade – diz ele – exige a naturalidade; mas o amor, a paixão veemente só é real quando há abandono”. Aqui há seguramente lapso: o abandono dessa frase não é o que o autor definiu como sendo o abandon francês. O abandono dessa frase é sinônimo de renun- ciamento, abdicação, abnegação, etc. Mas aqui, neste grupo, abandono, conquanto não seja o aplicado, e o definido por Bruns., é: “negligência amável no falar, no trajo, nas maneiras...” “Aquela candura da jovem prin- cesa ressalta de todo o abandono em que se deixa ver lá no parque”. – Naturalidade é “maneira de se mostrar, de dizer, de se ves- tir sem artifícios que deem na vista”. “Fa- lamos à rapariga, e ela respondeu com uma graça e naturalidade de criança”. – Desafeta- ção já se não aplicaria com a mesma pro- priedade a uma criança; pois, desafetação já “sugere ideia de esforço ou de propósito no16 # Rocha Pombo sentido de parecer desafetado ou natural”. Desafetação pode simular-se; naturalidade, não. “Este tipo vem aqui fingir desafetações de Tartufo...” – Negligência 2 diz também ma- neira descuidosa, postura desafetada, trajo sem capricho, pouca atenção com que al- guém cumpre sua tarefa ou desempenha um dever. Incúria é igualmente (conforme está indicando a própria etimologia) descuido, mas “descuido culposo de quem deixa de parecer como deve, ou de cumprir um dever do seu ofício”. Negligência sempre é me- nos do que incúria, conquanto diga Roq. o contrário. “Por negligência foi censurada a menina que não deu conta das lições, ou dos temas a tempo: por incúria teve casti- go”. “Pilhou-me a visita, ou surpreendeu- -me nesta negligência em que se está em casa”. “Ninguém há de ter o direito de acusar-me de incúria na minha profissão”. – Desali- nho é “maneira ainda mais descuidosa que a negligência: é quase incorreção de costu- mes, ou de frase, ou de trajar”. “Passam a ser censuráveis aqueles modos: aquilo já é desalinho, e quase inconveniência que se não perdoa em gente de educação”. – Singeleza é a qualidade do que não tem “refolhos e malícias”, acidentes de ânimo, e antes um humor sempre igual. “A singeleza daque- le viver é mais edificante do que todas as opulências dos grandes”. – Simpleza sugere ideia de inconsciência, de quase ignorância e parvoíce: é a “singeleza ou a ingenuidade do inculto e rude”. “Ele ficou em pasmo ante a simpleza daquele bárbaro ali impassí- vel a tudo que se passa”. – Ingenuidade é a “singeleza de quem não oculta o que sen- te, nem disfarça o que faz, como as crian- ças”. “Calino é o tipo do ingênuo: diz, com toda gravidade, as coisas mais sabidas do mundo.” – Lhaneza é a qualidade do que é 2 # Usa-se muito hoje do francês negligé em vez de negligência. lhano (do latim planus = liso, parelho, sem desigualdades de relevo). “Nada alterava ja- mais a lhaneza daquele caráter”. – Descuido é (como se vê da formação do vocábulo) “falta de cuidado no trato, no falar, no ves- tir, ou no desempenho de uma tarefa”: mais censurável sem dúvida que desalinho. “O descuido de quem se apresenta maltrajado em um salão de cerimônia é imperdoável”. O descuido na elocução, no gesto, na postu- ra... é muito mais grave que simples desa- linho. – Indolência e preguiça. Diz Lafaye que “a indolência é um defeito, a preguiça um vício”. Neste grupo não é bem assim. Se é mesmo vício a preguiça, está passando a ser quase um vício elegante... É ela “um relaxamento de ânimo, uma falta de ação para certas ocupações”. Pode ser oriunda de mal físico; e ordinariamente revela falha moral. – Indolência diz etimologicamente – “falta de sensibilidade; apatia, indiferen- ça por tudo que a outros merece cuidados ou atenção”. A preguiça pode não ser um vício, mas deve tirar a vontade de agir e de viver: a indolência chega a ser às vezes uma virtude para o cético, o pessimista ou o mi- santropo. – Moleza é “preguiça sensual”. – Inércia é “imobilidade, falta de energia, estado de torpor”. – Inação é um “estado de inércia passageiro, que cessa logo que de- saparece a causa acidental que constrange o inativo”. – Languidez é um quase “desfa- lecimento semelhante à depressão mórbida, e tendo também alguma coisa de moleza”. – Desídia é quase incúria, distinguindo-se desta em significar mais uma “inércia moral que afasta do trabalho, ou que torna avesso ao cumprimento do dever; enquanto que incúria é o próprio fato de não fazer o que devia”. – Acídia (ou acédia, mais conforme à etimologia) é uma inércia mais de espírito ainda do que desídia (talvez originariamen- te uma e outra do mesmo radical grego). Diz Roq. que parece ter sido vulgar outrora,Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa e usar-se em vez de preguiça, como se vê do Leal Conselheiro e do Catecismo, de Fr. Bartolo- meu dos Mártires, que a define assim: “O sétimo e último vício capital se chama acídia, que é uma tibieza e fastio espiritual que a alma tem para o exercício das obras virtu- osas, especialmente para as coisas do culto divino e comunicação com Deus”. – De- leixo (ou Desleixo) e desmazelo significam “relaxamento no cumprir o dever, falta de correção; parecendo que desmazelo é mais grave e mais culposo “porque exprime, não apenas falta de correção, mas uma desídia quase ostentosa, um defeito mais punível que desleixo, que é mais “ausência de senti- mento muito nítido do dever” – Desaper- cebimento, abstração, distração sugerem ideia de estado bem semelhante a umas apa- rências de abandono. Desapercebimento é “um como estado de inconsciência aparen- te, em que alguém fica sem dar atenção a nada, ou sem notar em torno de si coisas que lhe não deviam passar despercebidas”. Abstração é o “desapercebimento de uma pessoa completamente alheada do meio em que se acha, por um motivo interior, uma como tensão mental que a separa – dir-se-ia – das outras pessoas”. Distração é também desapercebimento, mas de quem parece “não pensar em coisa alguma, e ter os seus sentidos materiais como que suspensos ou apagados, olhando sem ver, tocando sem sentir, tendo ouvidos e não ouvindo, etc. – Segnícia é mais do que indolência, do que desídia, do que desleixo, do que preguiça, porque junta a tudo isso alguma coisa de miséria moral mais lastimável: segnícia deve ser o “torpor estúpido, a aversão ao movi- mento, a inércia e moleza do bárbaro”. – Ócio é antínomo de trabalho, ou porque se descanse dele, ou porque se seja forçado a ficar inativo; mais, no entanto, porque se te- nha trabalhado é que se fica em ócio: é este, pois, mais lazer do que inação. “Os meus # 17 instantes de ócio são poucos, porque a minha vida é muito atribulada de serviço”. 19 ABARATAR, baratear, embaratecer, mal- baratar, depreciar, menoscabar; menospre- zar, desapreciar, desestimar, desencarecer. – Abaratar (ou baratar) significa “diminuir o custo, tornar barato, fazer baixar o preço de alguma coisa”; e figuradamente é, pois, “ter em menor conta do que a antiga em que se tinha alguma coisa, ou as qualida- des, a importância, o valimento de alguém”. “Ele não há de consentir assim que lhe aba- ratem a honra de juiz”. – Baratear é “ofe- recer por menor preço”, é dar “por menos do justo valor, não tendo na conta devida”. “Não pensem que ele vai agora baratear as aptidões”. Tem ainda, como intr., a signifi- cação de “baixar de preço”. Dizemos, pelo menos no Brasil: “O café já barateou”. Usa- mos também de embaratecer, que se não sabe por que é que falha nos léxicos. Mas este difere de baratear porque significa, não só “baixar de preço”, mas “fazer baixar de preço”. A mesma diferença no sentido figu- rado. “Os tais conluiaram-se no intento de embaratecer os bons ofícios do competidor”. – Malbaratar é “desperdiçar coisa estimá- vel”; é “vender com prejuízo, abrir mão de uma coisa facilmente, mostrando por ela pouca estima ou nenhum interesse”. “Míse- ras criaturas é o que elas são, a malbaratar na vida os melhores dons que lhes tocaram”. – Menosprezar, menoscabar, desestimar distinguem-se ligeiramente. Menospre- zar não é propriamente “desprezar”, mas “prezar menos do que seria justo”, “ter em menor apreço do que o devido”. “Havemos então de menosprezá-lo só porque, naquela causa, não esteve conosco?” Menoscabar não é somente menosprezar, mas também “abater o valor, diminuir o crédito, a con- sideração”. “Não é por menoscabá-lo que18 # Rocha Pombo dele digo estas coisas”. Desestimar é “não ter em estima, deixar de estimar, não ter por alguém ou alguma coisa a mesma estima que se tinha”. É este verbo um sinônimo quase perfeito de desapreciar, havendo ape- nas entre os dois a mesma diferença que há entre os respetivos radicais – estima e apre- ço. “Só desestima o dinheiro quem lhe não sabe o valor”. “Não se desestima a um amigo só porque caiu em pobreza”. Em qualquer dos casos desaprecia diria sem dúvida al- guma coisa menos, e tanto menos quanto estima é um sentimento mais profundo que apreço. – Desencarecer é deixar de enca- recer, de ser tão caro ou encarecido como era, ou de ter na mesma conta exagerada em que se tinha (e tanto no sentido próprio como no figurado). “Ninguém decerto vai desencarecer-lhe os grandes serviços prestados à pátria naquele momento”. 20 ABANTESMA, fantasma, espetro, larva, visão, duende, trasgo, manes, lêmures, avejão, aparição, sombra. – Abantesma é forma popular de fantasma. Este vocábu- lo (fantasma) significa imagem fantástica ou incorpórea, que, por alucinação, julga alguém ver, tendo figura humana mais ou menos acentuada, e causando terror; e tal- vez porque sugira melhor esta última noção é que se distingue de todos os do grupo. “Encontrou no caminho um fantasma que o obrigou a voltar”. “Aquela casa... ou aquela consciência vive atormentada de fantasmas” (isto é, de coisas falsas ou imaginárias e medonhas). Também se aproxima de “sím- bolo”, “representação”; “personificação”; como em: “O fantasma da dor, ou do remor- so”. Abantesma é propriamente “fantasma sem forma definida, e que, além de terror, inspira repugnância”. “Imundos abantesmas vagavam naquela região mais do pecado que da morte”. – Duende designa alguma coisa semelhante ao que se chama vulgarmente “alma do outro mundo”. Lêmures e manes eram, entre os romanos, “espíritos que an- davam vagando pela Terra, e como em pe- nitência, ou perseguindo os vivos”. Manes designava particularmente “as almas dos avós ou dos parentes falecidos”; mas todos, manes e lêmures, saíam do inferno à noite para, às vezes, socorrer, mas quase sempre “para atormentar os vivos”. – Trasgo é qualquer coisa como “figura ostentosa, he- roica – dir-se-ia – e terrível do diabo”. – Es- petro e larva designam também fantasmas; e há entre eles uma certa distinção análoga à que se nota entre fantasma e abantesma. Espetro será o fantasma, ou melhor – “a alma de algum conhecido, que se deixa ver sem perfeito relevo, mas ainda conservando alguma coisa da forma humana”. Larva será espetro menos nítido, e é de crer que junte à ideia de visão a de penitência, significando assim – “alma penada”, “alma dolorosa”. “Quando encontrou no vestíbulo a larva de Aquiles... emudeceu”. – Avejão (fig.) é o que se poderia chamar também – “alma pe- nada” – mas que toma “aspetos estranhos, formas de aves ou de animais fantásticos”. – Visão, aparição, sombra são vocábulos de significação mais genérica e vaga, dando sempre a ideia comum de coisa sobrenatu- ral, ou não corpórea, atribuída à imaginação dos alucinados, ou à falsa visão de certos doentes. O mais vago de todos é o primei- ro dos três: visão é “toda imagem que se julga ver, quer em vigília, quer durante o sono”. Aparição distingue-se de visão em “acrescentar à ideia de imagem sobrenatural a ideia de miraculoso, de inesperado e súbi- to, mesmo instantâneo...” Sombra pode-se dizer que, com a significação que tem neste grupo, é vocábulo de alta nobreza histórica, significando “forma vaga subsistente de al- guém que foi vivo”; “coisa impalpável, sub- til, imaterial... como a sombra” (fenômenoDicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa físico). Entre os antigos, e ainda hoje, mes- mo entre muita gente de cultura, sombra era o mesmo que “alma”. 21 açambarcar, monopolizar, atravessar. – Todos estes verbos exprimem de comum a ideia de abuso contra a liber- dade de comprar e vender, de modo a fa- zer subir pela carestia o preço das coisas. – Abarcar significa “apoderar-se da merca- doria como quem a prendesse nos braços”, “Abarcava todo o peixe que vinha à Ribeira”. (Aul.) – Açambarcar exprime a mesma ação de prender ou arrecadar mercadorias: mas “de modo mais amplo, enfeixando-as, ou reunindo-as por meio de sambarca”. – Mo- nopolizar enuncia a forma legal de “exer- cer exclusivamente o comércio ou qualquer encargo ou função”; o direito “exclusivo ou privilégio de vender ou comprar”. Há o monopólio não fundado em lei; e é sem dúvida com esta significação que entra aqui o verbo monopolizar: é “tomar alguém, al- guma companhia, ou mesmo alguma nação a propriedade de um certo gênero de negó- cios, ou da exploração de certas indústrias”. – Atravessar é “comprar as mercadorias em caminho, antes que cheguem à praça ou ao mercado público”. ABARCAR, 22 ABARCAR, abranger, compreender. – Abarcar e abranger significam “encerrar ou conter em si muitas coisas: em abarcar há ideia de esforço; em abranger, não: “Cesar abarcou todas as dignidades da república”; “O poder de Roma abrangia multidão de povos” (Bruns.). No Brasil é muito comum dizer-se indiferentemente: “Abarcar ou abran- ger o mundo com as pernas”. Compreender é sinônimo que se pode ter como quase per- feito de abranger; muito raros hão de ser os casos em que um se não possa substituir # 19 pelo outro. Deve notar-se, no entanto, que mais talvez o uso comum do que a precisão ou a propriedade fixa em alguns o empre- go de um de preferência a outro. Teríamos de dizer, por exemplo: “Nesta relação não se compreendem (e não se abrangem) os casos a que se refere o ministro”. Abranger, por sua parte, exprime alguma coisa de “alcançar”, e mesmo de abarcar”. Diremos: “O incêndio abrangeu todo o quarteirão”; e nunca pro- priamente: “O incêndio compreendeu, etc.” 23 ABARROADO, obstinado, opiniático, ca- beçudo, teimoso, tenaz, pertinaz, insisten- te, contumaz, caprichoso, encaprichado, afincado, constante, relutante, porfiado, persistente, perseverante, aferrado, fir- me, emperrado, birrento, embirrante. – Abarroado quer dizer “teimoso, insistente, obstinado com insolência e por motivos torpes”. “Sedutor, libertino, devasso abar- roado”. – Obstinado e opiniático poderiam tomar-se em certos casos como sinônimos perfeitos. Há, no entanto, entre os dois bem marcada diferença; tanto assim que em cer- tas formas não poderiam ser trocados; nes- tas por exemplo: “O homem está obstinado em não aceitar o cargo”; “Ele é opiniático, e sei que por coisa alguma se dissuadirá da- quele intento”. Isto quer dizer que com efeito o opiniático e o obstinado, como diz Lafaye, “não cedem à vontade, aos desejos de outrem, a embaraços, a ataques”, etc.; mas distinguindo-se o primeiro do segundo em significar “uma tendência ou qualidade própria, essencial, fundada em opinião, em modo de ser, em razões em suma, que pare- cem estar na mesma natureza, ou na índole do opiniático; enquanto que obstinado é o “que resiste, o que se escusa de agir, ou que não cede, mas por efeito de uma determina- ção ativa e refletida”. – Cabeçudo é o que se deixa guiar só pela sua cabeça, e faz o que20 # Rocha Pombo entende sem ouvir conselhos, advertências ou mesmo ordens de ninguém. – Teimoso é “o que persiste em pensar ou agir como se o fizesse quase por acinte”. – Tenaz exprime “firme e vigoroso em pensar, em querer, em agir”. – Pertinaz já inclui alguma coisa de teimosia; mas o pertinaz é um teimoso, não por acinte, mas “por opinião ou capricho”. – Aproxima-se deste o vocábulo insistente: o qual, além de significar “pertinácia em querer, obrar ou pedir”, dá ideia de que, se não se teima propriamente, pelo menos se repetem esforços e tentativas. – Contumaz quer dizer “obstinado, revel; que não aten- de, ou não obedece à ordem legítima, ou à citação feita por um juiz”; e por extensão é aquele que “segue sua opinião, e reincide no seu modo de ver ou de conduzir-se sem se importar com o que é seguido por todos”. Diremos, portanto: “Contumaz no erro”; “Testemunha contumaz”, etc. – Caprichoso é aquele que se mostra seguro e inabalável, “mais pelo prazer de contrariar do que por sincera convicção”; e difere de encapricha- do por isto: porque encaprichado significa que se tomou “por acinte ou por vingança uma atitude caprichosa”. Dizemos: “Ele está encaprichado no propósito de molestar- -nos”; e não: caprichoso: “A caprichosa menina não atende a coisa alguma”; e não: “A enca- prichada menina”, etc.; mesmo porque enca- prichado reclama sempre um completivo; o que nem sempre acontece com caprichoso. – Afincado, aferrado, firme significam to- dos “fixo no lugar, na atitude, nas ideias, na vontade”, etc. Afincado equivale a “fixo e seguro como uma haste que se fixasse ao solo”; aferrado diz – “fixo como alguma coisa que se prendesse a ferro a uma outra coisa”; firme significa “obstinado, resoluto, seguro conscienciosamente”; “que se não abala, nem cede, nem fraqueja”. – Constan- te, porfiado, relutante, persistente, perse- verante acrescentam à qualidade do que é firme a “ideia de esforço no propósito de conservar-se firme numa resolução, num intento ou numa tarefa”. Constante é “ser sempre igual ao que se foi ou se prometeu ser, ou ao que de nós se espera”. Porfiado é ser “constante mostrando um certo brio e valor”. Relutante é “mais que porfiado, pois enuncia a ideia de que o porfiado é “capaz de ir ao extremo, de travar luta na re- sistência”... Persistente é o que “sabe, quer, ou tem força para continuar firme no seu posto, seu intento, no seu desejo”. Perseve- rante é o “que se conserva firme e constan- te num sentimento, numa resolução” (Aul.). “Este homem extraordinário é constante na virtude; porfiado no trabalho; relutante contra as seduções do vício; persistente na ideia de vencer; e perseverante como quem sabe o que vale a fortuna”. – Emperrado, birrento, embirrante, poderiam aproximar-se de ca- prichoso e cabeçudo. Emperrado significa o que se firma na sua opinião, ou no seu in- tento, e fica imóvel, sem explicar-se... como o animal que empaca (podendo dar-se-lhe empacado como sinônimo quase perfeito). Birrento é “emperrado ou teimoso por bir- ra, capricho, antipatia ou aversão”. Embir- rante é o que “insiste” nalguma coisa “por birra, com obstinação e enfado”. 24 ABASTADO, rico, ricaço, opulento, endi- nheirado, apatacado, remediado; argentá- rio, banqueiro, capitalista, milionário. – Abastado é quem está “fartamente provido de bens para viver em abastança”. – Rico é aquele “que possui muitas riquezas, ou bens que excedem às próprias necessida- des”. – Ricaço é aumentativo de rico, e diz – “sujeito muito rico e com ares de ufano das suas riquezas”. – Opulento é sujeito muito rico que “vive vida brilhante e sump- tuosa, ostentando a sua riqueza”. – Endi- nheirado, apatacado, remediado marcamDicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa uma certa “mediania, ou uma condição de fortuna que fica entre a do rico e a do po- bre”. O endinheirado é aquele que ajuntou algum dinheiro e saiu da pobreza. Apataca- do diz menos ainda, pois reduz a simples patacas as posses do sujeito. Remediado é o que tem com que viver sem apuros. – Argentário, banqueiro, capitalista, milio- nário exprimem a ideia de “possuidor de grandes riquezas em dinheiro; e acrescen- tam à noção geral de rico a ideia de apego ou amor ao dinheiro, ou de mais ou menos paixão com que se cuida do dinheiro, ou ainda uma ideia do valor preciso ou das proporções da fortuna possuída. Argentá- rio é o mais genérico e diz “homem dado a grandes negócios, preocupado só de lucros, vivendo só pelo dinheiro”. Banqueiro é o que “faz negócios de banco” (Aul.), isto é, que “vive de negociar, ou especular sobre empréstimos e outras transações de praça”. Capitalista é o que “vive dos rendimentos de seus capitais”. Milionário é o “ricaço que possui milhões”. – Já se usam também como gradações da ideia expressa por este último vocábulo: bilionário, arquimilioná- rio, miliardário. 25 degenerar, desfigurar, deformar, desfear, afear, deturpar, des- naturar, corromper, deteriorar, estragar, perverter, viciar, adulterar, desvirtuar, de- pravar. – Estes verbos exprimem de comum a ideia de mudar a forma, a natureza, ou o modo de ser de uma coisa ou pessoa. – Abastardar significa “fazer ilegítimo, impu- ro”. – Degenerar é “perder mais ou menos o tipo, as qualidades da sua geração” (Aul.). – Desfigurar é, segundo a própria etimo- logia, “tirar a figura”, alterar a forma pró- pria, o “aspeto, as feições de alguém ou de alguma coisa” (Aul). – Deformar é “mudar a forma primitiva, deixar imperfeito, defei- ABASTARDAR, # 21 tuoso”. – Desfear é uma dessas anomalias morfológicas da língua que o uso impõe, e significa “alterar alguma coisa fazendo-a feia”. É sinônimo perfeito, ou melhor, qua- se perfeito de afear, convindo, portanto, que se note: em afear não há tão viva a ideia de “mudar tornando defeituoso”, ideia que se sente em desfear. Desfea-se (ou desfeia- -se) – isto é – “torna-se feio” o que “era bonito, correto, próprio, legítimo”. Afea-se (ou afeia-se) uma coisa “tornando-a menos correta, bonita”, etc. Diremos, pois: “O an- dar afea-lhe um pouco a elegância” (e não – desfea-lhe); “A idade a desfeou horrivelmente” (e não – afeou). No Brasil usa-se também o verbo enfear (ou enfeiar) com o sentido de “exagerar, fazer feio com o propósito de impressionar, demover, etc.”: “Ele enfeia o caso para que nós não vamos”. – Detur- par é “desfigurar deprimindo, profanando, ofendendo o pudor”. Desnaturar é “alterar a natureza, o modo de ser normal”. – Cor- romper é “pôr fora do estado de pureza própria”. – Deteriorar é “alterar danifican- do, fazendo pior ou imprestável”. –